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Relk ficou em silêncio quase todo o tempo. Ele e Lethie haviam corrido o máximo que puderam pela caverna até pararem em um beco sem saída. Encontravam-se em uma câmara larga aonde se podia ver algumas armas velhas e objetos, provavelmente furtados, pertencente aos goblins. Ele se sentara encostado a parede enquanto Lethie cuidava de seu ferimento, que graças aos deuses não era muito profundo, envolvendo-o com ataduras que ela havia trazido consigo.
A proximidade com a moça o fazia corar de leve, embora não estivesse em seus planos iniciais ficar próximo dela dessa forma. Mas do que importava seus planos iniciais? Relk sentia-se um idiota, envergonhava-se de sua atitude impulsiva. No que ele estava pensando? Se ao menos tivesse sido mais racional e pedido ajuda as duas clerigas que estavam na taverna talvez eles não estivessem naquela situação.
Ele havia chamado Lethie porque se interessara por ela, mas agora via a tolice de suas ações. Uma missão deveria ser planejada, não era um passeio romântico. Agora, por causa de sua paixonite pela maga de jade, os dois acabariam mortos naquela caverna. Ele teria sorte de morrer logo, mas ela seria estuprada, mais de uma vez.
- Você está um tanto calado Relk – disse Lethie ainda ocupada com as ataduras – o ferimento está doendo muito?
Ele baixou a cabeça. O ferimento doía um pouco, mas essa dor era fácil de suportar. A dor que o dilacerava era a que sentia em seu amago. Seu orgulho estava ferido e seus sonhos haviam se espatifado em dezenas de pedaços.
- Eu pensei que seria divertido... – disse com desanimo. Falava mais para si mesmo do que para Lethie – matar goblins, sair com uma garota bonita – ele deu uma risada triste - seria legal como nos livros sabe?
- Ahn? Você me chamou por causa disso?
Ele sorriu constrangido. Sua atitude havia sido tão boba.
- É... acho que tenho uma quedinha por magas de jade.
Lethie corou de leve e voltou a se concentrar com as ataduras. Ela ficou em silêncio e Relk percebeu que havia falado besteira de novo. Aquele não era momento para sair flertando. Ele deveria era agradecer por ela ter salvo sua vida.
- Eu não sou uma maga de jade – disse a garota em um tom tão baixo que Relk teve a impressão de ter compreendido mal.
- Mas... os feitiços que usou...
- Sim, sim, são magias dos magos de jade. Eu realmente estudei na academia para me tornar uma maga. Era o meu sonho sabe? Você cresceu querendo ser um guerreiro famoso e eu sempre almejei ser uma maga – ela terminou com as ataduras então sentou-se ao lado dele. Lethie sorriu de leve e começou a falar um pouco de si – cresci em uma vila pequena. Não haviam magos lá e por isso ninguém acreditava que eu pudesse me tornar uma. Eu queria provar que estavam errados e sai de casa bem cedo para treinar na academia de magos. Passei uns sufocos para pagar meus estudos e me dediquei de corpo e alma em meu treinamento. Eu cheguei a fazer o teste final que me daria o certificado de maga, mas acabei falhando... isso foi algo recente sabe? Quando você me encontrou na taverna eu estava bem abatida pelo ocorrido.
Ele não sabia o que dizer. Sentia pena e ao mesmo tempo que entendia como Lethie se sentia. Ele nunca fora reprovado em nada, mas no fundo sempre soube que um espadachim treinado por um ferreiro é pior do que os piores espadachins treinados por um verdadeiro mestre de armas. Ao seu modo ele havia sido reprovado desde o início.
Relk não sabia o que dizer para confortá-la então não disse nada. Tudo que fez foi colocar a mão no ombro dela e sorrir.
- Para mim você é a melhor maga de jade que já vi. Seus instrutores não deviam estar com suas faculdades mentais direitas para terem te reprovado.
Ela deu um risinho. Foi algo tão espontâneo e fofo que o fez corar. Relk já havia percebido que Lethie era bonita mas só agora ele notava o quanto ela era... charmosa. A maga era mais do que apenas bela, era corajosa e gentil. Como ele só havia percebido isso agora? Talvez por ser um idiota lerdo.
- Obrigada Relk, estar com você me faz sentir-me melhor – ela deu mais um risinho e completou – acho que como você é um tapado eu acabo me sentindo uma pessoa melhor em comparação!
- Ahh!! Cala a boca eu estava tentando te ajudar!
Os dois riram juntos esquecendo-se por alguns instantes de todo o perigo que passavam. Relk ria bastante até que sentiu uma pontada de dor em seu pescoço e se calou. Ele coçou o ferimento com uma expressão de desagrado.
- Merda... não posso nem mais rir em paz – lamentou-se.
- O ferimento não fechou completamente. Essa atadura é só um improviso, depois você precisa ir para um curandeiro ou pedir a um clérigo que cuide disso.
Reik já ia responder algo quando lembrou-se de onde estavam: presos em uma caverna cheia de goblins. Não havia porque se preocupar em cuidar de seu ferimento já que ele provavelmente morreria em questão minutos. O desanimo ficou bastante visível em seu rosto pois Lethie logo lhe falou.
- Não se preocupe, vamos sair daqui com vida. Eu acho que matamos a maioria deles. Se tivermos sorte conseguiremos acabar com o resto.
Pensando no assunto ele percebeu que fazia sentindo. Ele lembrou-se que um grupo de quatro pessoas havia sido enviado para aquela missão antes. Eles provavelmente haviam sido mortos, mas com certeza haviam matado alguns goblins antes disso. Com um pouco de esforço Relk levantou-se. Lethie fez o mesmo.
- Minha barreira ainda vai segurá-los por uns dez minutos. Vamos seguir caminho até ela. Ficaremos lá esperando que ela se desfaça. Devem ter goblins do outro lado. Quando a barreira se desfizer acabamos com eles com meus projeteis. Se algum deles escapar você os acerta com sua espada.
- Certo – ele queria dizer algo útil, mas ela já havia traçado todo o plano, um bom plano. O que ele podia fazer além de concordar?
Os dois avançaram com passos mais cautelosos do que antes. Lethie carregava o archote enquanto Relk permanecia muito mais atento e contido. Ele havia percebido seus erros no último encontro com os goblins e dessa vez não os cometeria novamente.
Andaram juntos procurando qualquer sinal dos golbins. A escuridão poderia esconder seus corpos, mas não o som de seus passos ou de suas risadas maléficas. Passado algum tempo até que depararam-se com os corpos dos goblins que haviam matado antes estendidos no chão.
- Isso é estranho... se estamos nesse ponto quer dizer que passamos pelo local aonde minha barreira estava... – disse a garota confusa.
- Talvez ela tenha se desfeito com o tempo Lethie.
Lethie achava aquilo estranho. Sua barreira devia ter durado mais tempo, mas era inegável que havia se dissipado caso contrario eles a teriam visto.
- Talvez você não tenha feito um feitiço muito bom porque estava nervosa – sugeriu Relk. Rapidamente ele percebeu o erro de suas palavras e corrigiu-se – quer dizer foi um ótimo feitiço! Mas acho que você só não o fez tão bem quanto poderia pelo nervosismo.
- É... vai ver foi isso... – disse um tanto desconfiada.
Eles seguiram o caminho juntos, sempre atentos para a aparição de goblins. Iam em direção a saída da caverna. Se conseguissem sair dali ficariam bem, mesmo que isso significasse não completar a missão. A verdade é que nenhum deles estava ligando para missão. Tudo que queriam era viver e nada mais.
Para a surpresa de ambos a saída do local finalmente se fez visível. Eles correram apressados, já podiam ver a luz do sol e sentir o aroma selvagem da floresta. Só mais alguns metros e deixariam aquela caverna infernal.
Relk foi o primeiro a alcançar a saída, porem algo inesperado aconteceu. Ao invés de sair da caverna o jovem esbarrou em um muro invisível. Uma estranha energia verde, amarelada e laranja percorreu pelo seu corpo repelindo-o e jogando-o violentamente. O espadachim caiu no chão duro da caverna gemendo de dor. Sua espada escorregou de suas mãos.
- Relk!? O que foi isso?! – gritou Lethie abismada. Aquilo não era possível, era uma alguma crueldade do destino! A salvação estava tão próxima e então uma coisa dessas acontecia.
Então ela ouviu os risos, o som inconfundível dos goblins. Virou-se rapidamente e avistou-os. Eram sete deles, criaturas com seus corpos pequenos, mas nem por isso menos assustadores. No centro do grupo uma figura se destacava. Um goblin usava uma mascara de ossos e portava um cajado de madeira simples. Ele certamente não era como os demais e Lethie logo percebeu do que se tratava.
- Um goblin xama?! Agora tudo faz sentido!
O goblin xama riu e fez um sinal mandando os outros goblins ataca-la. Lethie sabia que não podia derrotar a todos e Relk ainda permanecia caído no chão. Não era possível contar com ele. Ela juntou as mãos e implorou a todos os deuses que seu feitiço funcionasse.
Uma aura de energia esverdeada rodeou seu corpo. ”Não pense, aja” a voz de sua instrutora da academia ecoou em sua mente. Lethie nunca havia feito aquele feitiço direito, e se as coisas se repetissem naquele momento significaria a sua morte. Lethie deixou seus pensamentos fluírem como água corrente. Ela podia ver como que em câmera lenta os goblins se aproximando, pulando sobre ela com suas armas em punho. O goblin xama balançava seu cajado para o alto pronunciando algum feitiço. Ela precisava ser mais rápida que ele, mais rápida que todos eles.
- Tempestade luminosa!!!
Sua energia explodiu ao redor em uma rajada de luz intensa. O que aconteceu durou apenas um segundo, mas seu efeito foi avassalador. Os goblins foram jogados para longe e chocaram-se violentamente contra a parede. O goblin xama rolou pelo chão com o impacto deixando uma trilha de sangue até parar perto a parede da caverna, inconsciente.
Aquele feitiço era o último recurso de um mago de jade. Uma estratégia final e definitiva e também um tanto suicida de acordo com alguns. A garota caiu de joelhos no chão totalmente exausta. A magia consumira todas as suas forças. Ela nem sequer conseguia ficar de pé. Lethie procurou com o olhar cada um dos goblins. Eles estavam mortos, ou morrendo. O goblin xama encontrava-se estatelado no chão, sua máscara de ossos partida ao meio revelando seu rosto feio coberto de sangue.
Um gemido baixo se fez ouvir e ela viu, horrorizada, o goblin xama se levanta trôpego. Ele estava visivelmente machucado, mas ainda conseguia ficar de pé. Aterrorizada Lethie tentou levantar-se, mas estava sem forças. Nada pode fazer a não ser observar o goblin mancar em sua direção com uma expressão de ódio no rosto.
Ela tremia, não havia mais estratégias ou planos. A tempestade de luz era um feitiço que consumia grande quantidade de magia e era usada para destruir tudo ao redor do mago, mas seu alcanço era pequeno, apenas um metro. A magia era usada como forma de se defender quando os inimigos cercavam um mago, mas ao usá-la o mesmo precisava acabar com todas as ameaças, caso contrário ficaria totalmente vulnerável.
Como estava mais distante do que os outros goblins o xama havia se ferido menos. Ele podia estar quase morto, mas mesmo nesse estado moribundo poderia acabar com a vida dela facilmente.
Para a surpresa e alivio de Lethie o som de um grito familiar se fez ouvir. Relk avançou com a espada em mãos, o ferimento em seu pescoço havia se aberto manchando as ataduras de vermelho, mas ele parecia ignorar a dor. Surgiu atrás do goblin xama finalizando-o com um único golpe na nuca. Sangue jorrou e o corpo do gonlin caiu no chão. Dessa vez para não mais voltar a se levantar.
- V... você está bem Lethie? – perguntou ofegante. Suas mãos seguravam tremulas a espada.
- Graças a você estou... obrigada Relk – ela se permitiu finalmente sorrir com alívio. Aquilo havia acabado, de uma vez por todas.
- Acho que agora estamos quites – ele também sorriu, depois sua expressão se tornou preocupada – o problema é que estamos presos aqui. Aquela magia estranha nos impede de sair.
Lethie fez um sinal negativo com a cabeça. Ela havia entendido como aquilo havia acontecido e estava tranquila.
- Isso foi obra do goblin xama que você matou. Creio que está ligado aquele totem que estava na entrada da caverna lembra? – ele fez um sinal positivo com a cabeça. Lethie continuou com a explicação – a magia foi ativada pelo xama, mas não ira se manter por muito tempo. Pensando sobre tudo com calma acho que foi ele quem desfez minha barreira lá atrás. Ele fez isso e ativou essa barreira na saída da caverna para nós emboscar. Mesmo não tendo uma inteligência como a humana goblins conseguem criar emboscadas muito uteis.
Relk ficou impressionado com a explicação. Por raiva golpeou mais uma vez o goblin xama, mesmo a criatura já estando morta. Então ele foi até Lethie e ajudou-a a se levantar. Eles fitaram juntos a luz do sol. Haviam passado por muita coisa juntos, embora se conhecessem a apenas um dia. A missão os havia marcado de formas diferentes e nenhum dos dois sentia-se a mesma pessoa depois de tudo que passaram.
- Bem, vamos embora. Não vejo a hora de voltarmos a cidade. Eu preciso muito de uma caneca de rum doce!
- Espere Lethie... tem algo que ainda precisamos averiguar.
- Ahn? Como assim?
Ele voltou seu olhar para o interior da caverna. Relk estava com um olhar diferente... mais... responsável. Lethie estranhou um pouco, nem parecia o mesmo garoto infantil daquela manhã.
- Eu acabei me lembrando agora que outros vieram aqui antes de nós lembra?
- Sim, sim. Eles devem ter matado uma boa quantidade de golbins – disse Lethie sem entender aonde o companheiro queria chegar.
- Eu também lembrei que você me disse mais cedo. Que os goblins capturam as mulheres. Então... não é possível que houvesse uma garota no grupo e...
Ele não completou a frase, mas Lethie entendeu o que ele quis dizer. Não era uma chance pequena que houvesse uma garota no grupo . E, se havia, com certeza os golbins a violentaram. Eles gostam de se divertir com suas prisioneiras, usando-as como brinquedos sexuais por vários dias. Se era assim ainda poderia havia uma garota viva, ou até mesmo mais de uma, dentro daquela caverna.
Os dois estavam com muito medo de voltarem a adentrar na caverna, mas eles não conseguiam conceber a ideia de irem embora sem checar se havia mesmo alguém vivo ali. Timidamente Lethie segurou na mão de Relk em busca de apoio. Eles trocaram um rápido e intenso olhar, estavam levemente corados e com expressões de puro medo.
- Se quiser eu posso ir sozinho... – disse ele tentando demonstrar coragem, mas era visível como Relk estava, literalmente, tremendo de medo.
- Eu não me perdoaria se deixasse isso acontecer. Estamos juntos nisso lembra?
Relk concordou visivelmente sem jeito. Ele olhou Lethie de cima abaixo. Fisicamente ela não possuía ferimento algum, mas o último feitiço a havia esgotado completamente. Ele não tinha certeza se ela ainda poderia usar alguma magia.
- Usei todo meu poder magico, mas... – disse como se lendo seus pensamentos. Ela andou alguns passos e pegou uma adaga de um goblin caído – posso usar isso aqui.
Uma maga com uma arma era um tanto cómico. Relk não sentia muita confiança nela, mas a garota o havia surpreendido mais de uma vez. Poderia surpreendê-lo mais vezes não? Além do mais ele estava feliz de que ela o acompanhasse. Sentia-se mais seguro com a presença da amiga.
- Então vamos matar mais uns goblins.