Os Cinco Selos

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    Capítulos:

    Capítulo 193

    Renascimento

    Linguagem Imprópria, Mutilação, Violência

    Yooo,

    Os erros de formatação que estão vendo, pleo menos eu estou no meu computador, é bug do OA, e infelizmente não estou conseguido apagar o capítulo. Quando o site voltar ao normal, prometo arrumar

    Um mês após sua derrocada...

    Lúcifer perpetuou no chão por todos estes dias, mas finalmente seus olhos vermelhos se abriram. Assustado, ele rapidamente se pôs de pé em um pulo, cambaleando de leve. Tranquilizou-se ao ver em que estava dentro da cratera provida de sua queda e que a floresta o cercava. Ao lembrar do ataque feito pelo serafim, de imediato olhou para seu torso desnudo, e lá estava a cicatriz desenhada diagonalmente em seu corpo. Sorrio, então, porque nem ele acreditava que seria capaz de sobreviver ao golpe daqueles. Parece que o Equilíbrio ainda tem planos para mim, pensava Lúcifer, assim como eu tenho planos para ele.

    Seu sorriso, porém, esvaiu no momento em que um selo amarelo cintilou em seu peito esquerdo. Imediatamente, uma forte dor pulsou por todo o seu corpo, colocando-o de joelhos, e teve a sensação que ossos estivessem queimando intensamente. Em seguida, sentiu seu poder esvaecendo lentamente do seu corpo, como se estivesse sendo tomado¹.

    Lúcifer enfureceu-se no mesmo instante. Seus dentes cerraram em uma expressão mista em dor e fúria. Ele fintou o céu com os olhos entorpecidos pelo ódio e proferiu:

    — Você não irá revogar o meu poder! — urrava Lucífer. — Pode ficar com meu título de arcanjo, minha armadura e até mesmo minha espada! Mas meu poder é apenas meu! E Você não irá tirá-lo de mim!

    A dor e a queimação que sentia tornou-se ainda mais intensa, e Lúcifer fora obrigado a apoiar as mãos no solo para se manter. Sua energia negra passou a envolver seu corpo, batalhando para que seu poder não esvaísse. Esta luta perpetuou durante horas e dias, terminando com a explosão de energia negra e o rompimento do selo que tentava revogar seu poder. Lúcifer sentiu a exaustão tomar lugar das dores que sentia, deixando-o débil e fazendo com que desmaiasse em seguida.

    ***

    Ora, após ter conseguindo quebrar o selo, Lúcifer hibernou por trezentos anos por causa da terrível exaustão que se estendia até mesmo no interior de sua alma. A floresta restabeleceu-se por completo naquela área, cobrindo o corpo do anjo caído em meio à terra, vegetação e raízes. O cansaço de sua alma era tanto que se tornou impossível sentir sua presença e a natureza escondeu seu corpo por completo, assim fazendo-o invisível a qualquer um.

    Contudo, o dia de seu despertar havia chegado. Seus olhos se abriram, mas nada viu além da escuridão. Tentou mover seu corpo, mas não o sentiu. Anos de recuperação de sua alma trouxera danos para seu corpo e mente. Sentia-se no vazio, caindo eternamente sem perspectivas. Entretanto, a súbita dor e cansaço excessivo atingiram-no por todo seu corpo, trazendo-o de volta a vida. Sentiu a necessidade de respirar, mas à terra adentrou pelas suas narinas e boca. Sufocando-se, tentou mover seu corpo, porém o peso da terra e as raízes impediram seu movimento. Desesperando-se, seu poder pulsou inconscientemente por todo seu corpo, ocasionado com que toda à terra e raízes sobre ele fosse projetada para os ares. Finalmente liberto, inclinou-se para o lado e vomitou uma mistura de coloração marrom e verde, e tragou todo o ar límpido que conseguia, enchendo seus pulmões. Seu corpo estava sujo e o cabelo empoeirado. Apesar de seu físico não ter mudado, sentia-se um merda.

    Mas estava vivo.

    Riu, então, Lúcifer e fintou o céu com os olhos frios e determinados.

    — Irei lhe mostrar o que é um verdadeiro deus, Pai.

    ***

    Demorou cerca de dois meses, mas finalmente Lúcifer sentiu que seu corpo estava completamente restaurado. Neste meio tempo, ele explorou o mundo dos humanos, aprendeu e reuniu o máximo de informações que pode. Ademais, em cada reino e cidade em que passava, mapeava e analisava as movimentações dos demônios pela região. Não ficou surpreso ao ter lugares em que a forma que se alimentavam de humanos era mais desordenada e, em outros, mais controlada. Imaginou que os demônios mais bem evoluídos viviam nas regiões em que a matança era controlada, naturalmente.

    Por isso, hoje Lúcifer estava no Reino de Geórgia. Geórgia ainda era um reino que estava em ascensão, expandindo em população e influência cada vez mais, e já era considerado aquele que seria um dos grandes Reinos no futuro.

    O anjo caído conseguia misturar-se muito bem entre os humanos. Ele estava trajado com sobretudo de marrom e por baixo uma blusa branca desabotoada na parte de cima, deixando seu peito à mostra; nas mãos utilizava luvas sem dedos. Suas calças eram negras e suas botas marrom-escuro. De dentro do sobretudo, retirou uma cigarrilha e acendeu na tocha de uma taverna. Tragou o tabaco e soltou a fumaça fitando o luar. Na verdade, Lúcifer odiava o gosto do tabaco. No decorrer do tempo, ele observou que os humanos sempre eram viciados em algo: álcool, ervas alucinógenas, sexo, apostas, religiões, tabaco; dentre outras coisas. Levando isso em consideração, julgou que demonstrar vicio em tabaco seria o que passaria melhor despercebido e que atrapalharia menos, e acabou gostando dos prazeres carnais também. Então, caminhado pela cidade, ele era só mais um homem viciado em tabaco que gostava dos ares noturnos.

    Saindo dos muros do Reino, Lúcifer adentrou na floresta. Tirou a cigarrilha dos lábios e amassou com a mão, e adotou um ar sério. Dirigiu-se até o interior de uma caverna e seguiu até o fim dela. Lá, havia uma rocha oval, em que agarrou e empurrou para o lado, revelando uma entrada. "Demônios... mesmo supostamente evoluídos ainda conseguem ser tão óbvios...", pensou.

    Desceu as escadas irregulares lapidadas na própria rocha da caverna. A escassa luz bruxuleante era provida por algumas tochas que ainda estavam acessas nas descidas. Ele quase caiu algumas vezes, com seus pés deslizando ou pisando em falso, e isso contribuiu em sua mau-humor. A escadaria levou o anjo caído direto para uma mina abandonada — as ripas de sustentação estava desgastas. De imediato, muitos demônios quadrúpedes saíram de diversos cantos e cercaram-no.

    Um deles saltou para atacar. Com indiferença, Lúcifer fez sua energia negra envolver seu braço esquerdo e atingiu o demônio, devastando a cabeça dele.

    — Posso matar cada um de vocês, e a única preocupação que irei ter é de sujar meu sobretudo de sangue. — Lúcifer percorreu seu olhar frio por todos os demônios, que recuaram um passo. — Tragam-me o mais evoluído de vocês.

    — O que traz um anjo para a nossa toca? — questionou Mammon, surgindo em meio a escuridão em sua forma demoníaca.

    — Ah, ele parece ser diferente, irmão — adicionou Belphegor enquanto saia de um dos túneis. — Da para sentir que emana uma aura horrenda.

    — Ainda assim não é um bom motivo para mantermos ele vivo — contrapôs Asmondeus, saindo das sombras ao lado de Mammon.

    — Decerto não é — concordou Belzebu, que estava atrás do anjo. — Diga rápido o que você quer, se não te matarei.

    — O que mais me incomoda é o fato de você pensar que conseguiria me matar. — Lúcifer suspirou. — Chamo-me Lúcifer. Era um dos grandes arcanjos, Samael, antes de ser banido do Reino dos Céus. Não pretendo matar vocês. Na verdade, quero o renascimento do Bahamut aconteça tanto quanto.

    — E só por isso devemos confiar em você? — indagou Belphegor.

    — Julgava que suas cabeças estarem sobre os ombros valia como um grande voto de confiança — sorriu o anjo. — Por ora, entendam que eu possa ser um tanto vital para a volta de nosso rei. Vocês irão precisar de mim, assim como ajuda que receberei pode ser muito útil.

    — E o que você quer, Lúcifer?

     — Uma informação, apenas, sobre a Ordem dos Mephistos. Quero saber onde se localiza sua sede.

    Os demônios riram, e os lábios de Lúcifer retorceram em desagrado.

    — Seria mais fácil você pedir para que nós dominássemos um reino humano — retomou Asmodeus, tentando controlar o riso.

    — E é justamente por isso que quero a cabeça de todos os Mephistos, seus imbecis — disse Lúcifer em um tom autoritário. — Só um tolo não pensaria que vocês vivem em locais ocultos e fedorentos só por causa de suas aparências horrendas. Temem os Mephistos, pois eles sabem como eliminar vocês facilmente. É a nossa única maior ameaça até então, e precisamos expurgá-los quanto antes, porque cada ano que se passa, o conhecimento deles fica cada vez maior.

    — Concordo com ele — afirmou Mammon, depois de um curto silêncio. — De fato, não temos informação alguma sobre os Mephistos. Contudo, a uma pequena hipótese de um de nós que não está aqui saber. Lilith. Procure por ela nos arredores de Taric.

    — Caso ela não saiba, pode contar comigo para começarmos a busca — adicionou Belphegor.

    Lúcifer apenas assentiu e virou de costas, desviando de Belzebu sem o tocar e começou a seguir pelo mesmo rumo em que entrou.

    — Não deveríamos tê-lo alertado sobre a inconsequente da Lilith? — perguntou Asmodeus.

    — Não, ele que se foda — respondeu Belzebu. — Que ele seja esperto o suficiente para não ir desarmado como estava agora.

    Do lado de fora da caverna, Lúcifer retirou seu sobretudo, revelando espada curta embainhada oculta em suas costas, e depois sua blusa. Suas asas brancas surgiram em seguida e voou em direção a Taric.

    ***

    Na madrugada seguinte, Lúcifer já havia conseguido rastrear a tal Lilith, e soube o porquê de eles terem a chamado de inconsequente: a sede de sangue dela emanava parecia se alastrar por toda a floresta. Qualquer ser com um pouco mais de sensibilidade a presença podia sentir onde a demônio se escondia, inclusive os Mephistos, e o anjo pensou que talvez isso fosse proposital.

    Ele estava de frente para uma mansão abandonada. Passou pela cerca quebrada e seguiu pelo jardim destruído — reconheceu algumas ossadas humanas e de animais em meio a grama alta — até chegar no que restou da porta. Lá dentro, iluminado pela lua, era possível alguns móveis cobertos pela poeira e teia e a sua frente alavancava-se uma larga escada, e também manchas de sangue e mais ossadas. No ar, pairava o cheiro de velho, mofo... sangue e morte. Indiferente, Lúcifer subiu os degraus com partes quebradas e que rangia a cada passo.

    No andar de cima, seguiu à esquerda do corredor, pois detinha um rastro de sangue recente. Notou que nas paredes haviam quadros de uma família, possivelmente os antigos moradores, mas a maioria estava maculados pelo vermelho do sangue. Conforme se aproximava do fim do corredor, escutava mais o som de ossos se quebrando e carne se rasgando. No último quarto, que estava com a porta escancarada, Lúcifer escorou-se na patente e fintou a figura que era iluminada pela lua: chifres, cabelos negros assim como os olhos e pele avermelhada com manchas negras.

    Lilith estava sentada no chão. Algumas partes de seu corpo estava coberto pelo sangue do jovem homem que estava estirado em sua frente, com o torso completamente aberto. Ela enfiou a mão dentro do peito de sua vítima e arrancou o coração, mordiscando-o em seguida, manchando seus lábios de sangue enquanto passou a fintar o anjo.

    — Anjos decidiram erradicar demônios? — questionou ela, parecendo não demonstrar importância.

    — Para a sua sorte, não, Lilith. Não pertenço mais aos céus, pois fui banido. Chamo-me Lúcifer, que outrora era um dos grandes arcanjos, Samael.

    — Ah, é? — disse Lilith, enquanto mastigava o restante do coração. — E que porra você quer comigo, anjo caído?

    — Seus irmãos me disseram que você talvez saiba sobre algo sobre a localização da ordem dos Mephistos.

    Lilith ergueu-se e aproximou de Lúcifer, aninhando seu corpo ao dele.

    — Você quer saber sobre isto e eu, bem... — sussurrava com a mão deslizando pelo corpo do anjo — e eu adoraria saber como é foder com um anjo.

    Ela olhou de canto, e encontrou os olhos vermelhos e frios do Lúcifer.

    — Pensa que cairei nesta sua farsa? — retrucou ele.

    — Ah... — ela abriu um sorriso doentio e sussurrou: — A deusa da pólvora me abençoou...

    Lúcifer arregalou os olhos ao ver o círculo mágico vermelho sendo conjurado. No mesmo instante, ele levou sua mão em direção a espada oculta ao mesmo tempo em que tentava empurrar a demônio, mas o círculo explodiu antes que algo fosse feito. A explosão projetou o corpo do anjo para trás, jogando-o para fora da mansão junto com os destroços, recaindo no solo. Lilith andou até a borda da construção, observando-o erguendo chão, com a roupa rasgada e espada em punho.

    — Você não faz ideia do quanto os humanos têm a curiosidade de fazer sexo com os demônios... Súcubos, como eles dizem.

    — E você mata a curiosidade e depois eles?

    Ela riu.

    — Não, não. Só mato mesmo. É menos cansativo, já que não preciso lutar.

    Asas cristalinas se aplumaram, a energia negra envolveu seu corpo e Lúcifer avançou rapidamente com uma estocada com sua lâmina. Calculando o tempo certo, Lilith desviou da estocada colocando seu corpo de lado, e espada cortou a mansão. Ela puxou um golpe com sua mão esquerda visando a costela do anjo, mas ele recuou o braço direito a tempo de bloquear. Percebendo a movimentação do braço esquerdo do inimigo, a demônio deu um largo salto para trás, sobrevoando a mansão. Em sua palma, emanou um círculo magico marrom e ela recitou um encanto. O anjo caído aguardou para se movimentar de acordo com o ataque desconhecido.

    O chão sob seus pés vibrou.

    Espessas raízes emergiram do chão, entrelaçando-se na construção de forma veloz. Lilith pousou sobre a copa de uma árvore, mantendo-se lá em cima. Conforme fechava os dedos, as raízes apertavam-se na mansão, esmagando-a.

    A risada do Lúcifer rompeu em meio aos destroços.

    — Você precisa recitar todas suas magias para conjurar?! — vociferou. — Que piada. Alguns humanos nem precisam e atacam muito mais rápido que você.

    Juntando suas sobrancelhas em uma expressão de fúria, Lilith ergueu seu braço, criando um círculo mágico vermelho sobre a mansão destruída. A energia negra pulsou por entre os destroços e saiu em direção ao demônio em uma fina linha, talhando as raízes facilmente. Lilith saltou da copa, e a energia negra passou cortando o topo de diversas árvores. Quando ela conseguiu virar seu corpo para fintar a mansão, Lúcifer estava próximo demais, conseguindo agarrá-la pela garganta, girando no ar e arremessando-a direto para o solo.

    Lilith brandiu suas costas contra o solo. Antes que pudesse se recuperar, Lúcifer caiu sobre a barriga dela com os dois pés, pressionando-a ainda mais forte contra o chão, que se fragmentava. Ela escutou a sutil vibração da lâmina no ar e depois sentia a queimação intensa quando fora perfurada no estômago. Quando abriu a boca para grunhir de dor, a mão do anjo caído segurou seu maxilar com força, silenciando-a. Sem escolha, a única coisa capaz de se fazer foi fintar os olhos do anjo, e ela se arrependeu por isso. Os olhos vermelhos do Lúcifer estavam sombrios e penetrantes — não piscavam, não tremiam — era como se quisesse devorar sua alma. Um súbito frio percorreu por todo corpo de Lilith, lembrando-a a sensação do medo.

    — Sua demônia imunda — rosnou ele. — Eu só queria fazer uma porra de uma pergunta. Você me atacou sem motivos, e agora irá sofrer as consequências.

    Lúcifer largou o maxilar, fez sua mão ficar envolto em energia negra e socou a face dela. Largou a espada, envolveu sua mão direita com a energia e voltou a bater no rosto dela, alternando entre os golpes. Depois, descravou a lâmina da barriga da demônio, agarrou-a pelo pescoço e jogou contra o tronco de uma árvore. O corpo dela deslizou, mas, antes que caísse, a espada viajou no ar e trespassou o meio de seu peito até a árvore, mantendo-a em pé. Ele segurou um dos chifres com a mão e ergueu a cabeça da Lilith.

    — Onde se localiza a sede dos Mephistos? — perguntou a ela.

    — No seu rabo.

    O anjo caído segurou o cabo da espada e empurrou com força para baixo, assim a lâmina desceu por alguns centímetros rasgando o corpo de Lilith, que gritou de dor.

    — Sua última chance — sussurrou ele, com a voz carregada de fúria.

    — Só... só sei que a cidadela fica afastado de qualquer reino... e entre montanhas.

    Lilith sentiu a espada deslizar para fora e seu corpo pender para frente. Entretanto, ela conseguiu manter-se de pé, de forma cambaleante e fraca. Em seguida, diagonalmente e de cima para baixo, sentiu a lâmina talhar suas costas e depois penetrar em sua coxa direita, obrigando-a recair sobre o chão. Não satisfeito, Lúcifer pisou na cabeça dela com força, afundado a face na terra.

    — Sua imbecil. Pensa que um demônio imundo como você seria capaz de me matar? — Ele aumentou a força com que pisava na cabeça. — Tem sorte que sua capacidade de utilizar magia pode me ser útil no futuro, se não te mataria agora mesmo. Aprende seu lugar: sob meus pés. Que isso não se repita, e deseje que nenhum outro demônio consiga ter o mínimo de inteligência como você, assim não irá perder a futura utilidade.

    As penas das asas do anjo ondularam e Lúcifer voou em direção ao céu.

    Lilith continuou no chão, sentindo o frio tomando conta do seu corpo, mas não sabia ao certo se era medo ou por falta de sangue. Cada ferimento seu doía causando reflexo de dor por todo o corpo. Seu rosto estava levemente dormente e queimava intensamente. Sem forças para conseguir ser reerguer, cravou seus dedos na terra e começou a arrastar-se. "Então é assim que a presa se sente diante do caçador?", pensou.

    "Medo."

    "Inútil."

    "Incapaz."

    "Lixo."

    "Ódio."

    "Não quero morrer."

    "Mas por que mereço viver?"

    Continuou se arrastando sem saber para onde, por quanto tempo e nem quantos metros; completamente a esmo. Contudo, dos borrões que seus olhos enxergavam, conseguiu distinguir aquilo que julgou ser uma silhueta. Então, tremulante, estendeu a mão em direção.

    — So...corro.

    ***

    Lilith se ergueu, e logo se arrependeu por fazer um movimento tão brusco, pois a dor se alastrou por todo seu corpo. Ela olhou para o si e vislumbrou-se coberta de faixas manchadas de verde, que deveria ser uma espécie de pomada. A última visão que tinha era a da silhueta de alguém. Agora, estava em um pequeno quarto, onde o raio de sol adentrava por uma pequena janela.

    A porta rangeu ao ser aberta e uma mulher, que devia ter por volta de quarenta anos, adentrou. A sua protuberante barriga era coberta pelo vestido verde-escuro e seu cabelo grisalho estava amarrado em um coque. Lilith cerrou seu punho esquerdo, que estava oculto pelo seu próprio corpo, e retesou seu braço quase imperceptivelmente, mas não atacou.

    — Quem é você? — perguntou a demônio, encarando com uma carranca o rosto cheio de rugas e poucas verrugas da mulher.

    — Ah... então você acordou. Me chamo Sude. Sou uma herbalista.

    — E você não vê que sou um demônio?! — vociferou.

    — Na verdade, não.

    Sude abriu as pálpebras, encarando a demônio com seus olhos leitosos.

    — Mas eu sou, e nada me impede de matar você, Sude.

    — Impede, sim. Uma das ervas que te dei impossibilita os movimentos do seu corpo.

    "Não, não impossibilitam", pensou Lilith enquanto cerrava mais os punhos, "seria tão fácil... três segundos e o corpo gordo dela sairia voando pela porta, mas..."

    — Por que me salvou? Sou um demônio, e você sabia disto.

    — Naquele momento, você era apenas um ser moribundo que estava prestes a morrer e que temia o frio que sentia em suas entranhas, assim como qualquer outro.

    — Eu devorei diversos humanos, sua velha maluca!

    — E cá estou eu, tentando salvar um dos demônios, sua imunda ingrata.

    Sem hesitar, Sude aproximou-se e sentou na cadeira que ficava ante a cama. Mesmo sendo cega, conseguiu reparar que Lilith havia se mexido, então se ouriçou e prosseguiu falando com cautela:

    — Quer me matar? Que seja. Sou uma velha maluca, como você disse. Não tenho nada a perder em minha vida. Porém, curo outras pessoas utilizando plantas, então quem irá perder é quem precisa de minha ajuda. Inclusive, você, senhorita demônio.

     "Seria tão fácil...", pensava Lilith. "Em um simples movimento, poderia cravar meus dentes em sua garganta e rasgá-la, e ela não poderia fazer nada além de se sufocar até a morte. Mas..."

    "Não quero morrer."

    "Mas por que mereço viver mesmo?"

    Lilith deitou na cama de palha novamente, fintando o teto ao invés dos olhos leitosos.

    — Que seja — ela resmungou.

    Com ambas em silêncio, Sude tratou das feridas em Lilith, e depois saiu do quarto. O processo se repetiu pelos dois dias seguintes: a humana adentrava e cuidava da demônio, sem proferir uma única palavra. No terceiro dia, porém, Lilith fora quem quebrou o silêncio de dias:

    — O que fazia na floresta naquela hora da madrugada?

    — Não sei. — Sude levou suas mãos em direção as ataduras, mas Lilith empurrou suas mãos de volta. — Em uma certa hora, senti uma necessidade inexplicável de ir para a floresta. Me surpreendi ao encontrar você lá. Pensei que fosse o destino, então a trouxe para cá.

    — Acredita em destino?

    — É coincidência demais uma cega sentir que deve ir para uma floresta de madrugada e encontrar uma demônio quase morta, e que agora conversa com ela e não a matou, pelo menos até agora. Então, sim, passei a acreditar em destino.

    — Quero água.

    De imediato, Sude se levantou e saiu do quarto.

    Lilith se colocou de pé e foi até o pequeno espelho rachado pendurado na parede. Encarou-se, observando a pele vermelha e manchada com a cor negra, seus olhos negros e seus chifres que davam uma volta antes de ficarem pontiagudos. "Horrorosa", pensou. Estranhamente, ela enxergou um par de olhos vermelhos a encarado no espelho, e subitamente lembrou-se dos olhar sombrio e frio de Lúcifer. Suas pálpebras se fecharam com força e ela recuou um passo, estremecendo-se. Ao abri-las novamente, encarou um reflexo diferente: cabelos lisos e negros como o dela, pele branca, olhos vermelhos e sem chifres. Assustada, ergueu as mãos e surpreendeu-se ainda mais ao vê-las que também estavam brancas. Seguidamente, começou a rasgar todas as faixas pelo seu corpo e fintou-se: a pele branca por todo canto, o bico de seus seios rosados, assim como a parte íntima, nada de carapaças; e suas unhas não pareciam ser feitas para matar. Inconscientemente, levou a mão sobre a cabeça e não encontrou seus chifres. Voltou-se a encarar no espelho tateando o rosto, observando seus olhos de íris vermelha e esclera branca. Um belo sorriso espontâneo desenhou-se em seus lábios rosados.

    — Nem fodendo... — murmurou.

    A porta se abriu e Sude ficou estática quando entrou. Encarando a demônio com seus olhos leitosos e com um sorriso, disse:

    — Quem é você, mocinha?

    Ela abriu a boca para responder, mas não conseguiu. Segundos passaram-se e um único nome surgiu em sua mente:

    — Mikaela. Me chamo... Mikaela.

    — Me chamo Sude, Mikaela. Sobre o demônio na cama... posso explicar...

    Mikaela levou seu olhar para a cama em que repousou por três dias e meio e depois voltou para a Sude.

    — A demônio já foi embora. Ela só me pediu para dizer... obrigada.

    Sem que a humana respondesse, Mikaela passou por ela e saiu.

    Pela primeira vez, sentiu a brisa fria chocar-se contra seu corpo, ondulando seus cabelos; o raio de sol esquentar seu rosto; e escutou o canto dos pássaros. Aquilo tudo era familiar... não para ela, mas para sua alma.

    "Não mereço viver."

    "Então por que tanto temo a morte?"

    Depois que roubou um vestido roxo de um varal, ela foi embora daquela pequena vila.

    Posteriormente, quando se encontrou com seus irmãos, perguntaram-na o porquê de ela assumir aquela forma humana nojenta, e ela disse que assim era mais fácil de enganar os humanos. O que era meia verdade, pois não era o motivo principal. Por conta disto, ficou conhecida como Lilith, a falsa; e os outros demônios também passaram a assumir a forma de humanos. Levaria centenas de anos para que Lilith parasse de se alimentar de humanos, pois descobriu que aquilo não era a necessidade do seu corpo, mas a sina imposta sobre sua alma. A alma que outrora era de um humano, porém que fora destroçada pelo toque do Bahamut, que a imbuiu com seus mais sombrios e perversos desejos. Levaria centenas de anos, mas ela conseguiria viver conforme suas próprias vontades.

    Não, Mikaela nunca mais se encontrou com a herbalista que tratou de seus ferimentos. Até porque, Sude se enforcou no mesmo dia em que ela foi embora. Ora, a humana, que teve seu marido e três filhos mortos por demônios, não suportou a ideia de ter curado um e ter deixando-o fugir, assim fazendo com que mais famílias perdessem seus entes.

    Continua <3 :p

    Observações:

    1 – A sentença que Lúcifer deveria sofrer era, na verdade, a perda total de seus poderes, tornando-o tão normal quanto um humano. Ou seja, deveria viver como um deles até sua morte.


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