Contos de terror

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    Capítulos:

    Capítulo 2

    Pegar carona com estranhos

    Linguagem Imprópria, Violência

    Essa com certeza não é a definição de uma situação ideal: uma mulher de vinte e oito anos parada em uma estrada no meio do nada a uma da madrugada pedindo carona. E não passava nenhum carro por ali a mais de trinta minutos.

    Por pior que fosse era nessa situação em que Elora Sanders se encontrava naquele momento. Ela havia saído de casa na tarde do dia anterior devido a uma entrevista de emprego que teria em outro estado. Seu plano era passar o dia inteiro dirigindo e chegar em seu destino lá pelas sete da manhã. Teria tempo de encontrar um hotel, descansar, tomar um bom café da manha e ir para sua entrevista de emprego sossegada, mas não foi isso que aconteceu.

    No meio do caminho, mais precisamente no meio do nada, seu carro simplesmente parou de funcionar. Foi frustrante e desesperador, o veículo não ligava e ela se viu isolada em uma estrada escura com apenas algumas lojas fechadas e a parca iluminação de um poste. Sua única companhia era um outdoor nada animador aonde se podia ver a imagem de uma garotinha de uns sete anos de idade, ao lado da foto estava escrito “Garota desaparecida. Se você a viu entre em contato urgentemente” e um numero de telefone ao lado.

    Isso, super animador, já não bastava ter dado prego no meio do nada e estar prestes a perder sua entrevista de emprego que poderia mudar a sua vida, Elora ainda precisava ser lembrada de que poderia acabar fazendo companhia a garota no quadro de pessoas desaparecidas.

    Ela era uma bela mulher com seus cabelos loiros escuros longos caindo pelas costas. Vestia uma roupa comportada de mangas longas e uma saia que ia até os joelhos. Trazia consigo apenas sua bolsa com seus documentos e uma quantidade razoável de dinheiro que, naquela situação, não servia de absolutamente nada. Ela estava lá, parada na beira da estrada estendendo a mão em sinal de quem pede carona, mas nenhum carro passava por ali. Elora deduziu que era a única idiota o suficiente para viajar por aquela estrada no meio da madrugada.

    Ela já estava tão desesperada que perder a entrevista não era o maior de seus medos. Se uma pessoa má intencionada a abordasse poderia assalta-la, mata-la, estupra-la, ou até mesmo as três coisas juntas. Ela voltou a olhar o outdoor, a imagem da garotinha com um sorriso sapeca olhava para ela de volta. Bom, pelo menos alguém ali estava sorrindo.

    Foi então que ouviu o som do motor de um carro. A luz dos faróis se projetaram como dois sois e Elora se permitiu, assim como a menininha, sorrir.

    - Aqui!! Seja lá quem for pare por favor!!!

    Ela gritava e movia os braços freneticamente. Sabia que se perdesse aquela carona provavelmente ficaria ali pelo resto da madrugada, isso claro se não acabasse morta, vitima de algum louco.

    Para sua felicidade o carro reduziu a velocidade e parou. Elora deu um suspiro de alivio. Agora que estava próximo ela podia ver o carro melhor, era um veiculo velho de cor azul clara. O vidro do carona foi abaixado e um homem de meia-idade inclinou-se em sua direção.

    - Eu estou acostumado as pessoas me pedindo ajuda, mas você é a primeira a fazer isso em uma encruzilhada no meio da noite – disse com um sorrisinho de canto de boca. Era um homem quase careca, com olhos miúdos e óculos. Usava roupas pretas longas. Um crucifixo dourado pendia em seu pescoço.

    Ele parecia ser aquele tipo que tentava ser simpático mostrando um lado humorístico, mas que era péssimo com piadas. Elora não se importou, estava atrás de uma carona não de um comediante.

    - Ola senhor – ela sorriu sem jeito – meu carro deu prego e eu acabei ficando presa aqui. O senhor poderia me dar uma carona?

    O homem tinha um olhar gentil. Ele abriu a porta do carro e Elora entrou, agradecendo pela ajuda.

    - Tudo bem moça, não poderia deixa-la ai sozinha. Mas me diga para onde está indo.

    - Para Santa Rita, o senhor está indo para lá?

    Ele não respondeu de imediato, acelerou o veiculo que começou a se locomover lentamente. Elora deu um ultimo olhar a foto da garotinha desaparecida, despedindo-se dela mentalmente e desejando que a mesma fosse encontrada como ela havia sido por aquele homem simpatico.

    - Para sua sorte lá é caminho para onde estou indo – disse o homem com o olhar fixo na estrada – posso deixa-la em seu destino.

    - Muito obrigada, muito obrigada mesmo – ela poderoa agradecer pelo resto da viagem que não seria o bastante. Aquele homem estava fazendo muito por ela, mesmo que fosse apenas uma carona.

    Ele apenas moveu a cabeça em sinal positivo e não disse mais nada. O olhar do homem se mantinha na estrada e ele dirigia concentrado. Elora não queria incomoda-lo, por isso manteve-se em silêncio tentando se distrair admirando a paisagem, mas não havia muito o que se olhar, apenas mato e arvores. Nem a lua dera o ar da graça de aparecer naquela noite.

    O tempo foi passando e o silêncio começou a se tornar incomodo. Elora queria dizer algo, mas não sabia como começar uma conversa, além do mais, pelo que observou de seu companheiro de viagem o mesmo não era de falar muito. Parecia o tipo de pessoa seria e centrada, seus olhos eram miúdos suas mãos delicadas e seu rosto gentil.

    Discretamente ela tentou observa-lo melhor para tentar entender quem era. Ele possuía um crucifixo e isso ela já tinha notado. Ele também tinha uma foto que ficava perto do local da marcha. Era uma foto que mostrava ele com a mão no ombro de uma menininha alegre de cabelos escuros. Ele sorria daquele seu jeito contido e discreto enquanto ela sorria abertamente e parecia muito contente.

    - Se perguntando quem é a menina da foto? – perguntou o homem ainda olhando para a estrada, sua voz era gentil e fina. Elora ficou surpresa em saber como ele havia percebido para onde ela olhava. Pensava que o homem estava observando fixamente a estrada.

    - Sim... fiquei curiosa – disse com um riso nervoso – é sua filha?

    - Sobrinha – respondeu com doçura – Emilly era seu nome. A proposito eu me chamo Jacob. Ainda não sei seu nome.

    - Elora – respondeu brevemente. Ela havia percebido que Jacob falara de sua sobrinha no passado e que não dissera mais nada sobre a garota além de seu nome. Com certeza havia morrido. Uma pessoa morrer tão jovem é algo muito trágico e ela achou melhor não perguntar mais nada a respeito da garota.

    O silêncio voltou a pairar no ar. Jacob apenas sorria delicadamente enquanto mantinha seu olhar na estrada. Diferentemente dele Elora se incomodava com aquele silêncio, era estranho, um tanto angustiante. Ela queria se distrair olhando algo em seu celular, mas como o mesmo estava sem bateria não restava nada a ela além de olhar para qualquer direção e simplesmente esperar o tempo passar.

    - Então Elora, para onde está indo? Se não for indelicado de minha parte perguntar.

    Ele voltara a falar tão repentinamente que Elora se surpreendeu um pouco, mas se sentia feliz pela oportunidade de manter uma conversa e deixar de lado aquele silêncio.

    - Estou indo para uma entrevista de emprego. É uma vaga muito importante em uma empresa muito boa.

    Jacob olhou para ela, seu sorriso gentil nos lábios. Era o tipo de sorriso delicado, contido, quase como se tímido. Ele voltou a falar, sua voz era suave como algodão.

    - Mesmo? Então que sorte que eu a encontrei. Seria uma pena se você perdesse seu compromisso.

    - É nem sei como agradecer – ela riu nervosa. Sabia que era só bobagem sua, mas o tom calmo do homem chegava a ser incomodo. Ele era tão delicado que parecia soar irônico. Elora sabia que isso não passava de um julgamento errôneo seu, mas a sensação que tinha era de que aquele homem a tratava com delicadeza e ironia, como se estivesse se dirigindo a uma criança inocente. Era um tanto perturbador.

    Ele voltou a olhar a estrada e Elora sentiu-se melhor assim. Alguns segundos se passaram antes que Jacob voltasse a falar, mas não estava retomando nenhum dos assuntos anteriores. Simplesmente começou a falar de si.

    - Eu sou padre senhorita Elora, vesti a batina ainda jovem, aos vinte e dois anos.

    - Hmm... deve gostar muito da profissão – ela não sabia bem o que dizer, mas sentia que deveria falar algo e não deixar Jacob em um monologo.

    - Sim, sim, bastante – ele soou um tanto mais informal, em um tom quase brincalhão – admito que as tentações são grandes sabe? Não pode se unir em matrimonio. Sempre quis ter uma filha. Crianças são tão puras, sempre admirei isso nelas. Por isso era tão apegada a minha sobrinha Emilly.

    Elora ia dizer algo, mas então ouviu um barulho vindo de trás, parecia uma batida. O som estava abafado e por isso era difícil de distinguir, mas ela tinha certeza que o ouvira.

    - O que foi isso? – perguntou olhando para trás, talvez tivessem batido em algo, uma pedra ou algum animal que andava na estrada. Ela porem não vira nada.

    - Talvez meu carro também não esteja muito bem – respondeu Jacob em seu tom discreto de humor, chegando até mesmo a dar uma risada – só espero que não pare de funcionar como seu veículo.

    Aquela ideia a assustou. Seria muito azar passar pela mesma situação duas vezes no mesmo dia, ou isso ou algum concorrente a vaga tinha feito uma reza muito forte para lhe prejudicar.

    - Por favor não diga isso nem de brin... – mas Elora parou de falar subitamente quando ouviu uma voz atrás dela. Era uma vozinha fraca e assustada e Elora podia jurar que pedia socorro.

    Ao ouvir aquilo ficou totalmente pálida, suas mãos tremeram e ela sentiu a respiração pesada. A voz se repetiu, um pedido fraco e angustiante de ajuda. Era a voz de uma garotinha, Elora tinha certeza, e seja lá quem fosse, estava apavorada.

    Ela inclinou seu rosto para o lado fitando Jacob, o homem a olhou de volta, seu sorriso gentil continuava no rosto e ele agia naturalmente como se não tivesse ouvido voz alguma.

    Tinha alguém no porta-malas, Elora tinha certeza. Aquele padre estava levando uma garota no porta-malas! Ela sentiu seu corpo todo tremer, começou a suar frio. Seu coração explodia no peito. Jacob porem continuava calmo como se tudo ali estivesse bem e sob controle. Aquela calma só assustou mais Elora que preferiu fingir nada ter ouvido. Era a opção mais segura.

    A mente dela começou a ferver de medo e nervosismo. A imagem do outdoor lhe veio a memória, seria a menininha no porta-malas a mesma da imagem? Não, era obvio que não. Aquela garota do outdoor devia estar sumida já a alguns dias, já a pessoa que estava no porta-malas provavelmente devia ter sido capturada recentemente.

    Mas Jacob poderia ter capturado ambas certo? Se sim, e essa não era uma possibilidade tão absurda, isso fazia dele um serial killer. Elora estava tremendo de nervosismo, sua boca estava seca e ela sentia que a qualquer momento o padre deixaria sua postura boazinha e avançaria para cima dela como um demônio sedento.

    - Algum problema senhorita Elora? – perguntou Jacob, e quando ela o fitou viu que ele mantinha o mesmo sorriso gentil de sempre – me parece um tanto desconfortável ou é apenas impressão minha?

    Elora tentou ser natural, mas sua voz vacilou e ela gaguejou nas primeiras palavras. Ela só esperava que Jacob não percebesse isso.

    - Ah, não é nada. É que eu estou preocupada porque posso chegar um pouco tarde, só isso. Perdi muito tempo tentando pegar carona entende? Como vou ficar na casa de uma amiga não quero que ela perceba que me atrasei e comece a ficar preocupada.

    Era uma mentira, claro, mas era o melhor que Elora pensou sob tanta pressão. O som de um gritinho abafado de socorro se fez ouvir novamente e, segundos depois, seguiu-se um choro assustado. Elora ignorou a tudo isso, fingindo que não sabia estar do lado de um sequestrador.

    - Não se preocupe, vai ficar tudo bem – disse ele com sua voz gentil – mas, só por precaução, poderia colocar seu cinto de segurança? Só para garantir que você chegue bem na casa de sua “amiga”.

    A ultima palavra fora pronunciada com um claro tom de ironia. Jacob quis deixar bem claro que não acreditara naquela história.

    - O cinto? – perguntou ela com uma voz fraca e assustada.

    Ela não era idiota, e, para seu azar, Jacob muito menos. Aquilo havia sido uma armadilha. Um pedido simples que não podia ser negado sem levantar suspeitas. Para manter aquela farsa Elora teria que colocar o cinto, mas se o fizesse também ficaria com sua mobilidade reduzida impedindo-a de se mover livremente ou até mesmo pular do veículo em movimento. Essa ultima opção não era tão absurda assim e a cada segundo que se passava Elora se sentia mais tentada a realiza-la.

    O choro continuava, agora ainda mais forte. Era um som de cortar o coração, Um sonzinho baixo e frágil, tão frágil! Elora não queria pensar, mas foi impossível não imaginar uma garotinha amarrada e amordaçada naquele porta-malas. Precisou se controlar para não começar a chorar ali mesmo.

    - Sim, para sua segurança – respondeu Jacob. Seu sorriso se tornou sutilmente mais largo sendo possível ver seus dentes brancos impecáveis. Para Elora mais pareciam presas de uma fera.

    Com as mãos tremulas colocou o cinto de segurança. A viagem prosseguiu silenciosa, ou quase, com exceção do choro da garota que os acompanhava durante todo o percurso. Os minutos foram se passando e Elora tremia apavorada. Jacob apenas dirigia tranquilo. Ela não sabia mais o que era mais assustador, ouvir o choro angustiante da criança ou a voz do padre se dirigindo a ela. Seja lá como fosse aquela viagem estava sendo torturante e tudo que Elora queria é que chegasse viva ao final do trajeto. Não se importava mais com a entrevista de emprego, nem lembrava da maldita entrevista. Ela só queria ficar viva.

    - Emilly era uma menina adorável – ele retornou a falar, suas palavras eram pronunciadas lentamente – nós andávamos sempre juntos. Quando minha irmã, mãe dela, não podia deixa-la sozinha eu me oferecia para ficar com ela. Eu era muito carinhoso com ela – ele sorriu, parecia estar lembrando com felicidade genuína dos momentos com a sobrinha – Emilly porem era uma garota tímida comigo. No começo não entendia meus carinhos não... retribuía – nesse momento ele sorriu mais uma vez. Vê-lo sorrindo foi apavorante. Jacob fez uma pausa breve e retornou a falar – mas depois de um tempo ela compreendeu e começou a agir de forma mais natural comigo.

    Elora não conseguiu nem sequer falar. Ela não conseguia parar de pensar na garota do porta-malas, em como ela deveria estar sofrendo. Mas o que poderia fazer? Atacar Jacob? Isso era loucura. Ele poderia estar armado. Por mais que lhe doesse Elora manteve a farsa e ignorou o choro da menina. Era um choro tão baixo, angustiante.

    Uma única lagrima escorreu de seu olho direito. Elora a limpou com as costas da mão, ela sabia que Jacob a observava e o que fez a seguir foi a coisa mais difícil que havia feito em toda sua vida. Ela sorriu.

    - Sua história me emocionou, desculpe – seu sorriso forçado estava estampado em seu rosto como uma mascara bizarra – sempre fui muito sensível quando se trata de crianças.

    - Compreensível, elas são anjinhos encantadores criados pelo senhor.

    A viagem prosseguiu e até mesmo a criança parou de chorar, suas lagrimas deveriam ter acabado. O silêncio que se formou fazia parecer que a menina morrera, ou, mais precisamente, que suas esperanças haviam morrido. Elora também tinha perdido as esperanças. Nem conseguia mais pensar no trajeto. Seu corpo estava no banco do carona, mas sua mente permanecia no porta-malas.

    Então de repente o carro parou. Elora quase deu um pulo de sua cadeira devido ao susto. Ela olhou apavorada para Jacob, mas ele apenas sorria. Ele sempre sorria.

    - Chegamos em seu destino Elora.

    Elora nem havia percebido quando chegaram na cidade, mas ali era realmente uma cidade. O carro havia estacionado próximo a uma praça que, devido ao horário, estava vazia. Com as mãos tremendo Elora retirou o cinto e murmurou um “obrigada” vazio. Jacob apenas acenou positivamente com a cabeça sem nada dizer.

    Ela saiu do carro com as pernas bambas. Andou dois passos com dificuldade e ouviu o carro partir. Quando se virou pode ver apenas o veiculo se perdendo no horizonte.

    Jacob havia ido embora, ele não iria fazer-lhe mal, mas e quanto ao que falaria com aquela garotinha? Ela não estava segura.

    Elora não conseguia sequer pensar. Caiu de joelhos no chão e as lagrimas que tanto segurara caíram livremente. Ela não parava de ouvir o choro da garota em sua cabeça e sentia que aquele som jamais lhe abandonaria.

    Quanto a entrevista de emprego Elora faltou sem sequer hesitar. Em vez disso passou o dia inteiro na delegacia retratando as autoridades sobre o que acontecera. Os policiais se moveram e começaram a agir procurando um carro azul anil com um homem de meia idade dentro. Tudo que Elora queria era que chegassem a tempo e encontrassem a menininha viva. Jamais se perdoaria se algo acontecesse a garota.


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