Contos de terror

Tempo estimado de leitura: 38 minutos

    14
    Capítulos:

    Capítulo 1

    Seis quarteirões

    Linguagem Imprópria, Violência

    Bruno era um idiota, não, mais do que isso, ele era o idiota. Aquela era para ser uma noite para eles extravasarem, rirem, beberem muito e fazerem tudo que tinham direito. Era esse o plano, mas não foi isso que aconteceu.

    Eu sei que eu tenho um relacionamento sério com meu namorado que está, a quase um ano, estudando em outro estado e, sim, eu sei que deveria ser fiel, mas sério, quem consegue ficar sozinha por tanto tempo? Eu gosto do meu namorado, mas a distância me deixa carente e quando eu encontrei um garoto muito legal na festa resolvi, só dessa vez, me permitir dar uma pulada de cerca e ficar com o cara.

    Ele era bonito e parecia alguém realmente legal. Nós nos beijamos algumas vezes e foi ai que o Bruno apareceu. Ah, eu esqueci de falar, Bruno é meu melhor amigo, embora eu ache que ele não esteja merecendo esse posto no momento. E só para constar me chamo Carol.

    Então como a história acabou? Eu estava ficando com o cara legal na festa e o Bruno estragou tudo, me deu uma bronca na frente de todo mundo dizendo que eu tinha namorado e blablabla. Eu sei que ele estava falando aquilo para o meu bem, mas eu fiquei puta da vida. Quem ele pensa que é para ficar se metendo na minha vida pessoal? O pior é que o cara que eu estava pegando, nem tive tempo de perguntar o nome dele, ficou igualmente irritado por estar com uma garota comprometida e acabou me dispensando. É, ele era mesmo um cara legal, o problema é que era legal demais.

    Então foi assim que dei as costas ao Bruno e a festa e sai em plena duas e dez da madrugada rumo a minha casa. A boate não fica muito longe de onde moro, apenas seis quarteirões, então provavelmente o pior que pode me acontecer é ser surpreendida por um cão vira-lata fuçando nas latas de lixo ou coisa do tipo.

    Começo a caminhar a passos pesados e apressados, bufando de raiva. A noite está totalmente silenciosa, não vejo nenhum carro nas ruas e toda a iluminação que tenho é dos postes e da lua.

    - Merda de vida – resmungo para mim mesma. O álcool ainda está forte em meu sangue o que me deixa mais agitada e corajosa. Embora andar sozinha no meio da madrugada não seja necessariamente um sinal de coragem e sim de burrice.

    Abraço meu próprio corpo devido ao frio. Deve estar fazendo uns dezessete graus e aqui estou, de minissaia e um top curtíssimo. A rua a qual caminho está totalmente deserta, vejo lojas a esquerda e a direita, todas obviamente fechadas. O silêncio ao meu redor é tão denso que chega a incomodar, mas tudo bem, não tem ninguém na rua certo? Não preciso me preocupar em ser atacada por um fantasma ou coisa do tipo.

    Então meu celular toca me fazendo dar um pulo de susto. Meu coração provavelmente foi para a lua e voltou de tão apavorada que fiquei. Retirei o celular da bolsa e percebi que era Bruno quem ligava.

    - Dane-se! – disse rejeitando a ligação.

    Segui meu caminho tentando ignorar a total escuridão a minha volta. Aos poucos a raiva ia passando e meu bom senso acordava. O que eu estava fazendo? Voltando para casa sozinha as duas da madrugada? Isso era pedir para ser estuprada, ou morta ou... ambos. O medo começou a me invadir como um veneno, espalhando-se por cada célula minha.

    - Não seja estupida Carol – disse para mim mesma em alto e bom som. Ouvir minha própria voz me acalmava um pouco, dava a sensação que tinha outra pessoa ali comigo dando a falsa sensação de segurança – são só seis quarteirões. Você anda muito mais do que isso todos os dias para ir até a faculdade.

    E é verdade. Estudo gastronomia e vou para a aula de bicicleta todos os dias percorrendo mais de dez quarteirões. Mesmo assim uma coisa é andar de bicicleta em plena luz do dia e outra é caminhar a pé as duas da madrugada.

    Sinto a escuridão me cercando de uma forma opressora. É como se a noite tivesse garras que tentassem me machucar. Digo novamente para mim mesma que estou sendo ridícula, a escuridão é apenas escuridão e nada mais, mesmo assim apresso os passos, só por precaução.

    Ouço o barulho de algo se movendo as minhas costas, olho ao redor assustada, mas não vejo ninguém, apenas a rua vazia e uma fina camada de neblina que começava a se formar. Minhas pernas tremem e sinto vontade de correr, mas simplesmente paro de andar e olho para todos os lados a procura da origem do som.

    - Tem alguém ai? – é uma pergunta idiota eu sei. E seu eu fosse um serialkiller ou um estuprador não iria responder. Mesmo assim não consegui evitar.

    É claro que eu estou com medo, mas tentei ser firme e manter a compostura. Uma vez li em algum lugar que o medo corta mais afiado que uma espada e agora percebo que essa frase não podia estar mais correta. Respiro fundo duas vezes e tento me acalmar. Ouço o barulho de novo, parecem passos, só que mais silenciosos. Minha imaginação percorre a escuridão vendo vultos em cada forma, mas nenhum deles chega a se materializar. Afinal, são apenas vultos.

    Ainda com as pernas tremulas recomeço a andar já tão desorientada que nem tenho mais certeza em que direção fica minha casa. Seis quarteirões não parecem tão pouca coisa assim e eu já me arrependi totalmente dessa ideia estupida de ter voltado a pé.

    - Por favor se eu voltar para casa bem juro que nunca mais vou sequer pensar em trair meu namorado – digo baixinho desejando que Deus, o diabo, ou qualquer entidade que ouvisse essas palavras me desse proteção.

    Mas ninguém ouviu e, se ouviu ignorou. Segui meu caminho aflita. Ainda ouvia o som de passos miúdos atrás de mim e sentia que algo me observava, mas seja lá o que fosse eu não conseguia vê-lo e, sinceramente, estava tão apavorada que nem queria.

    Andei o mais rápido que pude. Procurava nem sequer olhar para os lados com medo de ver algum estranho ameaçador. Foi então que senti algo úmido em minhas pernas e dessa vez não consegui segurar o grito. Cambaleei assustada e quase tropecei em meus próprios pés. Precisei me apoiar na parede para não cair de cara no chão.

    Foi então que, virando o rosto, eu o vi. Era uma criatura peluda com olhos que brilhavam em um verde fantasmagórico que mais pareciam duas joias do outro mundo. Ela se movia devagar, com passos cautelosos. A boca se abriu emitindo um som fino e expondo a fileira de dentes afiados da criatura.

    Era um gato.

    Sim, senti uma mistura de alivio, frustração e vergonha. Pelo menos não havia ninguém para presenciar aquele mico. Me agachei acariciando a cabeça do bichano que miou carinhosamente em resposta.

    - Você me deu um baita susto sabia? Não faça isso de novo por favor.

    Ele miou mais uma vez, lambeu minha mão e então correu pela rua deserta se perdendo de vista em um beco escuro qualquer. Respirei aliviada ao saber que meu maior medo ali era um gatinho abandonado. Eu só esperava que não houvessem mais coisas me vigiando nas sombras. Se um gato me fizera ter uma reação dessas eu teria um infarto só de ver uma pessoa.

    Segui meu caminho, faltava pouco para chegar em casa, apenas dois quarteirões. Mesmo assim a rua não se tornava menos assustadora. As vezes tinha impressão de ouvir pessoas sussurrando e, quando olhava para os lados podia ver vultos se movendo apressadamente e não eram vultos de gatos.

    Voltei a sentir as garras da noite me envolvendo e senti-me como uma mosca presa em uma teia de aranha. Andei o mais rápido que pude, quase correndo. Minha casa estava bem próxima, eu só precisava virar a esquina e seguir reto por uns quinze metros.

    Foi então que ouvi, não era um sussurro, não era o som do vento, alguém havia claramente me chamado. Não, não haviam dito “moça” ou “eu gostosa!” haviam dito meu nome! Não pensei duas vezes comecei a correr feito uma louca. O som se repetia atrás de mim, cada vez mais forte. Não sei se a pessoa estava mais perto ou se apenas gritava mais alto, esperava que fosse a segunda opção. Mesmo assim corri com todas as minhas forças, corri como nunca havia corrido em toda minha vida.

    Dobrei a esquina como um raio e já pude ver minha casa. Uma casinha pequena com porta de madeira. Apressei os passos e, para meu pavor, a voz continuava a gritar meu nome, pedindo-me para parar. Meus olhos começavam a lacrimejar ao ponto de atrapalhar minha visão.

    Corria tão depressa que me choquei contra a porta de minha casa com tudo produzindo um baque sonoro. Como sou burra não havia tirado a chave da bolsinha que carrego. Atrapalhada e com o coração a mil procurei em minha bolsa a maldita chave, mas ela parecia se esconder de meus dedos.

    - Merda... merda... cadê você maldita?! – sentia lagrimas escorrendo do meu rosto. A voz que me chamava estava cada vez mais próxima e era só questão de instantes até me alcançar.

    Finalmente achei a chave e tentei coloca-la na fechadura, mas estava tão nervosa que uma tarefa simples como essa parecia a coisa mais difícil do mundo. Minha mão tentava encaixar a chave na fechadura, mas acabei derrubando o objeto no chão. Uma mão segurou o meu ombro e eu me virei apavorada.

    - Calma! Calma!! – era Bruno erguendo as mãos em sinal de paz ao ver minha expressão de pavor.

    Por mais puta que eu estivesse com ele não poderia ter ficado mais feliz em vê-lo. Deixando totalmente de lado a briga me joguei em seus braços em um abraço apertado. Eu ainda tremia e ele, mesmo sem entender o porque daquela minha reação histérica, abraçou-me de volta.

    - Está tudo bem Carol. Fica calma está tudo bem... – disse dando-me tapinhas nos ombros.

    Eu me senti uma completa idiota pela briga de antes. Bruno era meu melhor amigo. Do tipo de amigo tão bom que eu nem mereço. Mesmo depois de eu ter brigado com ele e recusado sua ligação ele resolveu me procurar com medo de que eu voltasse sozinha.

    Sai do abraço e lhe dei o melhor dos sorrisos. Sem jeito por ter agido de forma tão escandalosa me abaixei peguei a chave e, sem nenhuma dificuldade, abri a porta.

    - Valeu por ter vindo atrás de mim – disse com sinceridade – entra, vamos aproveitar o resto da noite assistindo filmes de terror.

    - Parece legal – ele respondeu abrindo um sorriso.

    Entramos em minha casa e ele fechou a porta atrás de nós. Eu finalmente estava segura e me senti uma idiota por ter voltado a pé tão tarde. Felizmente moro sozinha então não preciso ter medo de meus pais me dando bronca.

    - Ei o que voc...

    Me virei para falar com ele, mas não era ele quem estava ali. A pessoa atrás de mim não era Bruno, era... alguém totalmente diferente! Um homem mais velho, devia ter uns trinta anos e em nada se parecia com meu amigo. Vestia roupas velhas e um tanto rasgadas, sua barba estava por fazer e seus longos cabelos estavam despenteados. Ele sorriu para mim, um sorriso assustador exibindo dentes amarelados.

    - A mente da gente nos prega umas peças de vez em quando não? – perguntou aterrorizante – a proposito não devia ficar falando sozinha na rua Carol, ainda mais dizendo seu próprio nome.

    Quem era aquela pessoa? O que era aquela pessoa? Eu não sabia, mas não era meu amigo. Pela primeira vez senti um pavor real me percorrer a espinha. Paralisei de tanto medo. Aquele homem, aquela coisa, sorriu para mim, parecia se alimentar com meu medo. Ele se aproximou dois passos. Eu não sabia o que ele era e como havia me feito pensar que era Bruno, mas não havia tempo para pensar nisso. Não havia tempo para mais nada.

    Eu estava tão assustada que não consegui sequer recuar. Tudo que via era aquele sorriso amarelo e seus olhos... negros e assustadores. Seja lá o que for que ele queria fazer comigo, rezei para que fosse rápido.

    - Na verdade eu pretendo demorar um pouco – disse ele me dando a certeza que podia ler meus pensamentos – mas não se preocupe vamos nos divertir muito... bem... pelo menos eu vou.


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