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Dentro do Centro de Desenvolvimento Tecnológico existe um departamento dedicado somente para investigação confidencial. Normalmente, pesquisas relacionadas aos interesses particulares do Presidente e capitão do 12º esquadrão. Kurotsuchi taichou a nomeou como área de sigilo. Com um prédio voltado para o mesmo, as pesquisas e experimentos realizados não eram compartilhados com os demais. Kurotsuchi Mayuri possuía uma fome insaciável de conhecimento e nada o impedia de conseguir o que quer, inclusive locais onde não possuía jurisdição.
Em particular seu recente interesse tomava a maior parte do seu tempo. O espécime do qual conseguiu se apossar era único e não perderia a oportunidade de testar todas suas teorias e hipóteses, mesmo que houvesse consequências paralelas.
KARIN POV
- Hitsugaya-san algum problema?
- Hã..?
Eu mal conseguia dar atenção à ela. Minha cabeça estava tão desorientada e ainda sentia um frio correr pela minha espinha à medida que assistia o pátio pela sua janela. Não desgrudava o olhar, mantinha a vista na direção ao ver aquilo subir pelo piso de pedra, emergindo e quase que soltei um grito ao ver uma de suas caudas perto de uns shinigamis.
Unohana taichou seguiu meu olhar, se voltando para a janela e não viu nada, absolutamente nada pelo vinco em seu testa. Meu Deus.... O que está acontecendo? Acho que vou desmaiar... Não, Karin. Tenha compostura, se mantenha firme senão teria sérias explicações a dar.
Explicações das quais eu sequer entendo direito.
Procurei me acalmar, engolindo em seco ao voltar os olhos para meu colo e agarrei o pano com força. Tentava relaxar, parar de tremer e senti o olhar intrigado de Unohana-taichou sobre mim.
- Está se sentindo bem?
- Unhum.
Assenti um tanto nervosa retorcendo o pano do quimono nos dedos. Ninguém via aquilo, ninguém. Ela... Acabou de olhar pela janela e não reagiu nervosa, nada. Respirando fundo, levantei o rosto concentrando minha atenção nela. Sentia um jorro gelado nas bochechas com o sangue voltando a circular. Com certeza fiquei branca de tão pálida de susto. Isso fez com que a capitã estreitasse de leve os olhos. Acho que estou suada também por nervosismo.
- Tem certeza que está bem?
- Claro, por que?
Sorri sem graça e suspirando, ela cruzou as mãos na mesa me observando serena. Pela primeira vez desde que entrei nessa sala sua presença mudou se tornando relaxante.
- Sua reação com o que eu disse é transparente, por isso minha pergunta.
Curvando os lábios o olhar que me dirigiu foi cheio de simpatia. Meu coração se aquietou um pouco e expirei menos tensa.
- Desculpe, eu... – verifiquei de novo o pátio através da janela, mas aquilo sumiu - ... Eu não consigo controlar direito essas reações, desde a gravidez me sinto assim.
Desviei o olhar respirando fundo. Se ela percebeu a nota falsa na minha voz não demonstrou. Continuou serena enquanto me acalmava.
- Não se preocupe. Está frágil e faz todo o sentido se sentir desse modo. Essa pessoa que te examinou será encontrada e questionarei os motivos por ter se passado como membro do meu esquadrão.
- Arigatou.
- É o mínimo que posso fazer. Agora vamos para a sala de exames. Lá durante os procedimentos farei as questões necessárias com o que vir.
- Hai.
Assenti me levantando da cadeira junto com ela e esperei a capitã dar a volta por sua mesa até se dirigir para a porta. A seguia quieta enquanto tentava me acalmar mais. Ao andarmos pelos corredores lembrei da breve e tensa conversa que tive com o Arrancar. Ele disse que eu podia ver... Seja lá o que aquilo for eu tinha a capacidade de enxergar mesmo que pouco e me assustei de verdade ao perceber que a capitã Unohana e nenhum dos shinigamis eram capazes disto.
Espere um pouco.
A barbie, quer dizer, a Yuuki me disse que viu uma sombra naquela conversa. Suspirei pensativa, tendo a vaga noção de cruzar uma porta junto com Unohana taichou. Algo não está se encaixando, isso me deixava confusa e à um certo ponto frustrada. Se bem que não tenho lá muitas informações e só posso especular.
Dado minhas opções e a curiosidade, seguiria o conselho daquele Arrancar. Assim que puder vou escapulir dos olhares atentos de Rangiku e investigar.
- Sente-se aqui, por favor.
Saí do devaneio e olhei para onde a capitã me indicava. Estávamos numa sala típica de exames. As paredes verdes com os beiras de madeira, do catre de metal com um colchão fino forrado por um lençol. Havia armários na parede à esquerda com portas de vidro. Estavam cheios de remédios e outras ampolas com medicamentos. Sentei na cadeira acolchoada que ficava ao fundo e tão logo me acomodei ela se aproximou.
- Pode erguer a manga do quimono?
Fiz o que pediu e logo ela pegou um aparelho em cima de uma mesa de metal que reconheci num instante. Era um medidor de pressão arterial. Pondo a abraçadeira em mim assisti ela verificar minha pressão e depois sem dizer nada anotar numa prancheta. Em seguida ela limpou com um algodão embebido de álcool a parte interna do meu cotovelo e suspirei. Franzi o rosto quando amarrou o garrote no meu braço e depois com uma seringa espetou a agulha na veia que encontrou.
A dor fina e a sensação de agonia me fez estremecer. Detesto fazer hemogramas por causa disso, mas não reclamava. Assim que terminou pos um curativo no local e se afastou colocando meu sangue num frasco. Abaixei a manga da roupa e esperei ela etiquetar aquele vidrinho. Quando terminou ela pegou uma roupa no armário e me entregou. Peguei confusa ao levantar da cadeira e notando ela me indicou um biombo num canto.
- Pode se trocar ali. Caso precisar de ajuda, me chame.
- Tudo bem.
Ela nem precisou me explicar, já fazia ideia do por que. Fui até o biombo e puxei o painel verde me dando privacidade. Respirando fundo, coloquei a roupa que me deu em cima de uma mesa de madeira e puxei a cordinha que segurava o laço do meu obi. Logo a faixa se afrouxou e senti o quimono escorregar pelos meus ombros. Retirei a roupa toda ficando nua e depois coloquei a veste que me deu. Assim que dobrei minha roupa saí de atrás do biombo.
Como já imaginei Unohana taichou me esperava perto daquele catre e respirei fundo. Somos mulheres, não é nada demais e engolindo o embaraço me sentei nesse leito e me deitei. Encarei o teto enquanto a capitã examinava minhas mamas, media o tamanho do meu ventre e o ponto alto da minha vergonha: me preparava para o exame do meu útero. Ainda bem que estava sozinha.
Enquanto ignorava o fato que estava de pernas abertas naqueles suportes, exposta e o exame de toque, ela continuou conversando comigo, acho que para me relaxar.
- Como está lidando com a gravidez, Hitsugaya-san?
Pisquei com a pergunta. De todas era a que menos esperava que me fizesse. Cruzando as mãos na barriga respirei fundo.
- Até que bem. Tirando o susto que passei como descobri me sinto bem melhor.
- Isso é muito bom.
Escondi um sorriso. Não estar sozinha lidando com uma novidade dessas era uma grande ajuda e Toushirou já deixou claro que estava feliz sobre isso. Eu não tinha motivos para me preocupar. Ouvi um estalo e olhei em tempo da capitã se levantar da banqueta retirando as luvas de látex.
Descartando-as no lixeiro, ela anotava mais alguma coisa na prancheta enquanto me endireitei sentando na maca.
- O colo do seu útero está normal, tamanho de acordo com sua gestação e nenhum problema aparente. Pode se trocar se quiser, precisa de ajuda?
Se voltando para mim, sorri sem graça e assenti. Eu nunca vesti um quimono sozinha, nem nos festivais de verão enquanto ainda era viva então aceitei. Demorou um pouco por causa do obi, mas graças a Unohana taichou a faixa ficou presa no lugar sem me apertar tanto ou machucar.
Voltamos para seu consultório e depois que me acomodei na cadeira e a ela atrás de sua mesa, respirei fundo um pouco nervosa. Afinal foi para esse momento que vim aqui.
- Sua pressão está normal. Como sua gravidez está no inicio a circunferência do seu ventre vai demorar para aparecer, mas também está habitual. Alguns dos exames necessários já fizemos quando deu entrada dois dias atrás.
- E..como estavam?
Ela me fitou nesse instante e engoli em seco. Cruzando as mãos na mesa, Unohana taichou assumiu um semblante tranquilo para não me afligir.
- Primeiramente, sua saúde e do feto estão relativamente bem. Já está ciente sobre as complicações que teve por causa do sequestro, imagino
- Hai.
A placenta se desprendendo do meu útero porque levei aquele golpe na barriga. Quando Rangiku me disse isso meu sangue gelou de tanto medo.
- Quanto ao aborto, Hirako taichou conseguiu evitar devido sua fase na evolução.
Franzi a testa.
- Como assim?
- O que a senhora teve foi uma ameaça de aborto. Ainda estava na fase inicial e por isso com repouso e a medicação que foi ministrada o perigo já passou. Devo lembrar que até que se complete a 12ª semana precisa se manter assim.
Respirei fundo, parecia que um peso saiu dos meus ombros.
- Entendi. Repouso e medicação.
Pegando uma folha da pilha que havia em sua mesa, a capitã passou a escrever uma lista.
- Também precisa se alimentar direito. Seu peso diminuiu e também tem um pouco de anemia. Passarei uma dieta e alguns medicamentos para os demais sintomas.
Assenti e esperei ela terminar para pegar a receita. Assim que me entregou guardei na bolsa em forma de sacolinha que havia trazido.
- Muito obrigada, capitã.
Ela curvou os lábios com minha reverência assim que me levantei.
- Não foi nada. No próximo mês venha com os resultados dos outros exames que prescrevi.
- Hai.
Saí de sua sala e ao fechar a porta expirei de alivio. Tudo dentro do normal, numa complicação. Toushirou ia gostar quando for contar pra ele. Falando nisso, acho que sua reunião ainda não terminou. Suspirando segui pelo corredor procurando aquela sala. Talvez ele vá me encontrar lá assim que vier me buscar.
Estava vagando pelo prédio por alguns minutos – pelo visto, me perdi aqui -, quando uma conversa chamou minha atenção.
- Tem certeza disso?
- É claro que sim. Minha cabeça ainda doí.
Franzi o cenho com o tom doloroso do sujeito. As vozes vinham de dentro de uma sala. A porta estava aberta e bem devagar cheguei mais perto caminhando rente a parede.
- Tomara que Iemura-san não saiba disto.
- Se não é que já não saiba. Como você pôde ficar bêbado na ronda? Nessa crise, se a capitã souber que roubaram seu uniforme...
- Shsss. Cala a boca.
Prendi o fôlego. Não de susto, mas por entender o que acabei de ouvir. Sem fazer barulho me afastei recuando até entrar no corredor à direita. Respirei fundo, tentando manter uma expressão calma ao caminhar por ele. Mal minutos se foram e escutei passos atrás de mim. Olhei os dois shinigamis passarem por mim indo em frente. Eles nem me deram atenção.
Quase que segui os dois, mas me segurei. Toushirou pode chegar a qualquer momento e se ele não me achar vai ser um problema. Observei esses dois se distanciarem, focando no menor com um ar exausto e nervoso no rosto.
Seria outro assunto para resolver quando puder sair das vistas de Rangiku. Afinal, também tinha que descobrir quem era o sujeito que me atendeu ontem.
KARIN POF
HITSUGAYA POV
Assim que havia chegado ao 18º posto médico percebi a real gravidade da situação. O pátio estava abarrotado de soldados atarefados e ao entrar no prédio o mesmo se encontrava lotado. Ontem em meio a triagem de pacientes, avistei Hirako comandar os de estado mais gravíssimo para a área em que ficaria responsável.
Como já havia sido requisitado em auxilio para o 4º bantai, não foi tão difícil ele gerir a situação junto de Unohana. Hinamori pelo o que soube estava no comando do quinto bantai até então e dada à situação, tão cedo isso não se vai resolver. Hirako havia me mandado mais cedo um recado me pedindo que o encontrasse aqui. Isso me intrigou além do fato que parecia querer manter sigilo.
Tinha o encontrado numa sala lidando com um soldado aos berros. Numa olhada percebi o procedimento rústico de cirurgia que fazia no soldado e segui para o outro lado da cortina de persianas que dividia esse cômodo. Antes que houvesse feito isso, o capitão notou minha presença e consentiu. Seria melhor que o esperasse em outra sala, mas dado a demanda desse posto preferi ficar aqui.
Enquanto encostado na parede verde ignorava os choramingos e berros do paciente, pensava em ontem. Karin havia sido levada até aquele poço por um Arrancar. Ele não a machucou exceto pelo hematoma em seu pulso e óbvio que não a sequestrou. Mas o que me intrigava foi na circunstância em que ocorreu. Enquanto perseguia aquele eco de socorro... O chamado mudou de direção. Durante o incêndio aquele Arrancar deve tê-la tirado do hospital e levado-a até aquela cisterna.
Com que propósito? Por que ele fez isso?
Essas perguntas eram o que mais me incomodavam.
- Desculpe a demora.
Saí do devaneio ao voltar o olhar para a pessoa. Com as persianas abertas, vi Hirako lavando as mãos enquanto retiraram uma maca dessa sala. A água da bacia ficou vermelha de sangue e mirei para o shinigami acamado sendo levado pelas enfermeiras. De todos os pacientes que encontrei aqui, foi o único com o ferimento desse tipo. Tão profundo e violento como o resultado de um tipo de golpe lacerante. Era óbvio que um ferimento dessa extensão foi obra de um ataque e a primeira opção que me veio foi o Arrancar que esteve com Karin. Hirako fez o que pôde, resta agora a recuperação.
- Ele ficará bem?
- Vai sobreviver. O atendi ontem mesmo, apenas teve uma complicação com o ferimento.
Resolvi não comentar.
- Sinceramente, estou exausto. Vamos para outra sala.
Sacudindo as mãos ele as enxugou para depois apanhar seu haori o vestindo e girou no lugar indo até a saída. O segui entrando no corredor lotado e fiquei ao seu lado. Enquanto íamos, a atmosfera de tensão pairava desde que cheguei aqui. O hospital onde deixei Karin parecia pacífico perto do caos onde este posto se encontrava.
Pacientes com queimaduras de terceiro grau, complicações nos quadros clínicos por conta da inalação da fumaça, além dos soldados comatosos em áreas provisórias de UTI. Apenas em olhar para o Taichou ao meu lado percebia-se o quanto ele trabalhou. Bolsas eram visíveis debaixo dos seus olhos e ainda havia esse ar irritado de cansaço. Hirako devia ter algo sério em tratar comigo para dispensar um descanso.
- Isso já está parecendo uma zona de guerra.
Pestanejei de leve com o comentário e suspirei ao atravessarmos mais um corredor em direção à uma porta dupla e branca. Shinigamis do quarto bantai circulavam menos por aqui deixando o ambiente mais quieto. Foi notável a mudança.
- O Comandante ainda não convocou os capitães para uma reunião. É cedo para especular algo assim.
- Acha mesmo, Hitsugaya-kun?
Me fitando de soslaio, Hirako sequer escondeu o sarcasmo em seu tom. Sem contar que havia frustração bem nítida. Toda essa situação estava incomodando os líderes da Brigada, principalmente o Comandante. Sinto que estamos rondando em círculos e ainda, não me parecia que estávamos numa situação de guerra.
Era mais como... Uma caça. Agora quem era o que restava a questão.
Ao meu lado, Hirako soltou um suspiro enfadado.
- Que seja, quero mostrar algo.
Ao chegarmos no fim desse corredor, ele empurrou as portas duplas brancas e o cheiro forte nos saudou. O necrotério. Com as luzes ligadas pelo movimento avistei três catres ocupados cobertos por um lençol branco. Me aproximei deles junto de Hirako enquanto o capitão se postou do lado direito de um dos corpos. Eram os três soldados que havia me dito ontem.
- Depois que veio ontem conversar comigo refiz a autopsia dos três.
Levantei o olhar para ele. Hirako fitava o cadáver sob o lençol sério e intrigado.
- Por quê?
- O estado dos corpos é no mínimo peculiar.
Preferi me manter quieto e notando meu silêncio Hirako continuou.
- Para não causar alarde informei ao alto escalão que a causa da morte foi deficiência de reiraku.
Franzi o cenho. O que esse sujeito descobriu ao ponto que precisou esconder? Como outra vez não verbalizei Hirako prosseguiu.
- Me diga o que vê.
Segurando a ponta do pano branco, levantou até o peito do cadáver e a visão me surpreendeu. Olhos fundos e vazios com as órbitas enegrecidas. Além da palidez post mortem e rigidez nos músculos, uma leve energia emanava fraca do corpo como se estivesse latente.
- Parece que foi queimado de dentro para fora.
- Exato.
Calçando luvas estéreis, o taichou em seguida expôs mais o peito do cadáver até o abdômen.
- Nunca vi nada parecido. Pele queimada e esticada sobre os ossos, perda do sangue e quaisquer líquido corporal por ressecamento. Mas o estranho foi isto.
Apontando para o único ferimento do corpo, estreitei o olhar ao ver a chaga enegrecida e funda.
- O principal ponto de ataque foi o hakusui. A partir daqui toda energia espiritual foi queimada até extinguir a alma da vítima.
Relanceei os olhos para os outros dois catres nessa sala.
- Todos os três receberam o mesmo golpe.
- Hai. Está claro que isso não foi efeito colateral do incêndio. O que indica que o fogo foi criminoso.
Cobrindo o corpo com o lençol outra vez, Hirako se livrou das luvas descartando-as num lixeiro enquanto me afastei do corpo.
- Por que está mantendo segredo?
Me encarando de soslaio, Hirako assumiu um ar que raramente vi nesses últimos anos. Astuto e cheio de desconfiança.
- O incêndio aconteceu pouco depois da missão de reconhecimento. E Hitsugaya, você estava muito estranho depois daquele fracasso. – Engoli em seco e ao ver seu olhar de insinuação aguçou. – Não sou o único escondendo informações.
Estreitei o olhar. Já devia ter imaginado isso. Esse sujeito por debaixo da imagem de leviano era sagaz e muito atento ao que acontece em seu redor. Afinal de contas, manteve Aizen debaixo de suas vistas como tenente para vigiá-lo mais de perto. Ainda que aquele traidor tenha feito aquilo.
- Você me emboscou.
Seu sorriso debochado quase me tirou do sério senão fosse pela situação.
- De que outro modo teria essa conversa?
Suspirei enfadado.
- O que quer saber?
- De todos naquele observatório, você foi o único com um ar de espanto no rosto. Principalmente depois daqueles comentários entre os capitães.
Continuei calado esperando. Se virando totalmente para mim Hirako deixou a desconfiança de lado me encarando.
- O que foi que você viu, Hitsugaya?
Soltei o ar cansado.
- Não acreditaria se eu dissesse.
- Então tente.
Desviei o olhar procurando pensar. Hirako não estava me acusando de nada, então devia ter outro motivo. Olhando por um momento os cadáveres, de repente entendi porque me trouxe aqui em primeiro lugar. Além de me mostrar o que queria estávamos sozinhos.
- Aqueles shinigamis Omitsu Kidou não se mataram, foram mortos e presumo que estes três receberam o mesmo tipo de golpe.
- Por que diz isso?
- Alguma coisa os queimava de dentro para fora. Um deles era atravessado por um tentáculo translúcido em seu hakusui antes de ser morto.
Encarei o louro debochado encontrando seu olhar incrédulo. Era claro que tentava entender o que acabei de dizer. De testa franzida ele analisava a informação fitando os cadáveres nas macas e a mim.
Foi desconcertante.
- Como foi que não vimos isto?
- Não faço a menor ideia.
Ele ponderou por um instante e depois estalou a língua.
- Kuso... Se estiver certo, então temos aqui um problema muito sério.
Sem dúvida. Não era pela entidade que somente eu vi no observatório durante a vigília e que essa coisa tivesse matado também esses soldados. Significava que tínhamos um oponente perigoso em nosso território e não sabíamos nada sobre para lidar com ele.
- Mas alguém sabe disso?
- Urahara Kisuke.
Hirako quase riu na menção do nome.
- Por que não estou surpreso?
Cruzando os braços dentro das mangas do haori, ele se encaminhou pela sala pensativo.
- Foi somente por isso que me chamou?
Parou de andar me encarando.
- Não.
Se dirigindo até um armário num canto, ele o abriu retirando uma caixa de vidro com algumas lâminas de analise. Isso me intrigou.
- O que é?
- Amostras de tecido desses três. Retirei quando tive tempo, mas ainda não analisei.
- Acha que tem alguma correlação?
- Depois do que me disse... Provavelmente.
Assenti tenso e ao mirar para o relógio que havia na parede, percebi o quanto essa conversa demorou. Quase gemi pesaroso e Hirako notou, já que me observava curioso.
- Algum problema?
- Não realmente.
Karin me esperava há horas. Com certeza sua consulta havia terminado antes que conversasse com o Taichou.
- Ah, perdeu o compromisso com a esposa.
- O que?
Incomodado, o fitei aborrecido com a insinuação. Nem num momento tenso desse esse sujeito deixa de fazer escárnio sobre mim. Ainda sorrindo ele estreitou o olhar divertido.
- É melhor preparar um bom pedido de desculpas, Hitsugaya-kun. Mulheres detestam espera.
Preferi não responder. Seria perda de tempo e até porque talvez ele esteja certo. Karin era geniosa e se dessa vez discutirmos estaria coberta de razão. Já atravessava as portas duplas dessa sala quando ouvi.
- Avisarei se encontrar alguma coisa, capitão.
Louro debochado.
HITSUGAYA POF
KARIN POV
Depois de perambular pelo hospital, engoli a teimosia e pedi para um shinigami do 4º bantai me ajudar. Ele à primeira vista se surpreendeu comigo, mas logo se recompôs e me guiou até aquela saleta de descanso. Durante o caminho eu percebi que havia pegado a direção errada. O cômodo ficava do lado oposto onde eu estava!
Que vergonha.
Enfim, assim que fiquei só procurei me distrair outra vez com as revistas ao esperar Toushirou. Ele estava demorando demais, quase que desisti da ideia de esperá-lo, mas me contive. Era um começo, eu estava me esforçando em não agir mais como uma garota temperamental. Exercitar a paciência quando não se tem o dom é cansativo... Mas valerá a pena, ceder e consentir é melhor do que brigar não é mesmo?
Entretanto, a sensação de cansaço me abatia mais e mais. Era tão esquisito. Não havia feito praticamente nada e meu corpo pedia por descanso. Antes que notasse a revista escorregou das minhas mãos para o colo e entrei naquele torpor vazio e convidativo. Acabei dormindo sentada mesmo. Não fazia a menor ideia de quanto tempo se passou, apenas que senti um toque singelo no meu rosto, como um roçar em minha bochecha e gemi entreabrindo os olhos.
- Como se sente?
Olhei na direção da voz encontrando meu marido sentando ao meu lado. Ele me observava quieto e curioso.
- Toushirou, quando foi...?
Olhei em volta confusa ao me endireitar no sofá. Por um momento havia me esquecido que vim aqui.
- Acabei de chegar.
Segurando minha mão, ele a apertou de leve roçando o polegar na parte interna do pulso. Isso ajudava a me despertar melhor, afinal estava grogue de sono.
- Nossa, eu... Devo ter dormido por muito tempo.
- Talvez não. Pronta para ir?
- Unhum.
Meu pescoço doía por cochilar sentada. Se levantando do sofá, Toushirou me puxou pela mão com gentileza para cima me ajudando. Assim que tinha ficado de pé, ele soltou nossas mãos colocando uma livre em minha cintura e entendi porque fez isso, era para me dar apoio. A cada passo que dava até a porta dessa sala foi meio vagaroso. Tomava minha atenção em manter os olhos abertos.
Eu estava com tanto sono que sequer me importei com os olhares que atraiamos pelos corredores. Assim que saíamos da recepção para a varanda desse prédio, a brisa me acordou um pouquinho mais e me situei. Caramba, já estava de noite. Tochas acesas criavam um corredor desde a entrada desse prédio até o portão mais próximo. Seguíamos por ele quando notei alguns shinigamis de vigia perto dos muros. Tensos observavam ao redor portando suas zanpakutos na cintura.
De certo modo me deixou um pouco nervosa.
- Toushirou.
Ele seguiu meu olhar e ouvi um suspiro.
- Não é nada para se preocupar.
- Tem certeza?
O olhei enquanto cruzávamos o portão e percebendo ele devolveu com um ar sereno.
- Fique tranquila. É apenas procedimento padrão pelo o que aconteceu no Posto Médico Geral.
- Certo.
Ele estava falando a verdade, vi em seus olhos e procurei relaxar. A cena que vi através da janela da capitã rondava agora minha cabeça me deixando aflita. Tanto que me espantei quando Toushirou havia me pegado no colo. Num momento estava caminhando e em outro ele tinha escorregado os braços, um nas minhas costas e outro atrás dos meus joelhos me levantando do chão. No susto enrosquei os braços no seu pescoço.
- Ei, por que você...?
- É melhor assim, ainda está cansada.
Oh... Meu coração martelou em ouvir seu tom preocupado. Preferindo ficar quieta, afinal era verdade mesmo, observei a rua na qual estávamos e não havia ninguém por aqui. Toushirou me aninhou junto de si enquanto o abracei melhor no pescoço. Saltando no shunpo o movimento era tão rápido, que mal se dava para ver na visão periférica. Me lembrava de quando nos reencontramos e com o vento açoitando nossas roupas enterrei o rosto no seu pescoço sonolenta.
Nem demorou tanto e quando o vento parou o senti caminhar numa direção, seus passos soando metódicos. Levantei a vista em tempo de ver o prédio do alojamento do capitão adiante. Toushirou seguia pelo caminho de cimento tranquilo, como se meu peso não importasse e confesso que gostei disso. Era a segunda vez que aproveitava ele me carregar sem qualquer estresse ou irritação.
Com meu suspiro ouvi um quase riso me fazendo sorrir também. É, eu sei o que deve estar pensando. Esses momentos em que não discutíamos, não brigávamos ou muito menos ficava um clima estranho eram tão raros ultimamente... Que não seria estranho acharmos graça.
- Não está irritada?
Pisquei confusa e o olhei assim que entrou no gramado da nossa “casa”.
- Com o que?
- Demorei mais do que previa.
- Sem problema, dormi boa parte do tempo.
Enquanto ele cruzava o gramado ficamos em silêncio até Toushirou subir os degraus da varanda, abrir a porta e entrarmos. No instante que chegamos à sala estranhei esse silêncio e por um bom motivo. Parado no meio do cômodo ele me olhava com insistência e franzi o cenho encabulada. Toushirou estava me analisando, não gostei disso.
- O que foi?
O mirei curvando os lábios, mas ele estreitou os olhos tombando o rosto.
- Está tão...
- ... Compreensiva?
- Calma.
- E isso não é bom?
Ele não disse nada, apenas continuou me fitando com esse ar analítico ao me levar até um dos sofás. Me sentando no móvel, Toushirou ainda mantinha o olhar sobre mim se acomodando ao meu lado. Sinceramente estava me incomodando, a ponto que me remexia inquieta no lugar.
Esperei ele dizer alguma coisa e como continuou calado não agüentei.
- Qual o problema?
- Por que está agindo desse jeito?
Me entalei encabulada e um constrangimento me tomou. Parecia que via através de mim. Como isso se tornou uma conversa cheia de perguntas? Ao ver minha reação, seu olhar assumiu um ar jovial. Ri sem graça para disfarçar.
- N..nani? Impressão sua.
Com meu gaguejo, sua sobrancelha levantou cética.
- Mesmo?
- Claro que sim.
- Então não ficou impaciente me esperando após a consulta?
Respirei fundo antes de dizer qualquer coisa. Não podia mentir descaradamente, afinal de contas.
- Bom, fiquei um pouco, mas era de se imaginar. Você disse que podia demorar.
- Mas não tanto.
Cismei com essa insistência.
- E daí? Eu disse que te esperaria.
- Se estava demorando não precisava.
- Mas que coisa! Se disse que faria, então faria. Não é nada demais! Alias por que está tão incomodado? Até parece que não ia se chatear se não me visse no hospital! Você...
Quando ele quase riu foi que percebi. Estava dando um ataque. Justo o que mais evitava e morri de vergonha.
- Agora sim, essa é você.
Como se fosse possível meu rubor dobrou de tamanho. O mirei chateada.
- O que quer dizer?
- Entendeu muito bem, Karin.
Desviei o olhar para baixo. Droga, Toushirou parecia ter o dom de me deixar sem graça. Se aproximando de mim, não percebi o que ia fazer até sentir seu rosto roçando no meu. Fechei os olhos com a carícia enquanto ouvia seu fôlego soprando morno em minha orelha.
- Não precisa fazer isso. Sabe que te amo exatamente do jeito que é.
Meu coração martelou forte e pesado, principalmente quando segurou minha mão entrelaçando os dedos com os meus. Poxa, era injusto. Toushirou estava tão carinhoso comigo e eu só queria retribuir essa atenção, não brigar por qualquer coisa. Mas não vou negar que foi sem igual ouvi-lo dizer "eu te amo" tão claramente. Da primeira vez estava quase dormindo.
- Não é por isso.
- Então por quê?
Engolindo em seco afastei o rosto levantando os olhos ao fita-lo.
- Não quero discutir a toda hora. Eu sei que tem acontecido bastante por causa do meu gênio. Você tem sido muito paciente comigo, principalmente com tanto trabalho que tem nos últimos dias. Não quero mais te causar problemas. Então... É por isso.
Desviei olhar suspirando até que me lembrei.
- Ah, quase ...
- O que houve naquele poço, Karin?
Pisquei com a mudança brusca de assunto. O encarei muda sentindo um nervosismo aumentar ao ver seu olhar compenetrado, sério. Percebi então que estava assim desde que mencionei trabalho e sequer tinha notado no momento.
- Então?
Engoli em seco.
- Eu...
Será que devia?
- Pode me dizer.
Respirando fundo, vi a confiança que queria me passar e detestei essa hesitação. Ele é meu marido, caramba! Claro que acreditaria em mim. Até porque Toushirou é um capitão, se tinha alguém para quem contar seria ele.
- E..eu nem sei direito, ontem You ou me avisou para fugir do hospital, nem entendi porque, então um shinigami que trazia meu jantar foi morto bem na porta do meu quarto, a..aquilo...
- Se acalme. Respire fundo e tente de novo.
Fiz o que me falou percebendo o quanto estava tremendo. Toushirou segurava minha mão com firmeza, mas sem machucar me dando uma sensação de segurança. Foi então que entendi que estava com muito medo. Um pavor enregelante que segurava desde ontem.
- Disse que You ou lhe avisou?
Assenti muda.
- Sobre o que?
Suspirei tremula.
- Uma reiraku, nociva e deturpada vagando dentro do hospital. E...ele disse que era perigosa. Não era seguro ficar ali e me mandou fugir.
O encarei nervosa.
- Toushirou, uma coisa matou um shinigami praticamente na porta do meu quarto – Fitei o vazio ao lembrar – Foi aquilo que causou o incêndio. Ninguém notava o ar quente de tão carregado. Eu fugi porque parecia que me perseguia. Não iam acreditar em mim e então...
Peguei mais fôlego para continuar.
- ... Então quando finalmente consegui ficar sozinha, ele apareceu.
- Ele quem?
- Não sei. Não consegui enxergar. Tentei fugir dele também, mas aparentemente foi inútil, pois me seguiu e me tirou do prédio.
O olhei confusa com o peito angustiado. Toushirou continuava sério.
- Era um arancar, não é?
Seu silêncio foi uma confirmação. Uma tensa pausa se instalou até que continuei.
- E..ele disse que também podia ver aquilo. Eu perguntei o que era, mas não quis me dizer. Apenas que me tirou do hospital para me manter em segurança. Parece que tem companheiros, pois falou em “nós”, mas ainda o mais estranho foi o que disse o final.
Procurei me acalmar. Essa ansiedade toda não faria bem ao bebê.
- O que ele falou?
- A localização de um lugar – franzi a testa frustrada – Estava tão nervosa na hora, mas agora que me lembro a descrição é muito vaga.
Fiquei mais frustrada. Sabia que essa informação seria muito importante, ainda mais se o Gotei estivesse investigando algo à respeito.
- Tudo bem, não precisa se forçar.
Voltei a encará-lo preocupada e ao notar, seus olhos se estreitaram.
- O que foi?
- Enquanto estava fazendo a consulta eu vi de novo – com seu olhar intrigado, suspirei tremula – Enquanto Unohana taichou me atendia, eu vi uma coisa emergir do pátio. Era enorme, transparente, mas... Mas ninguém viu aquilo.
Na última frase Toushirou prendeu o fôlego, seu olhar estranho e entendi.
- Você também...?
- Sim. Ontem durante a vigília da missão que lhe falei.
Fiquei calada, sentindo o estômago gelado apesar do alivio em meu peito. Não estava sozinha. Eu não era a única a enxergar aquela coisa e saber disso já me acalmava um pouco.
- Mencionou isso para alguém?
Sacudi a cabeça.
- Só pra você.
Desviando o olhar, ele apertou minha mão pensativo. Eu conheço esse olhar, determinado ao tomar uma decisão.
- Mantenha em segredo por enquanto.
- Por quê?
Me olhando de soslaio, a seriedade cobriu seu rosto.
- É uma situação complicada. Por enquanto, só estamos reunindo informações, mas baseado com o que disse...
Engoli em seco entendendo.
Uma criatura que ninguém pode ver, vagando e matando sem distinção. A única coisa que poderia gerar se isso se espalhasse era pânico.
KARIN POF
Centro de Desenvolvimento Tecnológico, Área de Sigilo.
O último teste havia sido feito esta tarde. Até aquele momento, a cobaia de número 0001 não reagia desde que a sedação havia cedido. Hiou suspirou encarando a tela do monitor onde digitava os resultados da última cirurgia. Kurotsuchi taichou havia investigado o sistema digestivo da cobaia. E nossa... Ainda poderia ouvir os gritos de agonia quando a anestesia acabou.
Tiveram de amarrá-lo à mesa e ele assistiu horrorizado o fascínio de seu capitão com a criatura aos berros. Quando foi requisitado para este projeto havia ficado tão empolgado que esqueceu dos pormenores que implicavam. Por eles a cobaia estava inerte desde o desmaio durante a cirurgia.
A única coisa que o intrigava desde que tudo começou semanas atrás era a máscara. O espécime tinha uma máscara acoplada no rosto semelhante a dos hollows. Exceto por haver nada além dos olhos. Kurotsuchi taichou não a removeu sequer uma vez. Por que? Havia uma razão por trás? Sacudiu a cabeça esgotado. Isso não era problema dele.
Desde que fizesse seu trabalho direito, transcrevendo os resultados de cada teste, sua promoção estaria garantida. Estava tão concentrado no relatório que mal ouviu um barulho até ecoar outra vez. No silêncio predominante nesse laboratório um gotejar continuo se ouvia. Intrigado, se levantou da mesa seguindo o barulho até sua sandália chapinar.
Olhou para baixo, encontrando uma poça d’agua no piso imaculado e seguiu a trilha até se deparar com a fonte. Um calafrio enregelou sua espinha. Diante do tanque onde a cobaia estava, Hiou mordeu o lábio em puro nervosismo. No painel de vidro em sua frente uma fissura se encontrava vertendo o soro. O capitão não gostaria nada disso, poderia ser explodido se não der um jeito.
Entretanto, antes que se afastasse do tanque, um punho veio em sua direção atravessando o vidro. Sua garganta foi agarrada, esmagada enquanto a mão o puxava com violência. Vidro quebrando sobre o rosto e o corpo, o liquido o encharcando quando o tanque explodiu despedaçando foram tudo o que notou antes de morrer.
Segundos depois uma sirene soava anasalada frenética naquele setor do quartel.
Uma das cobaias havia acabado de fugir área da contenção.