O Afogamento de James Jean

Hinata

O almoço transcorrera bem, e surpreendentemente, Neji era ótimo em se enturmar. Ele parecia ser o tipo nerd extrovertido, embora possuísse um caráter maduro que o fazia soar quase sempre como um tutor. E não falava muito, não se estendia demais. Era pontual, direto, mas sutil. Para ser sincera, a palavra que me veio em mente, ainda que não fizesse jus completamente, era elegante. Como uma pessoa notavelmente instruída e agradável. Talvez por esse seu jeito, ele conseguia ser muito carismático e logo Naruto e Sasuke se deram muito bem com meu primo.

Ele, inclusive, tinha apenas 23 anos. O que era um fato surpreendente, dado seu nível de independência e clareza existencial. De início, quando citara sua idade, eu fiquei receosa. Ainda mais quando revelara ter transferido sua faculdade de Letras para a UTokyo, exclusivamente para ficar comigo. Olhando para ele, eu não duvidaria do quão empenhado ele era por transferir e recuperar todo o tempo perdido para acompanhar o pessoal de lá, mas ao mesmo tempo isso era assustador. Neji era só um jovem adulto, que estava revirando sua vida para tutelar uma prima que nem ao menos conhecia.

Além disso, eu não tinha certeza se isso o deixava feliz. Se realmente um cara de 23 anos estaria dormindo em paz com tal decisão. Mas tentei ser positiva, apesar de tudo, pois seu vasto conhecimento demonstrado apenas em um almoço já havia me deixado empolgada para aprender coisas novas. Não quis pensar que todo aquele humor altivo e refinado fosse puramente uma encenação para agradar, não parecia combinar com ele, com a famigerada primeira impressão. E se esta era mesmo a que ficava, como dizia o ditado, eu tinha começado a acreditar de verdade que morar com Neji seria uma experiência frutuosa.

E estar pensando sobre essas coisas me fez notar o quando eu havia acordado diferente naquela manhã. De fato, eu sentia meu interior mudando, começando a desejar experimentar as coisas das quais estive me privando durante todo esse tempo. Ainda haviam certos resquícios de minha personalidade contida, de minha timidez e caráter introspectivo, é claro. Embora ainda sentia precisar melhorar nesses aspectos. Por Naruto, eu agora via muitas coisas que poderia mudar. Não para o mal ou para algo que não correspondesse àquilo que eu era, mas como uma reviravolta necessária e até mesmo com desejo enterrado dentro de meu subconsciente de forma tão escondida que achei nem mesmo existir.

Naruto era… ele era maravilhoso.

E ter Neji agora comigo só me fazia sentir mais segura para seguir aprendendo a ser todos os dias aquilo que o grande loiro precisava. Antigamente eu achava que jamais conseguiria retribuí-lo por todas as coisas que fizera por mim, sem pedir absolutamente nada em troca. E agora, desprendida da energia opressora dos Sasaki e da memória deturpada de meu passado, eu podia ver que isso era ingenuidade. Afinal, só naquele dia eu o tinha feito sorrir inúmeras vezes e isso já era prova de que eu despertada para a vida que ganhara. De certa forma, isso me fez divagar sobre a personalidade de Akemi e eu me senti, minimamente, mais perto dela. Do que ela fora, não só para mim como para todos que conheceu.

Alguém cujo sorriso contagiava.

E por falar em sorrir, eu já havia perdido a conta de quantas vezes ficara admirada com a cena à mim presenteada naquela mesa de almoço. Há muito tempo que todos haviam comido, mas a conversa se estendera sem fim e, enquanto eu observava a todos numa espécie de espaço-tempo só meu, pude notar tantas formas de vida que me enchiam de amor que era atordoante.

Havia Kushina e Minato, com suas breves rugas nos cantos dos olhos e suas vozes carregadas de uma alegria, como se contemplassem de fato uma reunião de família. Suas personalidades sempre tão contraditórias acabavam por encher a mesa de implicâncias divertidas e mesmo nem sempre participando de todos os assuntos, um ou outro acabava por se lembrar de acrescentar uma piadinha, com pautas divergentes.

Kushina sobre erotismos disfarçados. Minato sobre citações famosas.

E nisso ele e Neji haviam se dado perfeitamente bem!

Havia também Sakura e Sasuke, entretidos com as aventuras de Neji na faculdade, ora debruçando-se de tanto rir, ora desacreditados sobre como ele conseguia ser engraçado de forma tão sutil e despreocupada. A garota até se debruçara sobre a mesa, o riso pendurado nos lábios e Sasuke esparramara-se em seu lugar, descontraído de um jeito que eu nunca havia visto ou reparado direito. E a visão destes 2 casais, entretidos com o convidado, parecia ser sinceramente o tipo de cena feliz que eu imaginava existir naquela casa, lá atrás nas memórias, na primeira vez em que estive na frente da residência, sendo atacada por garotos ruins e tentando invadir um colégio.

Para completar, havia Naruto. Meu fiel melhor amigo, companheiro, confidente de excepcional alma. Ele se divertia, empolgado sobre a ideia da faculdade, ansioso para essa nova etapa, feito um menino diante de um brinquedo novo. O assunto, apesar de corriqueiro na vida dos jovens, parecia muito mais inspirador pra mim naquela situação, sendo a minha um verdadeiro começo. De certa forma, ainda não me imaginava encaixada em nenhum tipo de curso, mas podia sentir a esperança brotar ao conhecer Neji e sua aparente capacidade de aprender sobre toda e qualquer coisa que quisesse.

E no final daquele enérgico papo, a fim de comemorar a chegada de Neji, uma Sakura agitada decidira que todos nós iriamos para uma festa. A minha primeira festa naquela nova vida.

Bom, sinceramente? Eu espera que fosse a primeira de muitas.

***

Sakura só não havia dito que aquela produção toda era necessária. Já era noite em Tokyo e eu jazia sentada frente a penteadeira de Kushina, sob as habilidosas mãos da Haruno e aprovação da ruiva, pelo o devia ser uma eternidade. Sakura terminava de passar o gloss sutil em meus lábios e em seguida apreciou o trabalho que fizera, virando-me para que eu pudesse ver com meus próprios olhos. De fato, como na outra vez, ela tinha conseguido recriar uma pessoa no rosto de outra e tal constatação, agora me fizera rir com admiração.

— Isso só pode ser um talento. — respondi ao seu olhar em expectativa. Ela sorriu de forma sapeca, toda serelepe. Eu voltei a olhar para meu rosto no espelho e a garota decidida e com um olhar penetrante me encarou de volta. Os olhos, marcados por uma maquiagem preta, que num contraste enorme quase davam a sensação de que saltavam da cara. O rosto, muito bem maquiado, com as maçãs coradas e cheias de vida e a boca levemente iluminada pela textura em gel do batom transparente.

O pacote ainda era composto por cabelos soltos, um vestido curto de alcinhas preto, com estampa florida e nos pés botas pretas de salto tratorado. Eu sorri com agradecimento e a mulher no espelho pareceu muito mais sensual. Suspirei internamente, ainda desacostumada com aquilo. Apesar de que tal imagem transparecida pela produção impecável de Sakura, na verdade, me encorajava, porque afinal, sendo ou não o meu reflexo comum, aquele rosto ainda era meu.

Eu me virei de volta para ela e dei as costas à imagem bonita que construira em mim. Segurei suas mãos e lhe encarei nos olhos verdes, que por sua vez também eram emoldurados por uma maquiagem num mix de tons deslumbrantes de marrom.

— Obrigada por isso. Vocês duas! — murmurei. Kushina se levantou, sorrindo maternalmente.

— Vocês estão lindas, minhas meninas. Agora, Hinata, se apresse e vá chamar Naruto. Ainda preciso ajeitar o quarto dele antes de ir deitar. Tsunade trouxe um colchão para ele enquanto Neji ainda não se instala completamente.

Eu assenti e as deixei no quarto, divagando sobre o que Naruto pensaria quando me visse daquele jeito. O que haveria ele de enxergar naquela minha versão tão diferente, agora que eu também estava mudando? Parte de mim ansiava por seu sorriso caloroso, por isso não hesitei ao bater na porta e em seguida, sem ouvir nenhuma objeção, entrar.

Ele ainda estava diante do guarda-roupa, vestindo apenas uma calça jeans e tênis, com as mãos na cintura e os cabelos ligeiramente molhados. Parecia pensativo, olhando para os cabides no armário como se eles fossem resolver seus problemas. Achando graça, eu não pude me conter e ri. Imediatamente Naruto se virou, surpreso. Tê-lo naquela situação era complicado, eu admitia. Pois sua beleza física, ainda que não fosse em nada tão significativo quanto sua beleza interna, tinha grande potencial em me deslumbrar.

Seu corpo era muito atlético, jovial. Tinha um tronco malhado, mas não exageradamente. Mas seus ossos, esses eram muito bonitos. Protuberantes, principalmente as clavículas e o quadril, este último acompanhado dos músculos da virilha que apareciam sutilmente com a calça de cós baixo e largo. Ali, eu ainda podia ver um pedaço singelo e preto de sua roupa íntima. Além disso, apesar de muito louro, Naruto era surpreendentemente bronzeado e isso lhe potencializava ainda mais o aspecto… aventureiro que aquela vestimenta demonstrava, bom, especificamente pela falta dela.

Suspirei, envergonhada pela avaliação. Mas a reação mais espalhafatosa viera dele.

— Caramba, quem é essa estrela do rock aí na minha porta?

Eu balancei a cabeça, olhando-o com zombaria. Naruto coçou o cabelo molhado e mordeu o lábio inferior, querendo sorrir.

— Poxa, não me olha assim, porque esses teus olhos agora estão potencialmente perigosos.

Franzi a testa, ainda encostada na porta. Eu ainda não conseguia administrar tão bem essa proximidade repentina e intensa que tínhamos, além da amizade. Muito menos com algumas sensações e pensamentos indiscretos que volta e meia apareciam em minha mente para me deixar desnorteada. Por exemplo o de agora, afinal, como ele podia me acusar de ser potencialmente perigosa, quando estava seminu, mordendo o lábio?

Não, eu não precisava ser nenhuma experiente para entender o que era a malícia e a libido. E como naturalmente elas existiam em mim, juntas. Eu era humana, no fim das contas, por mais zumbi que tenha sido nos últimos anos. Entretanto, ainda era desconcertante, porque Naruto ainda era meu melhor amigo e pensar nele desse jeito me confundia um pouco, acima do meu esforço e entusiasmo para seguir aquele namoro como um namoro deveria mesmo ser.

Mas nisso, eu precisaria incluir justamente a malícia e a libido. E estas, eram novas parceiras das quais não me acostumaria tão cedo a administrar.

— Você devia se vestir. — eu disse e minha voz falhou. Pigarreei, amaldiçoando a denúncia de meu próprio corpo. A feição no rosto dele mudou imediatamente e eu o vi engolir a seco. A tensão ficou entre nós e os olhos azuis estreitaram, bem como ele buscou o ar um pouco mais, o peito inflando-se e ficando ainda mais largo.

— Porra, Hinata, você está… muito, muito sexy mesmo nessa roupa e nessa maquiagem preta. Eu me sinto péssimo por estar pensando nisso. — ele admitiu e expirou o ar que puxara. Envergonhado, ele sorriu um pouco e virou-se para o guarda-roupa de novo, buscando entre os cabides.

Suspirei, me sentindo mal. Às vezes ele agia mecanicamente, se poupando e se freando o tempo todo, culpando-se por ser apenas um homem como qualquer outro, como se fosse necessário que se mantivesse feito um anjo perfeito em 100% do dia. Caminhei ao seu encontro e toquei em seu braço. Ele se voltou para mim com os olhos fechados.

— Não precisa se sentir assim… você é meu namorado, afinal, não é? — tentei animá-lo. Seus olhos abriram e me fitaram com um carinho ardente.

— Eu sou. Mas queria que minha animação por finalmente estar contigo assim não me fizesse parecer um garoto precipitado.

Eu sorri com ternura e ele abaixou a cabeça. Toquei seu rosto delicadamente, achado graça por nossa inversão de papeis.

— Naruto, o tempo é uma coisa relativa, quando estamos falando dos nossos sentimentos. E foi você quem me ensinou isso, então não se apegue na ideia contrária. Até porque o único tempo válido aqui é aquele perdido que eu preciso recuperar. — assim que terminei a frase, nem acreditei que tinha conseguido dizer com tanta clareza. Orgulhosa, eu lhe exibi um sorriso contente, mas talvez o meu novo olhar maquiado tivesse alterado um pouco minha expressão e num ato impetuoso, ele atirou-se sobre mim e me beijou.

Com urgência, num suspiro profundo, seus lábios pressionaram os meus com força e em seguida ele inclinou-se mais para morder minha boca, puxando a pele de um jeito diferente de todas as outras vezes, agora libidinosamente. De repente, seu corpo girou comigo e eu fui pressionada contra uma das portas do guarda-roupa, fazendo soar um baque que se misturou com nossas respirações no silêncio do quarto. Colado a mim, Naruto desceu os lábios por meu queixo até alcançar o pescoço, trilhando caminhos que eram difíceis e muito novos para mim. Ofeguei quando sua boca roçou em meu ouvido.

— Eu quis fazer isso assim que eu te vi parada na porta. — sussurrou e depois se afastou, sorrindo torto. Os olhos azuis sondaram minha reação e na verdade eu não tinha uma. Minhas pernas bambearam e eu estremeci. Porém, ele levantou o dedo indicador e então finalmente escolheu uma simples camiseta branca e a vestiu. — Mas eu posso me contentar com sua teoria, Hinata.

Seu tom brincalhão me fez relaxar e ele, sem perceber, havia quebrado o gelo de meu descontrole emocional temporário. Abriu outra porta de seu armário e de lá tirou uma jaqueta de couro preta, enfim completando seu traje. Eu abri um sorriso e balancei a cabeça ante sua escolha, embora fosse exatamente como ele sempre se vestia. Com a exceção de que agora eu felizmente reparava nisso.

— Vamos, minha estrela do rock? — chamou, estendendo uma mão de forma teatral. Eu ri e enlacei meus dedos nos seus, pronta para sairmos.

— Olha quem fala, James Dean.

O som de sua gargalhada foi a única lembrança que ele deixou no quarto para confidenciar aquele momento.

***

Sakura convidara todos os nossos amigos, embora muitos não puderam vir. Estávamos em uma boate, onde uma banda que Naruto gostava iria tocar. E lá, diante da cena que presenciava, só conseguia rir. O caso era que, além de nós cinco, as únicas pessoas que vieram foram Ino, Gaara e… Tenten. Ver o sorriso amarelo nervoso em seu rosto me fez lembrar de como eu estava no dia em que fomos ao baile do colégio, como todo aquele falatório sobre Naruto ser meu par. E como par, eu tinha entendido companhia.

Claro que, naquela ocasião, Tenten inocentemente acabou por tornar-se o par de meu primo, que alheio à esse fato, já estava encontrando um assunto com os meninos. Ele estava vestido de forma mais séria, com um suéter preto fino e uma camisa branca por baixo, as golas, mangas e barra sobressaindo à peça, e calça jeans escura. Sua postura era casual, embora parecesse um CEO conversando com colegas de trabalho depois do expediente. Quando ria, aparecia um pouco mais uma covinha no queixo e ele quase sempre mexia no cabelo, que estava preso num coque relativamente desleixado.

Tais características, se a mim não passavam despercebida, eu mal podia imaginar como eram vistas pelos olhos castanhos e subitamente tímidos de Tenten. Era engraçado, aliás, estar pensando sobre isso, porque ainda que inertes pelo tempo me trancando em porões escuros, os sentimentos eram inatos da minha humanidade. E agora pareciam que sorrateiramente se mostravam, apareciam feito novidades a cada momento. Como se Naruto tivesse conseguido desobstruir as vias pela qual a minha vida deveria fluir.

Ainda mais surpreendente era a minha fome de viver. Quem diria, como eu poderia saber, que havia tudo isso para ser conhecido? Que eu tinha me amaldiçoado à uma interpretação errada de minha própria história? No fundo, talvez eu soubesse que meu estranho dom e os caminhos que ele me levou a trilhar não eram o que me aprisionava nesse eterno funeral. Mas depois de ouvir tudo o que Kushina tinha para dizer, de sentir minha alma encontrando o lugar para onde Akemi se deixou morrer para me mostrar e de finalmente ter revelado tudo ao meu fiel amigo, eu me sentia outra pessoa. Afinal, se uma pessoa como Naruto havia me entendido e enxergado a verdade, quem era eu para desacreditar de sua fé?

E com isso, eu percebi que acreditava em mim mesma. E que não havia mais sentido em me privar de tudo, quando isso representava o extremo oposto do que Akemi lutara tanto para conseguir. Que nada daquilo, nossa pacata vida juntas, fora simplesmente uma sequência trágica. Porque por trás disso, havia muitas outras pessoas envolvidas, cuja história pudera ter sido salva por minha mãe e que aguardava o destino final, quando eu finalmente o concretizasse.

Sorri, distraída. Agora, desperta, como se eu houvesse morrido por desnutrição, eu me sentia faminta. O sentimento me desnorteava um pouco, me deixando incerta sobre o que dar atenção primeiro, se aquilo que meu corpo pedia ou se aquilo que minha mente conseguia discernir como certo. E eram infinitos paradoxos, como minha vontade por começar a botar o plano em prática, na surdina e um passo de cada vez, com relação a minha ansiedade por desmascarar Hiashi aos quatro cantos.

Com meus pensamentos desordenados, dando atenção a coisas diferentes e em simultânea, eu nem percebi o olhar das meninas sobre mim, em uma avaliativa cheia de risos e provocativas suaves.

— Eu estava tão ocupada assim na viagem que não tive tempo de notar toda essa mudança, meninas? — disse Tenten, arqueando as sobrancelhas para mim. Eu suspirei, enrubescida.

— A gente demora, às vezes, para descobrir algumas verdades. Mas antes tarde do que mais tarde, não é, Hinata? — Sakura respondeu, lançando uma piscadela, toda sorridente. Eu me senti contagiada e soltei um riso discreto — mas nervoso — concordando.

— Mas e aí, eu não vou saber o que aconteceu? — Tenten insistiu.

— Tia Kushina me contou que Hinata e Naruto viraram a casaca e ela vai sair de casa… para morar com esse primo novo. — disse Sakura, num cochicho. Os olhos de Tenten se arregalaram e ela procurou em meu rosto sinal de que era brincadeira. Eu fiz cara feia para os termos escolhidos pela Haruno.

— Não é bem… assim. Eu estava na casa do meu pai como se fosse um favor e ele odeia a família de Naruto, de um jeito doentio. E então os pais de Naruto contataram o Neji e a gente decidiu que seria melhor se eu morasse com ele. — franzi o cenho enquanto procurava palavras para explicar aquilo sem abordar todo o contexto maluco e sombrio que rondava de verdade aquele assunto. Tenten ponderou e sondou meu primo por um segundo.

— Então ele não está aqui como visita… — murmurou consigo mesma. Eu, Sakura e Ino trocamos olhares risonhos.

— Está interessada, Tenten? — Ino perguntou sem rodeios. A amiga despertou de seu devaneio e pigarreou com as bochechas coradas.

— Não, claro que não. Eu não estou nem um pouco interessada… — ela tentou desconversar, os olhos escapando em direção a ele outra vez. — Ele é parente por parte de mãe?

O coro de risadas estourando fez Tenten notar o que havia dito e imediatamente ela ficou emburrada. Mas ao mesmo tempo, os meninos se recordaram de nossa presença e caminharam para perto de nós. O jeito dela, toda nervosa, ante a chegada dos rapazes era tão icônica quanto aquela imagem, dos três namorados abraçando suas garotas pela cintura. E Neji despreocupado olhando diretamente para a única pessoa que não tinha ninguém para abraçá-la. Estar entre o grupo dos casais me fez ficar estranhamente agitada.

Mas minha observação foi interrompida por Naruto, que de repente ficou animado com a nova musica que começava a tocar, se esgueirando pela boate.

— Eu amo essa música! Vamos dançar — ele me puxou ainda falando e eu estendi o convite para os outros dois casais, para logo fitar Tenten com um olhar sugestivo.

— Neji vai te fazer companhia, não vai, primo? — lancei com inocência. Ele deu um sorriso sutil e assentiu.

— É sempre um prazer fazer companhia a uma mulher. — respondeu, como se não notasse o efeito que causara em minha amiga. Me lançando um olhar acusativo, eu li os lábios dela ao sussurrar um “quando foi que você ficou tão espertinha?”.

Eu sorri e me virei para seguir Naruto por entre a multidão.

É, Tenten, nem eu sabia dizer.

"Eu sinto como se estivesse me afogando

  (Eu estou me afogando)

  Você está me puxando para baixo e…

  (Me puxando para baixo)

  Você está me matando lentamente

  (Tão lentamente, oh não)

  Eu sinto como se estivesse me afogando

  Eu estou me afogando.”

— I feel like I’m drowning, Two Feet.

A música tinha um começo lento e no meio te tanta gente, naquele ambiente escuro com luzes ritmadas e a voz melodiosa do cantor, eu me senti… atenta. Muito acordada diante das mãos quentes de Naruto segurando as minhas. Ele havia fechado os olhos e sorria um pouco, balançando o corpo. Mordeu o lábio inferior, curtindo a musica sem receios. Eu lhe admirei, iluminado daquele jeito sorrateiro, numa penumbra interessante. Os seus olhos abriram quando o refrão nos alcançou e o brilho ardente deles me pegou de surpresa.

Ele cantou a estrofe, sem perder o contato visual. E ainda que fosse alto o som da melodia, eu pude ouvir sua voz rouca pela proximidade na qual estávamos. O arrepio que percorreu minhas costas foi involuntário, mas eu achava plausível. Porque aquilo era descabido demais… a musica era envolvente, tinha um teor apelativo e o oceano azul inflamando na minha direção deveria ser algum tipo de pecado. Ou era apenas um delírio meu o fato de que eu literalmente estava me afogando nele?

Eu deixei os lábios entreabrirem, como se eles ousassem dizer alguma coisa. Mas eu estava repentinamente sem palavras quando notei o quanto Naruto estava longe de estar racional. A musica mexera com ele, em campos terrivelmente perigosos. E eu nem pude protestar quando uma das mãos dele me puxou para perto, muito perto, colando nossos corpos, que emendaram juntos em sua dança lenta e…

O que eu estava pensando mesmo?

O emaranhado de coisas as quais meu cérebro tentava se atentar foi perdido quando Naruto deslizou sua mão por minhas costas até parar na base, agarrando o tecido do vestido, os dedos roçando perigosamente em uma parte do meu corpo que ele jamais ousara tocar. Em paralelo, ele abaixou a cabeça, pondo-a acima de meu ombro, o nariz inspirando o ar em meu pescoço. Eu fechei os olhos, gostando muito daquela sensação enérgica que trazia um calor indescritível.

— Você é tão cheirosa, amor… — ele murmurou para que eu ouvisse. Sua voz arrastada, rouca, fez minhas pernas tremerem e minhas mãos ansiaram tocá-lo. Eu agarrei a gola de sua jaqueta de couro, trazendo-o mais perto, como se isso fosse possível.

Ele ergueu a cabeça de novo e com a nova mão livre segurou meu rosto, os olhos enevoados por algo que eu desconhecia, mas que estava começando a entender.

— E tão linda também… — eu pude ler seus lábios dizer.

Ante ao desejo explícito em sua feição, eu inesperadamente quis que ele me beijasse.

— Eu me lembro — ele se aproximou de novo para dizer, os lábios colados em meu ouvido. — Quando a gente dançou pela primeira vez naquele baile e eu quis tanto… eu quis tanto te beijar, Hinata.

Sua voz embriagada por seus sentimentos me arrastou para um delírio desconcertante e eu senti meu corpo todo corresponder a ele e àquela irracional vontade oculta que ameaçava clarear minha mente para sua chegada. E a recordação causada por suas palavras me fizeram sorrir, pois havia parte de mim que gostava daquilo, de imaginar que ele poderia ter feito isso antes. Eu sabia  que se houvesse feito, teria iniciado uma crise muito maior do que quando o fizera tão mais tarde, após termos compartilhado tantas outras coisas das quais nos aproximou de um jeito muito intenso para apenas dois bons amigos. E mesmo assim, eu gostei.

Tanto que num movimento ligeiro, eu afastei meu rosto para captar seus lábios e permitir que concretizasse seu desejo. Este que ardia agora em nós dois. Movido pela intensidade do momento, Naruto deixou-se descontrolar e mostrou um lado seu que eu jamais havia presenciado. O lado que amava além do que sua alma gritava, o lado que amava carnalmente. Pois seus lábios se agarraram aos meus como se estivesse voraz. E ele parecia estar, beijando-me sem pudor, explorando minha boca com sua língua quente e seu toque lascivo em minha cintura. Meus dedos agarraram seus cabelos loiros, deixando-os tão assanhados quanto seus olhos azuis, que se abriram levemente para fitar meu rosto, enquanto mordia meu lábio inferior e o puxava com certa ferocidade de encontro a si.

Eu tentei encontrar vontade para interromper aquele toque, que se estendia além do que eu julgava ser confortável expor num lugar público. Mas não havia uma singela fagulha de razão diante do incendiar que o beijo de Naruto me fazia sentir. Era uma sensação completamente desconhecida, que me tomava num ímpeto… selvagem. Talvez fosse essa a palavra que eu buscava antes de ele me interromper de maneira tão sensual.

Este conhecimento, aliás, me deixava a beira de um aneurisma. Oh, Deus, como eu lidaria com aquilo? Naruto era um homem muito sensual. E eu jamais havia notado tal característica. Mas será que todas as outras garotas o fizeram? Seria por isso que ele vivia rodeado delas? Seria por isso que Shion não podia se permitir dividi-lo com outra pessoa, em seus sonhos?

Se esta era a resposta para todas aquelas perguntas, eu não sabia, porém mergulhara na sensação infundada de posse, imatura, ciumenta. Eu queria dizer que ele era assim, que era sensual. Eu queria lhe dizer o quanto eu estava envolvida. Eu queria lhe pedir que chegasse mais perto.

Eu queria dizer à Shion que ele… que ele era meu.

— Meu!

Por Deus… o que eu estava fazendo? O que estava dizendo? 

Desperta pelo fato de que exteriorizara o pensamento, entre os toques dele, eu corei violentamente. Naruto soltou minha boca e me encarou de um jeito engraçado. Num misto entre o desejo e a inquisição.

— O que disse? — gritou, pois sua voz fora diminuída pelos aplausos e exclamações quando a musica acabara.

Eu lhe encarei em pânico. O que eu havia dito? Bom… eu havia sido extremamente primitiva, querido. Por favor, finja que eu não disse nada.

Era o que eu queria responder. Mas é claro que ele jamais me deixaria em paz até que eu dissesse exatamente o que ele queria ouvir. E talvez fosse essa sua intenção, afinal seus olhos ainda tinham um jeito malicioso, a me encarar junto com seu sorriso torto estendido em lábios molhados.

Suspirei. E aproveitando a deixa de uma nova musica começando, eu arrisquei lhe dizer:

— Apenas me beije de novo, Naruto.

***

Tenten

 Eu encarei aquele beijasso, meio pasma.

Caramba! Não sabia dos dotes de meu querido amigo e muito menos de todo aquele assanhamento da pequena e inocente Hinata. Se bem que ela havia mudado bastante, aceitando namorar, saindo de casa, me deixando à mercê de seu primo gost…

— Eles namoram há muito tempo? — o bonitão interrompeu meu pensamento. Graças a Deus.  Quer dizer, ah, pensar não é proibido né? Ele encarava o casal, sentado de forma casual na banqueta.

Ah, sim, ele havia me levado para o bar.

E pedido uma dose de whiskey.

É, eu estava perdida. O homem era todo elegante e nerd, sério, mas com uma leve cara de safado. E eu nunca tinha encontrado nenhum desses pelo colégio. Era filhote novo, ninhada nova. Esperando alguém para adotá-lo. Eu me punia internamente por ser desse jeito. Não devia ficar falando dos outros com tanta falta de pudor, mas nesse caso, era mais forte do que eu. Ninguém sabia desse meu lado e eu agradecia mentalmente, porque se mesmo assim eu já estava sob as piadinhas de minhas amigas, nem podia imaginar como seria se soubessem que tipos de pensamentos eu podia alimentar em minha cabecinha.

Apesar disso, eu nem era tão ruim assim. Eu… acho.

Mas é disso que se faz uma mulher seletiva, não é? Eu era crítica, sabia bem o que eu queria.

O fato é que, depois de tanto tempo frustrada porque não conseguia me interessar por alguém, eu estava atordoada com esse tal Neji. Atordoada porque… eu queria esse cara. Ah, eu queria. Queria conhecer, saber mais sobre, queria saber o           que ele gostava e queria saber se ele estaria a fim de me conhecer também.

E ele, bem, ele só parecia querer uma resposta para sua pergunta e… ops! Eu não tinha respondido a  pergunta.

— Não, faz pouco tempo. Mas esses dois aí eram apaixonados há eras!

Como é que a Sakura tinha dito? Ah, sim, antes tarde do que mais tarde.

Neji pareceu ponderar e bebericou seu whiskey. Eu não quis beber. Ia ser mais seguro assim, sóbria.

— Mas ela não chegou aqui há pouco tempo? — perguntou, desconfiado. Iiih, querido, ciúmes da prima, é?

— Sim, quer dizer, eu não lembro direito. O semestre já tinha começado, mas eles já se grudaram um no outro desde o primeiro dia. Foi tipo amor à primeira vista. — respondi. Seus olhos claríssimos, igual os da Hinata, pareceram absorver a resposta enquanto ainda fitavam os dois lá se amassando. Eu ainda estava tentando ignorar o fato de que eles eram muito parecidos, mesmo sendo primos. Era estranho, mas tudo bem, estava perdoado. Perdoadíssimo!

— Então por que demoraram tanto para engatar o namoro? — ele continuou perguntando. Eu dei de ombros, e confesso que estava meio cansada de responder coisas que ele claramente podia perguntar a ela. Mas pelo menos estávamos conversando.

— Acho que porque Hinata era muito… travada. Demorou para que ela se abrisse com todo mundo e enxergasse a gigante friendzone na qual tinha jogado o coitado do Naruto. Eu sei que ele é a pessoa mais gentil do mundo, mas qual é, ninguém faz tudo assim pros outros de um jeito tão… intenso.

Neji soltou uma risada e eu fiquei tentada a lhe encarar, mas achei melhor não.

— E quanto a você? Você namora? — ele perguntou como se a súbita mudança de assunto não houvesse me feito arregalar os olhos e parecer um tomate.

Inspirei fundo. Calma, Tenten, não estrague tudo. Seja a mulher forte que você é.

Lhe encarei, pronta para dizer o que ele parecia querer ouvir.

— Não. E você?

Ele levantou o canto da boca num sorrisinho contente.

— Não.

A frase ficou no ar, entre o fogo cruzado dos nossos olhos. Eu sabia que deveria dizer alguma coisa, mas diante daquela simples palavra mágica, eu decidi apenas tacar o foda-se e me virar no banquinho giratório — bem legal, inclusive — para pedir uma dose de whiskey também.

Neji acompanhou aquilo com os olhos, sorrindo.

— Então, Neji, onde a gente parou mesmo?

— Onde você quiser começar, Tenten. — ele respondeu e depois simplesmente brindou seu copo no meu.

Maldito seja. Com tal liberdade, eu reuni todas as forças para fazer a cara mais sexy que conseguia e com muito orgulho, soltei:

— Me surpreenda.