Necromante - Os Deuses da Morte

Tempo estimado de leitura: 3 horas

    14
    Capítulos:

    Capítulo 7

    Aberração

    Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Violência

    Yoo,

    Acabei de descobrir que Jailson, vulgo Pai de Familia, morreu

    Deixara um oco em nossos corações

    Um minuto de silêncio

    Boa leitura ^^

    Anos antes...

    Em uma pobre casa de madeira — sendo a maioria podre —, mal iluminada, com cheiro de mofo e goteiras, uma criança de cabelo castanho-escuro, assim como seus olhos, estava sentando uma cadeira de caráter duvidoso. Sobre a mesa, tinha uma tigela e uma colher, ambos de madeira. O garoto esperava calmamente sua janta estar pronta.

    A mulher no fogão a lenha improvisado, preparava uma sopa. Sua aparência era muito mais velha do que sua idade — rugas por todos o rosto, olheiras, verrugas e o cabelo desgrenhado. Com trapos, ela pegou na panela com cuidado para não se queimar. Entretanto, quando seguia em direção a mesa, tropeçou em uma lasca de madeira ressaltada e a panela escapou de seus dedos. A criança esticou sua mão direta na direção da panela, fazendo-a com que parasse no ar envolto de uma película azul. A mulher arregalou os olhos e afastou-se com medo.

    — O que você pensa que está fazendo, sua aberração?! — vociferou a mulher, com desprezo.

    O garoto retraiu-se com medo.

    A porta se abriu com um ruído. Um homem, vestido com trapos assim como os dois, estava enxergado de água pela chuva que pegou e trazia consigo alguns peixes na rede de pesca em sua mão. Ao ver a figura de barba cheia, seu pai, o garoto deixou a panela cair, derramando a sopa pelo chão. O ar na casa pareceu ficar mais denso e tenebroso. O homem fechou a porta e deixou os peixes caírem no chão, seus olhos furiosos fintaram os de seu filho, que abaixou a cabeça. Até mesmo a mãe estava tensa, onde continuava simplesmente parada. A luz fraca das velas bruxuleava.

    — O que eu disse sobre usar essa bruxaria? — disse seu pai, com uma voz calma, mas nitidamente furiosa.

    — Eu... a sopa...

    O estalo do tapa que o menino recebeu ecoou pela casa. Seu pai o pegou pelo colarinho em seguida e ergueu-o.

    — O que cê vai dizer quando a gente for acusado de bruxaria, sua aberração?! — vociferou.

    Com força, o homenzarrão jogou a criança no chão. Quanto tentou se erguer, fora atingindo com um chute no estômago que o jogou contra a porta, ressoando um baque. O garoto se encolheu, tremendo e gemendo de dor. Com dificuldades, ergueu-se o suficiente para conseguir alcançar a maçaneta e abrir a porta, porém seu pai o atingiu com um segundo chute nas costas, atirando-o para a rua, fazendo-o rolar pela lama no chão — e a chuva continuava a cair. Não satisfeito, o pai chegou ao garoto e continuou a pisá-lo em diferentes partes do corpo, gritando ofensas: "aberração!", "lixo!", "amaldiçoado!"

    O lugar que moravam era uma vila bem pobre, onde as pessoas eram facilmente confundidas com moribundos. Ladrões, estupradores e assassinos não eram uma coisa muito incomum por lá. Todos viam a criança sendo pisado por um adulto, mas ninguém ligava. Uma criança sendo espancada daquele jeito por roubo era normal, por que se importariam com mais uma?

    Ele sabia que ninguém iria vir para socorrê-lo, e que seu pai estava entorpecido demais para parar antes que ele estivesse morto. O medo e a dor começaram a tomar conta de seu ser, aumentando seu desespero. O mais alto que pode, gritou:

    — Pare!

    E o homem parou, mas ele não percebeu e continuou vociferando:

    — Eu desejaria que você estivesse na lama como eu para saber o quanto isso é aterrorizante e doloroso!

    Sem questionamentos, o seu pai jogou-se na lama de cara para o chão.

    Percebendo que não era mais pisoteado, o garoto reuniu forças para sentar. Ele limpou a lama misturada com o sangue em seu rosto e viu seu pai de cara na lama, lambuzando-se. Assustando, o menino se afastou arrastando-se no chão, entretanto esbarrou em alguém. Ele olhou para cima, e observou o homem em que esbarrou: era alto, magro, com uma barba negra e tinha olhos vermelhos penetrantes. O sorriso daquele homem se alargou ao mesmo tempo que perguntou:

    — O que você fez com... seu pai, moleque?

    — Eu... eu não sei — disse, depois de hesitar.

    — Entendo. — O estranho homem apontou com a cabeça para a mãe do menino. Ela estava assustada, não por seu filho ter apanhado, mas por seu homem estar na lama daquele jeito. — Faça o que você fez com ela.

    A criança olhou para sua mãe — ela não tinha feito nada para parar seu pai, assim como sempre fazia, e as vezes ajudava e agravava a situação de propósito. A raiva acumulada estava prestes a sair.

    — Se joga na lama como ele — ordenou.

    A expressão de medo na mulher se esvaiu, tornando-se inexpressiva. Sem pestanejar, jogou-se na lama. E aquele homem estranho gargalhou bem alto.

    — Garoto, que poder formidável! Qual é o seu nome? — perguntou.

    — Leon — respondeu o garoto, timidamente.

    — O meu é Junkos, e você virá comigo!

    Junkos pegou Leon pelo braço, que aguentou toda a dor em silêncio. Ele não conhecia aquele homem, mas conhecia muito bem seus pais. E, se aquela era oportunidade de ir embora dali, não hesitaria de ir embora daquele maldito inferno.

    O lugar para que Leon fora levado era uma casa de dois andares, onde, à primeira vista, era um local abandonado. Porém, dentro, haviam vários homens — alguns sem camisas, outros vestiam trapos, cheios de tatuagens, cicatrizes e cheiram mal. Mesmo para uma criança, não demorou muito para perceber que eram todos bandidos e assassinos. Sua felicidade por ter saído de perto de seus pais estava esvaindo, o medo e a insegurança novamente estavam tomando conta — e isso aumentava cada vez mais que seu olhar cruzava com os olhares frios dos bandidos. Entrando, diferente do esperado, nenhum deles o ameaçaram ou algo do tipo. Junkos indicou para o garoto um lugar onde ele poderia se lavar daquela lama, e foi o que fez.

    Depois de livrar-se da lama, Junkos levou Leon para o centro da casa, e todos os bandidos se reuniram lá para poderem ver as capacidades do garoto. Timidamente, Leon começou a levitar coisas espalhadas pela casa. Ele pensava que todos iriam se assustar, mas, na verdade, todos estavam impressionados e admirando o poder dele. Pouco a pouco começou a ficar mais à vontade, fazendo mais malabares. Era a primeira vez que demonstrava seu poder e não era repreendido por isso e nem era olhado com nojo. No momento que controlou a mente de um dos bandidos para rolar no chão, todos ficaram eufóricos, e Leon nunca havia sentindo-se tão aceito. Seu medo se esvaiu novamente, finalmente havia achado um lugar onde poderia viver sem alguém o batendo e oprimindo, chamando-o de aberração. Finalmente tinha um lugar para chamar de lar.

    Crianças são tão ingênuas...

    No dia seguinte, Junkos levou Leon para uma feira de alimentos no reino de Olinda. O garoto ficou surpreso pela quantidade de mercadores e pessoas circulando pelas ruas. Já foi em feiras antes, mas em nenhuma deste tamanho, que ocupava mais que uma curta rua.

    Junkos o puxou para um beco e ficou observando as pessoas que passavam. Uma mulher, que segurava uma cesta ainda vazia, passou em frente ao beco e dirigiu-se para um dos mercadores. Ele observou a mulher minuciosamente.

    — Está vendo aquela mulher? — Apontou com a cabeça. — Vá até ela e a mande entregar todo seu dinheiro para você.

    — O quê? — questionou Leon, confuso e assustado por pedir para usar seus poderes daquele jeito. — Isso... não é errado?

    Junkos colocou suas mãos nos ombros de Leon.

    — De certa forma, sim — afirmou com um falso pesar. — Mas, se não fizermos isso, iremos ficar sem ter meio para sobreviver, entende?

    Leon abaixou olhar.

    — Mas... eu queria usar meus poderes para ajudar as pessoas, e não para tirar proveito desta forma. — Ele ergueu seus olhos procurando um olhar reconfortante em Junkos, mas encontrou apenas um olhar que ardia em fúria.

    Leon tentou se afastar, mas as mãos de Junkos em seus ombros apertaram-se rudemente, fazendo-o sentir dor.

    — Escute, moleque, eu te salvei de seus pais de merda. Faça tudo o que eu mandar, seu ingrato, ou irei te dar uma surra tão dolorosa como você nunca levou antes — ameaçou Junkos, com uma voz rígida e fria.

    As memórias das constantes surras levadas de seu pai voltaram em sua memória — não ficou muito longe delas, no fim. Se fosse possível sofrer coisas piores do que aquilo, ele com certeza não queria encarar. O medo começou a corroê-lo por dentro de novo.

    Sem alternativa, o pequeno Leon dirigiu-se até a mulher da cesta. Ao ver a criança, ela demonstrou preocupação; agachou para ficar na altura do dele e repousou sua mão no rosto da criança, que estavam com olhos úmidos.

    — O que aconteceu, garoto? — perguntou a mulher, com uma voz suave e com uma expressão preocupada. — Se perdeu de seus pais?

    Leon queria chorar, gritar para aquela mulher fugir, mas sabia que algo pior aconteceria com ele e, possivelmente, com ela também se fizesse isso. Se ele simplesmente pedisse o dinheiro, nada mais aconteceria e ela ficaria bem. Depois de morder seu lábio inferior com força, ordenou:

    — Me dê todo seu dinheiro.

    A preocupação no rosto da mulher transformou-se em inexpressão. Ela pegou um saco de moedas e entregou para Leon, que por sua vez entregou para Junkos. Um sorriso amarelo esboçou-se no rosto de Junkos, que apalpava a bolsa de dinheiro bem animado. Satisfeito por ter conseguido o dinheiro de uma maneira tão fácil, sua mente perversa começou a trabalhar com mais possibilidades. Chegando uma rápida conclusão, pediu para o garoto ordenasse que a mulher os seguissem. A hesitação de Leon fora rapidamente combatida por uma olhadela furiosa de Junkos, e o garoto logo fez o que lhe foi ordenado.

    Os três voltaram para cabana em que os bandidos moravam. Leon não sabia para que ele queria a mulher ali, pensou que talvez fosse pedir mais dinheiro em troca da libertação dela, entretanto, provou-se ser algo muito pior em que sua mente de apenas dez anos poderia imaginar.

    Junkos mandou que Leon ordenasse que a mulher fizesse tudo o que ele falasse, e o garoto rapidamente fez isso. Junkos ordenou que a mulher se despisse, e foi o que ela fez, sem questionamentos. Todos os homens começaram a ficar animados vendo a pele nua da mulher, e um súbito frio de terror percorreu pelo corpo de Leon. Junkos abaixou as calças, ordenou que a mulher ficasse de quatro no chão e penetrou-a sem um pingo de hesitação.

    Leon observou Junkos possuir aquela mulher, o menino estava horrorizado, seu corpo tremia e seus olhos umedeciam. No momento que Junkos acabou, um segundo homem foi no lugar dele. Percebendo que não pararia no segundo, Leon correu para um quarto que seria o seu. No escuro, ele sentou-se no chão em um canto, abraçado com os joelhos. Remoendo-se pelo ato que acabara de testemunhar e por ter acontecido por culpa dele, começou a chorar demasiadamente. Suas mãos subiram para cabeça e fecharam-se com força. Ele clamava por alguém tirá-lo daquele inferno. Por alguém que, infelizmente, mais tarde não viria.

    Os anos se passaram parecendo uma eternidade para Leon. Roubos, estupros e até mesmo assassinatos quando necessário tornou-se cada vez mais frequentes. Leon nunca se acostumou a isso, apenas aprendeu a fingir que não se importava mais — se não fizesse o que lhe era ordenado, ou simplesmente hesitasse, levava uma surra até ser convencido. Cada ato, sentia-se cada vez imundo, com sua luz interior apagando-se gradativamente e apenas sobrando o breu. Ele tinha medo de fugir, pois achava que Junkos iria encontrar de qualquer jeito. Tinha medo de contar a qualquer outra pessoa, e achar que ele era uma aberração, um bruxo. Se achassem isso, não demoraria para ser queimado vivo na praça graças a caçada as bruxas.

    Em seus quatorze anos de idades, Leon tinha um corpo jovem bem franzino e seus cabelos castanhos passavam dos ombros. Ele não era magro porque os bandidos não o alimentavam — isso eles faziam muito bem, já que, graças a Leon, conseguiam dinheiro bem fácil —, simplesmente porque não conseguia comer. Por muitas vezes, nem dormir — sempre estava com olheiras.

    Junkos, Leon e outros bandidos do bando estavam reunidos sob o luar da madrugada perto de uma mansão de alguma família rica. A ganância de Junkos chegou ao ponto de roubar uma família rica, afanar todo o dinheiro na casa e qualquer outra coisa de grande valor. Os bandidos estavam animados, já Leon estava receoso, mas não demonstraria isso.

    Acostumado com essa vida, Leon se aproximou dos dois guardas que vigiavam o portão. A suavidade e a serenidade que o ele aprendera com o passar dos anos era tanta que os guardas continuaram despreocupados mesmo com a aproximação.

    — Se mate — ordenou Leon olhando para o guarda da direita. Em seguida, olhou para o segundo guarda. — Abra o portão e depois se mate.

    O primeira guarda sacou a espada da bainha e cravou no pescoço, sem hesitar. O segundo abriu o portão como fora ordenado e matou-se da mesma forma que o primeiro. Leon havia fechado os olhos para não ver os dois morrerem, mas mesmo assim a sensação de culpa não fora menor ao vê-los caídos no chão com uma poça de sangue formando-se sob eles. Leon sentiu as mãos de Junkos, que estava ostentando um sorriso psicopata, apertarem-se em seus ombros e o empurrar para frente.

    Mais dois guardas foram mortos de maneira furtiva pelos bandidos. Sem demora, Junkos abriu as portas e adentrou na mansão, e todos outros fizeram o mesmo. O casarão tinha dois andares, onde a escadaria que levava para o segundo andar ficava logo no hall de entrada. Os bandidos, doze, dispersaram-se pela casa para saquear.

    Não demorou para que encontrassem as pessoas que moravam na mansão. Ver duas mulheres entre eles — uma não parecia ter mais do que vinte anos — deixou Leon sentindo-se ainda mais culpado pelos seus atos terríveis. O homem já estava todo surrado, com rosto sangrando; os rapazes levaram-no para fora, certamente para abatê-lo como um animal qualquer.

    Leon, ao fintar as mulheres, percebeu que Junkos olhava de maneira intensa para ele ao lado delas. Ele sentiu um arrepio por todo o corpo, pois tinha muito medo da mente psicopata de Junkos, e parecia que havia criado um novo plano diabólico que o envolvia.

    — Você tem quanto anos, Leon? — perguntou, ainda olhando intensamente para o jovem.

    — Quinze... eu acho — disse de maneira receosa, mas verdadeira. Ele realmente não sabia quantos anos tinha.

    O sorriso psicopata em Junkos tornou-se ainda maior.

    — Está na hora de perder esse seu cabaço, não acham, rapazes?

    Aquilo causou um surto de risada entre os bandidos. As mulheres ficaram tremendo de medo. Já Leon, travou por completo. Apesar das risadas, aquilo não era uma piada, era muito sério. Se ele negasse, com certeza seria espancado, talvez até perder a consciência. Teria que fazer uma difícil escolha.

    Junkos acenou com a cabeça para que subisse.

    Leon começou a subir os degraus. Sentindo os olhares de todos sobre ele, seu corpo começou a dar leves tremidas. Chegando ao segundo andar, ele olhou das mulheres para Junkos.

    — Faça. Aqui — disse Junkos.

    Leon voltou seu olhar para as duas mulheres — seus olhares demonstravam tanto medo quanto ele. Seus lábios se mexeram em um pedido de desculpas sem som, e, antes que a mãe da jovem pudesse gritar, ordenou:

    — Fique quieta. — Seu olhar voltou para o jovem de cabelos negros e ondulados. — Tire... tire suas roupas.

    E foi o que ela fez, ainda sentada no chão, despindo-se por completo. Leon se despiu em seguida, ficando sobre ela logo após. Mesmo estando prestes a fazer o que sentia mais desgosto e repulsa, uma estranha excitação percorreu pelo seu corpo e ele a penetrou. Desde que seu cérebro era capaz de lembrar, Leon veio sentindo na pele o que era ser oprimido diariamente. Mas, naquele momento, ele provou pela primeira vez o que era estar no comando. Desta vez, era ele que dominava. A sensação fora de estar no comando fora tão prazerosa e entorpecedora que durou apenas alguns segundos.

    Junkos gargalhou.

    — Tudo bem, Leon, a primeira vez sempre é rápido assim.

    As risadas novamente voltaram a tomar conta. Junkos levou sua mão para o ombro de Leon para consolá-lo, mas o garoto a empurrou com violência.

    — Não toque em mim! — vociferou Leon, com fúria.

    Agora, o silêncio reinou.

    Leon continuou no chão sobre a jovem sem perceber o que tinha feito: ofendeu o líder psicopata do grupo de bandidos. O rosto de Junkos ficou vermelho de fúria, e, sem pensar duas vezes, acertou um chute no estômago de Leon, jogando-o contra parede. O garoto ficou encolhido no chão, abraçado com a barriga, sentindo dores terríveis. O líder dos bandidos se aproximou, e Leon olhou diretamente para os olhos furioso dele.

    — Se mate! — ordenou Leon.

    Todos prenderam a respiração. Entretanto, diferente do esperavam, Junkos não se matou. Leon aprendera no pior momento que seus poderes não controlavam mentes fortes.

    O rosto de Junkos ficou ainda mais rubro.

    — Como ousa, seu filho da puta?! — brandiu.

    Entorpecido pela fúria, Junkos começou a pisar incessantemente no garoto malcriado. Leon sentia sua visão começar a ficar turva, a dor tomando lugar em sua consciência a cada chute forte. Ele sabia que desta vez iria morrer, e todos os outros sabiam disso também. Sem que percebesse, Leon começou a gritar de forma aguda e continua. Móveis da casa começaram a levitar com a força da mente, assim como a espada de cada bandido. Um candelabro atingiu a cabeça de Junkos, que ficou zonzo, e depois fora perfurado no coração pela própria espada. Todos os outros bandidos começaram a ser retalhados pelas suas respectivas espadas. Vendo ali uma oportunidade de fuga, a mulher pegou sua filha e começou a descer a escada. Uma cadeira atingiu fortemente as duas, fazendo-as rolar pelos degraus e cair de cara em diferentes lâminas.

     Sentindo que os chutes haviam cessado a algum tempo, Leon arriscou a abrir seus olhos. Primeiro, ele viu o corpo morto de Junkos sobre a recém poça de sangue. Assustado, olhou a redor, e viu o massacre. Todos mortos. Vendo alguns móveis e as espadas flutuando, logo chegou à conclusão que ele causou aquilo. As íris de seus olhos castanhos começaram a tremer, o horror começou a tomar conta.

     As portas da mansão se abriram abruptamente, e seis soldados trajados com armaduras adentraram. Acostumados em sua profissão, eles não se espantaram ao ver os corpos mortos, mas sim a ver diversas espadas e móveis flutuando. O primeiro soldado, o comandante, apontou sua espada para o único vivo dentro daquele massacre.

    — Pare de fazer bruxarias, aberração! — vociferou.

    Ao perceber que a palavrava “bruxarias” fora redigida para ele, Leon estremeceu. Bruxos eram queimados vivos em praças públicas. Ele sabia que, se fizesse o que os soldados mandassem, seria incinerado... "exceto se eles morressem," pensou Leon. Respondendo de imediato a este pensamento, as espadas flutuantes moveram-se e uma cravou-se na garganta do soldado, enquanto os outros conseguiram defender-se. Porém, antes que conseguir causar outro ataque, o sangue escorreu pelas narinas de Leon; as espadas e móveis caíram no chão impotentes; e o jovem Leon desmaiou pelo uso excessivo de seus poderes.

    Com um forte chacoalhar, Leon despertou. A luz forte do sol cegou por um instante; pode escutar vários gritos eufóricos e percebeu que estava em movimento. Ao conseguir enxergar, deparou-se com barras de ferro ao seu redor e, além delas, estavam várias aglomerações de pessoas redigindo insultos a ele.

    Leon estava com os pulsos e tornozelos acorrentados, em uma carroça enjaulada puxada por dois cavalos negros e com uma pequena escolta de soldados ao seu redor. Ele ainda estava nu, com o corpo todo sujo de poeira e sangue seco. Ciente de que estava sedo levado para a morte, o coração do jovem rapaz começou a bater mais rápido, as lágrimas começaram e umedecer suas bochechas. Naquele momento, mais do que outros, sentiu muito medo, clamava silenciosamente para um herói tirá-lo daquele inferno.

    A carroça parou — a respiração de Leon parou no mesmo instante também. Um soldado equipado com uma armadura prateada abriu a jaula e o puxou para fora, fazendo-o quase cair de cara no chão. Os insultos, gritos e vais tornaram-se ainda mais ensurdecedora. Sendo puxado violentamente na direção que devia seguir, ele viu o grande amontoado de madeira onde seria incinerado vivo. Puxando-o dos devaneios, uma fruta podre atingiu seu rosto, assim como outras em partes diferentes do corpo.

    Seguindo em direção a pira, Leon fora obrigado a engolir uma dolorosa verdade: ninguém iria ajudá-lo. Todos ali queriam vê-lo morto, sendo queimado vivo. Tudo por causa de seu poder. Um poder que ele não optara a ter; que nunca fora usado a seu bel-prazer, sempre forçado a usá-lo para satisfazer desejos dos outros. "Não quero morrer," pensou, mas desta vez nenhuma lágrima escorreu. Seus pensamentos estavam a mil. Seus pais, quando ele fazia algo que não aprovassem, simplesmente batiam nele até não fazer mais. Com Junkos não era muito diferente, batia em Leon até o garoto fazer o que lhe era ordenado. Então, a resposta para aquela situação era simples, certo?

    A fraca e vacilante luz dentro de Leon apagou-se, a escuridão absoluta tomou conta de seu interior.

    Subitamente, Leon começou a gargalhar continuamente de forma doentia e bem alta. Aquilo causou o silêncio total das pessoas, que ficaram assustas vendo um garoto rir daquela forma diante daquela situação. Ao ver o soldado que puxava sua corrente colocar a mão no cabo da espada, Leon parou de rir tão subitamente quanto iniciou e abaixou seu olhar para ele.

    — Oh, desculpe-me, senhor soldado. Eu acabei pensando em algo muito engraçado! — Com um sorriso doentio, Leon passou os olhos pelas centenas de pessoas ali presente. Falando o mais alto que conseguiu, continuou: — Todos vocês, por favor, matem-se utilizando as espadas destes soldados ao meu redor!

    Em questão de segundos, boa parte daquela multidão atirou-se para cima dos soldados, que sacaram suas espadas para confrontar população. O sangue e gritos começaram a tomar contada. Os soldados mataram algumas pessoas antes do inevitável acontecer. Eles, sendo apenas seis, foram subjugados pelas pessoas. Quando pegavam as espadas, começaram com os suicídios ou assassinatos. O que era para ser uma cremação a um bruxo, tornou-se um massacre.

    Com dificuldades, Leon conseguiu fugir relativamente ileso daquela confusão. Fugindo o mais rápido que conseguia, sentiu-se, pela prima vez, livre e feliz. Sua vida só dependia dele agora.

    E as histórias daquele estranho massacre correria por todos os cantos. Sobre como um pequeno bruxo supostamente estava por trás de um massacre onde várias pessoas mataram uns aos outros, ou simplesmente suicidaram-se.

    Passaram-se anos, e nosso jovem Leon tornou-se agora um adulto. Antes, tinha longos cabelos castanhos, mas agora estava completamente careca. Ele queria ser assim. Mesmo após tantos anos, temia que alguém que pudesse reconhecê-lo, e fizessem mais uma caça a bruxos com ele — não se importava muito com a beleza, era fácil conseguir mulher quando queria. Os primeiros meses sozinhos foram difíceis, mas logo se acostumara. Percebeu que era mais inteligente que muita gente, e que também vivera sozinho desde sempre. Agora, pelo menos, era por opção. E o mais importante: ninguém mais mandava nele, nem batia ou chantageava. Era livre.

    Nesta noite, Leon estava em uma taverna. Estava trajando túnica simples, pois nunca gostara de chamar atenção. Enquanto desconhecidos bagunçavam e cantavam alto, ele apenas estava sentado em uma cadeira de frente para o balcão e na terceira caneca de cerveja. Fazia isso praticamente todas as noites. Nem sempre precisava pagar, era só fazer a mente do indivíduo, mas tinha vezes que pagava por ter gostado do lugar. Obviamente, o dinheiro que conseguia não era de uma forma honesta.

    Um homem encapuzado e vestindo um manto negro sentou-se ao seu lado no balcão. Leon o ignorou e continuou bebendo. De soslaio, ele percebeu que havia uma segunda pessoa encapuzada e trajada como aquele homem em um canto da taverna. Sentiu que algo de errado estava prestes a acontecer.

    — Você é o Leon, certo? — perguntou o homem encapuzado, com uma voz grossa e indiferente.

    Os pelos da nuca de Leon se ouriçaram. As pessoas que saberiam seu nome estavam mortas, desde então ele tem usado apenas nomes falsos e sempre diferentes em cada reino ou vila. Aquele homem e seu companheiro pareciam ser fortes, logo não poderia controlar a mente deles. Só havia uma forma dele fugir dali. Leon sorveu toda a cerveja em um gole e não demonstrou receio — temia que fossem assuntos relativo ao massacre que ele criou anos antes.

    — Todos vocês, matem estes homens encapuzados — ordenou Leon.

    A taverna ficou silêncio por dois segundos. Garrafas quebraram-se e tornaram-se armas na mão das pessoas que ali estavam e atiraram-se para cima dos encapuzados, parecendo estar furiosos. Leon aproveitou da distração, fez uma mesa flutuar e atirou-a na parede de madeira da taverna, criando um local de fuga.

    Leon correu pegando becos escuros e locais perigosos. Ele saiu do reino de Octan e correu em direção a densa floresta que circulava o reino. Sabia que aquele homem era perigoso, e economizar em sua fuga era morte na certa. Correu seguidamente durante minutos e, quando se instalara em muito na floresta, parou. Cansado, ele olhou para trás e viu o homem encapuzado sob o luar vindo em sua direção. Estava cansado demais para correr de novo, e pelo jeito correr não adianta. Teria que lutar.

    — O que você quer comigo?! — perguntou Leon, embromando para ganhar tempo enquanto planejava seu ataque.

    O homem encapuzado abaixou o capuz. Seu cabelo branco, longo e levemente ondulado chamou a atenção de Leon, seguido pelas tatuagens por todo seu rosto. Leon fintava os olhos azuis do desconhecido: eram frios, mas não hostis.

    — Eu me chamo Morrigan — apresentou-se o necromante —, e preciso de sua ajuda, Leon.

    Aquilo foi estranho para Leon. Ninguém nunca havia pedido sua ajuda, simplesmente o obrigavam a fazer. Fora isto, Morrigan não o olhava com desdém, mas de uma maneira igualitária. Atiçado pela curiosidade, Leon decidiu saber mais sobre aquele ser.

    — Como você sabe o meu nome, Morrigan?

    — Eu vi o massacre que você fez anos antes. Foi incrível. — O futuro Rei Morto fez uma pausa. — Foi muito difícil rastreá-lo, mas consegui achar informações sobre você.

    — E para o que você quer minha ajuda?

    De maneira rápida, Morrigan explicou seu plano para derrubar o Imperador. Leon ficou assustado com o plano. Era uma coisa mais grandiosa do que ele jamais imaginou um dia fazendo, mas parecia ser interessante. Pelo estranho ar de igualdade que aquele homem passava e o desejo de parar de ter uma vida tediosa, Leon fez a pergunta que praticamente declarou a vitória de Morrigan:

    — Por que eu confiaria em você?

    — Por nenhum motivo — respondeu Morrigan, com sinceridade. — Sua confiança é algo que eu iria ganhar com tempo. Entretanto, para que lhe convença a isso, trouxe algo para você. Minha subordinada está a caminho trazendo, a demora é por causa que ela teve matar todos naquela taverna.

    Leon arqueou uma sobrancelha, surpreso.

    Os dois ficaram em silêncio até o segundo que a subordinada de Morrigan apareceu. Quando abaixou o capuz, Leon reparou que ela tinha tatuagem nos cantos dos lábios, e que trazia consigo duas pessoas com sacos na cabeça.

    — Obrigado, Hela — agradeceu Morrigan.

    A bruxa assentiu em resposta.

    O necromante pegou as duas pessoas e jogou-as aos pés de Leon. Receoso, seus olhos desceram de Morrigan para os dois os seus pés. Sem hesitar, puxou os sacos da cabeça de ambos. Observando o homem e a mulher de cabelos brancos e velhos, os lábios de Leon retorceram-se em um sorriso doentio.

    — Como vocês estão, papai e mamãe?

    Os dois ergueram os olhares para seu filho e recuaram com medo. Com um olhar carrancudo, seu pai começou a dizer:

    — Aberra...

    — Calado! — vociferou Leon. — Vocês dois fiquem calados e quietos!

    A fúria repentina de Leon se esvaiu tão rápido quanto veio. Agora, ele olhou para Morrigan, como seu estivesse estudando aquele ser.

    — Muito bem. Concordo em ajudar você. — Seus olhos semicerraram. — Mas que fique bem claro que não confio em você, Morrigan. — Olhou para a bruxa. — Muito menos em você, Hela.

    Se os dois sentiram-se ofendidos, não demonstraram.

    — Então, a partir de hoje, Leon está morto — disse Morrigan. — E renasceu como Ahriman, um dos Deuses da Morte.

    A brisa fria roçou na pele dos três e farfalhou as árvores. Leon fintou os dois velhos medíocres.

    — Leon está morto, assim como qualquer um relacionado a ele — concluiu Ahriman.

    Ahriman jogou-se para cima de seu pai e começou a estrangulá-lo. Não desviou o olhar por nenhum momento, deleitando-se de cada segundo vendo aquele que sempre o oprimiu e maltratou morrendo por suas mãos.

    Continua...


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