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Ruan, o vampiro loiro, parecia ter nascido com um parafuso a menos, e esse devia ser o tipo de coisa que o plano ''me torne um vampiro'' não cobria. O idiota não parava de rir sozinho enquanto me atacava, descontroladamente. Talvez por ele estar levando tudo na brincadeira é que eu ainda era capaz de me esquivar.
- Você é bem divertido garoto! - disse o parceiro que apenas assistia. - Foi você, não foi? Que deixou aqueles jovens para trás. Deixou eles para morrer mas não aproveitou o sangue de nenhum... Por acaso está tão ''satisfeito'' que recusa um sangue fácil desses? - disse ele, numa expressão enigmática e ao mesmo tempo cômica em seu rosto magro.
- Ele não me parece nem um pouco com um vampiro bem alimentado, André. - disse o loiro, gesticulando ridículamente, enquanto explicava - Está tão fraco que mal se aguenta... É um tolo. Como pode perder aquela oportunidade? Os quatro homens no córrego, estavam sangrando tanto pela queda do carro, que nenhuma perícia policial notaria que parte do sangue de cada um havia sido bebido. Há sangue na água, e no carro. E nos corpos, o suficiente para uma refeição farta. Bastava deixar uma parte e ninguém desconfiaria, tornando tudo mais fácil pois não é nessessário livrar-se dos corpos. É um acidente, apenas isso.
- Tem toda razão... - disse o tal André, pomposo e arrogante. - Aliás, espero que a imbecil da Karen, tenha entendido a parte de não beber até o final... Por que ela ainda está lá. Esses recém criados são afobados e ignorantes demais. Se bem que, aquele sangue não me foi suficiente. Dê um fim ao garoto Ruan! Vamos beber todo o sangue dele e queimar seu corpo, já que não sabemos se pertence a algum clã. Ande logo com isso!
- Tá bom, tá certo! Até que gostei desse garoto... Mas regras são regras, e ninguém pode andar por aqui como se fosse um território livre. Nosso clã será muito em breve, o único por aqui, e todos os outros vampiros e clãs serão aniquilados ou expulsos. Serão felizes aqueles que perceberem o perigo antes e fugirem por conta própria. Azar o seu garoto, mas vou ter de cortar sua cabeça neste momento ...
Enquanto me concentrava em me manter lúcido e preparado para o ataque, minha cabeça parecia ficar cada vez mais pesada. Tive a impressão de que meu sangue estava se acabando apesar de não ter escapado por nenhum ferimento - os vampiros não tem hemorragia pois podem controlar o fluxo sanguíneo, impedindo o sangue de escapar de seu corpo, porém cada ato consome uma pequena quantidade do sangue como fonte de energia. O que eu não sabia, era o quanto eu ficaria debilitado por não ter me alimentado antes.
Ruan, o vampiro loiro que parecia estar adorando acabar comigo, sacou então uma enorme faca, larga e pesada, como de um açougueiro. A lâmina brilhou com a luz do poste bem atrás de mim, e por instinto dei um passo em direção à rua, como se soubesse antecipadamente qual seria seu movimento. Em todo o caso, foi em vão. A lâmina da faca passou rápido demais e apenas por seu brilho no escuro, como um raio branco e pela dor que veio em seguida, dois segundos depois; é que soube que havia passado pelo meu pescoço. O braço, que sem perceber havia usado para me proteger; estava no chão. Ele havia decepado meu braço com um único corte e quase conseguido minha cabeça, que era seu objetivo desde o início.Caí de joelhos. Olhei para meu braço estendido no chão, e com a mão que me restava, tateava o ferimento na garganta para saber a gravidade. Era um belo corte. Minha mãe teria um infarto se visse aquela cena, mas fechei os olhos e tentei usar a lógica fria de um vampiro. ''Ainda não, ainda não está perdido...'', pensei, enquanto usava o que me restava do sangue.
O braço não era o principal dano, me concentrei no pescoço e ignorei o corte do braço esquerdo. Por um momento não pude ouvir mais nada ao redor, as risadas dos dois vampiros foi abafada aos poucos. Senti o corte na garganta aquecer como brasa viva, era o sangue amaldiçoado fazendo sua mágica, mas seria provavelmente a última. Quando voltei a ouvir tudo a meu redor, e abri os olhos, percebi que havia mais alguém ali. Uma garota. Parecia correr de alguma coisa. Olhava para trás e acenava para os outros em desespero.
- Caçadores! - gritou ela. E imaginei ser a tal garota recém transformada de que os outros falavam; Karen. Quando se aproximou mais, percebi que uma parte de seu ombro direito simplesmente faltava. E a garota correu na direção dos companheiros até que recebeu um golpe pelas costas, cambaleando e rolando, até parar completamente nos pés de Ruan e André. Vi seus olhos arregalados e paralisados, como de uma verdadeira morta - o que realmente era, em certo contexto.
- Boa noite senhores! - disse Marcos, que havia cravado uma estaca nas costas da garota e ainda segurava mais uma em sua mão direita. - Receio que a noite esteja acabando mal pra vocês, morcegos, que adoram o escuro! E antes que o dia venha e queime sua carne, verão o quanto pode ser perigoso, mesmo à noite quando um caçador está em seu encalço!
Era ele, meu antigo professor de História e filosofia. Com seus óculos, ainda parecia um professor para mim, mas tinha muito o que me explicar mais tarde.
- Maldito caçador! - disse André, tomando impulso para saltar sobre Marcos como um gato. - Vou sugar até a última gota de seu sangue, e depois irei atrás de sua família, seu verme insolente!
- Não tem moral pra falar sobre vermes, já que seu corpo podre deve estar cheio deles... - disse outra voz, ao fundo, que percebi ser irritantemente familiar.
E mal pude acompanhar o que houve, pois estava tão fraco que minha visão falhava. Apenas vi quando André saltou sobre Marcos, e Ruan pareceu correr em outra direção, talvez para atacar o outro caçador que se escondia onde minha vista embaçada não podia enxergar. Ouvi um som abafado, de um golpe forte e alguma coisa batendo contra o chão. Um clarão repentino acompanhado de um estrondo, um disparo. E o som de meu próprio corpo caindo exausto no chão úmido.
A garota, com a estaca nas costas parecia olhar para mim. A minha frente, meu próprio braço decepado ali jogado no chão, parecia apontar um dedo na minha direção. Alguém parecia correr, ouvi outro disparo e então mais nada. Começou a chover, e tudo se apagou.