Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 23

    Romeu & Julieta

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    OOIIIII! Tudo bem, meus benzinhos?

    Desculpem por demorar, mais uma vez, como sempre, como em todos os capítulos. Mas é que o meu avô faleceu, gente. Eu morava com ele, era o meu pai. E eu basicamente estou um porre. Sem chão. Isso acarretou num bloqueio criativo muito sério e eu não escrevi nada por um tempo. Por um bom tempo. E hoje eu consegui! Então eu trago aqui pra vocês o nosso querido capítulo, o último em solo canadense uashuahsuahs aaaaaaaah. Mas é que as coisas precisam acontecer, não é? E tem muita coisa esperando ai.

    Bom, eu espero muito que vocês gostem e que de coração ainda estejam aí. Um beijo pra todos vocês e boa leitura!!! :)

    Hinata

    - Moshi moshi? – Hiashi atendera do outro lado da linha, o tom de voz era levemente irritado e tinha um som de discussão ao fundo. Reconheci a voz de Mayumi e Aiko e imaginei que ele estivesse nervoso por isso. Decidi tentar ser doce, talvez isso amenizasse também a minha carga emocional pesada em relação a eles a partir de agora.

    - Papai? Está tudo bem? – arrisquei, mordendo o lábio inferior. Ouvi um suspiro do outro lado.

    - Apenas desentendimentos femininos. Algo com algum sapato novo. Já mandei Mayumi ir se deitar, está tarde, mas parece que as mulheres da minha vida estão pretensiosas à me desobedecer. Pensei que me ligaria mais vezes, Hinata, e ainda não tive nenhum feedback sobre sua excursão.

    A acusação dele me fez encolher os ombros e encarar meu plano escorrendo água abaixo.

    - Nós fazemos muitas atividades por aqui e eu organizo as ideias acumuladas para poder te explicar. Bom... vamos ter mais palestras hoje, eu te conto melhor em casa, não se preocupe. – disse. Ele ficou em silêncio do outro lado, mas soltou um suspiro pesado, irritadiço. – Eu liguei apenas para dizer que estou bem e que as palestras são ótimas. E... o psicólogo disse que tenho jeito para contabilidade. – a mentira saíra escorrendo da língua, ligeira, desesperada. Eu me senti inquieta e sufocando com o enorme vazio de sua resposta silenciosa. Ele apenas deixou escapar um desdenhoso “hm”, que me fez jurar estar sendo debochada por minha farsa.

    - Excelente, não é? Assim você se mantém bem diante do plano. Tenha um bom dia, Hinata. – respondeu enfim, o tom de voz era presunçoso. Um arrepio percorreu minha espinha. – E ah, quase me esqueço! Espero que os ares ocidentais não estejam estragando sua postura, hm? Lembre-se que você é uma Sasaki agora e que nós nunca esquecemos quem são nossos inimigos.

    Ele desligou a ligação e eu apertei o celular em mãos. Sua indireta viera certeira, mas eu só conseguia sentir repulsa. Não era uma Sasaki, em nenhum aspecto, principalmente se o verdadeiro inimigo em minha vida for justamente meu pai e também porque se para ele a ameaça vinha dos Uzumaki, então de fato eu nunca esqueceria qual lado eu pertencia. Me desculpe, Hiashi, mas ao que parece, eu não nasci para pertencer ao seu legado. Minha vida estaria prestes a tomar uma guinada vertiginosa, eu tinha consciência, mas além disso, eu ainda precisava manter aparências e isso incluía encontrar qualquer coisa que me traga um diagnóstico para os negócios nessa excursão. Internamente eu torcia para que algo me chamasse atenção, me reconfortasse com o menor dos encantos, porque se não for por essa pequena distração, Hiashi jamais permitiria que eu saísse outra vez. Sua confiança em mim por um fio, enfim arrebentaria.

    E meu mais novo status dependia disso. Guardei o celular no bolso e saí do quarto, Ayame me esperava do lado de fora, eu havia dito que iria tomar café junto dela. Acho que sua companhia me acolheria quando eu encarasse aqueles olhos azuis perante todos. Sentia que deveria mudar meu jeito de ser, deveria dar à ele alguma coisa que o fizesse sentir seguro e feliz, como havia prometido. Mas só a menção fazia meu estômago rodopiar e a vontade de me esconder debaixo das cobertas quase me convencia a voltar ao dormitório. Talvez devesse pedir dicas ou dar uma olhada na internet, qualquer coisa, ainda que me desse uma sensação estúpida. Entretanto, nada me prepararia para isso, em partes porque eu estava confusa demais, nervosa e sufocada. O que era bem contraditório, uma vez que Naruto jamais me fizera sentir coisas tão ruins, e nem o fazia agora. Era apenas eu e meu subconsciente incapaz de se organizar, se impor e declarar autossuficiente.

    Um lado era alvoroçado, ansioso pra descobrir todas as sensações que isso me provocaria, para experimentar novos sabores e tatos que jamais haviam passado assim pela minha cabeça, como uma contestação real. Lembrava-me de assistir à televisão e me perguntar como seria, de ter divagado também sobre os próprios relacionamentos que existiam ao meu redor, mas imaginar-me viver a situação, principalmente no último ano, era completamente absurdo. Enquanto isso, o outro lado era medo liquefeito, por não saber corresponder, por descobrir não querer nada disso, por estragar uma amizade importante para minha sobrevivência e de colocar Naruto em risco diante das loucuras que recentemente descobri Hiashi ser capaz.

    As inúmeras vertentes do nó que se instalara em meu estômago faziam eu me sentir desnorteada, mas eu sabia que ainda orbitava no sol que ele era, mesmo se nada disso estivesse acontecendo. E talvez agora eu orbitaria de forma mais substancial ainda. Mas junto com essa boa nova, vinha o conhecimento de que algumas coisas terão de esperar, serem ordenadas em importância, porque havia uma pessoa, um ser incrível, esperando para ser enxergado.

    E eu tinha acabado de curar minha cegueira.

    Não era como se eu tivesse alguma ideia do que fazer – ou sentir – mas era diferente, ainda assim, a forma como eu o via agora. Talvez porque eu sabia da verdade e seus olhos pareciam ainda mais cristalinos, além da recente descoberta de que ele estava sendo esse tempo todo ainda mais forte, mais fiel e corajoso do que eu tinha notado, aguentando e lidando com suas próprias emoções em prol das minhas, como se de fato nada importasse mais.

    E, por Deus, como eu podia merecer isso? Mas agora eu nem podia me fazer essa pergunta, porque considerar-me não merecedora o colocaria numa situação em que ele também não é merecedor, privando-o do seu desejo mais íntimo e consequentemente condenando-os ao fim.

    Suspirei, fechando os olhos. Quem sabe pedir conselhos poderia ser uma boa opção, mesmo que me fizesse querer enterrar a cabeça num buraco e ali permanecer. E foi por isso que decidi, sentindo um rodopio vertiginoso no estômago, aceitar a realidade e conversar com outras garotas.

    No mesmo momento, Ayame abriu a porta do quarto, olhando-me interrogativamente.

    - Hinata-san, você vem?

    Eu assenti, num sobressalto recordando do café-da-manhã que prometera. Me apressei para fora do quarto, quase ouvindo meu coração pulsando mais alto a cada passo mais próximo do refeitório. A garota me olhava de canto com seus grandes olhos castanhos, curiosa e eu a encarei de volta, sentindo minhas mãos formarem pequenas gotas de suor.

    - Você está bem? – pediu, cautelosa. Eu dei de ombros.

    - Err... eu estou. Quer dizer, um pouco ansiosa, mas bem, digo, estou bem. – respondi, corando. Ela riu um pouco, tímida, mas serelepe. Tinha uma energia diferente, jovem, transmitia sua alma de menina alegre, seja pelo seu jeito elétrico ou pelos olhos sapecas, infantis e brilhantes. Mas eu gostara, era contagiante e surpreendentemente, apesar de não tê-la conhecido em outras oportunidades, estava apreciando sua presença.

    - É por causa das palestras? – perguntou. Ponderei se deveria concordar, embora não deixasse de ser verdade, ou se deveria aproveitar a deixa e lhe pedir algum conselho. Oh, era nauseante só de imaginar formular a frase, com essa turbulência insistente causada pelas asas agitadas de borboletas ao redor do meu estômago. Mas eu havia decidido socializar, perguntar e analisar todas as respostas, em prol do meu novo objetivo e, claramente, ele merecia esse esforço.

    Suspirei outra vez, buscando ar e coragem. Tinha consciência do tom avermelhado que tomava posse de minhas bochechas e de como isso me tornava boba e frágil diante dos olhos animados de Ayame.

    - H-Hai. Mas na verdade... – ela me encarou em espera, com um sorriso frouxo pendurado no canto da boca. Engoli à seco. – Estou nervosa por reencontrar uma pessoa.

    Era um bom começo e talvez a fizesse não me cobrar com tanta avidez uma resposta imediata. Ela sondou minha fala, ainda esperando que eu continuasse.

    - Ayame-san, você já teve um... namorado?

    A pergunta saiu um tanto atropelada e de fato derrubou a postura da garota, pega totalmente de surpresa. Ela abriu a boca para falar, mas em seguida tampou-a com as mãos e soltou um risinho, corada.

    - Bom, quando eu era menor. Mas nada sério, claro. Por que está me perguntando isso assim de repente? Não me diga que... você tem um namorado? Ele é canadense?

    O bombardeio inquisitivo me deixou desnorteada, principalmente a última pergunta. Talvez eu tenha formulado a frase de um jeito errado, ao mencionar um “reencontro”. Expirei pela boca, com as orelhas quentes e o rosto feito um tomate.

    - Não! Quer dizer, ele não é canadense, ele... ele é... – a frase morreu em minha boca quando entramos no refeitório e imediatamente meus olhos pousaram sobre seus cabelos loiros desalinhados sobre um rosto bronzeado e sorridente para os amigos. Estava debruçado sobre a mesa, rindo com Sasuke e Sakura parecia emburrada, com as bochechas rosadas. Estava tão leve, uma aparência refrescada, alegre, me fez sentir um calor no peito. O jeito como balançava a cabeça, divertindo-se com o assunto que mantinha com os outros dois, parecia quase em câmera lenta diante dos meus olhos vidrados. A hipnose foi interrompida no segundo seguinte pelo arquejar baixo de Ayame ao meu lado. Meu coração quase entalou na boca e eu a olhei completamente vermelha.

    Seus olhos estavam arregalados e o riso brincava na boca, formando uma expressão admirada. Arriei os ombros, começando a me sentir arrependida por ter tocado no assunto com ela.

    - Oh, meu Deus. Vocês estão juntos, mesmo? – perguntou, em cochichos, olhando por cima do meu ombro o local exato em que ele estava sentado. Mordi o lábio, sentindo-me estranha com a pergunta, quase uma afirmativa. Porque bem, era isso que era, não? Uma afirmação, real e – segundo meu novo objetivo em devolvê-lo um pouco da dedicação e carinho, numa tentativa de ser justa – indubitável.

    Mas ainda assim, por Kami, era surreal. Difícil de aplicar numa frase, a palavra “namorado” era tão estranha que não conseguia contextualizá-la envolvendo Naruto e eu. Entretanto, não podia mais fugir agora, por obrigação à minha amizade com ele e por incrível e insanamente não querer. Por isso, fechei os olhos por um momento e assenti, recebendo outro arquejar animado e incrédulo vindo da garota à minha frente.

    - Caramba! Eu sabia, eu sabia! – exclamou, estranhamente feliz como se a notícia fosse o evento mais esperado do ano. Franzi a testa, pigarreando.

    - Sabia? Como assim?

    Ela riu, dando pulinhos e depois revirou os olhos, encarando-me com certa malícia.

    - Que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, ora. Estava tão na cara, todo mundo já desconfiava, vocês são tão lindos quando estão juntos! – ela suspirou, sorrindo, com as mãos entrelaçadas no peito. Eu me senti ligeiramente tonta, à beira da vergonha máxima, espiralando em constrangimento e confusão mental.

    - C-Como assim, estava tão na cara? – perguntei, sôfrega. Ela riu e deu de ombros.

    - O jeito como ele te olhava e como parecia que você não podia perde-lo de vista... Todo mundo já sabia que ele estava caidinho por você, garota! Que peixão conseguiu fisgar, hein! – ela contou, cochichando outra vez, dando-me sutis cotoveladas no braço. Eu soltei o ar, sentindo cansaço pela tensão acumulada em meus ombros. Então me veio a compreensão de sua frase para me atolar em questionamentos: aparentemente, todo mundo sabia que ele estava apaixonado, menos eu. E aparentemente, todo mundo achava que eu sentia o mesmo.

    Eu sentia?

    Olhei para ele outra vez, querendo voltar para debaixo das cobertas e evitar tanto constrangimento. Sabia que tentar encontrar essa resposta agora era inconcebível, porque eu mal conseguia lidar com tanta atribuição repentina, que dirá tentar distinguir o emaranhado de coisas que eu sentia por Naruto. Como rotular com uma única palavra? Encolhi os ombros e decidi tomar logo o café-da-manhã, antes que meu estômago estivesse em tanta encrenca quanto meu cérebro.

    - É melhor irmos comer antes que a comida acabe. – avisei, voltando os olhos para Ayame. Ela assentiu.

    - Tem razão, estou morrendo de fome. A gente se vê, então. – respondeu. Eu lhe lancei um olhar interrogativo. – O que foi?

    - Pensei que tomaríamos café juntas... – joguei no ar, confusa. Ela riu.

    - Tá brincando, né? Teu namorado, que no caso é ninguém menos que Naruto Uzumaki, está em algumas mesas daqui e está me dizendo que vai tomar o café comigo?

    O tom irônico e malicioso de sua frase me fez revirar os olhos. Não gostava do modo como as pessoas falavam dele, com tanto “endeusamento”, parecia fútil e ele não merecia ser visto apenas por atributos superficiais, quanto havia uma imensidão de qualidades e grandes ideias além disso. Mas em partes, a pergunta dela era pertinente, pois me fazia inquirir se não seria estranho apenas lhe cumprimentar e ir em sentar com outra pessoa. Em meu pensamento, não, até porque eu estava mesmo querendo um tempo a mais para me despir da vergonha. Entretanto, era um adiamento todo, considerando que em algum momento eu teria de me acostumar com a realidade.

    Por Kami, só de pensar em lhe tocar outra vez meu estômago dava rodopios vertiginosos.

    Girei nos calcanhares, mordendo o lábio e Ayame me olhou, compreensiva e solidária de repente, como se uma lâmpada tivesse acendido em sua cabeça e ela finalmente entendesse o sentido do assunto desde o começo.

    - Vocês estão juntos desde ontem? Meu Deus, Hinata-san, deveria estar tão empolgada! Ora, vá logo se sentar lá, ele com certeza está te esperando. Não seja tão tímida... ou seja, quer dizer, seja você mesma, afinal foi por você que ele se apaixonou. Não?

    Eu sorri, corada. O conselho caíra bem, de fato, ainda que ela não pudesse imaginar o real motivo de eu não saber como agir. Mas era em parte verdade, porque Naruto jamais havia me cobrado uma mudança, além da única vontade de me ver bem e melhor. Eu só estava preocupada em como ser esse melhor para ele agora. E não havia nada que pudesse fazer de imediato, a não ser experimentar como é estar ao lado (e não em suas costas).

    Assenti para Ayame e ela me sorriu, acenando antes de ir para a fila pegar seu próprio café. Eu respirei fundo, decidindo ir até a mesa onde Naruto estava primeiro. A cada passo que eu dava, sentia como se fosse uma conquista e só chegando perto, notei que ele segurava um café extra no copo térmico e senti-me culpada, pois obviamente ele estava mesmo me esperando.

    - O-Ohayo. – disse, nervosa. Os três me encararam ao mesmo tempo.

    Sakura abriu um sorriso gigante e Sasuke apenas arqueou uma sobrancelha com seu típico sorriso de canto que agora continha uma carga realmente contente. Eu sorri de leve, cumprimentando-os e me sentei ao lado de Naruto, aceitando o café que ele me estendia.

    Ele tinha o sorriso estendido no rosto com suavidade e os olhos cálidos, calmos. Eu me senti instantaneamente mais relaxada, só com a sua presença. Era sempre assim, o que talvez me motivasse a nunca desistir de nós dois, porque ele funcionava como minha gasolina. Quando eu estava prestes a desligar, aos tropeços, em falha constante, ele era meu combustível, que me reacendia, me dava força e um respiro na superfície. Seu inacabável estoque energético, tal como costuma reafirmar a todo momento, estaria ali para mim quando fosse necessário. E de fato, ele sempre cumprira com isso. A grande diferença é que ultimamente tem sido necessário o tempo todo.

    E pensando bem, a verdadeira fonte dessa insuficiência talvez fosse exatamente não ter tido sua presença até cair de paraquedas naquela cidade.

    ***

          O rodopiar constante de meu estômago, junto da profusão de sentimentos inebriavam minha mente, enquanto seguíamos no ônibus para a próxima palestra motivacional. Era uma nova chance de conseguir argumentar algum plano, mas também outra oportunidade de encontrar uma direção. Sentia no âmago que talvez estivesse procurando no lugar errado, no tempo errado. Ainda era recente demais a demanda de uma escolha, o que me tornava despreparada para procurar opções. Naruto insistira que a culpa não era minha e que essa necessidade de Hiashi em me ver interessada pelos negócios era puramente uma ação desesperada de sua parte, a fim de me coagir ao lado dele. O que fazia sentido, sim. Entretanto, não era apenas a insistência de terceiros que me frustrava e sim não conseguir me encaixar em absolutamente nada.

          Suspirei, observando a paisagem correr do lado de fora. Naruto virou a cabeça para me fitar e seus olhos compadecidos me fizeram arriar os ombros. Seus dedos longos apertaram os meus e ele se inclinou para beijar meu cabelo. Um calafrio percorreu discretamente o meu corpo e eu sorri para ele, sentindo as bochechas aquecerem.

          - Independente se você conseguir ou não se sentir atraída pela área dos negócios, nós vamos conseguir contorna-lo, minha baixinha. Eu já disse, não me interessa mais o que ele for dizer. Quando a gente voltar, eu vou enfrentar, vou te proteger e vou acabar com essa situação. Confia em mim? – disse, todo cheio de si como se soubesse bem o que estava fazendo. Eu assenti, mordendo o lábio. Naruto olhou em meus olhos, de um jeitinho cálido que só ele tinha, e sorriu. O sorriso dele tinha um teor de orgulho admirado, como o de um melhor amigo sobre a vitória do outro. E isso me acalantou, porque demonstrava que apesar de tudo, nós nunca deixaríamos de ser melhores amigos.

           - Você está bem com isso? – ele perguntou de repente, mas sua expressão continuou intocada. Olhei-o interrogativamente e o senti erguer nossas mãos ligeiramente, a fim de explicar o conteúdo de sua pergunta. A compreensão me fez pensativa, analisando como eu me sentia. Mas acho que na maior parte do tempo, era a ansiedade que me mordiscava, por estar ali tão próxima, íntima e acolhida. Não me sentia mal, como se estivesse sendo forçada, porque ter o carinho de Naruto já era imprescindível, ainda que eu achasse absurdo recebe-lo. O fato era que eu não merecia nada disso e acima de tudo, ele não merecia alguém tão despreparada.

           Porém, as palavras de Ayame me vieram à mente e relembraram que fora ele quem escolhera-me, desse jeito como sou. E agora não tinha mais volta, tinha? Por isso, foquei meus olhos nos dele outra vez, fitando seu rosto bonito, bronzeado e cheio de traços que eu tinha decorados em mente. O modo como o sol fraco brilhava nele e o fazia parecer um tipo de extensão de todo esse calor. Sensação essa que me fazia ter a certeza de que eu não podia mais sobreviver no frio, então eu honestamente lhe respondi, rendida:

         — Não me incomoda, eu gosto.

         Tinha sido uma frase pequena e tímida, mas fizera grandes coisas dentro daquele olhar, que insuportavelmente brilhara ainda mais. Ele sorriu de um jeito suave e ergueu nossas mãos para acariciar minha bochecha, com todo o carinho do mundo. Acho que nesse instante, quando ele voltou-se feliz para olhar a paisagem bonita correr do lado de fora da janela, debaixo do raio solar, eu tive um breve e intenso insight. Todo aquele contexto, o clima frio com o sol quente, nossas mãos juntinhas, o rosto dele tão sereno e contente, o dia aguardando por nós, a semana, quem sabe o mês, ao redor de nosso relacionamento. Eu imaginei como seria chegar no Japão e ser abraçada por sua mãe e me lembrei da primeira vez em que a conheci, sendo abraçada por seu marido. Na próxima vez, estaria eu espelhando isso?

          Estaria eu em casa, quando estivesse lá? Eu tinha uma sensação crescente e ansiosa de que alguma coisa nos esperava, mas talvez fosse apenas o medo de enfrentar Hiashi e sua fúria. Seu desapontamento quando descobrisse que eu não queria seguir os negócios da família e que ainda estava namorando o herdeiro do adversário. Mas ao pensar sobre isso, sinceramente, não havia culpa. Por pior que o castigo fosse, era verdade que estar com Naruto representava o oposto de estar caminhando para a prisão perpétua de Hiashi, era como finalmente alcançar a liberdade.

         Como naquele ônibus, vendo o mundo todo correr do lado de fora, enquanto nós estávamos intactos, juntos e em câmera lenta, no nosso próprio tempo.

    ***

          Temari

          Mal podia acreditar no que via quando vi os dois desembarcarem do ônibus, Naruto esticando a mão para cima para ajudar a pequena Hinata a descer. Como se eles fossem um casal vindo diretamente de 1930, enlaçando as mãos daquela forma tão inocente e contida. Ele tinha uma mão no bolso e a outra esporadicamente mexia o polegar para acarinhar a palma da garota. Era verdade então, o que Sakura fofocara mais cedo, eufórica demais. Eu achava que eles já tivessem algo, na verdade, porque eram sempre tão... intensos quando estavam juntos. Como se soubessem tudo um sobre o outro e se mexessem magneticamente. Mas de fato, se não havia nada antes e agora quando estavam finalmente juntos, estivessem tão calmos como se estivessem sem pressa alguma de se descobrirem namorados, aquilo definitivamente era grande. Muito grande. Tipo amor de verdade, só podia ser.

          Como se eles estivessem vivendo cada segundo por vez e não cada dia. Era meio estranho, para a idade deles. Para a nossa idade. Ou melhor, para nossas condições. Estávamos no Ocidente, afinal, tudo parecia tão mais liberal e normal por aqui. E isso me fez suspirar. Porque se estávamos em uma terra sem tantos tabus, deveria me inspirar na cena à minha frente e tomar coragem para correr atrás dos meus sonhos. Quem sabe Hinata não seria a única a voltar para casa acompanhada.

        Na última vez que estive perto do Nara, ele havia prometido tentar me alcançar. Mas aparentemente, eu estava pensando que não o merecia agora e simplesmente não tomara nenhuma atitude depois disso. Cada vez que cruzávamos o olhar, eu podia quase tocar a súplica em seus olhos escuros, como se pedissem meu apoio moral e minha permissão para vir e conversar. Era ridículo, mas sendo Shikamaru, eu não podia esperar mais do que o plano perfeito. Mas ele era tolo, um completo idiota, se achava que conseguia isso sempre. O caso é que ele é o todo perfeitinho, o nerd incurável, quando se tratava de estratégias que não envolvessem um romance, ou melhor, o seu próprio.

         Era mais do que óbvio que ele não conseguiria se decidir. Quais palavras usar, em que momento abordar, em que situação e lugar. E por isso, ele parecia estar sempre se perguntando, além de todas as maiores dúvidas, se já era hora de vir. Bom, era! Com certeza era, por Kami, eu bem sabia que já não aguentava mais olhar para sua cara de tacho toda vez em que respirávamos o mesmo ar.

        Quem sabe eu devesse mesmo tomar a iniciativa, chegar e dizer “ok, Nara, tempo acabado. É pegar ou largar”. Talvez fosse direto demais? Mas eu não era de muitos rodeios, ele sabia disso, e gostava disso, aparentemente. Não havia muitas formas de dizer isso, qual é, não estávamos numa peça de Romeu & Julieta e... não éramos Naruto e Hinata, afinal. Eu não era pequena, frágil e doce e ele não era abobalhado, romântico e supergentil. Nós éramos dois frios, calculistas e desconfortáveis apaixonados.

         E por falar em cálculo, ao que parecia eu não tinha contato o tempo direito entre escapulir do ônibus logo e evitar mais um encontro desajeitado. Droga, eu ficara distraída com o novo casal do grupo! É claro que, com esse pequeno fato, eu estava parada vulnerável ao cheiro conhecido que vinha de trás, descendo o ônibus como se estivesse com dor nas pernas. Shikamaru.

         Suspirei e me virei, encarando-o. Talvez Kami estivesse me ouvindo tão cansado dessa ladainha quanto eu.

         — Nara. – cumprimentei. Ele me sondou, percebendo minha impaciência. Pigarreei e seus olhos passaram de mim até a visão que eu sabia que ele estava vendo: o casal mais fofo do mundo, claro. Mas seus olhos ficaram intenso, estranhamente, e ele franziu a testa.

         — Eles estão juntos. – ele afirmou, mas sua voz tinha uma pontada de dúvida, imerso em divagações internas e misteriosas. Eu expirei, sentindo uma pequena irracional inveja. Não do casal em si, mas do novo status.

        — É, eles estão. – respondi. Shikamaru me lançou um olhar, provavelmente entendendo o modo ambíguo como eu disse “eles”. Seu sorriso foi de canto e arrebatador. Eu revirei os olhos.

        — Isso é uma crítica bem disfarçada, Temari. – respondeu.

        — Não é uma crítica, é um ultimato. – joguei, sem esperar que ele ficasse surpreso. O virei as costas, mas ele segurou meu braço e me fez parar no lugar. Soltei o ar, tensa.

        — Temari... eu... – seu gaguejar me fez encolher os ombros. De novo aquela voz, aquele som torturado e rebaixado de quem se sente mal por fazer alguém que ama sofrer. Voltei a encará-lo e em completa desistência me desarmei em sua frente. Não ia adiantar nada mesmo, ou eu cedia ou ninguém avançava. Era mais do que nítido de que Shikamaru não sentia segurança para me surpreender sozinho. Ele se importa demais com o que eu penso.

         — Olha, Nara, por que estamos nessa? – indiquei com o dedo entre nós, e então me virei para o casal no fundo, perto do restante do grupo, na porta do auditório. — E não naquela?

         O olhar dele ficou quente e liquefeito, surpreso, mas amável. Eu me senti derretendo igual os seus olhos e quis desviar para poder me retomar. Mas Shikamaru começou a rir de um jeito meio triste. Levantei o rosto, inquieta. Ele acariciou minha bochecha e meu braço respondeu arrepiando.

          — Porque eu sou um idiota. Mas se me permite, eu não sei se gostaria de estar como eles. – murmurou. Eu o olhei indignada e sua risada estourando me fez ficar ainda mais nervosa. — Me deixe explicar! – continuou, erguendo as mãos como se estivesse se rendendo à um policial.

          — Você tem um minuto, Nara. – devolvi, estressada. Ele suspirou, ficou sério de repente e segurou minhas mãos.

          — Eu não sei muito, mas meu pai sabe. Parece que há alguma coisa no passado dos pais de Hinata e Naruto que podem prejudicar esse relacionamento. De início eu não dei muita bola pra isso, ouvia conversas aqui e ali, dava uns conselhos pro meu pai quando ele perguntava. Mas não tinha... associado isso como um perigo real. Mas na última ligação que ele me fez, bom, parece que as coisas estão realmente pesadas por lá agora. Eu não sei se... eles estão seguros. – partilhou. A confissão me fez precisar de alguns segundos para entender que a emoção do momento passara de ansiedade por amor platônico para medo por um caso de mistério antigo. Não fez muito sentido e eu me senti estranha, como se não entendesse. O que quer que tivesse de errado entre as famílias, não envolveria risco de vida para eles. Envolveria? Quero dizer, são os próprios pais deles! Como isso os poria em perigo?

           — Shikaramu... isso não faz o menor sentido. – protestei. Ele balançou a cabeça.

           — Concordo. Na verdade, era por isso que eu não tinha me atentado tanto. Não achava que isso era um perigo para eles, achava que as famílias não se davam bem, apenas. Mas agora é diferente, eu entendi muito bem o que meu pai quis dizer. Eu juro que eles estão correndo perigo, Tem, eu juro. Mas... não posso dizer nada para ninguém sobre isso.

             Eu senti um arrepio percorrer meu corpo. Lembrei da visão do casal anos 30 descendo o ônibus como se pudessem estar dentro de um filme em que eu choraria escondido por horas quando acabasse. E me perguntei se iria chorar por emoção ou pela morte de um deles. Neguei com a cabeça, tentando me livrar da imagem horrível. Me atentei à última coisa que Shikamaru dissera e tentei desviar o assunto tenso.

           — Então por que está me contando?

           Ele encolheu os ombros e me olhou com um sorriso terno.

           — Você me deu um ultimato. Acho que agora a gente deve compartilhar segredos. – brincou. Eu revirei os olhos outra vez.

            — Não é assim que se faz, Nara. Eu preciso dizer um sim, faz parte da tradição. – insisti. Ele riu, lançando a cabeça para trás feito um menino.

            — Achei que não fosse tradicionalista.

            — Achei que você fosse mais perspicaz.

            O rebate o fez vacilar. Ele mordeu o lábio inferior e me encarou com divertimento e dúvida.

            — Você quer que eu tipo... em ajoelhe e tals?

            Eu suspirei, corando. A irritação me deixou quase tonta e eu levantei as mãos, soltando-o de supetão. Dessa vez eu quem me rendia.

          — Ok, estamos juntos! – decretei. Shikamaru soltou outra risada estrondosa e um brilho em seus olhos me fez deixar pra lá todo o estresse e sorrir, verdadeiramente, para o cara por quem eu era estúpida e completamente apaixonada.

          Depois, é claro. Eu me desesperei. Oh, meu deus. Estávamos juntos.

          Agarrei sua mão e o puxei para o auditório. Estávamos atrasados! A sensação de estarmos andando de mãos dadas, ou melhor, correndo, era reconfortante. Desastrados e à flor da pele, mas dava para o gasto, ainda que provavelmente não fosse uma visão doce e fofa, como a dos nossos Romeu & Julieta contemporâneos. Ao pensar nisso, outro calafrio passou pelo meu corpo e eu mal pude conectar àquela história com a realidade quando entramos no auditório e demos de cara com a pequena Hinata sorrindo timidamente para Naruto.

           De repente, Romeu & Julieta fazia um sentido muito menos bonito do que a teoria. 


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