Desculpe, mas tive que cancelar a viagem de família este verão. ? dizia a carta que minha mãe deixara para mim um dia antes da viagem. ? Eu não consegui refazer meus horários do trabalho... eu sinto muito. Eu sei que eu te prometi. Por favor entenda: eu estou muito ocupada! Eu vou te compensar por isso... Eu sinto muito, querido, mas eu pedi para seu avô se você poderia ficar na fazenda.
Vá com calma e aproveite a natureza, pra variar...
- Olá, filho! ? saudou meu avô, junto com a Nana, assim que cheguei à fazenda. ? Não há muita excitação por aqui, mas você é bem vindo para ficar o tempo que quiser. Eu estou ocupado demais com minha fazenda para brincar com você, mas há algumas crianças aqui no vilarejo com quem você pode brincar!
Eu não me interessei muito pelas crianças, mas sim pelos animais. Como morava na cidade, eu nunca tinha contato com a natureza, e os únicos animais que eu tinha visto na vida era o velho Billy (meu cachorro), os gatos de meus vizinhos e insetos, claro.
Como uma típica criança da cidade, meus olhos brilhavam com a quantidade de animais que só conhecia por fotos.
Várias vezes, enquanto meu avô não estava por perto, tentei ?cavalgar uma vaca? (sem sucesso, é claro), até que ele me ensinou a andar no Jipsy, um pônei da fazenda.
Tentei ajudar meu avô juntando as galinhas para que ficasse mais fácil para guardá-las no galinheiro depois, mas fui atacado e perseguido incontáveis vezes.
A única coisa que consegui fazer sem me machucar foi atirar pedrinhas no píer, observar as nuvens e brincar com a Nana.
Mas uma lembrança em especial me prendeu por mais tempo que as outras.
Ainda faltavam algumas horas para o almoço, então meu avô me deixou passear pela vila, assim eu não tentaria ordenhar as galinhas de novo.
Dessa vez segui um caminho diferente. Segui o som da cachoeira e caminhei por um caminho de terra que passava por um lago lindo, de águas tão limpas que quase me deixaram cego com o reflexo do sol. Continuei a trilha, passando por uma ponte de madeira em cima da cachoeira até o outro lado do lago, onde tinha um lindo campo verde.
Tudo ali era lindo. O sol estava escaldante, então deitei na sombra de uma das árvores, até que adormeci.
Não lembro com o que sonhei, mas fui acordado com o cantarolar suave de uma garota que se aproximava.
- Ah, é você, o garoto da cidade visitando a fazenda do velho!
Abri meus olhos bruscamente assustados.
Não sei se era o sol, mas, apesar de não ter interesse por garotas naquela época, sua beleza combinava perfeitamente com o local - tanto que, por um momento, minha inocência infantil me fez acreditar que era uma fada.
Seus cabelos curtos e claros estavam presos em dois rabinhos, um de cada lado da cabeça, e usava um vestido simples e florido. Apesar de ser tão simples e diferente das garotas que eu estava acostumado a ver, alguma coisa nela me chamou a atenção. Mesmo depois de tanto tempo nunca mais esqueci dessa cena.
Ela sorriu com minha expressão assustada, e continuou.
- Você sempre brinca sozinho? ? eu fiquei mudo, mas ela entendeu meu silêncio como um sim. ? Eu gosto daqui também, então eu venho bastante aqui para brincar sozinha.
Eu apenas observava seus lábios se mexerem com os olhos arregalados. Mas, ao invés dela zombar de minha expressão boba, ela apenas sorriu e, sentando-se ao meu lado, ela continuou.
- Me conte algumas histórias sobre a cidade, e... sobre você...
Ela almoçou comigo e passamos o resto da tarde juntos. Apesar de nunca gostar de tagarelas, alguma coisa em sua voz me deixava alegre. Era como música para meus ouvidos, literalmente.
Como sempre fui tímido, pelo menos ela falava por nós dois.
O sol já estava se pondo quando voltamos para o campo. Ela me levou até o pico da montanha, onde a vista era de tirar o fôlego. Apesar de já ter visto tantas coisas, nada se comparava àquilo. Talvez tenha sido o clima agradável, o sol - que pintava o céu de laranja e vermelho -, ou o vento que soprava seu perfume em minha direção, mas, de todos, esse foi o momento que eu recordo com mais detalhes.
Nós dois deitamos e observamos as nuvens vermelhas em silêncio, até ela começar a cantarolar a musiquinha mais uma vez. Dessa vez eu a acompanhei, e ficamos na mesma posição, um desfrutando da presença do outro, sem nos importar com a hora.
Meus pais ligaram àquela noite dizendo que me buscariam pela manhã. Arrumei minhas malas, lembrando que tinha esquecido de perguntar o nome daquela menina. Mas eu não me importava ? ou pelo menos não queria me importar. Afinal, eu era um homem independente, não precisava perder tempo com mulheres (por incrível que pareça, eu acreditava mesmo nisso). Será que deveria me despedir? ? eu me perguntava.
Ignorei meus pensamentos e afundei minha cabeça no travesseiro, me preocupando apenas em dormir.
- E então, como foi? Você se divertiu? ? perguntou meu avô com um largo sorriso nos lábios depois do café da manhã, enquanto me preparava para ir embora. ? Diga para sua mãe e seu pai que eu gostei também!
Assim que eu me virei para ir embora, congelei quando vi a menininha na cerca, transformando seu sorriso largo em uma expressão séria.
- Você está indo?
Assenti com a cabeça, covarde como sempre, sem coragem de dizer uma palavra com medo de gaguejar.
- Isso faz me sentir solitária... ? disse ela com os olhos vazios, fitando o nada. ? Você vai voltar algum dia, não vai? ? perguntou ela depois de alguns segundos de silêncio, agora com os olhos grandes e esperançosos.
- Sim! ? juntei toda a força que consegui e arrisquei-me a dizer alguma coisa, mas minha voz não passou de um sussurro.
- Lembre-se, você prometeu! ? disse ela, forçando um tom autoritário, mas o sorriso doce em seus lábios estragava todo seu esforço.
Minha mente voltou lentamente para o presente. Nem tinha prestado atenção no que o prefeito falava, e nem me importava, mas meus ouvidos me obrigaram a ouvir depois de tanto tempo de devaneio.
- ...faz muito tempo desde então. Você cresceu bem durante esses anos! Então eu conversei com o pessoal do vilarejo... seu avô cuidou muito bem dessa fazenda. Nós respeitamos seus desejos e gostaríamos de ver o quanto você pode crescer em três anos. Não queremos testar você, mas... se você conseguir fazer essa fazenda voltar a ser o que era, então o vilarejo o aceitará como o herdeiro oficial da fazenda. Mas, se a fazenda for negligenciada ou você não se der bem com as pessoas, bem... ? a expressão do prefeito ficou pesada de repente. ? você terá que ir embora. Essa é a decisão que o vilarejo tomou. ? agora sua expressão voltou ao normal. ? Ser fazendeiro é um trabalho bastante difícil, mas espero que você dê o seu melhor e se torne um grande fazendeiro, assim como seu avô!
Assenti com a cabeça mais uma vez e fechei minhas mãos em punho, pronto para o desafio, e disposto a cumprir minha promessa.