Carmesim

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    18
    Capítulos:

    Capítulo 19

    Direito e Deveres

    Álcool, Estupro, Hentai, Heterossexualidade, Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Sexo, Violência

    BOTAN POV

    O torpor era tão forte, sentia dificuldades em sair dele. Com muito esforço consegui tremer as pestanas causando uma agitação em meu torno. Percebi pelas energias aqui. Espere. Energias? Mas eu não era mais capaz disso. Menos sonolenta entreabri os olhos virando o rosto para a direita. A pessoa ofegou e antes mesmo de falar já sabia quem era.

    — Botan, que bom que acordou.

    Hinageshi tinha um tom choroso na voz. A olhei bem no instante que me ajudou a levantar e a segunda energia se afastou de perto de mim.

    — Vou avisar Kazuma e os outros.

    Mirei adiante quando Yukina abriu o shoji fechando em seguida.

    — Como se sente? Deve estar com a garganta seca.

    Assenti, agradecendo quando Hina me ofereceu uma caneca cheia d’água. Bebi devagar, minha língua parecia uma lixa de tão seca. Entreguei a caneca pra ela e pisquei um pouco desorientada observando em volta. Parecia ser meu antigo quarto no templo da mestra Genkai. Espere, era meu antigo quarto. Confusa, olhei para a outra pessoa aqui dentro até então quieta. Shizuru me observava risonha e aliviada, apenas me confundindo mais.

    — O que está acontecendo?

    Curvando os lábios, ela se ajeitou perto da cama ao se sentar.

    — Bem, você que deveria nos dizer. Desde quando você e Hiei estão juntos? Essa noticia pegou todo mundo de surpresa.

    Levantei as sobrancelhas e ouvi um suspiro ao meu lado. Hina se levantava da cadeira com um ar cansado.

    — Nem todo mundo. Kurama está com aquele ar de “eu sabia o tempo todo”. É difícil guardar um segredo daquele cara, não é?

    Franzindo as sobrancelhas, Hina pegou uma bacia levando-a embora. Antes que abrisse o shoji, a interpelei afobada ou tanto o quanto podia nesse estado.

    — Esperei um pouco. Do que estão falando? Como assim eu e Hiei es... estamos juntos?

    Me olhando confusas, as duas trocaram um olhar de entendimento e depois Shizuru se levantou da cama indo até a uma cômoda. Ela pegou um espelho de mão e voltou me entregando.

    — Veja.

    Engolindo em seco, levantei o espelho e ao ver meu reflexo notei o quanto estou abatida. Parecia que fiquei doente. Foi ao suspirar que vi um sinal avermelhado no meu pescoço bem no lado direito. Com o coração aos pulos, afastei meus cabelos e arfei arregalando os olhos. Incrédula, toquei a mancha avermelhada com os dedos trêmulos. Lembrei de tudo. O leilão, a fuga, aquele monstro... Hiei o torturando e depois que fugi dele me achar e nos tirar daquele lugar horrível. A ultima coisa que lembrei foi de quando me beijou em seguida me morder. Arfando desenhei as bordas da marca e não senti nada. Sem um formigar.

    — Ficou perfeita. Ele soube exatamente fazê-la sem te prejudicar. Ainda que demorasse a cicatrização.

    Levantei os olhos para Hina, mas ela já havia saído. Olhei para Shizuru.

    — Como assim?

    — Faz três dias desde que voltaram de Makai, Botan. Esteve dormindo esse tempo inteiro.

    Pisquei impressionada olhando mais uma vez no espelho.

    — Puxa. Imagino que Hiei já deve ter ido embora.

    Baixei o espelho decepcionada. Pelo o que conheço dele, com certeza fez isso. Pigarreando, Shizuru chamou minha atenção.

    — Na verdade, Botan. Ele ainda está aqui.

    Arfei em expectativa.

    — Sério? É verdade mesmo?

    Ela me olhou estranhando e segurei a empolgação agarrando a gola desse kimono branco. Foi quando dei por falta de algo. Apalpei me desesperando ao confirmar. Essa não.

    — O que foi?

    Encarei Shizuru e sorri nervosa.

    — N..nada não.

    — Bom, que seja. A ruivinha deve ter ido buscar um prato de comida, então é melhor que descanse um pouco. Quando se sentir melhor, tome um banho.

    Me olhou significativa e murchei os ombros.

    — Claro.

    Não era para sair correndo desesperada atrás de Hiei. Era o que quis me dizer. Quieta esperei Hinageshi voltar com a comida e pensei no meu problema urgente. A hiruiseki... Eu perdi! O que vou dizer pra ele quando me perguntar dela? Espere, nada de pânico. Eu não devo ter perdido num lugar difícil... Ah, quem eu quero enganar? Era mais provável que esteja em Makai. No meio daquela confusão a corrente deve ter se rompido e caiu do meu pescoço. Me sentia mal por isso. Tinha me afeiçoado a joia.

    Quando me alimentei, esperei um pouco sob o olhar atento de Shizuru e me levantei da cama para o banheiro. Ao contrario do que achei, não me sentia fraca. Nem um pouco. O banho só me vitalizou ainda mais e me troquei no quarto. Usei uma calça e coloquei uma blusa rosa de botões. Amarrei meu cabelo numa trança puxando sobre o ombro. Cobriu apenas um pouco o sinal, mas era o jeito. Me sentia sem graça, ainda que uma ansiedade crescesse dentro de mim. Não entendia o por que.

    Na primeira oportunidade que me deixaram sozinha, saí do quarto e procurei pela aura dele. Estava maravilhada que voltasse a sentir energias vitais. Sejam youkis ou reikis. Devia ser por causa da marca. Ansiosa, me aventurei pela casa, seguindo o youki que parecia me atrair. Era tão familiar pra mim. Quando me dei conta, andava apressada abrindo os shoji até me deparar com o ultimo, bem detrás da casa. Suspirei ao ver Hiei sentado no tatame. Encostado no batente da porta ele olhava para longe, pensativo. Suas roupas ainda eram negras, mas dessa vez usava uma camisa de mangas compridas, a gola larga.

    Isso mexeu comigo por dentro e piscando ele voltou os olhos pra cá. Arfei sem graça, mas engoli em seco. Precisávamos conversar, não era hora para timidez. Caminhei até onde estava sendo observada por ele e peguei uma almofada sentando nela.

    — Oi.

    Meu rosto rendeu quente e me senti idiota. Droga, por que não controlava esse rubor? Fingindo não ver, Hiei assentiu e esperou. Fiquei grata por isso.

    — Tenho várias duvidas. Naquele dia aconteceu tanta coisa e ainda não consigo acreditar, mas... Antes disso, quero te perguntar algo.

    Como ele continuou em silêncio, tomei como “sim” e respirando fundo, ganhei um pouco de coragem.

    — Você estava lá quando me atacaram?

    Essa era minha duvida principal e dependendo da sua resposta faria uma diferença enorme pra mim. Hiei se manteve quieto e com esse silêncio, meu coração foi se magoando.

    — Por favor, me diz.

    Minhas narinas arderam e senti meus olhos se inundarem. Por que ele não responde? Esse silêncio não era uma retórica, era? Por favor, não seja isso. Por favor.

    — Me diz, Hiei. Você assistiu tudo o que eles fizeram comigo?

    — Sim.

    Arregalei os olhos, horrorizada e em choque, ouvi ele continuar.

    — Eu vi através de sua memória.

    O que? Então... isso quer dizer que ele não pôde realmente me ouvir. Um alivio estranho jorrou dentro de mim, fazendo as lágrimas que eu segurava rolarem. Hiei suspirou olhando o vazio.

    — Naquele dia quando voltei para fortaleza você não estava mais lá. A pessoa que te curou e levou para o Mundo Espiritual foi Mukuro.

    Ah...

    — Então foi ela quem te disse?

    Quase rindo sarcástico, seus olhos desviaram para longe.

    — Até parece.

    Isso me confundiu, mas deixei pra lá. Mais sossegada, enxuguei as bochechas esfregando os dedos um pouco encabulada. Afinal, o acusei de ser cúmplice daquilo, mesmo depois de tudo que fez por mim.

    — Bom, o quanto você viu... da minha memória?

    Ainda era difícil falar sobre isso abertamente.

    — Tudo.

    Pestanejei.

    — T..tudo? Como assim tudo?

    — Assisti do começo ao fim.

    Seu olhar ainda mirando ao longe escureceu, igual ao seu semblante quando tombou o rosto para frente. Essa mudança em sua fisionomia me arrepiou inteira.

    — P..por que fez isso?

    — Não é óbvio? Eles mereciam uma lição.

    Um calafrio sinistro varreu minha espinha com seu tom mórbido. Se o que vi fazer com aquele monstro foi uma amostra, o.. o que podia ter feito com os outros? Então lembrei do que aquele demônio disse. Uma angustia me tomou ao pensar nas loucuras que ele fez.

    — Não precisava chegar tão longe. Aquilo... Foi horrível, mas poderia ter se metido em problemas, Hiei.

    — Está dizendo que devia tê-los poupado?

    Arregalei os olhos, impressão ou sua voz soou irritada cheia de incredulidade?

    — Claro que não. Mas você...

    — Aqueles que descem tão baixo assim não merecem misericórdia, mulher.

    Voltando o rosto para mim, seus olhos me fitavam penetrantemente. Se eu pudesse dizer como uma pessoa se sentiria pelo olhar, não encontraria antes nada nos olhos dele. Uma cor tão marcante, que lembra fogo e ardor expressava frieza e até vazio. Porem, essa impressão vaga se perdeu em algum lugar. Durante esses dias a indiferença desapareceu, deixando uma emoção mais própria para o matiz de seus olhos.

    O vermelho denso parecia derretido e vivo. Algo que vi poucas vezes e somente quando estava lutando. De todo modo, isso não me assustava. Mesmo que não pudesse entender agora o que significava esse olhar, de uma coisa tinha certeza. Ele não se arrependia nenhum pouco de ter feito o que fez. Se pudesse, faria de novo.

    Com a mão em punho na boca, pigarreei encabulada pra disfarçar.

    — Está bem. Só espero que não se prejudique por isso.

    — Já que eu estava no direito, não tem a menor chance.

    — Direito?

    Não entendi. No direito de que? Ainda o encarando, lentamente a razão se fez compreensível para mim e nisso, minha pressão cardíaca aumentou. Causando um rubor intenso no meu rosto, podia sentir até meu pescoço quente. Descrente mal conseguia respirar, tremula e vermelha. Assistindo essa reação, ele estreitou o olhar aborrecido.

    — Acalme-se, mulher estúpida.

    A palavra me despertou e pisquei aturdida, desviando o olhar.

    — Você é um grosseiro. Alias, por que sempre me chama de “mulher” o tempo todo? Meu nome é Botan. Já que somos um casal agora podia começar a me chamar assim.

    Arregalei os olhos me dando conta do que disse e o mirei envergonhada. Meu estômago sofreu uma queda. Com o canto erguido de sua boca, ele me fitava com uma malícia cheia de humor negro.

    — Parece ter aceitado muito bem, Botan.

    Me arrepiei inteira, mas não gostei do seu tom. Parecia que me ofendia. Espere, era isso mesmo!

    — Hei, não diga meu nome como se fosse um insulto.

    Ele apenas riu abafado sem me retrucar. Resolvi não insistir, apenas aproveitei em ouvi-lo mesmo que pouco. Hiei raramente demonstrava esses gestos e ainda que tenha rido de mim – e não gostei nenhum um pouco -, o ignorei pensando em uma coisa. Ele notou, pois seu semblante ficou apático e esperou.

    — Hiei, quando você me mordeu...

    Hesitei envergonhada. Estava criando coragem em perguntar. Brincando com meus dedos, olhei para cima encontrando seu olhar entediado. Só me fazia ter a noção surreal do que aconteceu, mesmo assim precisava perguntar. Respirei fundo me empertigando na almofada.

    — ... Porque a gente não fez...? Você sabe.

    Ainda não consegui dizer. Droga. Hiei entendeu e sem nenhum pudor, respondeu normalmente.

    — Não foi necessário.

    Pisquei confusa. Eu lembro muito bem do interrogatório da Shizuru com a Keiko meses atrás. Estávamos no quarto dela e Shizuru fez a garota confessar em detalhes tudo o que houve.

    — Mas eu achei que quando acontecesse o casal...

    Gesticulei embaraçada e assistindo ele apenas me encarou indiferente.

    — Não precisa haver sexo durante a marcação. Além do mais, acha que teria como naquelas circunstâncias?

    Me entalei.

    — Claro que não!

    — Humpf

    Que coisa. Agora não sabia onde enfiava a cara de tanta vergonha. Respirando fundo procurei agir normalmente e não demonstrar mais em como esse tema me deixava desconfortável.

    — Então, basicamente, temos um elo de sangue.

    — Precisava de algo que nos ligasse. Não somos íntimos o suficiente. Um laço desse tipo era o único jeito de sobreviver. Estavam nos caçando e com aquele leilão o rumor logo se espalharia. Marcada com um youkai de categoria S apagaria qualquer vestígio.

    Faz sentido, mas a lógica em suas palavras amortecia qualquer esperança de algo há mais dentro de mim.

    — Bom, nesse caso bem que podia ter me explicado na hora.

    Seu olhar ao dirigir pra mim foi cheio de desdém.

    — Estava apavorada.

    Me entalei ofendida, qualquer uma estaria daquele jeito, poxa!

    — Mesmo assim, eu teria entendido.

    — Não havia tempo. Naquele momento não tinha como você me morder, então te fiz tomar do meu sangue primeiro.

    Subitamente, a cena desse instante surgiu forte na minha mente.

    O beijo.

    Meu corpo acalorou com a lembrança e ao fitar seus olhos, percebi que Hiei também lembrava. Eles escureciam densos com um brilho incomum. O silêncio entre nós carregou tenso, me dando problemas em respirar. Com o vento soprando forte, meus cabelos bagunçaram e vi Hiei respirar fundo estreitando o olhar. Prendi o fôlego, surda com o pulso martelando nos meus ouvidos. Parecia que eu esperava alguma coisa, paralisada no lugar e senti quando o tempo acabou.

    O vento parou de soprar e antes que percebesse, Hiei não estava mais lá. Uma mão cobriu meus olhos, acompanhada de um deslocamento leve de ar. Estremeci com a respiração morna e ofegante em meu ouvido.

    — Não me olhe desse jeito.

    — Por... por que?

    Confusa, ergui as mãos tateando às cegas. Estava desorientada e ao estica-las, encontrei um peitoral arfante sob uma camisa. Arquejei. Estava pertíssimo de mim. Ele ofegou mais forte e me arrepiei.

    — Por isso.

    A mão em meus olhos sumiu. Segurava meu rosto e o direcionou, puxando para o lado onde pude senti seu fôlego antes que tomasse meus lábios nos seus. Ofeguei surpresa, sem ar enquanto que ele aprofundava o beijo, prendendo meu rosto junto ao seu. Não era nada como imaginei ser beijada. Não era suave, nem carinhoso. Os lábios mornos se apossavam dos meus com um ardor cheio de urgência... Faminto. Sem pressa, ele me provava e arquejei zonza, devolvendo ao agarrar sua camisa. Isso o surpreendeu, ouvi um barulho rouco vibrando no seu peito e meu coração martelou mais forte. Mordiscando meu lábio inferior ele se afastou ofegante e gemi frustrada.

    Ainda estava de olhos fechados quando a mão em meu rosto sumiu e ouvi um tilintar.

    — Não me tente de novo.

    Soltando meus dedos da sua camisa, senti um peso familiar no pescoço e entreabri os olhos baixando o olhar. Arfei surpresa. Pendurada na corrente de prata, a pérola de lágrima cintilava do mesmo jeito que me lembrava.

    — Como...?

    Apoiado num joelho, Hiei se levantou dando a volta por mim.

    — Tirei do seu pescoço quando a deixei num quarto aqui.

    Girei no lugar, sorrindo boba e zonza para agradecer – fazer o que? O beijo me desnorteou total – e o vi em tempo de prender a espada embainhada num coldre preso ao quadril. Engoli em seco, não gostando nada disso. Ainda era cedo. Por que estava se arrumando? O sentimento bom que eu tinha se esvaia rápido, me dando um aperto no peito.

    — Aonde vai?

    Por favor, tomara que não seja o que estou pensando.

    — Makai.

    Uma pontada aguda me incomodou ao ouvir isso e procurei agir normal. Deixe de ser boba, Botan. É óbvio que ele iria voltar. Fingindo que estava tudo bem, levantei da almofada indo até ele.

    — Hum... E vai demorar?

    — Não, depois venho te buscar.

    Pisquei confusa, franzindo as sobrancelhas. Eu... Escutei direito?

    — O que disse?

    Colocando o casaco, Hiei me olhou sério e engoli em seco. Não havia nem sombra de um humor sádico.

    — Você me entendeu. Somos marcados, seu lugar é ao meu lado agora.

    O modo prático como disse isso dissipou qualquer ar romântico da frase. Era como se falasse algo óbvio até para um leigo, ou seja, eu. Ainda boquiaberta, o assisti caminhar na passarela se afastando.

    — Arrume só o necessário, voltarei em alguns dias.

    Mal disse isso e virou um borrão desaparecendo. Encarei o nada, agarrando a pérola em meu pescoço. Viver com ele... Lá em Makai. Nem em meus sonhos mais loucos imaginei uma coisa dessas.

    ~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~*~

    Três dias se passaram desde a minha conversa com Hiei. Ele ainda não havia dado noticias, o que só me deixou mais aflita com essa situação toda. Eu estava muito nervosa, nem consegui disfarçar isso. Quando voltei para a sala, Hinageshi e Shizuru me abordaram afoitas. Elas me arrastaram para meu quarto e me fizeram contar tudo. Shizuru percebeu logo que havia acontecido algo. Me perguntou cheia de malícia por que meus lábios estavam inchados e morrendo de vergonha contei do beijo.

    Ela assobiou impressionada e Hina soltou um gritinho, mas... Eu tive de dizer o restante da nossa conversa e elas se entreolharam preocupadas. O que eu podia fazer? Segundo Hina, nada. Eu tinha que ir com ele, por mais que Hiei seja um obtuso e apático estava em sua razão em querer me levar. Mesmo assim não me acalmava em nada. Ele sabe muito bem o que passei naquela fortaleza. Por que me forçar a isso?

    Só havia uma pessoa que podia sossegar um pouco minhas duvidas e era justamente a quem pagava agora uma visita. Parada na sala de estar aconchegante da família Minamino, bebericava uma xícara de chá observando Kurama me olhar paciente, mesmo com meu nervosismo. Tinha acabado de explicar meus temores a respeito do aviso insensível de Hiei. Se havia alguém que me entenderia seria Kurama, certo?

    Pondo a xícara na mesa de centro, me endireitei no sofá e o demônio secular suspirou me encarando calmo.

    — Botan, veja bem. Ele não iria te propor uma coisa dessas se estivesse em perigo.

    Arfei desacreditada. Onde estava meu amigo sensato?

    — Mas ele não me “propôs” nada. Praticamente mandou! O que eu faço?

    — Vá com ele. Para o bem dos dois é melhor que seja isto.

    Franzi as sobrancelhas com seu tom neutro. Ele está muito sério com o assunto.

    — Como assim? O que não está me dizendo?

    Franzindo os lábios, como se ponderasse, Kurama suspirou outra vez ao me fitar com mais seriedade.

    — A marca que Hiei fez em você é recente, por isso não deve sentir os efeitos totalmente dela. O que sabe sobre relacionamentos de youkais?

    Me remexi no sofá.

    — Bom, não muita coisa. O mundo espiritual não divulga muita informação a respeito de Makai para as shinigamis. Eu sei que é preciso uma escolha de parceiros, que tenham algum grau de intimidade. Então durante o... s.sexo... o macho faz a mordida e.. Ah, Kurama, por que tenho que te dizer essas coisas? Você sabe muito bem como isso funciona!

    Minhas bochechas queimavam em brasa, ainda mais pelo risinho discreto que ouvi da parte dele. Estreitei os olhos, emburrando ao fitar o olhar esmeralda do meu amigo. Mesmo que disfarçasse, via nitidamente o quanto ria por dentro.

    — Ok, Botan. Você está certa. Além desse tipo que descreveu há mais alguns. Propriamente dito, há três formas no total. A primeira se trata da marca de território. Existem em muitos países e tribos onde a poligamia é comum. Para mostrar que certas fêmeas pertencem a um dono, ele as marca como forma de posse. Sem nenhum vínculo sentimental, ao contrário da segunda maneira como a de Yusuke e Keiko, a que você descreveu. Porém, essa que Hiei e você possuem é diferente das demais.

    — Como assim?

    — Cada um tomou um pouco do sangue do outro. – Arregalei os olhos, impressionada e ele sorriu paciente – Hiei me explicou como foi. Mesmo naquelas circunstâncias ele te mordeu. Apenas isso não seria o suficiente para dar certo, mas algo ligava vocês, correto? Um tanto íntimo.

    — Bom...

    Hesitei desconfortável. Eu não sei se ele sabe do nosso segredo. Notando, Kurama logo me aquietou.

    — Não precisa me dizer se não quiser. O ponto é que o vínculo entre vocês apenas se fortaleceu ao se marcarem. Uma marca que não precisa de intimidade física, apenas cumplicidade e comprometimento. Um amálgama.

    — Amálgama.

    Ecoei e assentindo Kurama continuou.

    — Uma ligação de dois seres diferentes.

    — Então, em outras palavras, estamos vinculados com esse elo de sangue.

    — Isso.

    — Puxa vida.

    Ele riu da minha expressão desnorteada, mas como podia estar menos?

    — É muita informação, eu sei. Mas deve entender Botan que youkais dificilmente deixam-se guiar por emoções passionais, ainda mais dessa natureza. Quando se escolhe uma parceira, mesmo que não percebamos, as prioridades mudam e não voltam atrás.

    Chocada, ergui os olhos dos meus joelhos para fitar os seus. Ele quis mesmo dizer o que entendi?

    — Eu sei o que te aconteceu. – empalideci e rápido continuou – Relaxe, não contei para os outros e nem pretendo. Mas com tudo que lhe expliquei, justifica o comportamento estranho de Hiei em torno de você nos últimos dias. Sem contar que... ele lhe faz bem, estou certo?

    Desviei o olhar envergonhada.

    — Droga, Kurama. Você é muito observador.

    — Mas não deixa de ser verdade.

    Pensei em tudo o que contou, digerindo cuidadosamente e o mirei calma.

    — Olha, eu entendi o que me disse e tudo o mais, porem, por que tenho que ir, se...

    Me calei, cobrindo os lábios com a mão ao finalmente me dar conta.

    — Oh, meu deus.

    — Como eu disse, a marca é recente. Até se acostumarem terão que permanecer juntos.

    Assenti ainda muda. Como não percebi antes? Hiei tinha responsabilidades em Makai e negligenciava por minha causa. Isso era claro. Agora que tudo havia acabado, exigiam sua presença. Somos por falta de palavra melhor casados. É óbvio que me queria por perto. E eu também não quero me separar dele indefinidamente.

    — Será que vai dar certo?

    Ainda tinha minhas duvidas.

    — Com certeza dará.

    Mirei meu amigo e sorri singela. Parecia que parte do peso no meu peito havia sumido. Levantei do sofá mais aliviada com nossa conversa.

    — Obrigada, Kurama. Me ajudou muito.

    — Não foi nada. Qualquer coisa é só precisar.

    Ele me deu um abraço apertado e ao retribuir senti um sentimento estranho. Parecia uma despedida. Funguei me afastando e ao ver ele sorriu compreensivo.

    — Não é um adeus. Voltaremos a nos ver.

    Sorri tristonha

    — Eu sei.

    Me guiando até a porta me despedi dele e segui andando até o ponto de ônibus. No caminho, olhei ao redor. Para as pessoas e o lugar. Era tudo tão comum e ao mesmo tempo me pareceu distante. Chegando ao ponto, esperei o ônibus chegar pensando nessa tranquilidade que tinha agora. Toquei inconsciente a mancha avermelhada no meu pescoço. Na viagem de volta do templo de Genkai, percebi alguns seres estranhos me observando, mas eles apenas me ignoraram, embora uns tenham ficado surpresos.

    O ônibus ao parar no ponto cortou meu devaneio, mas quando entrei e me acomodei num assento, pensei nisso. Eu não era mais o sacrifício de Emmah. Era apenas a companheira de um youkai. Tão simples e tão absoluto. Isso mudava tudo. A ansiedade que eu senti ao acordar naquele dia ao ver a marca no meu pescoço inflou agora. Ainda que esteja receosa.

    Ao chegar na minha parada, desci e caminhei em direção ao templo kasane. Levei um tempinho ao subir a escadaria e no pátio vi Hinageshi varrendo. Ela a me ver acenou e retribui, novamente com aquela sensação de despedida. Achei estranho e fui até a casa anexa ao templo. Precisava de um banho. Ao chegar perto do meu quarto, porem, senti uma energia sinistra dentro dele. A aura quase imperceptível e a conhecia bem. Ansiosa, entrei no cômodo e arfei ao ver o dono da aura parado perto da janela. Hiei mirava para longe, com as mãos nos bolsos e ao me ouvir ele desviou o olhar me fitando.

    Meu coração guinou, mal me deixando respirar.

    — Está pronta?

    Assenti sem pensar direito, esquecida do meu banho. Havia arrumado uma mochila ontem e dirigindo o olhar para a cama, o segui encontrando um embrulho.

    — Vista esse manto. Precisará durante a viagem.

    Franzi a testa. Algo no seu tom me causou uma duvida.

    — Viagem? Achei que iríamos para a fortaleza de Mukuro.

    — Ficaremos apenas dois dias. Quando a caravana estiver pronta iremos para outro local.

    Arregalei os olhos. Mais surpresas. Hiei não me disse mais nada e pedi que me deixasse trocar por roupas mais confortáveis. Ele apenas assentiu e fui pro banheiro tomar aquele banho terminando logo. Pelo o que vi, não tinha nada parecido com o que usavam em Makai, então optei por uma bata chinesa e uma calça de tecido leve. Meus cabelos quase os arrumei num rabo de cabelo, mas resolvi o deixar baixo. Quando saí do banheiro, vi Hiei olhar discretamente minhas roupas e parecia aprovar. Orgulho inflou dentro de mim. Mesmo que não seja do meu costume, ele ter gostado valia a pena. Sem contar que me sentia bem vestida assim.

    Peguei o embrulho na cama e tirei o manto colocando-o. Castanho com detalhes nas bordas e na barra tinha uma fivela na gola, onde podia prender no ombro ao fecha-la. Um capuz também fazia parte do manto e me perguntei o por que. Bem, ele me explicaria depois. Peguei minha mochila do armário a segurando.

    — Vamos?

    Ele levantou a sobrancelha com meu tom jovial e quase riu. Parecia que curtia uma piada particular.

    — Claro.

    Sumindo das minhas vistas, senti um braço nas minhas costas e outro, escorregando atrás das minhas pernas. Soltei um gritinho ao me tirar do chão, que óbvio, ele ignorou. Me segurando firme contra ele, saltou pela janela se dirigindo à floresta.

    BOTAN POF


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