Os Trinta Colares de Pedra

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    16
    Capítulos:

    Capítulo 4

    Mal Entendido

    Homossexualidade, Violência

    Ao ouvir os passos chegarem perto demais, Mitsuyoshi disparou pela a porta e continuou correndo, passando ao lado do vestuário e parte do quadra de futebol. Tsurugi ainda o seguia. Ao chegar na saída da escola, foi barrado por um portão fechado. Bufou de raiva, balançou a cabeça e correu para dentro da escola, encontrando um labirinto de corredores e saguões. Entrou em um deles, que deu em outro corredor, que deu em mais um. Continuou correndo até parar e perceber que tinha se perdido. Não ouvia mais os passos de Tsurugi atrás dele.

    Deixou-se cair no chão e recostou-se na parede.

    - Eu nunca vou conseguir os trinta colares desse jeito - queixou-se com a  cabeça entre as mãos. - Mas… o velhinho disse que realizaria um desejo meu… - lembrou-se. - Eu preciso tentar mais - gritou com empolgação.

    Levantou-se de uma vez, disposto a continuar sua missão.

    Uma porta da sala de aula se abriu e uma professora idosa botou o rosto para fora, gritando palavras de silêncio e o mandando de volta a sua sala. Mitsuyoshi envergonhou-se e pediu desculpas, saindo dali o mais rápido que podia. A senhora bateu a porta da sala com força.

    Quando Mitsuyoshi virou para outro corredor, esbarrou em duas pessoas que corriam às pressas. Ele, Kariya e Kirino caíram no chão, um pôr cima do outro. Kariya reprimiu um grito, tinha duas pessoas em cima. Mitsuyoshi logo se recompôs, saltou dali e continuou correndo. Ao virar para sair daquele corredor, quase bateu a sua cabeça na do Shindou, que passava por ali. Desviou do obstáculo e continuou correndo.

    Shindou, ao passar o susto de quase ter sido atropelado por um garoto de cor violeta, levou um outro ainda maior: viu Kariya e Kirino no chão, um em cima do outro. Andou até a cena em passos largos e desajeitados.

    - O que está acontecendo aqui? - gritou de olhos fechados, como sempre fazia quando não sabia o que fazer.

    Kariya e Kirino se levantaram lentamente. Kirino levou a mão à cabeça, tonto pela queda. Kariya se pôs à frente.

    - Nada que seja da sua conta - incitou com um sorriso malicioso.

    Shindou cerrou os punhos. Kirino se deu conta da situação e entrou no meio dos dois, de frente para Shindou.

    - Não está acontecendo nada demais, Shindou. Foi só um acidente - disse calmamente, tomando cuidado com as palavras que usava.

    - Só um acidente? - tinha sarcasmo na sua voz de Shindou, tinha entendido errado a situação.

    - Um pequeno acidente - Kariya soltou, rindo.

    Kirino fuzilou o amigo azulado com o olhar, não gostando nem um pouco da brincadeira de mal gosto. Voltou os olhos para Shindou.

    - Shindou, eu já te disse antes que Kariya e eu somos só amigos, o que aconteceu foi… - parou ao ver Shindou passar por ele e se atirar em cima de Kariya.

    Rolaram no chão. Esse corredor dava para um campo de areia onde as crianças do primário faziam educação física. Shindou e Kariya de alguma forma pararam lá, entre socos e  chutes. Shindou usou sua pedra para controlar a areia e a jogou contra Kariya, que caiu de costas no chão. Kariya irritou-se e devolveu a ofensiva na mesma moeda, com sua pedra controlou toda a poeira que encontrou no lugar e lançou contra Shindou, que ficou todo coberto de sujeira e não conseguia enxergar, com pó nos olhos. Kariya aproveitou e lançou-se contra ele. Shindou não desistiu, contra atacando novamente.

    Kirino, que assistia revoltado a briga sem saber como intervir, teve uma idéia. Pertinho da quadra de areia tinham torneiras. Abriu três delas e deixou a  água cair. Se concentrou em sua pedra e fez o mesmo movimento de quando fazia sua técnica ‘The Mist’ . A água foi se tornando uma branca e espessa névoa, Kirino a lançou e envolveu o lugar com ela, encobrindo a tudo. Shindou e Kariya se separaram, assustados. Não viam nada e a névoa os apertava e não os permitia se mover..

    Kirino fechou as torneiras e foi até eles, sabendo por onde andava, ao contrário deles. Parou ao lado de Kariya e se abaixou, puxando-lhe a orelha.

    - Nunca mais faça brincadeirinhas idiotas desse jeito, Kariya - disse.

    Kariya bufou enquanto Kirino ia até Shindou.

    - Shindou, um garoto esbarrou em nós e nos derrubou. Foi isso que aconteceu. Obrigado por me deixar explicar e confiar em mim - cerrou os olhos, magoado pela suspeita.

    Shindou sentiu o coração se apertar, pensou em muitas coisas para falar, ao como “eu não sabia o que estava fazendo” ou “eu te amo” mas, constrangido, só saiu:

    - Sinto muito.

    Com um rápido pensamento de Kirino, toda a névoa acumulada foi se dissipando e os outros garotos puderam finalmente se mover. Foram caminhando até a saída, em silêncio. Kirino disse para um guarda que eram da turma da tarde e ele os deixou sair.

    - Eu realmente sinto muito, agi sem pensar - Shindou disse depois de alguns minutos depois. - Eu não suportei a idéia de te ver com Kariya.

    Kirino sorriu, feliz.

    - Eu entendo, mas se isso acontecer de novo, primeiro escute o que aconteceu.

    Shindou assentiu, obediente.

    - Além disso... - Kirino riu e olhou para Kariya que andava um pouco atrás. - O Kariya gosta do Hikaru que eu sei.

    Kariya arregalou os olhos e sentiu as bochechas esquentarem.

    - Não - discordou. - Onde já se viu, eu e o Kageyama.. - virou o rosto de vergonha. O sorriso sarcástico que sempre botava na cara por querer tinha desaparecido ao ouvir aquele nome.

    Shindou se virou.

    - Sério? - surpreendeu-se. - Mas eu nunca tinha reparado, ele sempre estava atrás de você - olhou para Kirino, que sorriu novamente.

    - Precisa reparar mais nas coisas. Está estampado na cara dele.

    - Então qual foi a razão da nossa briga? - Shindou não entendeu por que Kariya tinha lutado com ele, já que gostava de outra pessoa.

    - Kariya simplesmente gosta de brigar… e importunar também - Kirino disse. - Mas no fundo é uma pessoa muito amável - completou, fazendo o azulado corar ainda mais.

    Toda a raiva que tinha antes agora não mais existia. Voltaram para a quadra de futebol do lado de fora, onde a turma ainda estava, com um pimentão de Kariya os seguindo encabulado.

    Mitsuyoshi não conseguiu sair da escola, o guarda nunca o tinha visto e não acreditou quando disse que não estudava ali. Depois deu voltas inúteis em volta colégio procurando outra saída e amaldiçoando em pensamento o guarda irritante. Tendo contornado todo o lugar duas vezes, parou de tentar e sentou-se embaixo de uma árvore.

    Lembrou-se de algo enquanto pensava no que fazer: aqueles com quem tinha esbarrado no corredor usavam os colares, todos os três. Mitsuyoshi cerrou os dentes e envolveu a própria cabeça dizendo ‘burro, burro, burro’, não acreditando que tinha perdido essa chance. Aliás, recriminava-se por sempre deixar algo passar.

    Olhou para os muros: eram feitos de pedra em relevo e tinham pontas afiadas do topo. Como não queria esperar a aula da manhã acabar para que pudesse sair da escola, não tinha escolha: iria escalar aquele muro monstruoso.

    Levantou-se e tentou escalá-lo várias vezes, mas sempre caia. Seu pulso machucado não ajudava. Após vários fracassos, finalmente alcançou o topo. Orgulhoso por ter chegado até ali com apenas uma mão, nem viu uma pessoa se aproximando atrás dele.

    Quando ia passar por cima das pontas afiadas, Mitsuyoshi escorregou e caiu bruscamente para trás, queda essa que foi parcialmente interceptada por um velho colega seed de cabelos azul escuro. Caíram os dois com força no chão. Ao vê-lo, Mitsuyoshi quis sair correndo, mas sua cabeça voava em círculos. Tsurugi também se levantou com dificuldade, com as costas doendo.

    Com a cabeça no lugar, Mitsuyoshi não correu, esperou Tsurugi se restabelecer para perguntar:

    - Por que está me seguindo? - queria saber.

    Tsurugi cruzou os braços.

    - Por que você está fugindo? - retrucou.

    Mitsuyoshi fechou os olhos. procurando uma resposta. Por que fugia mesmo? Achava que era por causa que devia roubar seu colar, mas sabia ele que na verdade era por causa da situação vulnerável e constrangedora na qual ele o tinha visto ontem. Teria evitado qualquer um que o tivesse visto daquele jeito.

    - Tenho meus motivos - disse, sem se acanhar, no jeito mais seed que conseguiu. Torcendo para que o outro parasse de fazer perguntas assim.

    - Me conte, eu quero saber - Tsurugi estava disposto a conseguir informações. - Você sabe o que está acontecendo? Que colares são esses?

    - Não te interessa - disse grosseiramente, virando-lhe as costas e começando a caminhar.

    - Me interessa sim - Tsurugi pôs a mão no ombro do outro e o virou, Mitsuyoshi arquejou, um pouco irritado. - Estou usando um deles e meus amigos também. O que são?

    Mitsuyoshi suspirou. Tsurugi tinha razão, eles mereciam saber, mas ele não podia contar.

    - Me deixe em paz - disse e soltou fortemente seu ombro do outro, movimento esse que fez cair de sua sacola de pano um pergaminho velho.

    Tsurugi foi rápido e pegou o papel do chão antes que Mitsuyoshi o fizesse.

    - Me devolva isso - mandou Mitsuyoshi, meio que internamente suplicando.

    Tsurugi se afastou uns passos e abriu o pergaminho e o leu.

    - O que é isso? Por que nossos nomes estão aqui? - exigiu saber, lançou um olhar inquisitivo e curioso à Mitsuyoshi.

    Mitsuyoshi levou sua mão à cabeça, revoltado consigo mesmo. Não teve escolha e contou do encontro com o velho e como havia soltado as pedras, sem entrar em detalhes. Tsurugi ouviu atentamente e não disse nada por um momento depois de Mitsuyoshi terminar a história. Por fim disse:

    - Por que corria na floresta de noite?

    - Nada importante - respondeu rapidamente, contar o por que disso o levaria a contar o episódio terrível com Isozaki e o faria ficar mal novamente.

    - E por que três dias?

    - Não sei - disse somente, não queria contar que receberia um desejo qualquer por isso  e ele certamente seria usado com Isozaki.

    Tsurugi suspirou, talvez soubesse que mentia.

    - Não conte para ninguém sobre isso - Mitsuyoshi disse. - Eles não devem saber.

    - Por que não? - Tsurugi quis saber.

    - Melhor que não saibam, isso é algo que eu tenho que fazer.

    Tsurugi não parecia satisfeito com as respostas, mas não forçou.

    - Não vou te de dar o meu colar se é o que quer saber - Tsurugi disse. - Mas posso te levar para fora da escola sem ter que pular esse muro aí - apontou para a grande muralha ao lado e virou as costas, andando em direção ao portão da escola. - Vai acabar se matando.

    Mitsuyoshi viu-o se afastar, pensou  por um momento em recusar a oferta, mas logo bufou, vencido. Correu para Tsurugi e o seguiu de perto.

    Tsurugi sorriu vitorioso. Seus olhos amarelos passaram rapidamente pelo pulso direito de Mitsuyoshi que ainda estava meio vermelhos para roxo.

    - Quem fez isso com você? - perguntou, preocupado. - Não diga que foi quando esbarrou no velhinho que eu me lembro que foi muito antes.

    Mitsuyoshi não disse nada por um momento, lembrando.

    - Não é da sua conta - fez cara de brabo.

    - Não é mesmo - concordou Tsurugi, respeitando a privacidade do outro. - Mas se precisar de alguém para socar quem fez com você, eu posso ajudar.

    Mitsuyoshi surpreendeu-se com a proposta mas recusou, balançando a  cabeça negativamente.

    O guarda irritante reconheceu Tsurugi e os deixou passar. Quando saíram pela porta da escola, Mitsuyoshi saiu de fininho da visão de Tsurugi e sumiu por  aí, continuando a planejar em como pegar as pedras da Raimon.


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