Mundo Paralelo

  • Finalizada
  • Alexsporto
  • Capitulos 21
  • Gêneros Sobrenatural

Tempo estimado de leitura: 3 horas

    14
    Capítulos:

    Capítulo 16

    Chuva de Inverno

    Álcool, Linguagem Imprópria, Mutilação, Violência

    Capítulo 15

    Chuva de Inverno

    Sexta-feira 10h16

    Ontem à noite eu me empolguei tanto com o sonho que tive e acabei estourando quatro das seis cordas velhas do violão ao tentar compor uma canção para Isabely.

    E é por esse motivo que eu resolvi sair de casa mesmo com o tempo tão ruim assim. É claro que a minha vontade era ficar de boa e aproveitar mais esse dia de folga, mas por outro lado... Eu me conheço bem e sei que eu vou enlouquecer se não terminar logo essa música, mesmo se isso significar ter que sair em meio a esse temporal.

    Ainda pior que sair num dia muito chuvoso é ter que guiar o guarda-chuva de modo a evitar que o mesmo não quebre ao entortar com o vento e ser cuidadoso para não cegar ninguem com suas hastes finas e pontudas.

    O ônibus parou e ao descer eu abri o guarda-chuva. –"... Cara se for sair leva esse guarda-chuva com você, as hastes dele são mais resistentes tenho certeza que não vão envergar do avesso mesmo se estiver ventando muito, mas também não vai se jogar dentro de um tornado aí não há guarda-chuva que aguente." – Pablo me encheu tanto com essa preocupação repentina com minha saúde que eu decidi trazer o dele, essa coisa exagerada que se não fosse pelo formato curvo do cabo, diria que é um guarda-sol preto.

    A chuva forte caia de forma violenta fusilando a superfície abobada do objeto, já estava vendo a hora em que as gotas perfurariam a fina camada de lona que envolvia as hastes de metal e escorreriam por dentro do guarda-chuva resultando em um banho inesperado, mas isso não aconteceu. – Ainda!

    Caminhei lentamente pela calçada e eventualmente mergulhei os pés em poças escondidas no decorrer do caminho trazendo um leve arrependimento por ter saído do conforto do meu sofá. Mas, eu já andei até aqui e não poderia voltar agora sem antes comprar as cordas.

    Quando ainda de longe avistei a placa da loja de instrumentos musicais, lembrei da vez que Dom o velhinho permitiu que eu tocasse a sua guitarra Pena de Anjo.

    E por uns longos segundos viajei ao trazer à memória o som angelical daquelas cordas de prata e ouro. De repente o ar soprou forte contra o guarda-chuva, eu precisei incliná-lo para frente de forma que minha visão fosse limitada aos meus próprios passos no chão alagado.

    Cada automóvel que passava por mim na rua, lançava uma onda de água suja em minha direção. Eu já estava quase parando, ainda mais devagar do que a dois minutos atrás, caminhando contra a força do vento.

    Mas foi quando ouvi o barulho de um veículo maior que tudo piorou. Na intenção de me proteger do tsunami que o caminhão poderia formar, virei o guarda-chuva de lado e bem na hora uma rajada de ar bateu por dentro da lona e me arrastou uns três metros até que eu soltei o cabo ao escorregar em uma superfície extremamente lisa. Olhei ao meu redor e vi tudo escurecer enquanto caía em câmera lenta. Percebi que estava saltando do topo de um prédio, mas a sensação era estranhamente boa. Senti uma levesa e derrepente não era mais como se estivesse caindo mas, flutuando! Pouco antes de atingir o solo, minha visão tornou-se turva e num flash eu voltei para o momento em que eu havia escorregado no piso molhado e caí de costas no chão.

    – Ah! – Praguejei ao sentir a dor da queda. – Acho que agora tá explicado o motivo pelo qual eu odeio andar com guarda-chuva!

    Depois de voltar quase dois quarteirões eu o encontrei, o cabo terminado em forma de bengala havia enganchado por dentro do portão de um prédio de esquina no final da rua. Que bizarro, vendo-o se debater assim por de trás das grades de alumínio, até parece um grande morcego enjaulado e agitado com o vento. Após examinar rapidamente o guarda-chuva, eu o fechei ao ver que, para minha surpresa, ele ainda está inteiro. Ao contrário de mim que estou ensopado, com raiva, as costas doendo e completamente arrependido de ter saído de casa hoje.

    As vezes parece piada mesmo... Quando finalmente eu cheguei na loja do Luthier, dou de cara com as portas fechadas e uma placa pendurada à maçaneta balançando do lado de fora com a seguinte descrição: Fechado!

    – Tá brincando!

    A raiva por ter vindo aqui pra nada, diminuiu quando imaginei qual história Dom me contaria agora, na ultima vez que o vi ele me contou a historia de um jovem levita e como ele, sozinho, expulsou os demonios usando sua harpa magica. Quanta imaginação... De alguma forma ainda lembro os detalhes e foi como se eu estivesse dentro da história. – Que viagem!

    No caminho até o ponto de ônibus, tive a sensação de estar sendo seguido. Apertei o passo ignorando o impulso de olhar para trás, mas essa estranha presença parecia ficar mais forte a cada segundo. Me sinto estranho, como um lobo cauteloso que observa sua presa momentos antes de atacar. Só que neste caso eu não sou o lobo! Me posicionei atrás dos acentos de espera e olhei para todas as direções tendando enxergar alguem que possa estar me seguindo. Nao consegui ver ninguem, nenhum carro passou por alí durante uns cinco minutos. Mas o medo ainda me cercava alarmando que alguma coisa está por perto, me observando enquanto espera o momento ideal para atacar.

    Mas que paranóia é essa? É claro que não tem ninguem me seguindo, ao que parece eu sou o único maluco sufíciente para vir passear na chuva. Pelo visto não foi só o Dom que não veio trabalhar. Por algum motivo, todas as lojas e mercearias resolveram não abrir hoje e tenho quase certeza que isso não tem a ve só pelo fato de está chovendo muito. As ruas do centro sempre são muito movimentadas, isso independente da época do ano, as pessoas sempre inventam uma forma de atrair a clientela mas, hoje está diferente, eu nunca tinha visto essa avenida principal tão deserta assim!

    – Mas que surpresa!

     Na hora senti o frio percorrer minha espinha e quase que de imediato, olhei para trás.

    – Oi... – Espantado e confuso, foi o que eu consegui dizer ao me deparar com aquela figura de baixa estatura caminhando em minha direção.

    – Não esperava vê-lo por aqui, jovem. Soube que a grafica está fechada para dedetização. Você está bem?

    – Estou... – Fiz uma pausa tentando entender como ele surgiu assim do nada, talvez o som alto dos ruidos da chuva e vento varrendo as ruas tenha me impossibilitado de ouvir seus passos. – Na verdade não foi pela aula que eu vim aqui hoje...

    – Muito bem! Então resolveu comprar a guitarra. Já estava me perguntando quando você iria vir buscar a Pena de Anjo.

    Com um meio sorriso eu respondi:

    – Bem que eu queria mas, eu só vim mesmo porque meu violão está precisando de cordas novas.

    – Então o que estamos esperando aqui? Vamos para a loja!

    As rugas formando bolsas de pele ao redor de seus olhos já envelhecidos, lhe dava um aspecto engraçado quando sorria, isso me faz lembrar o mestre Miung do Karatê Kid, mas com um bigodão igual o do Mario bros.

    Apesar de não lembrar com exatidão, tudo parecia igual, como se estivesse olhando para uma foto que foi tirada na ultima vez em que estive aqui. Os violinos... As diversas tonalidades de cor dos instrumentos trabalhados em madeira polida, o cheiro pungente do verniz e até aquela guitarra incrível estava pendurada como um enfeite no mesmo lugar.

    Dom tinha quase a mesma altura que o balcão e, desapareceu ao passar para trás do móvel. Depois de poucos instantes seu rosto apareceu pouco acima da bancada, – Ah! Um banquinho... – Supus, sabendo que ninguem cresce assim de uma hora pra outra.

    – Tenho esses modelos aqui. – Disse de repente enquanto espalhava as embalagens sobre o balcão. – Que tipo de corda você procura?

    – Ah. Sim! – Analisando uma à uma prestando mais atenção no preço do que no modelo em si. – Eu quero... Cordas de aço por favor.

    – Muito bem. – Dom separou metade dos cartuchos em um lado da mesa e guardou os outros.

     – Este. – Apontei para a embalagem de menor valor. Sabendo que além de uma corda extra, ainda vem junto uma paleta. Como Pablo sempre perde as minhas... Sempre é bom ter uma sobrando.

    – Me diga, jovem. Não foi só por causa das cordas que você veio até aqui num dia como este, foi?

    A forma como Dom estava me observando, me fez pensar se ele era capaz de ler minha mente.

     – Não! Quer dizer... Foi. – disse e sorri tentando disfarçar minha cara confusa. – Sabe, eu tava pensando na história que você me contou há alguns dias...

     – Hmmm... Você gostaria de ouvir outra como aquela do jovem levita?

     – Sim, mas aí eu lembrei que no dia em que a gente se conheceu você parecia muito assustado ao me ver e pronunciou um nome que na hora eu não consegui entender...

    – Micael. – disse Dom como se estivesse continuando a frase que eu iniciei.

     – Isso! Micael... Era esse o nome.

    – O que você sabe a respeito de anjos e demônios?

    – Muito pouco. – Admiti. – Sei que anjos vivem no céu e demônios no inferno.

    – E você acredita na existência desses seres?

    Levei mais de um segundo para responder. As imagens surgiram como fotos em minha mente, aí lembrei de todas as vezes em que me deparei com um endemoniado. E tudo o que saiu quando falei foi um breve: – Sim.

    – Hmm... Isso é bom, pois eles existem!

    Dom me encarou com um olhar compreensivo ao ver que sua afirmação não me abalou nem um pouco. Tive vontade de contar pra ele todas as coisas estranhas que estão acontecendo desde que eu me mudei pra cá, mas, eu não sei se ele acreditaria, não sei se é a coisa certa a fazer. Algo me intriga, o que esse Micael tem a vê com essas perguntas repentinas? Será que ele se refere ao mesmo anjo Micael, o “exorcista de jaqueta jeans”?

    Após um momento em silêncio, Dom sumiu atrás do balcão novamente, abriu uma porta na parede dos fundos e andou até desaparecer na escuridão do quarto. Quando sua silhueta voltou a aparecer na porta, vi que trazia em mãos um livro. – "Senta que lá vem a história." – Pensei alto.

    – Vamos lá...

    – Peraí! Isso tudo é sobre esse tal Micael? – Disse perplexo ao notar o tamanho do livro que devia ter umas oitocentas páginas.

    O velhinho sorriu e passou a mão sobre a superfície encouraçada do livro para tirar o pó que havia acumulado alí.

    – Quando eu te encontrei, tive a impressão de que estava vendo o próprio Micael. Apesar de não ver a mínima semelhança na aparência de vocês dois... Algo em você me faz lembra-lo.

    – Quem era Micael? O que essa história de anjos e demônios tem a ver com tudo isso?

    – Deixe-me contar uma história... – Dom abriu o livro em uma das cem primeiras páginas e começou a narrar:


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