Carmesim

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    18
    Capítulos:

    Capítulo 16

    Leilão de Escravos

    Álcool, Estupro, Hentai, Heterossexualidade, Linguagem Imprópria, Mutilação, Nudez, Sexo, Violência

    Situada nas profundezas de uma floresta estéril, uma fortificação se erguia sólida e isolada. Com mais de trezentos mil metros quadrados, três blocos de edifícios compunham a construção. Feitas do próprio calcário escavado do terreno, milhares de árvores foram derrubadas em sua edificação. Embora o interior não seja tão suntuoso como sugeria seus muros e gradis, o lugar antes servia como paradas de caçadas e outras estadias. Dependendo da jornada, alguns grupos até estendiam sua permanência e assim foi nascendo o tráfico de escravos.

    Esse comércio ilegal abrangia diversas categorias. Trabalho forçado, extração de órgãos e tecidos, exploração sexual comercial, servidão e escravidão sexual. O evento principal ocorria a cada solstício segundo o calendário do mundo dos humanos. Criminosos e autoridades de diversas tribos vinham participar do Leilão, ávidos pelo inventário diversificado em oferta. Geralmente mulheres e crianças eram as “peças” mais procuradas e o lucro obtido nos lances satisfazia a casa.

    Contudo, apesar de sua fama notória não era fácil a entrada no Mercado Negro de Miluki. Ou se possuía mercadorias de acordo com os critérios da casa ou dinheiro suficiente para as transações ilegais. Era uma realidade crua de se encarar. Escondido entre as árvores, Hiei observava cada entrada e saída de descargo, desde que a fonte de energia que procurava o levou até ali. A visão remota do Jagan lhe dera uma base da complexa estrutura interna dos prédios, entretanto, não acalmava sua mente conturbada.

    De todos os lugares ela havia caído justo nessa região. Os youkais dessa área além de violentos tinham ganância em capturar tudo de relevante valor... Era um espanto a mulher possuir ainda a hiruiseki. Tinha certeza absoluta que estava com ela, mesmo depois de capturada – e evitava pensar no que lhe fizeram nesse meio tempo. Ao mirar para baixo, para a ravina que margeava essa parte da floresta, viu diversos dignitários criminosos de tribos e outros países. Guardas se postavam nas entradas norte e sul. Nos portões oeste e leste, bestas patrulhavam o ar e no subsolo devia haver mais alguma segurança nas cisternas. Ele nem contava com os vigias nas torres laterais.

    Esse nível de guarnição indicava quais eram as chances de sucesso para o que pretendia fazer. Se tivessem lhe incumbido de uma missão tão absurda dessas noutro momento, teria dito que seria uma loucura. A razão era bem simples. Não era o fato de entrar, mas de sair.

    Todavia, não importava. Bom senso era algo insignificante para ele agora. Satisfeito com a observação, se levantou do galho onde estava e deu um passo, deixando-se cair na estrada de chão ao pé da ravina.

    BOTAN POV

    Depois da visita daquele oni eu não recebi nenhuma por um par de horas. Não me alimentaram ou trouxeram água. Era desolador. O machucado na minha perna havia sido tratado. Apenas uma fina cicatriz rosada estava no lugar. Ferida profunda, creio. Mas não me debruçava sobre isso. Sentada nesse chão frio de pedra, encostei-me à pedra pensando no que aconteceria comigo. Manuseava a pérola de lágrima como meio de conforto, porem, a realidade era cruel.

    Seria vendida como um animal. Tratada como um enquanto meu novo dono fizesse o que bem entendesse comigo. Explorar, u..usar... Era um destino angustiante. Se eu tivesse meus poderes não sentiria tanta impotência como agora. Ser praticamente indefesa e lembrar do que me aconteceu causava um amargor no fundo da garganta. Não gosto de me sentir fraca, esse tremor vindo do fundo da minha alma ao ter o coração martelando forte e... Estar só... Como se congelasse por dentro.

    Olhando para baixo, mirei a pérola e sorri fracamente. Ao menos tenho isso.

    Passos ecoando me tiraram do devaneio e escondi a joia por dentro da blusa. A porta se abriu num rompante, assim que destrancaram a fechadura e um youkai me olhava curioso. Era franzino, cabelos loiros selvagens e usava um monóculo acompanhado de um traje extravagante. Um smoking.

    - Ora, mais que beleza. Realmente uma fêmea rara. Peguem-na, rapazes.

    Estalando os dedos, deu passagens para dois homens lagartos entrarem na cela. Arregalei os olhos ao me levantar ligeiro.

    - Não cheguem perto! Fiquem longe de mim!

    Soltando um risinho de escarnio, aquele homenzinho odioso apenas assentiu e aqueles dois avançaram pra cima de mim. Achei que iriam queimar como os outros, porem, assim que me seguraram pelos braços chiaram de dor se afastando de um pulo.

    Vapor. Engoli em seco, ofegante sem deixar de encara-los. Aquele youkai de smoking estreitou os olhos.

    - Kairo realmente soube se precaver.

    De repente, ele sumiu surgindo diante de mim. Chiei de susto. Me analisando de cima abaixo, ele jogou uma corrente no meu pescoço prendendo e puxando. Agarrei por reflexo, tentando afrouxar o aperto do fino metal. Como ele fez isso? A corrente simplesmente se enrolou no meu pescoço e prendeu. Satisfeito com isso, ele foi me puxando para fora desse cubículo de pedra, seguido por aqueles dois lagartos. No corredor, várias outras pessoas estavam sendo levadas também. Crianças youkais, fêmeas de diversas espécies e machos jovens. Eles eram guiados com correntes iguais as que me colocaram. Seus guardas como os meus abusavam na força e gritos junto de choros encheram esse lugar.

    Engoli em seco, enquanto era levada até uma câmara onde se amontoavam várias mulheres. Uma bakeneko, de pelo negro e vestes amarelas entrou com mais duas e fecharam as portas. As correntes de prata sumiram e entendi que era uma espécie de feitiço.

    - Todas vocês, ouçam-me bem. O mercado de Miluki se orgulha por possuir lindas mulheres. – relanceou os olhos dourados ao redor para todas – Algumas de vocês servirão aqui. Outras serão vendidas.

    Nesse instante, ela olhou diretamente para mim e pude ver um sorriso de puro ódio. Enregelou minha espinha, mas não desviei o olhar.

    - Ou serão arrematadas por um lance maior. De qualquer modo, não escaparam daqui.

    Algumas das mulheres choramingaram.

    - Silêncio!

    Com a acústica daqui o som do grito se propagou forte e agudo. Contudo, alcançou o efeito. Ninguém disse ou balbuciou coisa alguma. Sorriu debochada.

    - Tirem as roupas, joguem naquela pilha e entrem na cisterna atrás de vocês.

    Pisquei com os “latidos” dela e com desgosto fui obedecendo. Tive o cuidado de esconder a perola com meu cabelo e joguei minhas peças de roupa no canto a esquerda. Uma das outras youkais estava verificando em pé perto dela, enquanto outra estava em frente à cisterna. Em fila cada uma de nós entrou recebendo um naco de sabão branco. Inodoro e insipido. Assim que recebi o meu desci os degraus internos entrando na água morna. Vapor subia enquanto fui até o fundo e me lavei. Ao passar nos arranhões arfei com a ardência. Escutei um risinho e engoli em seco, ignorando ao terminar de me lavar.

    Minha pele ficou rosada e estranhamente macia. Dei uma olhada ao redor e vi que todas repararam nisso. Vinte minutos depois nos enxotaram dessa cisterna e nos entregaram trapos finos. Me sequei o melhor que pude e durante isso, foram nos separando. De acordo com a lista que via nas mãos daquela bakeneko de pelo negro, ela entregava um pedaço um pouco maior de pano para cada uma. Carmim para prostitutas, cinza para serviçais e branco para os lotes – ela fez questão de explicar. Na minha vez, seu sorriso foi forçado e podia jurar que rosnou.

    - Vista isso, vadia shinigami.

    Prendi o folego e a olhei bem no instante que peguei o trapo. Ela relaxou o sorriso ao ver que empalideci.

    - Você será a ultima. Próxima!

    Saí de perto. Analisei brevemente a roupa que me entregaram. Era feita de algodão muito fino. Joguei acima da cabeça, deslizando no meu corpo até que notei apenas um cordão torcido como alça no pescoço. Fora isso, não havia mais. A bainha desalinhada terminava no alto das minhas coxas mostrando minhas pernas. Engoli em seco, sentindo meu coração apertando exposta assim. Quando todas estavam arrumadas a porta se abriu outra vez e imediatamente as correntes apareceram.

    Uma a uma saíamos e nos separaram seguindo em diferentes direções. As que vestiam branco seguiram o leiloeiro – o youkai de smoking que mantinha a corrente no meu pescoço -, por um corredor largo iluminado com archotes. Observei nos cantos se havia alguma câmera, mas não vi nenhuma. O sistema de segurança devia ser complexo.

    Conforme avançávamos pode-se ouvir vozes alteradas, exaltadas. O som delas arrepiou meu corpo todo, me deixando sem ar ao ponto que arquejava. No fim desse corredor irrompemos por um arco de pedra, a claridade nos cegando momentaneamente enquanto o coro daquelas vozes encheu o lugar. Com a visão ajustada vi que estávamos num salão gigantesco. Pareciam iguais aos de julgamento do mundo espiritual, exceto que não havia os ogros trabalhando e sim cheio de demônios de todos os tipos em pé.

    Levantei o rosto, enquanto era puxada e subia os degraus de um palco de madeira tosco. Não era um salão e sim dois. Divididos por prédios menores em forma de abobada. Deles, as sacadas estavam ocupadas por mais monstros. Eram bem mais vestidos e angustiada entendi que miravam diretamente pra mim.

    Isso me entorpeceu. Notei vagamente ser presa nos tornozelos e pulsos junto ao um poste de ferro. O leiloeiro de cabelo loiro anunciou as condições de venda de acordo com as mercadorias. Uma por uma ele foi chamando. As mulheres eram soltas parcialmente dos postes, apenas ampliando o comprimento daquelas correntes. Escutar sobre as qualidades, o tipo, os defeitos e maturidade sexual de modo tão degradante me embrulhava o estomago.

    Eu quero sair daqui. Eu quero fugir. Não quero esperar por uma oportunidade e escapar. Não depois que fizerem comigo.

    - Agora, o lote mais valioso do acervo. O sacrifício de Enma!

    Fui puxada para frente tropeçando pela maneira brusca. A marca na minha perna ardeu queimando e arquejei mal ficando em pé. Um arfar sonoro silenciou esse salão e me senti imunda. Ofegante olhava para baixo.

    - Adolescente, em perfeita condições de uso e como podem ver... – uma lâmina fria escorregou por debaixo da única alça que segurava esse vestido - Um corpo saudável.

    Antes que cortasse a alça do meu pescoço, um vulto apareceu diante do leiloeiro, dando lugar para um homem encapuzado todo de preto. Pelo estado da minha mente, cheia de adrenalina, vi pela visão periférica o ataque que ocorreu em segundos. O homem recuou um braço, enterrando em seguida dentro do peito do youkai. O monstro engasgou de choque, filetes de sangue chovendo da sua boca, segundos antes que esse homem retirasse o braço do seu peito e sumisse num borrão. Um zunido no ar às minhas costas precedeu os arquejos de choque e depois o som surdo de algo caindo no palco. Os dois guardas que seguravam minhas correntes e o leiloeiro tombaram, mortos e sangrando em minha volta, quebrando o ar estupefato da plateia.

    Antes que começassem a gritar agitados, minhas algemas foram puxadas, partindo ao desprender do pilar de ferro. Nem percebi direito a falta do peso nos pulsos e tornozelos. Fui erguida do chão, carregada nos braços da pessoa que aparentemente estava me salvando. O rosto dele também estava coberto por um véu preto, exceto pela fenda nos olhos que miravam para longe de mim. Quando os vi, oblíquos e carmesins meu coração saltou uma batida, acelerado.

    - Hiei.

    Mal sussurrei e dispararam uma onda de energia em nós. Antes que nos atingisse, ele esquivou saltando para o alto. Enterrei o rosto no seu pescoço, abafando um grito. Uma súbita tontura me engolfou quando pousamos, acho que na passarela do segundo andar e de repente golpes de vento açoitaram no instante que ele se pôs a correr. 

    Se antes ainda tinha duvidas, agora não precisava mais. Ninguém se movia tão veloz como ele. Meu coração batia tão forte, quase me sufocando. Enquanto ele desviava do que quer se opusesse no caminho, dos ataques dos outros monstros, eu agarrava mais forte sua roupa onde me segurava. Não acreditava que era mesmo ele, que estivesse acontecendo. Me..me preparei para morrer. Eu não sabia que desejei tanto que fosse me buscar.

    A emoção era tão forte, que me distraiu por um segundo. Estávamos saltando a escadaria para o terceiro patamar, quando uma energia sinistra vibrou no ar. Hiei prendeu o folego pego de surpresa, segundos antes da onda de choque de uma explosão nos acertar. Fomos jogados para o lado, tamanho o peso do vácuo no meio da chuva de fogo e escombros. Ele não conseguiu me segurar e nos separamos. Caí rolando até parar num piso áspero. Todo meu corpo pulsou de dor, meus braços e pernas ardiam, sem contar que estava tonteada.

     Zonza, entreabri os olhos, enxergando tudo turvo ao redor. As imagens aos poucos se ajustaram e vi que estávamos num cômodo oval. As tapeçarias pegavam fogo, os moveis revirados e quebrados. Eu olhava diretamente para um rombo, enorme na parede. Foi por onde eu entrei? E onde estava Hiei? Apoiando as mãos no piso de pedra, me ergui um pouco observando em volta. A confusão apenas piorou quando ouvi embates próximos, mas o eco nos meus ouvidos não me deixava distinguir. Antes que assimilasse, uma mão pesada agarrou meus cabelos e me puxou para cima.

    Gritei, agarrando o punho lagrimando de dor.

    - Pare onde está ou ela morre!

    Arregalei os olhos.

    O que?!

    Me voltaram para direita, de um jeito tão bruto que me vi encarando a poucos metros uma cena horrível. Um ogro estava caído numa poça de sangue no chão, degolado. Ao lado dele uma outra figura queimava carbonizando em chamas negras de veios esverdeados. Tinha mais um youkai de cabelos ruivos, esguio e alto que estava de joelhos, sangrando sem um braço. Ele olhava pálido e aterrorizado para a lâmina em chamas a centímetros do seu pescoço, invés de quem empunhava. Voltei os olhos para essa pessoa e arquejei. Pasma, vi Hiei sem a máscara e o capuz. A mesma estava em trapos ao redor do seu pescoço, sem contar dos chamuscados no tabard negro que usava. Uma manga de sua blusa, a direita parecia ter sido arrancada expondo o talismã que lacrava o dragão negro em seu braço.

    Ele encarava diretamente para cá, frio e inexpressivo paralisando o golpe que daria naquele youkai ruivo. Pelo corte perto do jagan e mais arranhões no rosto, foram os únicos danos que recebeu ao contrario dos outros ao seu redor. O demônio que me segurava pelos cabelos estremecia apavorado.

    - Largue a espada!

    Hiei sequer se mexeu. Apenas deixou o oni mais nervoso.

    - Mandei que largasse a...

    Sua figura tremulou e de repente ele não estava mais lá. Prendi o folego, sentindo um deslocamento leve de ar levantar meu vestido quando o corpo do demônio atrás de mim retesou.

    - Cale-se.

    Me arrepiei com o murmúrio audível. A mão em meus cabelos afrouxou, me soltando e caí sentada e tremula vendo de soslaio Hiei ao meu lado. Inclinado para frente, numa posição de ataque, seu braço direito cravava a katana no peito do demônio até a empunhadura. Uma luz verde brilhou do local até uma chama em forma de lâmina explodir das costas do demônio.

    Assisti horrorizada ele puxar a espada para cima cortando o monstro ao meio.  O baque do resto do corpo no piso de pedra soou alto, enquanto carbonizava igual aquele outro. Um barulho agudo me acordou e Hiei se endireitou, olhando sobre o ombro o youkai ruivo que guinchou. Esse tinha caído sentado no piso, começando a se arrastar quando Hiei caminhou até ele.

    - Por favor, não me mate! Eu não farei mais nada!

    Em resposta, a intensidade das chamas na espada aumentou. O youkai ruivo banhou em suor, apavorado. Ele ia mesmo matar esse monstro? O sujeito já tinha se rendido!

    - Hiei.

    - Quieta, mulher.

    Engoli em seco. Entalada e muda. Ele não tinha gritado, mas causou o mesmo efeito enregelante na minha espinha. Uma emoção agressiva desprendia do seu corpo como se fosse sua aura. Deixando claro o quão perigoso ele era, devia ser isso que esse youkai sentia. Sua pele amarelada acinzentou à medida que Hiei chegava mais perto dele.

    - Quantos de vocês pretendiam roubá-la?

    Do que ele estava falando? O monstro estremeceu mudo, aumentando a impaciência de Hiei, que rosnou.

    - Responda.

    - Eu não sei! A..alguém... do reino de Gandara pagaria uma grande soma por ela! Apenas sei disto!

    - Tsk.

    O youkai engoliu em seco, agarrando o braço mutilado quando Hiei apagou as chamas da espada. Esperei ele perguntar quem seria, mas se manteve quieto fitando o vazio. Isso acalmou um pouco o youkai ruivo, que comentou hesitante.

    - E..eu não sabia que Lady Mukuro estaria interessada.

    Hiei voltou os olhos para ele, o deixando inseguro outra vez.

    - É o g..general dos guerreiros del...

    Nem vi o golpe. No instante seguinte, parte de uma cabeça decepada com o cabelo ruivo voava longe do corpo. Atônita, verifiquei sua katana abaixada e a lâmina pingava ensanguentada. Isso me embrulhou o estômago, se tivesse comido algo teria vomitado.

    Sacudindo a arma, Hiei livrou-a do sangue e a embainhou nas costas caminhando até mim. Nesse momento, tive consciência do vestido tosco que usava. Mal me cobria e era o único pedaço de pano. Meu coração martelou quando ele chegou mais e mais perto.

    - Vamos.

    - P..para onde?

    Sem perder a passada, Hiei enlaçou minha cintura, puxando para si ao me levantar e soltei um gritinho quando escorregou o outro braço atrás dos meus joelhos, tirando-me do chão. Foi uma pegada brusca e pelo visto, pouco ele se importava.

    - Não precisa me carregar.

    Ainda estava atordoada com isso. Ele me segurava firme, aninhada no seu peito e mesmo que estivesse um pouco suado, era um contato intimo demais pra mim. A toga que eu vestia era fina e delineava meu corpo. Porem ele não notava, ao contrario de mim.

    - Quanto mais tempo perdemos aqui, ficaremos cercados.

    Saltando ele pousou no beiral de uma janela que não havia visto antes. Olhei para baixo, vendo o salão principal num completo caos. Escombros e os moveis espalhados ao redor, os “convidados” gritando uns com outros, lutando sem ordem. Isso me angustiou.

    Independente de quem me compraria, aconteceria um desastre aqui. Estremeci aflita.

    - Onde estão os outros?

    Olhei o redor, procurando em vão. Mesmo que quisesse, Hiei nunca faria uma coisa dessas sem os rapazes. Yusuke devia ter incitado os outros e Kurama com certeza arquitetou o plano. Hiei entrar no leilão disfarçado foi inteligente, dos quatro ele teria mais sucesso.

    Agora como sairíamos daqui? Parecia impossível. Foi nesse instante que notei que não me respondeu. O fitei confusa, enquanto ele analisava lá embaixo.

    - Hiei, onde estão Yusuke e outros? Já deviam ter aparecido.

    Ele me ignorou outra vez e ao esperar, no seu silêncio, entendi o porquê. A surpresa me amorteceu.

    - Veio sozinho.

    Me fitando de soslaio, tinha um ar acusatório nos seus olhos.

    - Algo contra?

    Desviei o olhar, encabulada. Tanto pela pergunta, como da situação.

    - N... Não. Nada.

     I... Isso não é possível. Por que ele veio me buscar e não os outros?

    - Preferia que eu contasse a verdade a eles, mulher?

    Gelei por dentro fitando o nada.

    - Hun, obvio que não.

    Seu tom foi carregado de cinismo e sarcasmo. Mordi o lábio, insegura e sem graça.

    - Não devia ler meus pensamentos.

    - Hun.

    Encontrando o quer que fosse, ele saltou da janela sem me avisar. Enterrei o rosto no seu pescoço outra vez, engolindo um gritinho ao sentir a gravidade me tontear. As roupas farfalhando ao nosso redor aumentava o frio que eu sentia na barriga, até que pousamos. Dei uma olhadinha, vendo que se tratava de uma da mureta que separava em alas o térreo e Hiei disparou por ela, se aproveitando da confusão ao redor. A nevoa de fumaça, os candelabros destruídos contribuíam ao nos disfarçar. Porem, quando ele saltou outra vez, para uma sacada do segundo andar, de repente, senti a marca na minha perna queimar. A primeira vez desde que Hiei surgiu no palco assassinando o leiloeiro e aqueles guardas.

    Estremeci engolindo seco, tentando ignorar. Isso não era nada demais, não devia significar coisa alguma.

    Até um golpe vindo do nada, o acertar nas costas.

    Hiei arquejou, perdendo o equilíbrio ao aterrissar no parapeito da sacada. Antes que caísse para trás ele me jogou no balcão e escutei segundos depois, um chapinar forte de água. Já iria me levantar, quando a dor no estigma se alastrou na minha perna. Arquejei sem folego, a agarrando ao ver a cicatriz pulsar vermelha me matando de agonia.

    - Quem diria. Não achei que notaria minha presença, mas nem ao menos desviar do meu ataque... Ele estava distraído demais.

    Calafrios varreram minha pele, enquanto meu coração martelava apavorado dentro do peito. Evitando olhar, ouvi seus passos se aproximarem gelando cada vez mais meu sangue.

    Levante-se.

    Levante-se e corra! Fuja daqui!

    Meu corpo não obedecia, amortecido de pavor. Sem reagir, deixei que agarrasse meu cabelo e me puxasse para cima. Meu couro cabeludo ardia com tantas vezes já fizeram isso comigo, nesse gesto de subjugação. Lagrimando, segurei a mão enorme tentando diminuir a dor e como cerrava os olhos o ouvi sorrir.

    - Sentiu minha falta?

    O hálito quente no ouvido me acordou e gritei esperneando. Ele soltou uma risada, acompanhada de várias e abri os olhos, vendo-o pela primeira vez.

    Alto, tão quanto Toguro na constituição física, sua pele era cinzenta e os cabelos ralos esbranquiçados. O quimono verde e o hakama preso no obi negro eram tudo que vestia. Engoli em seco, seu rosto era comum, apesar de brutalizado. Porem, seus olhos amarelos eram cheios de maldade e loucura. Torcendo o punho no meu cabelo, foi me arrastando pra longe do balcão abrindo passagem entre seus soldados.

    - Matem-no, não o deixe que entre aqui.

    Apavorada, observei ao redor. Era uma ala comum, de lazer para os clientes desse mercado e ao entrarmos num corredor, notei assustada que se tratavam de quartos. Não havia portas e vi nitidamente alguns monstros abusarem das escravas, seja em almofadas no chão ou em camas mesmo com o caos lá fora.

    Ao encontrar uma câmara dessas vazia, esse monstro me arrastou para dentro seguindo direto para uma cama no fundo do cômodo. A visão do tecido vermelho me embrulhou. Tentei parar, firmando os pés no chão, mas ele era mais forte.

    Me puxou bruto, atirando-me na cama. Seus soldados percebendo a situação ficaram do lado de fora. O vazio me revirou o estomago e me levantei rápido, fugindo pelo lado direito quando ele agarrou meu braço e puxou de volta. A dor no osso do cotovelo quase me cegou e gritei, ganhando um tapa no rosto. O golpe me atordoou, sentia o gosto de sangue na boca. Apesar de um tapa foi pesado o suficiente dando chance desse youkai subir em cima de mim, entre minhas pernas. Isso me acordou o suficiente e me debati desesperada.

    - Não! Me solta!

    - Já chega.

    Agarrando a gola da toga e meus pulsos acima da cabeça, ele rasgou essa roupa me expondo totalmente da cintura para cima. Chorando, vi que ele olhava pro meu corpo fascinado, quase salivando ao soltar seu quimono do hakama.  

    - Sem uma única marca... Você é perfeita.

    Aquela mão apalpou meus seios, sopesando com força me machucando. Me retorcia, entalada e sem ar. A impotência que eu sentia era tão grande, misturada com o medo do que estava por vir. Ele escorregou a palma do vale dos seios até meu pescoço o agarrando. Se inclinando sobre mim, senti sua excitação na minha intimidade e engasguei de pânico.

    Arquejando, apertou meu pescoço quase me sufocando.

    - Sabe o que é irônico, garota? Dessa vez aquele moleque maldito está por perto e mesmo assim não virá te salvar.

    Era tão verdade que fechei os olhos. Não queria ver a satisfação dele abusando outra vez de mim. Porem, a dor que eu esperava não veio.

    - Mas o que é isso?

    Abri os olhos, o vendo franzir o rosto para sua mão que me agarrava o pescoço. Ele o soltou, escorregando os dedos na corrente de prata. Ao puxa-la viu a pérola de lagrima. Choque cobriu seu rosto quando sua mão, de repente, pegou fogo enquanto uma explosão abriu um rombo na parede ao lado. Uma nuvem de poeira subia quando vi uma figura de preto se chocar nesse youkai, tirando-o de cima de mim. Os dois se colidiram com a parede do outro lado, destruindo-a também.

    Atordoada, levantei da cama indo atrás deles, aproveitando da confusão. Os soldados que estavam na porta invadiram aqui e corri segurando o resto desse vestido. Outro estrondo reverberou o prédio quando atravessei os quartos. Rombos abriram as paredes até a ultima câmara e saí no corredor, descendo disparada as escadas. Quando cheguei no hall desse prédio, arregalei os olhos de choque.

    Uma cratera abria-se enorme no centro. Faíscas cruzaram no ar junto com ondas de choque. Um rosnado bestial me acordou e me afastei horrorizada da parede onde estava perto. Uma fera, negra parecida com um lobo, mas com chifres na cabeça e coluna rosnava faminta. Outros rosnados ecoaram e vi que havia mais três. Uma em cada alcova na parede, acorrentada.

    Estava tão atenta a eles que ouvi tarde demais os passos. Olhei para trás, em tempo de ver dúzias de soldados atrás de mim. Corri para longe, quase alcançando a saída quando uma corda se enrolou no meu tornozelo me puxando. Rápido, fechei o braço bom na minha cabeça antes de cair no chão. Machucando ainda mais meu cotovelo. Mal tinha situado da dor e me puxaram, como se fosse um animal. Foi demais pra mim, cravei os dedos no chão berrando e nesse instante, algo inusitado aconteceu. A mesma sensação de calor me envolveu, causando um enfurnar. A corda sumiu do meu tornozelo e ofegante me endireitei sentando no chão. Os soldados me olhavam assombrados e sem entender nada ao olhar para mim mesma percebi.

    Chamas negras me cobriam, da cabeça aos pés e seus veios verdes coloriam meu corpo todo. Esse tipo de fogo, não é qualquer um. Feito de energia sinistra aumentando a intensidade de chama. Um choque reverberou no ar e levantei o rosto, em tempo de ver Hiei bloquear com a espada o golpe daquele youkai e girar, jogando o peso contra esse causando uma abertura. Chutando no estomago ele atirou o outro até o chão, abrindo outra cratera.

    Hiei nem esperou-o se recuperar, se jogou em cima dele cravando a espada até o punho em sua barriga. O grito horrendo que aquele monstro soltou me arrepiou inteira. As chamas ao meu redor inflamaram ao mesmo tempo em que explodiu o mesmo fogo do ferimento que Hiei fazia. O Youkai o tirou com uma onda de youki, fazendo Hiei voar até o outro lado do salão.

    Antes de cair, girou o corpo se endireitando e freou com as botas até parar perto de uma parede. Ele arfava, o tabard estava todo destruído como também sua blusa. Ao levantar os olhos, encarando aquele demônio que levantava cambaleante, estremeci por dentro ao ver seu olhar vazio. Um vermelho profundo e enegrecido. Parecia... Louco.

    O riso do outro me atraiu atenção e vi em tempo de se endireitar. O buraco em seu estomago sangrava enegrecido, enquanto ele cuspia sangue a encarava com desdém.

    - Vejo que agora me detesta.

    Hiei estremeceu em resposta.

    Se atirando contra aquele demônio, eles voltaram a lutar. Apenas pegava pequenos flash dos golpes violentos, os respingos de sangue caíam mais e mais no chão de pedra. Ninguém ousava se intrometer. Teve um momento que um berro ecoou com a acústica e um braço cinzento caiu do alto. Tremendo ouvi estalos de metal, sacudindo alto até que os dois surgiram. Desviando do golpe de espada daquele monstro, Hiei girou no ar atirando a sua na parede. Correntes esticaram, aquele youkai parou um golpe engasgando sufocado. Franzindo as sobrancelhas, vi atordoada o demônio corpulento pendurado há poucos centímetros do piso.  Segui com os olhos essas correntes e notei que eram as mesmas que prendiam aquelas bestas. Achei que os elos estivessem fundidos na parede, mas ao verificar com mais cuidado, elas subiam até o teto onde havia uma roldana que regulava o comprimento delas.

    Hiei as estendeu de lá e prendeu nesse youkai. Mas por quê?

    Um baque atraiu minha atenção. Ele tinha caído de pé agachado no chão. Hiei se levantou andando até o demônio amarrado na corrente e parou. O outro cuspia sangue, conseguindo de algum jeito respirar.

    - Satisfeito?

    Hiei estreitou o olhar enquanto um tremor violento o  percorria por inteiro. Isso fez o outro rir, mesmo que tossisse um pouco.

    - Claro que não. No fim... Não conseguiu devolver o que fiz. – arquejando, o demônio tombou a cabeça num cumplice – Eu soube. A perna mutilada de Nakoto... Os ossos partidos de Egar... A surra foi algo que todos... Participamos... Mas e quanto a mim? O que vai fazer... Pra retaliar o primeiro amante dela?

    A risada rouca ecoou alta nesse silencio sepulcral. A essa altura todos entendiam o porquê dessa briga. Até eu. Se... se o que esse demônio disse for verdade... Não. Mas como pode ser? Hiei não estava lá. Ele não sabe. N..não teria como. Quando o eco da risada diminuiu, pude ouvir um riso baixo. Presunçoso e abafado. Isso apagou o ar de vitória no rosto do outro. De cabeça baixa, Hiei parou de rir respirando fundo.

    - Como mesmo disse?

    Ao levantar os olhos sua expressão era fria ao mesmo tempo cruel.

    - Grite o quanto quiser.

    Sacando outra espada por debaixo do tabard, golpeou em sentido transversal o outro. Do talho jorrou sangue melando seu rosto inexpressivo. Arregalei os olhos, tremula, incapaz de me mexer.


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