BOTAN POV
Os quatro youkais pairavam no ar, montando em algum tipo de ave-réptil. As asas batendo freneticamente produziam aquele zumbido. Eles ainda estavam parados, observando, enquanto que eu tentava não entrar em pânico. Esse é o pior lugar possível, o cenário mais tenebroso pra mim. Engolindo em seco, apertei o punho daquela faca, vendo um dos três onis salivar olhando vidrado pra mim. Esse... vai atacar primeiro.
Mal pensei isto e ele estalou as rédeas da sua montaria, mergulhando no ar. Chiei de susto e corri, ouvindo atrás de mim risadas e gritos.
- Nobiro, volte aqui!
- Se ele a pegar primeiro não vai dividir!
Meu coração tremeu, mas não parei de correr. Quando o zumbido cresceu atrás de mim, vi uma vala no chão e me joguei, mergulhando no buraco antes que me pegassem. Na queda, rolei e senti uma dor aguda na coxa. Assim que cheguei ao fundo, arquejei quase gritando ao mexer a perna e as fisgadas aumentarem. Debruçada no chão, baixei o olhar e vi agoniada metade da lâmina da faca enterrada na minha coxa esquerda. Mordi o lábio, segurando o punho puxei engolindo um grito.
Sangue fluiu empapando minha calça e me levantei com dificuldade, mancando para mais fundo. Apesar de não olhar ao redor, pela acústica dos ecos dos meus passos acabei me atirando dentro de uma caverna. Isso me deu um pouco de esperança. Se pudesse me esconder, encontrar um bom lugar, poderia escapar e procuraria uma fenda dimensional aqui por perto. Se eu soubesse onde estou ficaria mais fácil. Já levei muitas almas de youkais para o mundo espiritual, conhecia a localização de algumas dessas fendas.
Quanto mais eu me afastava, mas o barulho dos zumbidos diminuíam. Arfando, parei perto de uma bifurcação pelo pouco que distingui da claridade aqui. Nesgas de luzes se filtravam, mas apenas o suficiente para não ficar na completa escuridão. Vi uma rocha e manquei até ela me sentando. Como minha blusa era de algodão, rasguei a bainha com a faca até formar uma tira e amarrei no ferimento. Grunhi tonta de dor ao apertar e ofegando prendi num nó bem apertado.
Agora tudo o que me resta é esperar. Respirando fundo, olhei para a direita, observando os dois tuneis. Se eu tiver sorte, havia uma saída em um deles. Se não, a única que tinha era por onde eu entrei e de jeito nenhum vou usá-la. Podem estar vigiando. Molhando os lábios, sentia a garganta seca e respirava com mais dificuldade. Makai tem um ar tão denso. Me sentia um pouco zonza, agora com adrenalina diminuindo. Na minha forma de espirito eu não sentia isso, espero não ficar catatônica como os humanos que caem em Makai através das fendas. Sacudindo a cabeça, me levantei da pedra gemendo de dor e manquei até o túnel da esquerda. Ouvi um uivo fraco de vento se propagando nele e segui minha intuição.
Eu estava sozinha aqui, tinha que me virar. Arrastando a mão na parede fui seguindo com cautela mergulhando nesse breu. O escuro me assustou, mas segurei o pânico. Mesmo com o coração martelando na garganta fui caminhando devagar até seu final, que para minha sorte realmente tinha uma saída. Arfando aliviada, subi devagar nas pedras até a claraboia no teto felizmente baixo. Quase escorreguei várias vezes, mas me segurei a tempo. O buraco era pouco mais de quarenta centímetros. Apenas alguém com meu tamanho conseguiria passar.
Fui me arrastando, me puxando para fora até cair deitada no que me pareceu grama seca. Ofeguei um pouco, tomando folego e me levantei observando em volta. Uma floresta insípida sem muita vegetação. Já estive por aqui, havia uma construção semelhante a uma fortaleza cerca de alguns quilômetros por perto. Tinha uma fenda dimensional exatamente no muro leste.
Apenas olhei envolta, checando se havia olhos vermelhos me observando e me voltei para a esquerda. Tomara que a direção seja a certa. Mal caminhei alguns passos quando ouvi outros, correndo na minha direção. Voltei o rosto puxando a faca quando um peso colidiu comigo, me derrubando no chão. Fiquei sem ar, mas mesmo assim golpeei as cegas até que um rosnado me arrepiou. Meu pulso foi agarrado e preso contra o chão. Gritei me debatendo, como o sujeito tinha a pele tão grossa nem sentia. Ele segurou meu queixo e virou meu rosto para o lado, lambendo minha bochecha. O hálito fétido me enojou enquanto me estremecia.
- Doce... Você é tão doce. Mal posso esperar pra entrar em você.
Isso foi demais pra mim. Com nojo e pavor, dei uma joelhada entre suas pernas com toda a força que tinha. O oni uivou de dor e escutei aqueles zumbidos no alto. Rolando ao sair de cima de mim, me arrastei pra longe enquanto seus “amigos” pousavam no chão.
- Ela é bem arisca, não é Nobiro?
- Cale essa boca!
Olhei pra eles, dois se aproximaram de mim tirando as roupas. O desespero ao assistir isso me deixou sem forças. O único que não vinha até mim era o líder. Apenas estava montado naquele pássaro esperando seus capangas. Se ajeitando na sela, ele se empertigou.
- Nitobe. Yoshida. Não se esqueçam de maneirar, - sorrindo afetado pra mim, acrescentou – não queremos que a mercadoria estrague.
Arfando de expectativa, os últimos sorriram antes de se retesarem e correrem até onde eu estava. Fechei os olhos, sei que estava desistindo de lutar. Mas fraca, ferida e ainda com dois no ataque não teria chances. Quando me alcançaram, um deles me derrubou no chão. Como da outra vez, um segurou meus braços enquanto o outro sentava em cima de mim. Eles riam deliciados... Até começarem a gritar. Cheiro de queimado e gordura me engolfou quando me soltaram de repente. Rolei pro lado tossindo e levantei o rosto arregalando os olhos ao ver aqueles dois pegarem fogo.
Rolando na grama, berravam em agonia sem conseguirem apagar. Estava tão hipnotizada pela cena surreal quando senti agarrem meu braço.
- Nobiro, se afaste dela!
O aviso foi tardio, chocada vi o oni largar meu braço enquanto o seu se cobria em chamas. Elas tinham uma coloração amarela com veios azuis. Como os outros, também não conseguiu apagar. Por mais que se debatesse e rolasse na grama seca, apenas aumentava esse incêndio. Passos vindo até mim me alertaram e me virei encarando o líder. Ele me olhava entre assombrado e odioso. Sacando uma espada no coldre de sua cintura apontou pro meu pescoço, estreitando os olhos.
- O que diabos você fez?
Arquejei muda. Nem eu mesma sei. Sacudi a cabeça negando e ele suspirou fundo.
- Mulheres de gelo não produzem fogo. Que magia foi essa?
Arregalei os olhos. E..Ele acha que sou uma koorime? Ao mirar para o meu pescoço seus olhos cintilaram. Rápido entendi o porquê e agarrei a perola de lagrima.
- Me dê isto, vadia.
- Não!
Num bote ele tentou me arrancar a corrente de prata do pescoço, mas se afastou de repente. Tremula, olhei para sua mão e tinha uma mancha avermelhada cobrindo toda sua palma. Como se tivesse tido em contato com vapor altamente quente. Ele olhava atônito também e logo depois me encarou desconfiado. Se afastando um passo, ficou me olhando enquanto seus companheiros morriam queimados em nossa volta. Foram momentos tensos e perturbadores. Assim que os gritos acabaram, ele embainhou a espada.
- Venha comigo.
Estremecendo, neguei o fazendo rosnar.
- Não estou pedindo. Levante-se e venha comigo. Eu tenho como te desacordar sem bater em você.
Engolindo em seco, procurei ficar calma.
- Pra onde vai me levar?
Me olhando analítico, esse oni parecia se decidir se realmente eu valeria o esforço e então cedeu.
- Ao mercado negro. A fortaleza é aqui perto e quero dar logo um jeito na sua ferida antes que infeccione e perca seu valor.
Arfei na menção da “fortaleza”. Era a minha chance. Ainda não entendia por que de repente, ele estava sendo educado a contragosto comigo. Não me olhava com lascívia ou luxúria. Era um olhar critico e astuto. Assenti receosa e me levantei. Ele apenas se afastou um passo, me indicando a caminhar até aquela ave-réptil. Assim que montei, rápido tirou um par de algemas de uma mochila de couro presa na sela e colocou nos meus pulsos. De imediato, senti toda minha energia ser drenada e depois um golpe me acertou na nuca.
Pontos pretos cobriram minha visão e perdi o foco enquanto vi esse oni me pegar pelos braços.
BOTAN POF
HIEI POV
Parado diante de um barranco dentro da floresta, observava a luminosidade anormal lá embaixo. O rastro terminava aqui. Segurava a espada abaixada tentando assimilar o que isso significava. A umidade não deixava o sangue nela secar e mesmo assim, não conseguia sair do lugar. Apertando o punho da espada, estremeci arfando.
Aquela tola.
Em que estava pensando correndo pra cá?! Mandei que ficasse dentro da casa, uma ordem tão simples e a mulher não obedeceu. Quatros youkais vieram dessa vez, seus níveis de poder se equiparavam ao nível B. Apenas serviram de atraso. Um deles tive que atirar para longe, o que ocasionou na destruição das estatuas entre a casa e o templo. Rápido o matei, pegando um vislumbre de Yukina me ver em total confusão e segui o rastro do cheiro da mulher até aqui. Só para descobrir que caiu nessa fenda.
- Hiei.
Pestanejei de leve com o chamado e olhei de soslaio para a pessoa. Yusuke.
- O que aconteceu aqui? Kuwabara me ligou desesperado dizendo sobre um ataque.
Caminhando até mim ele parou de repente, piscando espantado ao olhar melhor pro meu rosto.
- Tá tudo bem, cara?
Estreitei o olhar. Rapidamente avaliei a situação. O tempo que gastei me livrando daqueles lixos, o local onde provavelmente essa fenda dimensional ligava em Makai e o tempo que perderia explicando para Kurama e outros. Não teria serventia alguma. Desviando o olhar, embainhei a espada e saí da floresta com Yusuke em meu encalço.
- Hiei, espera aí. O que diabos tá acontecendo?
O ignorei. Como de se esperar ele não desistiu.
- Hei!
Agarrando meu ombro, tentou me parar e sacudi me soltando.
- Não é dá sua conta.
Não tinha tempo nem paciência pra conversas agora. Percebi que cometi um erro. Ao sair no gramado em frente à casa, a noite já caía alta. Perdi a noção das horas enquanto encarava o fim do rastro dela? Suspirei pesado. Isso é péssimo.
- Finalmente Urameshi. Eu te disse que esse cara estava lá.
Aquele imbecil se aproximou exigindo. Ainda não esqueci que havia deixado minha irmã e a mulher sozinhas aqui. Que espécie de protetor é esse que tanto se proclama defensor e no fim não faz nada? Yusuke se juntou a ele e me afastei dos dois. Não estava centrado o suficiente. Aquela sensação de furor me acometia, mais forte do que quando matei aqueles desgraçados dias atrás.
- Tá, tá. Agora vamos lá pra dentro. Kurama ainda está procurando pela Botan na aldeia ao pé da montanha e o sujeito aqui tá escondendo o jogo.
- Como é que é?
Aquele buraco que sentia no peito se rompeu ao ouvir o nome dela e olhei para eles no instante que me encararam. Kuwabara estufou o peito se irritando e piorando meu humor.
- Yukina disse que te viu lutar com esses monstros, seu idiota. Vai logo contand...
- Isso não é assunto de vocês. Não se metam.
O imbecil arregalou os olhos, empalidecendo. Um som vibrava baixo e rouco na minha garganta.
- Tem algo haver com Mukuro?
Relanciei o olhar para Yusuke. Ele estava sério, sem qualquer sinal de escarnio. Pelo seu tom imaginei do que se tratava, mas não respondi. Sei o que estou dando a entender agindo dessa maneira. Mas simplesmente não conseguia refrear essa ira, o sentimento estranho e, sobretudo a urgência de agir de imediato. Tudo isso estava me sufocando e me fazer perguntas sobre esse ataque apenas aumentava essa cólera.
- Escuta, Hiei. Seja lá o que for a gente pode te ajudar.
- É. Somos uma equipe. Tá na cara que é um assunto pessoal pra você. Esses youkais estavam te seguindo, certo? Por isso atacaram daquela outra vez.
Nunca senti tanta vontade em matar esse tolo como agora. No entanto, o momento de descobrirem a verdade estava bem mais próximo do que imaginei. Continuando a especular, os dois tentaram entender o que acontecia. Alheios ao fato que eu não fazia a menor questão em esclarecer. Seria perda de um tempo que não tenho. Quando Kurama chegar até esse santuário, saberão que a onna desapareceu. E isso leva ao motivo de contar o segredo. Aquela raposa entenderia num instante, com todos detalhes expostos agora. Se não tivesse escolhido a irmã de Kuwabara como sua pretendida já teria percebido o cheiro doce da mulher. Segundo aquela shinigami ruiva, era a razão dele não se afetar também.
- Quando Kurama chegar com a Botan, perguntaremos se sabe ela de alguma coisa.
- Você acha que ela tem alguma informação? Por favor, Kuwabara. Ela não trabalha mais pro Koenma.
Os observei discretamente, entretidos nessa discussão sem sentido e corri para longe. Direto para a floresta até a fenda onde a onna caiu. Se ainda estiver com a pedra Hirui será mais fácil localiza-la.
HIEI POF
BOTAN POV
Quando acordei, estava dentro de um cubículo de pedra. O ar úmido e o frio me deram a sensação de calabouço e bem devagar me sentei no chão de pedra. Observei envolta sentindo um pouco de claustrofobia por estar num lugar escuro e pequeno.
- Finalmente acordou.
Pestanejei de susto e uma luz se acendeu, iluminando esse lugar. Sentado num banco de madeira num canto da parede, aquele oni me olhava de modo satisfeito e vaidoso. Causava arrepios intensos na minha pele e procurei me acalmar.
- Onde estou?
- No deposito de lotes do leilão desta noite.
Arregalei os olhos e ao ver ele riu abafado fazendo a barriga saliente tremer.
- Desde que cheguei fiz registro no acervo do mercado e pela avaliação, ganharei muito bem.
Lançou um olhar significativo e engoli em seco. Meu coração já martelando acelerou ao ver a presunção estampada no rosto vermelho. Levantando a espada que nem percebi que segurava, apontou lentamente pro meu pescoço roçando a ponta que enganchar na corrente prateada. Erguendo um pouco, a pedra de lágrima cintilou suave nessa meia luz.
- Quem é o dono disto?
Arquejei de choque, provocando nele um sorriso sarcástico.
- Você quase me enganou. Esses cabelos – mirou para eles -, e essa tez pálida realmente batem, mas toda koorime possui os olhos vermelhos.
Respirei fundo, calada. Retirando a espada do meu pescoço, ele sorriu debochado.
- Essa pérola não é sua. É de um imiko.
À menção da palavra, lembrei de imediato da ultima conversa que tive com Hiei. Era algo tão significativo que me esqueci por considerar improprio e cruel. “Filho maldito” é um titulo horrível. Por que o chamariam assim? Então me lembrei de Koenma me explicar que os meninos que nascem no país de gelo são sempre cruéis e maldosos.
Era isso que ele quis me dizer.
Suspirando, encarei a realidade que me encontrava fitando esse demônio arrogante.
- O que vai fazer comigo?
- Nada. Vou te vender no leilão, como disse. Sossegue que não tomarei a pérola de você.
Pisquei aturdida segurando a pedra contra o peito
- Por quê?
- Humpf. É a única garantia que fique ilesa até lá.
BOTAN POF
Estreitando os olhos, Kairo se endireitou levantando do banco e observou discretamente a energia vinda da pedra de lágrima envolver a garota. “Dever ser um "Kaen Enjutsushi”. Era claro o youki se movimentando feito línguas de fogo ao redor do corpo tremulo e feminino. Contudo, o que realmente o deixava intrigado era pedra proteger a garota. Nunca viu nada igual. Mesmo sem intenção imoral, nem ele ousava chegar tão perto. Seus lacaios morreram queimados ao tentarem ataca-la na floresta morta.
Bem, isso não o interessava. Tinha uma mercadoria valiosa e uma garantia que ninguém a “estragasse”. Marcar algumas de suas concubinas havia valido a pena. Pelo tanto que descobriu, tinha em mãos o sacrifício de reikai.
Azar do demônio que a perdeu.
Num sorriso ganancioso abriu a porta da cela, trancando em seguida.