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Estou cansado. E existir me é custoso.
O acúmulo das dores do mundo fere-me profundamente. Dói-me existir, e saber que existo. Mesmo o diria, o abutre obscuro, vultoso sob o poste distante, se carregasse o penar miserável dos homens. Teu grito seria inda mais sombrio.
As lápides, como edifícios colossais, ocupam o lugar do diáfano azul, límpido, do céu, que é o mais convidativo e esperançoso do retrato. Meus passos parecem ter a capacidade de destruir cada vez mais; tornam-se mais pesados na medida em que prossigo pelas vielas labirínticas deste cemitério. Passos, que outrora foram leves — e mal suportavam meu corpo — agora, até desintegram os ladrilhos do chão, com seu peso... Mas não, exagero. São muito mais robustas que meus pés, as matérias do mundo: elas ficam e eu vou.
Deixando para trás as flores cadavéricas, para falar da morte. E dentre as tumbas seculares, que me esquivo, vou buscando pela vaga — que aparenta raridade — ideal para meu descanso. Não lhe culpo, Existência, em tua escolha de refutar meu fraco coração. Não condeno-a, diante de um amor que jamais rendeu-me tanto amor.
Sim, eu sou o amor: na fusão cataclísmica de todos os amores; mas sou também, a última quimera, prestes a ser sepultada, ao lado da ingratidão.
Eis o homem, aqui prostrado, em indiligência, diante de si e de Pandora. O mesmo que há pouco assistiu sozinho o teu próprio fúnebre e solitário velório, agora enterra-se sem mais delongas. Cobrir as pernas e o tronco foi quase instantâneo. Sequer percebi o sangramento de minhas unhas nuas — no momento, já estilhaçadas.
Agora, só me resta a face.
Desviaria a santa Terra de cobrir meus olhos, ouvidos e boca, se pudesse dizer a ela que, antes mesmo deste enterro, já haviam, todos esses, sido enterrados à força, noutros tempos.