Koenma nunca sentiu tanta falta de umas férias. Não que ele tirava sempre, mas desde que assumiu o reino do Mundo Espiritual, o cargo de supremo governante o estava esgotando. Tarde da noite, desde que o expediente havia acabado nos Salões de Julgamento, o príncipe perambulava pelos corredores num ar consternado.
George, oh ogro imbecil, esqueceu de lhe avisar sobre a reunião com três sacerdotes das igrejas de Reikai. O assunto não podia ser mais esgotante, causando um amargo de desgosto e remorso. Botan... Ela não merecia o que aconteceu. Ele a avisou tanto. Confiar em Hiei foi ingenuidade ao extremo. Certo que no ataque dos extremistas meses atrás ele auxiliou a equipe com Yusuke e outros. Até quando o ex-detetive estava prestes a apertar o botão de destruição em massa Hiei não fugiu de Reikai como os outros.
Mesmo assim... A culpa fora dele. Ele que condenou Botan nesse tormento que ela vive agora, no ser que se transformou. Amargurado apalpou os bolsos da calça, procurando a chave que trazia consigo o tempo inteiro.
Era um trunfo que precisava para amanhã. Os sacerdotes estão mais revoltados e ele já não sabia mais o que fazer. Se estiver certo, talvez o pergaminho que encontrou nas dependências do Arquivo Emma tivesse algo que pudesse não reverter a condição de Botan, mas salvá-la de algum jeito.
- Tomara que sirva pra alguma coisa.
Sussurrou consigo parando diante das portas douradas de sua sala. Apertando um botão escondido as mesmas se abriram num zumbido anasalado fechando automaticamente assim que entrou. Assim que pisou no escritório, notou algo errado. Estava escuro. Não devia estar escuro. As luzes deveriam se acender reconhecendo alguém no recinto.
Confuso, o príncipe assumir a forma de adolescente. Os olhos se acostumando na escuridão, se sentia intimidado. Deus ou não, se arrepiava mais e mais enquanto caminhava direto ao quadro no fundo do escritório. A pintura grotesca retratava Emma na guerra contra os habitantes de Meikai.
Ao pegar a chave do bolso, enquanto afastava o retrato para longe da parede foi que notou.
Os ladrilhos estavam queimados. Cheios de chamuscados.
- Nani? Mas quem...?
Um barulho o alertou e girou na direção, tarde demais. Um golpe pesado o acertou no tórax o atirando para longe. Atordoado Koenma deixou cair tanto a chave como a chupeta, segundos antes de se chocar na parede. O estrondo alertaria qualquer um... Se o cômodo não tivesse paredes grossas de concreto.
Caindo sentado arquejou apertando o peito. Mal conseguindo respirar. Tinha quebrado os ossos. Seus pulmões reclamavam disso sem contar da cabeça girando. Sem forças pra levantar ouviu passos se aproximando, calmos e metódicos e levantou o rosto tremendo em agonia. Sangue descia por sua testa caindo nos olhos, mal enxergava o vulto do agressor.
- Quem é?
Silencio. Isso o arrepiou em ondas fortes de pânico. Travando os dentes, agarrando o Tabard azul no peito, procurou não demonstrar medo. Era covarde, admitia, mas seu agressor não precisava saber disso.
- Está cometendo um grande erro. – estremeceu de dor, tentando se levantar sem sucesso – Se acha que... Me matar vai mudar alguma coisa... Eu...
- Me poupe desse discurso hipocrática.
Essa voz! Lentamente uma aura densa e demoníaca foi se manifestando a medida que os passos se aproximaram e Koenma viu um par de luzes vermelhas, paralelas e intensas surgindo na escuridão. O príncipe estremeceu por dentro, sentindo o coração gelar. Uma luz esverdeada explodiu de repente iluminando o rosto do youkai e arquejou sem ar. Confirmando o que já sabia. Tudo ao redor em seu raio de alcance iluminou num pálido verde dos veios nas chamas negras do punho dele, de tão intensas que manifestava. Em todos esses anos nunca viu o demônio do fogo tão perturbado.
Mesmo sem expressar emoções, o rosto vazio causava um pavor acompanhado da aura que emanava intensa e instável.
- Hiei. O que está fazendo aqui?
Apertando o punho em chamas, o youkai estreitou o olhar e Koenma viu que ele notava seus arquejos, se irritando um pouco.
- Realmente, não se pode matar um deus.
- O que você quer?!
Quase rindo ele levantou a outra mão exibindo um rolo de papiro, desgastado e velho. Koenma entrou em desespero.
- Hiei devolva isso! Eu preciso para...
Se calou arquejando sem fôlego. Notando sua hesitação Hiei estremeceu exibindo uma emoção verdadeira. O rosto retorceu numa carranca e ele sumiu. Piscando confuso, Koenma encarou o escuro e então berrou em pura dor. Jogando a cabeça pra trás agarrou o braço enterrado em sua barriga, sentindo garras da mão dentro dele apertar seus órgãos.
Não soube qual era. Mas a dor era insuportável.
HIEI POV
Agachado diante dele, eu assistia tudo num torpor delirante. Mal ouvia o príncipe de Reikai gritar. Meus ouvidos pareciam abafados com um zumbido. Mas o som que ouvia sob este estava gostando. Nunca torturei alguém, Kurama gostava quando ousavam mexer no que lhe era dele.
Agora entendo.
Ouvir esse príncipe berrar em agonia diminuía o buraco no meu peito. Fazia essa raiva queimar mais ardente. O observando chorar parei o aperto em seu estomago. Mais um pouco e perfuraria com as garras.
- Diga.
O deus apertou os lábios relutando. Isso aumentou meu ódio. Voltei a brincar com seu estomago estremecendo irado.
- Diga!!!
- Ela não é isso!!!
Maldito covarde! Arranquei o punho me afastando num segundo enquanto ele se inclinava, vomitando sangue. O tabard azul se transformou num roxo com o vermelho derramado. Tudo o que sentia era nojo. Koenma nem durou minutos. Convulsionando e estremecendo ele levantou o olhar vago enquanto suava de agonia até se focar, ganhando um brilho. Era raiva e revolta. Interessante.
- Por que... Se importa com isso? Botan virou essa abominação... Por sua causa.
O buraco no meu peito cresceu rasgando, aumentando o zumbido nos meus ouvidos. Quando percebi outro berro ecoava acompanhado de um estrondo abafado. Piscando vi Koenma pendurado pelo pescoço, onde o segurava e minha mão esquerda parecia quente e molhada. Apertei os dedos e o príncipe deu outro berro. Ah! Eu tinha enterrado o punho dentro da sua barriga outra vez.
Jogado na parede rachada ele estremecia agonizando. Me fazendo sorrir.
- Não negue a palavra. Sua preciosa garota balsa virou A Prostituta dos Demônios.
- Cal... Cale-se Hiei!
Cravei mais os dedos em seu pescoço, estremecendo nessa sensação doentia.
- Você não está em posição de me dizer nada.
Agonizando esse covarde baixou o olhar para mim. Pela primeira vez vi confusão, mas durou apenas segundos. Algo no meu rosto o fez arregalar os olhos de surpresa e outra coisa. Entendi do que era. O mesmo olhar... O mesmo olhar de pena que ganhei da irmã de Kuwabara mais cedo!
- Você... Não sabia.
Minha mente trincou mais e rangi os dentes o jogando contra parede outra vez. O impacto doeu em meus ouvidos tanto quanto o berro.
- Pare Hiei!
O encarei entre as mechas que caíam em meus olhos. Um rosnado baixo ecoava sob o barulho da parede ruindo e levei um segundo para notar que era meu. Meu peito oco vibrava nesse som, selvagem e irado. Podia até sentir o Jagan quase abrindo.
- Me dê um bom motivo.
Agarrando meu punho que o sustentava no pescoço ele tentou falar. Quase engasgando de sangue.
- Eu posso salva-la
Quase ri sarcástico.
- Por favor, você condenou a garota no instante que a mandou para o mundo dos homens.
- Não tive escolha!
Ele acha que sou algum tipo de idiota?! Apertei seus órgãos que agarrava dentro dele. Fazendo-o soltar outro berro.
- Hiei! Pare com isso!
Alguma parte de mim o escutou, acho que meu lado racional e arranquei o punho de dentro da sua barriga. Koenma arfou aliviado e senti que falta pouco pra desmaiar. Quieto o esperei abrir a boca impaciente até que finalmente tomou fôlego pra falar.
- Eles... Iam devolvê-la... À Makai. Consegui... Que a mandassem... Para o Mundo dos homens. Era... O único meio.
Grande idéia. Mas no momento não me interessava.
- Quem a trouxe?
O príncipe emudeceu e estreitei o olhar. Nunca amaldiçoei tanto esse pirralho ser um deus! A clarividência do olho diabólico não funcionava nele. Mas não havia problema. Já desconfiava de alguém.
O largando do pescoço assisti esse covarde cair num baque sentando no chão e girei no lugar encarando o papiro largado. O tinha soltado bem quando ataquei esse fraco. Pisando no pino de metal fiz o troço pular do chão para o alto girando e agarrei com a mão direita. A outra estava ensangüentada e sacudi aquilo desenrolando o papel fino.
Numa olhada e ignorando os desenhos entendi o porquê do desespero dele. Pela primeira vez nessa noite ri achando graça. O som pareceu insano aqui dentro e alertou a criatura atrás de mim.
- Devolva... isso.
O olhei sobre o ombro vendo-o se arrastar pelo chão na própria poça de sangue. Patético. Atirei aquilo aos seus pés pouco me importando se mancharia ou não.
- Pode ficar. Não me interessa mesmo.
Dei meia volta indo até a porta dupla. Agora faltava apenas uma coisa. Koenma não podia ter me dito o que eu queria, mas me deu uma informação valiosa naquele pedaço de papel, ainda que seja insano.
- O que vai fazer?
O ignorei abrindo as portas. Senti seu desespero no ar. Ele adivinhou e sorri de leve. Entrando novamente naquele torpor delirante e irado.
- Hiei, o que você vai fazer?!
O que alguém deveria ter feito.
Apaguei o sorriso desaparecendo das suas vistas ao correr para os portões de Julgamento.
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Podiam existir vários motivos que justificassem minhas ações em relação à essa garota nessa noite. E nenhum seria forte o suficiente para acreditar. Nem eu mesmo me convenço. Correndo nesse temporal, cruzava as ruas e bairros até chegar num subúrbio como os ningens chamam. Minhas roupas estavam encharcadas, meu cabelo saturado e grudado no couro cabeludo desgrenhado. Não que seja assim, mas acho que ninguém chegou a me ver desse jeito.
De todo modo, era insignificante. Eu ainda tentava manter meu lado são no comando, mas pouco a pouco senti-o quebrar com a sensação de como foi um cego idiota.
Há três dias voltei para Makai reassumindo o posto de general do exercito de Mukuro. Já que os patrulhamentos foram cancelados desde a entrega do trono de Enki à Yomi, era meu dever fazer isso. Ainda que fosse minha escolha ficar por lá. A youkai não me cobrou nada quando apareci na fortaleza, nem companhia de leito o que achei bom. Não estava com ânimo para isso, até porque comecei investigando minhas suspeitas seguindo meu instinto. O que deveria ter feito antes.
Yusuke e a raposa não fariam nada mesmo. Até desconfiarem seria tarde demais, então agi por conta própria. O que me intrigou durante os treinos e campanhas de expansão de território que visitei, foi a ausência de quer que fosse um boato. Claro que ninguém me diria nada, por isso escutei nas sombras sem revelar minha presença. Mas não encontrei nada que valesse a pena. Era como se tivessem apagado. Isso apenas me atormentou.
Meu motivo real era dividido em dois. A primeira parte pela sensação de ardência e mal-estar toda a vez que pensava na mulher, o sofrimento de alguém me afetando mais do que eu permitiria e gostaria. Já a segunda, o fragmento de um conto para demônios que o mercenário fez questão de me dizer.
Aquela frase menciona um mito perdido. Kurama conhece, todo youkai sabe disso principalmente os machos. O tributo de sacrifício do nosso inimigo natural. O delírio de qualquer perversão. O que daria mais prazer numa guerra do que fazer um inocente do território inimigo sofrer?
O conto se trata de uma garota. Uma menina balsa entregue pelo rei espiritual carrasco aos demônios de Raizen. Emma Daioh jogou a inocente em território dos canibais sabendo que o Deus da Guerra apreciava carne humana. Real origem das meninas balsas de Reikai. No entanto, o ancestral de Yusuke não praticava mais isso e ele simplesmente jogou a garota aos seus soldados.
Espíritos são intangíveis. Para tornar seu corpo real é preciso vontade própria ou um ferimento especial de atamento. A garota foi atada à sua forma real quando seu sangue derramou, transformando seu corpo em matéria. Física e luxuriosamente deleitável em tocar.
Os soldados com a beleza dela, a tornaram uma escrava.
Não é preciso ser gênio para saber o que aconteceu. Ela morreu em menos de uma semana. Porem, as histórias do cheiro doce que exalava. A perfeição do corpo dela sem contar da fragilidade da menina, atiçava mais e mais a luxuria dos demônios.
Em outras palavras, o Fruto Proibido entregue para nós.
Eu nunca acreditei nisso simplesmente porque é impossível. Koenma é um cretino aproveitador, mas jamais enviaria suas preciosas shinigamis nesse inferno. O pai desse pirralho nunca faria acordos com youkais. Guerra era melhor do que um tratado. A troco do que ele entregaria uma shinigami em sacrifício aos demônios? A barreira dimensional estava feita, batalhas civis por território aconteciam em toda a parte de Makai. Não haveria razão para isso.
Mas então, aquele desgraçado me disse aquilo.
Tinha tanto deboche... E realmente, o cheiro da onna era doce, tanto que me entorpeceu naqueles instantes no deque atrás da casa. Quase cometi uma loucura. Ela nem faz idéia, mas cada coisa me passava pela mente enquanto encarava seus olhos rosados e confusos.
A única coisa que me impediu de agir naqueles instantes e em seguida fugir foi o choque. A raiva que sentia ao pensar com mais clareza causou nojo em mim mesmo. Vontade de matá-la não faltou. Mas tinha o inconveniente de Kurama e Yusuke se intrometerem, além do fato que isso não tinha tanta importância afinal. Eu jamais me acasalaria com ela, não me rebaixaria à esse ponto.
Isso até saber da verdade, que eu ouviria da ultima pessoa que pensaria.
"No meio do caminho, sentia a onna amolecer em meus braços e lancei-lhe uma olhada desconfiada. Desmaio. Outra vez. A palidez em seu rosto e o suor frio aumentou ainda mais essa desconfiança. Num ultimo salto pousei na sacada de um prédio pequeno. As portas de vidro me deram uma visão ampla da sala iluminada. Olhei o cômodo checando se havia alguém. Pelas energias que sentia reprimi um esgar.
Todos estavam aqui. Até o idiota. Antes que abri as portas a pessoa que procurava entrou no cômodo acendendo um cigarro e parou no ato. Se voltando surpresa pra cá. Os olhos dela arregalaram e rápido veio até aqui, abrindo e me deixando entrar.
Ela arfava, mordendo o lábio e estreitei o olhar. Que comportamento é esse?
- Sabe o que ela tem?
A pergunta a arrancou do devaneio, seja lá qual for.
- Por aqui. Vamos logo antes que os rapazes nos vejam.
Minha desconfiança apenas aumentou. Porem enquanto a seguia atravessando o cômodo, Kuwabara apareceu rindo de uma piada e se entalou, cuspindo uma bebida. Os olhos dele quase saltaram pra fora.
- Hiei! O que diabos você ta fazendo aqui? E com a Botan de pijama?
Tolo escandaloso.
- Como é que é?
Estremeci irritado com a outra voz. Isso não estava acontecendo. Atraído pelos gritos Yusuke e Kurama entraram na sala me flagrando carregando a onna nos braços. A cara de Yusuke foi cômica e debochada.
- Ora, ora... Sequestrou a botanzinha, não foi? Quem diria que...
- Cale agora essa boca.
Entrei no corredor fechando o rosto, estremecendo mais de raiva. Ouvi seus passos me seguindo, mas Kurama os impediu. Ótimo, se disserem mais alguma tolice faria aqueles dois não serem mais capazes de falar. Na porta de um quarto, a irmã de Kuwabara me esperava aflita. Isso foi estranho. Entrei no lugar e procurei ao redor até achar uma cama.
Tão logo deitei a onna e a ningen me afastou se sentando e levantando uma aba do robe que a garota vestia. Descobrindo suas pernas fiquei intrigado ao ver aquela cicatriz avermelhar. Pulsando intensa.
- Não chegue perto.
Estreitei o olhar pra essa humana, ela tinha coragem em me afrontar.
- Acha que farei alguma coisa?
Ignorando meu sarcasmo ela simplesmente correu até um móvel e abriu uma gaveta, cavulcando até voltar com um pote. O cheiro ao destampar me causou arrepios. Era o mesmo que a onna derrubou quando invadi seu quarto. Arnica de demônio. Assisti essa mulher espalhar um pouco desse balsamo na cicatriz da shinigami e depois cobrir com um pano fino.
Mal ela o segurou e vi ondas de energia fluir de suas palmas até a perna da onna. Cada vez isso estava estranho. Quando a garota parou de arquejar, a ningen respirou aliviada relaxando.
- Isso foi ondas de rei.
Suspirando ela se levantou da cama e fechou a porta. Me ignorando. Estava começando a irritar.
- Quando ela teve essa crise?
Pergunta esquisita. Me encarando, ela bagunçou os cabelos me lançando um olhar repreensivo. Ridículo.
- Olhe eu sei que ela está em débito com você. Mas não pode ficar muito tempo perto dela. É uma tortura sabia?
Estreitei o olhar considerando seriamente se idiotice era hereditária. Aceitando meu silencio como consentimento, ela fitou a garota na cama observando o quanto acalmava mais a respiração. E realmente, o coração dela voltava a bater normalmente. O silencio se estendeu por um momento até que ela se manifestou.
- Aqueles cretinos.
A olhei estranhando e a humana reparou que notei. Suspirando descansou o braço sobre outro onde abraçava sua cintura, piscando serenamente.
- Você é diferente deles, não é amigo dela.
Do que está falando?
- Eu sei que a Botan quer guardar segredo para o bem deles. E eu entendo, afinal todos os três tem muito a perder se fizerem uma loucura. Mas isso me revolta demais. Como mulher eu não aceito.
Do que ela está falando?!
- Ser distante deve ser algo bom. Você consegue fingir que nada aconteceu. Kurama suspeita de algo e os outros dois nem desconfiam. Agradeço muito que conseguiu tirá-la de lá, mesmo que tenha sido tarde demais.
Voltando seus olhos para mim eles se estreitaram, reprimindo uma emoção dolorosa.
- Aqueles demônios quase a mataram.
Prendi o fôlego. Audível e claro.
- Demônios?
Algo no meu tom a fez arregalar ligeiramente os olhos. Surpresa e incrédula.
- Mas... Não foi você... ?
Não conseguiu terminar. Eu muito mesmo pensar. A pressão no meu peito mudou de jeito estranho. Um arrombo lacerante deixando um vazio. Como se um buraco tivesse se aberto e ficando latejante. Amortecido vi a surpresa dela sumir dando lugar para outra emoção, uma que ninguém me dirigiu até hoje.
Pena. Completa e total pena de mim essa humana sentia!
- Ah. Você não sabia? Aconteceu há pouco mais de uma semana. Quando Botan foi para seu mundo.
A ningen desviou o olhar, fixando na chuva que encharcava essa cidade através da janela e aquela sensação errada novamente me perturbou. Soltando uma tragada daquela coisa horrorosa, voltou a me encarar. A expressão de piedade toldava seus olhos. E de repente tudo se encaixou. Algo dentro de mim trincou numa mistura de choque com revolta e mesmo sem alterar minha expressão, a irmã de Kuwabara percebeu que eu havia entendido o que houve com a baka onna.
Saí desse quarto sem dizer nada. Nem ela ousou continuar. Parando no corredor encarava o vazio deixando vazar essa sensação estranha. Me sentia um tolo. Cegamente idiota, mesmo assim não queria acreditar. Sem perceber o que fazia afundei a mão no bolso da calça. Lembrando e agarrando o trapo que guardei fazia dias.
“- Onde você achou?
- No nível mais baixo da fortaleza. O salão estava cheio deles.”
Tremendo levei o trapo ao rosto e fechei os olhos. Sentindo o cheiro. Tão doce... Igual ao dela. Exatamente como o dela.
Apertei trapo abaixando a mão, arfando tonto e encarando o vazio listando mentalmente, sentindo minha razão estilhaçar a cada fato:
Uma fêmea estuprada às escondidas num estádio da fortaleza.
A shinigami desaparecida quando voltei daquela ordem.
A castidade perdida dela
Seu pavor imenso de mim.
Devo estar mesmo cego pra não ter notado os fatos bem na minha cara. A garota virou uma Prostituta dos Demônios... E não estive lá para impedir."
Saltando para o parapeito de uma janela, agarrei o beiral acima e abri lentamente deixando o vento e a chuva entrar. Logo entrei no quarto deixando a janela aberta. O cômodo estava escuro, a casa silenciosa o que era perfeito para o que eu queria fazer. Caminhando até a cama observei a garota de cabelos azulados dormindo.
Parecia tranqüila, mas eu não raciocinava. Queria tanto matar alguma coisa. Sentia necessidade disso, mas era mais. Eu queria dessa vez sentir e ver a dor enquanto cortava pedaço por pedaço, talvez arrancar a pele. Algo que seja bem lento e doloroso como fiz com o príncipe covarde de Reikai.
Levando a mão livre a nuca, soltei a faixa ao mesmo tempo que me ajoelhava perto da cama. Devagar e silenciosamente. O jagan se abriu brilhando num tom púrpura e pálido. Com a respiração descontrolada estiquei a mão direita pousando os dedos suavemente no rosto dela.
Parecia que estava com receio de que ela se partiria. Isso me fez sorrir sem humor. De fato, o que eu estava prestes a fazer partiria a mente dela por uns instantes, mas não tinha mais ninguém que podia me dar o que eu queria.
Então fechei os olhos, entrando em sua mente, vasculhando em suas memórias até a única obscura e traumática.
Deixaria ela me mostrar quem foram os desgraçados e tão logo os caçaria.