—Como foi que você veio parar aqui? Mike.—os olhos do homem não desviavam dele.
—Eu perdi o ônibus pra escola aquele dia, então eles correram atrás de mim, e me jogaram no porta-malas de um carro e me trouxeram pra cá.
—Eles? Você viu quem te trouxe pra cá?—perguntou Laura, Mike entendia por que da pergunta, afinal ela não tinha visto nada.
—Sim, o nome de um é Paredes, é o vice-diretor da minha escola, e do outro acho que é Otto, esse eu nunca tinha visto antes. Eles trabalham pro diretor Malum.
—Diretor da escola?—Perguntou Mari, com os olhos arregalados.
—Huhum—respondeu Mike dando mais uma mordida na abóbora.
—Que ele é um horror, eu já sabia—falou Mari— minhas amigas até têm medo dele, mas daí um sequestrador?
—Como é o nome dele mesmo?—perguntou Art
—Demétrio Malum—o homem olhou pra Mike sério—O senhor lembrou de algo?
O homem olhou para o chão puxando pela memória, tentara se lembrar de algo, mas nada vinha—Não sei, acho que não.
Estava tão concentrado em seu recém-encontrado pai, que Mike demorou perceber que Laura estava o encarando o tempo todo. A menina esperou os outros se levantarem, e começassem a conversar assuntos aleatórios, para chamá-lo em um canto.
—Quando você vai falar a ele, sobre a porta?—perguntou ela baixinho quase sussurrando, de costas pra Art.
—Verdade tinha esquecido—Mike se perguntava se era a hora certa, com todo mundo ali, o homem podia não gostar, devia ser algo importante pra ele nunca ter falado nada antes. Esperou Emília, Mari, Guga e Akira saírem, quando o homem ia sando também, Mike o chamou, que olhou, preocupado, parecia já ter adivinhado o assunto.
—O que tem atrás daquela porta?—falou Mike, apontado, Art franziu o cenho, olhou pro chão e suspirou profundamente, um silêncio seguiu, o homem pensava no que falar, sentou novamente num dos pedaços de árvore jogados pela sala.
—Olha crianças, eu nunca falei com ninguém, como foram os primeiros anos que passei aqui, antes de vocês chegar eu fiquei muito tempo sozinho, — Art pegou o graveto que Guga brincava ainda pouco, começou remexer as brasas do fogo que ele mesmo acendeu, com madeira e folhas secas — foram tempos difíceis— falava pausadamente— eu não lembro nada antes, só sei que acordei num lugar escuro e pequeno, apenas uma pequena luz vinha do alto, eu tentava sair, eu batia gritava, mas ninguém me escutava, não sei quanto tempo eu passei lá, dias ou semanas até. Quando eu já achava que ia morrer de fome, trancado lá dentro sozinho, uma luz iluminou o lugar, era a porta se abrindo. Tinha um pão, como esses, que eles ainda deixam todo dia, aqui fora me esperando—As crianças não falaram nada, não sabiam o que dizer diante do sofrimento passado por aquele homem que estava ali, diante deles. O homem se levantou—Depois, nunca mais entrei, puxei a porta com força, que fechou, e eu a deixei assim—falou parado diante da porta fechada— e depois de tanto tempo vou abri-la.
—Art—falou Laura—você não precisa fazer isso, não por causa de nós.
—É pai, era só curiosidade mesmo, o senhor não precisa fazer isso.
—Eu preciso, não por vocês, mas por mim—o homem empurrou, mas a porta nem se mexeu, ainda fazendo força tentando abrir ele continuou—eu preciso superar, e só vou fazer isso entrando aí de novo—empurrou de novo, mas agora com mais força, chegou suar. A hora que o homem puxou para cima a porta abriu com um movimento surdo.
Saiu um ar quente la de dentro, e até um pouco mal cheiroso. Art abriu bem, estava escuro, depois de um minuto parado diante da porta aberta, ele entrou, Mike o seguiu, era um quartinho de no máximo um metro de largura, tinha um pedaço de pano no chão, fedia a sujeira, não tinha janela, as paredes estavam mofadas, tinham sinais de arranhões, e manchas vermelhas que parecia sangue quando seca sem ser limpo. Lá de cima entrava luz por um pedaço de tábua quebrada.
—Lembro como se fosse ontem, aqui dentro eu achei que ia ficar louco. Me perguntava porque estavam fazendo isso comigo. Quantos chutes eu dei nessas paredes, gritava tanto que cheguei a ficar sem voz por dias, e nunca ninguém respondia, até que, sem eu nem esperar, já estava quase desistindo, tava fraco, com sede e com fome, tinha perdido as forças, então a porta se abriu.
Mike já estava tendo embrulhos no estômago, se ficasse ali por mais tempo, ia vomitar, aquele era o lugar mais desagradável que já tinha estado na vida, como alguém podia ficar ali por mais de dois minutos? Parece que Laura sentia a mesma coisa. Os dois se olharam e como por telepatia, decidiram que tinham que sair de lá.
—Art—falou Laura já na sala—vamos—Parecia que o homem tinha acordado de um transe. Bem lentamente, concordou com a cabeça e saiu devagar la de dentro. Nenhum deles falou nada, Art foi direto pra fora, pela janela Mike pode ver que ele tinha ido cuidar da sua horta, Laura puxou devagar um banco e se sentou, enquanto Mike ficou parado no meio da sala como uma estátua.
—Coitado, do Art—ela falou, Mike apenas concordou com a cabeça—Não gosto nem de imaginar o que ele passou aí dentro.
—E depois cinco anos sozinho, num lugar como esse! —falou ele olhando, pra mancha escura la longe.
—Vai lá falar com ele—Laura o encarava.
—Eu?
—Claro, ele não é teu pai? Vai lá!
Mike foi até a horta, Art não estava trabalhando, só estava parado segurando a enxada, olhando pro nada. Estava bem quente, os olhos dele ardiam ao sol, Chegou perto do homem, que parecia nem ter percebido, a presenta dele.
—Pai?—falou ele, mas Art nem deu sinal de ter escutado. Ficou ao seu lado, ali parado no meio de abóbora e repolhos olhando pro imenso, campo de terra marrom, com montes de vários tamanhos espalhados pelo local, que iam até na cerca., no lado de trás da cabana.
—Não está com calor?—falou Mike, protegendo seus olhos do sol com uma mão.
—Já se acostumei—falou Art quase sem mexer
—Posso fazer um pergunta?
—Claro! —falou o homem olhando pra ele.
—Por que o senhor usa esse casaco enorme, com esse calor?—Mike o olhou de cima até em baixo, o casaco grosso dava pelos joelhos. O homem devia estar assando la dentro.
—Vou te mostrar—falou Art virando-se de costas. Mike entendeu no exato segundo que ele tirou o casaco e ergueu a camiseta. Tinham enormes cicatrizes pelas costas toda do homem, grossas, como de chicotes, que iam de baixo, até perto do pescoço.
—Meu Deus—falou Mike levando as mãos à boca— O que? Como?….—falou ele gaguejando, e parou na metade da frase não conseguindo terminar.
—Foram tempos difíceis naquele quarto—falou Art abaixo a camiseta e vestido o casaco. Mike sentia um ódio gigante dentro de si, algo como nunca tinha sentido antes, fora ele, sim com certeza, Malum era o culpado por tudo aquilo, não sabia o que faria se o encontra-se, naquela hora, se imaginou jogando todos os feitiços que aprendeu, todos que podiam machucar Malum de algum jeito.
—Eu não sei o que dizer—falou dando um passo na direção de seu pai.
—Não precisa dizer nada, só me abrace.
Enquanto Mike abraçava seu pai, passava as mãos pelas suas costas, imaginando a tortura que ele devia ter sofrido, que embaixo daquele pano, tinham sinais que ficariam ali para sempre, lembranças da dor.
—Eu também quero te mostrar uma coisa—falou Mike se afastando de Art.
—O que?
Mike tirou o só cabo da varinha debaixo da camiseta, pois quando ia puxar toda ela Art o interrompeu.
—Guarde isso—falou Art, chegando mais perto dele rápido e olhando para os lados preocupado.
—O senhor não gostou?—Mike guardou a varinha de novo e baixou a camiseta.
—Vamos conversar lá dentro—O homem parecia tenso.
—Deixa eu ver? —falou Art enquanto fechava a porta. Mike tirou a varinha e deu na mão dele.
—Como você trouxe essa varinha? —falou Mike quase sussurrando, enquanto segurava a varinha com a palma das mãos. Mike percebeu que não tinha falado sobre magia com ele ainda. Ele devia ser bruxo mesmo, pois reconhecera a varinha, mas era estranho pois nem Laura que já tava ali a uma semana sabia dizer.
—O senhor é um bruxo, não é?
—Sim, quero dizer, acho que sim, durante o tempo que to aqui, me lembrei de algumas coisas da minha infância. Eu não sei se são lembranças de verdade, ou é apenas a minha imaginação—ele parou para lembrar, olhava pra longe ainda segurando a varinha de Mike—Eu lembro da minha mãe me pondo pra dormir, e com um movimento de varinha, fazia os objetos de cima da minha cama se moverem, mas não consigo saber com clareza que objetos eram esses. Lembro do meu pai, que sempre voltava pra casa depois de um dia de trabalho, e sempre aparecia do nada perto da lareira, todo dia na mesma hora, só não sei que horas eram.
—Isso é um bom sinal, quer dizer que a sua memória tá voltando—falou Mike— com certeza são lembranças de verdade.
—É—falou Art—mas voltando a varinha, é sua? E como conseguiu trazer pra cá.
Mike contou toda a história a ele, que ficou de boca aberta ao saber de tudo.
—Mike não deixe a mostra, eu tenho medo que de algum modo eles estejam nos observando—Falou Art se referindo a varinha.
Mike concordou com um movimento de cabeça.
—Agora temos que pensar num jeito de usarmos a sua varinha pra tirar a gente daqui.
Os dois pensaram um longo tempo dentro da cabana, mas não chegaram a conclusão alguma, não tinham ideia de como sair dali. Art fez uma sopa de repolho, aquele dia para o almoço, como sempre Akira reclamou um pouco, mas comeu. Os outros já estavam acostumados com a comida e nem falavam nada. Anoiteceu logo, parece que o tempo tinha passado muito rápido, talvez por que, Mike e Laura passaram a tarde inteira ajudando na horta, conversando sobre diversos assuntos, como era a vida fora daquele lugar, suas famílias e amigos. Foi até divertido.