Um Homem de Sorte.
Sakura.
Sai me olhava de uma maneira preocupada, sua postura estava aposta para cada movimento meu. Talvez esperando que eu desmaiasse ali mesmo, no chão da cozinha.
Os Céus realmente queriam piorar meu dia - que já não começara bem - e agora ter de lidar com Sai logo de manhã cedo, não era nada agradável. Para ambos os lados.
Oh sim, pois este infeliz teria que me ouvir despejar toda minha fúria sobre ele.
É claro, o que ele pensava? Que iria fugir sem me dar explicações? Pois estava muito enganado.
- Você realmente não iria me contar sobre essa droga de promoção?! - larguei a xícara dentro da pia sem me importar em ser cuidadosa com o objeto de vidro.
Ele me olhou confuso, certamente não esperava que eu já soubesse sobre aquele assunto. Bem feito, ignorar a família também dá nisso.
Eu teria que agradecer Temari por ser fiel a mim, e me deixar por dentro de tudo.
- Quem te contou? - perguntou franzindo as sobrancelhas.
- Não importa. - respondi automaticamente. - Agora me diga! O que vai fazer a respeito disso? Não, porque eu não vou dizer nada a Sarada, você que se vire!
Eu até poderia explicar para minha menina o que aconteceria de agora em diante. Mas me doía o peito só de pensar no quão difícil iria ser para ela arquitetar tudo isso. Sarada sempre fora uma criança muito amável e sensível, e ter crescido com seus pais separados só a fizera entender a situação em que nos encontrávamos mais rápido.
E eu nunca desejei que ela soubesse de nossos problemas.
- Sakura, eu iria te contar mas... - deixou a frase morrer no ar.
Eu sabia o porquê daquilo também.
Afinal, não era de hoje que o irmão mais novo vinha ganhando as coisas ou pessoas que Sai amava. Falava isso por experiência própria.
- Temari também me contou sobre isso... - me permiti sentir pena dele naquele instante. - Eu... Sinto muito.
Ele me olhou com a expressão tristonha.
Era difícil ver Sai assim, naquele estado. Ele sempre foi um bom policial, e policiais geralmente, eram difíceis em se mostrarem emotivos ou revelarem seus verdadeiros sentimentos. Assim como para qualquer um que estivesse no meio de todo o complexo de guerrilheiro.
- Não era como se eu não soubesse que um dia isso iria acontecer. - ele soltou uma risada seca com seu olhar fixo no chão. - Só não esperava que seria agora.
- Também não esperava que iria engravidar de você. - falei rudemente. Oras, eu ainda estava com raiva.
- Você sabe que irei para Kumo dentre de algumas semanas, certo? - estúpido. Eu o xingava mentalmente. Minha paciência não era uma das melhores.
Senti meu sangue ferver, porque ele sempre complicava tudo? Era tão enigmático assim ser alguém compreensível com os sentimentos de sua própria filha?
Pois isso para Sai, parecia ser um sacrifício.
- E Sarada? Ou já se esqueceu dela? - novamente cuspi entre dentes. Toda aquela ignorância por parte dele estava me fazendo ficar cansada e com vontade de lhe arrancar o couro.
Cerrei meus punhos tentando controlar a vontade de estapeá-lo ou soca-lo ali mesmo.
- Nunca me esqueceria dela. - senti que sua voz havia se elevado alguns décimos a mais. - Vou contar para ela, só... Só me de algum tempo, ok? - voltou a me encarar retomando sua calma.
Como ele conseguia?
Eu sentia que a fúria exalava pelo meu corpo. Porém como sempre, controlei mais uma vez.
- Tudo bem. - fechei minha cara, esperando que ele entendesse a gravidade da situação. - Mas não demore muito. Ela precisa estar preparada. Além de que as notícias voam em cidade pequena, logo ela escuta isso em algum lugar e depois não vou te defender.
E não iria mesmo.
- Eu sei, e agradeço. - voltei a observa-lo. - E você, não vai sentir minha falta?
É já estava na hora dele começar com suas loucuras.
- Oh claro, vou me derramar em lágrimas. - respondi em tom de deboche, não que ele não fosse me fazer realmente alguma falta, mas eu não estava para brincadeiras. - Babaca.
- Não seja assim, você é a mãe da minha filha. Quer dizer nossa filha. - ele se corrigiu. Sabia muito bem que eu não gostava quando tratava Sarada como uma propriedade. Só eu podia chamá-la de minha.
De repente toda aquela tensão que havia na pequena cozinha da casa havia se dissipado, e eu não sabia o motivo da mudança repentina. Porém, logo o homem prostrado a minha frente soltou um risinho baixinho, me fazendo corar com suas seguintes palavras.
- Então... Parece que o soldado lá fora vai passar uma estadia aqui, não? - tive certeza de que ouvi sua malícia na fala. Sai era bem direto, ainda mais com assuntos que não entendia nada e não o envolvia.
Entretanto, o que me irritou também, foi que a criatura ali, me lembrou sobre outro ser indesejado em minha vida, me fazendo desencostar-me da bancada da pia de forma brusca me causando uma tontura. O que fez com que Sai me segurasse a tempo de eu não cair no chão.
- Você está bem?
Parece que a ressaca ainda não havia passado.
- Sim... Ontem sai para beber com Temari, precisava me distrair.
- Claro, e minha irmã deve ter te convencido a ficar bêbada. - respondeu com ironia.
- Vai se ferrar. - recuperei a postura o olhando incomodada, mas não por causa da dor latejante em minha cabeça ou a vontade de botar certas coisas nojentas para fora de meu estômago.
E sim, por ainda estar com um certo moreno em minha cabeça. O que no caso, não era o mesmo que estava ao meu lado.
- Você sempre foi fraca para bebidas. - o tom de escárnio ainda se fazia presente, e isso era uma das coisas que aprendi a odiar em Sai com o tempo.
- Hm. - falei irritada e me virando para a pia. - Como sabe que Sasuke é soldado? - Tentei parecer indiferente com o que perguntei, mas tive certeza que Sai havia percebido meu interesse em minhas palavras.
- Estranhei ele aqui, então perguntei quem era. E claro, decidi me certificar se representava alguma ameaça para minha filha com quem a mãe dela se envolve.
- Hey! Ele só foi contratado pela vovó e saiba que foi sem o meu consentimento, não fui com a cara dele. - tentei me justificar.
- Hahãm sei... - Sai soltou uma estrondosa gargalhada chamando a atenção de vovó que estava tricotando na varanda.
Ela se levantou vindo até nós.
Se ele abrisse a boca sobre o que nós estávamos conversando... Que se considerasse um homem morto. Vovó em hipótese alguma poderia saber sobre meu deslize. Isso seria fatal para o meu orgulho.
- Sai, que surpresa você aqui. Porque não veio visitar sua filha esta semana?
- Vovó não... - o moreno albino me cortou.
- Tudo bem Sakura... - ele se virou para minha vó dando um sorriso fraco. Percebi sua tristeza, mas não comentei nada. - Aconteceu algumas coisas lá em casa... Acho que depois Sakura te conta.
Desgraçado, sempre jogando tudo em minhas costas.
- Oh, claro querido.
- Tudo bem! Preciso ir! Tchau Sakura, tchau Tsunade! - Sai falou com uma falsa animação, mas ignorei, ainda estava muito zangada com ele.
Terminei de lavar a xícara sujada por mim e sequei minhas mãos no pano em cima do balcão.
- Que foi? - perguntei para vovó que me olhava enquanto balançava sua cabeça em sinal negativo.
- Vai ter que me explicar tudinho depois. - concluiu se retirando da cozinha voltando para a varanda.
Deixei meus lábios se repuxarem em um meio sorriso, Tsunade sempre pegava tudo no ar.
[...]
Eu estava lavando a área de recreação onde os cães ficavam quando vovó preparava a ração para eles. Porém, vovó teve que sair de última hora. O médico ligou avisando que os exames dela haviam ficado prontos.
Ou seja, estava só eu e Sasuke.
O que definitivamente não me agradava em nada e ainda me deixava incomodada.
Pedia em pensamento para que Tsunade voltasse logo, não estava afim de ficar encarando ou esbarrando com o moreno por aqui. Estes eram um dos motivos de eu não gostar dele trabalhando aqui. Se toda hora que vovó nos deixasse sozinhos apenas “desfrutando” da presença um do outro, eu temia fazer alguma bobagem - se bem que dizer algumas verdades não mata ninguém, mas magoa.
E eu ainda mantinha minha educação.
Ele estava na área de adestramento dos cachorros.
Estava adestrando um cão da raça Labrador, enquanto Aoda permanecia ao meu lado.
Eu tinha que admitir, Sasuke era um ótimo treinador de cachorros. Aoda era muito fiel à ele, bem, pelo menos do cachorro eu havia gostado. Acho, que o pastor alemão, era mais amigável e adorável que o dono.
É, eu me dava melhor com animais do que com as pessoas.
Terminei de limpar o recinto e fiz um sinal com a mão para que Aoda me seguisse. O cão caminhou ao meu lado enquanto eu parava dentro do pequeno celeiro e lavava minhas mãos jogando as luvas de plástico sujas dentro do tanque. Aoda espreguiçou-se e deitou sua cabeça entre as patas, certamente aproveitando a brisa de logo fim de tarde. O vento era muito bom, balançava meus cabelos que já estavam se desfazendo do coque que eu havia feito mais cedo.
Acabei de lavar as mãos indo em direção ao armário onde guardávamos as rações dos cachorros, eu e vovó sempre tivemos o maior cuidado quanto a comida dos animais. Não queríamos que eles se alimentassem de forma errada, por isso sempre pedíamos para os donos dizerem a “ficha técnica” do cão para não nos envolvermos em problemas.
Além, de que seria muito triste saber que matamos um cachorro pôr o alimentarmos de forma errada. Balancei minha cabeça - ignorando a dor latejante que ainda se fazia presente mesmo depois de xícaras de café reforçado - então afastei meus pensamentos de animais mortos. Credo, aquilo me deixava arrepiada.
Eu realmente não sabia lidar com a morte.
Seja que fosse de pessoas ou animais.
Fiz de tudo para não me topar com Sasuke por ali, ou apenas vê-lo mesmo.
Entretanto, meus esforços foram em vão assim que o avistei se aproximando do armazém onde eu me encontrava.
Praguejei baixinho quando o vi parar ao meu lado para pegar alguma coisa no armário.
Deixei o pacote de ração grande cair com tudo no chão, fazendo com que os grãos de ração se espalhassem pelo chão de terra. Droga! Quem teria que limpar aquela bagunça agora? É, eu.
- Deixa que eu limpo. - falamos os dois juntos.
Nos encaramos de forma avaliadora.
Tentei controlar a forma que meu corpo arrepiou-se sob o olhar daquele homem. Mas não consegui evitar corar. Isso era uma das coisas que eu mais odiava em mim mesma, enrubescer com facilidade ou em situações constrangedoras.
Abaixei-me de supetão tentando esconder meu rubor com as mechas de meu cabelo, este que a tempo havia se desprendido do coque. Recolhi o pacote de ração o fechando com o pouco de grãos que havia sobrado.
- Desculpe, não queria ter te assustado. - olhei para o lado encarando novamente aqueles olhos ônix.
Apenas assenti.
Não que eu não quisesse falar nada, mas minha voz parecia que simplesmente tinha sumido.
Pequei a vassoura para começar a varrer aquela sujeira e bagunça que por culpa dele, eu havia feito. Após longos segundos de extremo silêncio por ambas as partes - a não ser pelo barulho da vassoura varrendo contra o chão - pequei a pazinha para concluir meu trabalho. O ar por um instante eu jurei ter se tornado constrangedor. Bem, pelo menos para mim que não sabia o que fazer.
Quando acabei meu serviço iria sair para fora. Quem sabe achar outra tarefa que precisava ser feita - ou fugir do moreno.
Porém, fui impedida quando um odor extremamente forte e desagradável me atingiu.
Aquele cheiro era de... De... Identifiquei como... Cocô.
Eca!
- Aoda! - Sasuke repreendeu o cão que havia soltado seus excrementos perto de nós.
Tampei minha boca imediatamente, e segurei a respiração. Eu precisava urgentemente de ar puro, a ânsia e náusea me cercaram. Naquele momento era difícil de segurar a bile que vinha querendo sair para fora de meu estômago desde hoje de manhã.
É, eu pensaria duas vezes antes de beber todas com Temari novamente.
Sai correndo para fora do celeiro indo em direção a qualquer canto onde eu pudesse depositar o vômito.
Senti o gosto amargo invadir minha boca, e o cheiro forte inundar minhas narinas.
Aquilo era nojento, mil vezes nojento!
Por que Aoda? Era tudo que eu me perguntava naquele instante.
Comecei a tossir compulsivamente tentando botar tudo para fora.
Foi quando senti duas mãos grandes e fortes segurarem meu cabelo.
Novamente a sensação de queimação me invadiu, não quis olhar quem era o ser bondoso que estava me ajudando - e presenciando - meu ato. Mas eu tinha cem por cento de certeza que era Sasuke.
Parecia que alguma coisa dentro de mim detectava sua presença.
Isso era estranho. Muito estranho.
Quem sabe fosse meu senso de proteção. Pelo menos, era nisso no que eu queria e precisava acreditar.
Limpei minha boca com as costas da mão direita enquanto me sentava meio desajeitada no chão de terra. Minha cabeça girava, eu poderia jurar que estava vendo dois Sasuke’s.
- Desculpe. - olhei para o moreno que continuava agachado ao meu lado. - Aoda não costuma ser assim. - explicou-se.
Assenti lentamente.
Ele parecia sem graça pelo que seu cachorro havia aprontado. Então tentei amenizar a situação.
- Tudo bem... Deve ter sido a bebida de ontem. - falei mais para mim mesma do que para ele.
Ele endureceu seu olhar sob mim, e me perguntei se havia dito algo errado.
- Você bebeu? - senti uma pontada de irritação em sua fala. Mas decidi ignorar, minha mente ultimamente andava fazendo muitas ponderações bizarras e estranhas.
- Sim. - respondi desviando o olhar para o chão.
Pensei que novamente o silêncio que sempre existia entre nós dois iria recomeçar. Porém, me enganei. Sasuke bufou torcendo a boca em desgosto pela minha pequena bebedeira de ontem à noite. Olhei para ele que me repreendia apenas pelo olhar. Ah! A vida era minha, e eu poderia sair para beber com quem eu quisesse e onde eu quisesse. Ele não tinha nada a ver com isso.
E nunca teria.
Tudo bem que ele poderia ser fuzileiro... Lembrar desta palavra sempre me lembrava dele, então... Melhor esquecer.
O que importava era que se o moreno ali, não podia sair das regras por ser soldado, eu não tinha que ficar dando explicações pelas minhas ações. Ele tinha uma vida, assim como eu tinha a minha.
Então que não se envolvesse na minha.
Se bem que vovó e Sarada não estavam facilitando nada para o meu lado.
Tentei me levantar sendo atingida pela mesma tontura. Antes de cair ao chão senti de novo as mesmas mãos de antes segurando meu cabelo impedindo que eu os sujasse.
Sasuke mantinha sua mão direita em um lado de minha cintura, enquanto a outra pegava meu braço esquerdo o fazendo entrelaçar em seu pescoço.
Parecia um déjà vu como hoje de manhã, entretanto agora era outro moreno que me amparava.
De princípio não entendi a bobagem que o moreno estava fazendo, mas quando ele me pegou no colo me direcionando até a casa, enrubesci.
Por algum motivo meu coração batia acelerado. Senti as palmas de minhas mãos começarem a suar. Pensei que talvez fosse pelo fato de eu estar com alguma febre. Mas eu sabia que se passava muito longe disso.
Percebi o quanto Sasuke era quente... Quer dizer o calor que emanava dele era aconchegante. O que fazia com que eu quisesse ficar mais perto de seu corpo. Cogitei me aconchegar mais em seu peito, porém me lembrei que não tínhamos tal intimidade. E ele ainda era um estranho para mim, sem tirar o fato de que eu não ia lá muito com sua cara.
Só percebi que estava mordendo meu lábio inferior quando avistei ele abrindo a porta de minha casa.
- Você está bem? - a voz dele estava extremamente perto de meu ouvindo. O que ocasionou que me arrepiasse.
Senti um friozinho na barriga, algo antes nunca experimentado por mim.
Não respondi sua pergunta, pois se eu fosse fazer isso, teria certeza de que o homem que me carregava veria o efeito que me causava. É, eu já estava á tanto tempo sem alguém, que o primeiro que aparecesse por aqui era capaz de eu aceitar qualquer proposta maluca. E isso até seria possível, se Sasuke não me lembrasse de quem deveria estar aqui hoje.
- Onde tem remédio?
- Na primeira porta do armário na cozinha. - respondi me ajeitando melhor no sofá.
O observei indo até a cozinha pegando um copo de água e um comprimido para dor de cabeça.
Até que ele estava sendo legal...
Droga!
Era só ele ser gentil com você Sakura? Que já começa a ficar de sentimentalismo - pensei irritada.
Tomei a água junto do comprimido, talvez aquilo fizesse minha dor de cabeça parar.
- Obrigada. - minha voz sairá um pouco incomodada.
Mas pelo incrível que pareça não era por causa de Sasuke. E sim porque a raiva que eu sentia toda vez que não conseguia me cuidar sozinha. Inutilidade certamente não era uma palavra que fazia parte do meu vocabulário.
Depositei o copo na mesinha.
Me lembrei de buscar Sarada na escola.
E vovó ainda não tinha voltado. Então era melhor eu ir.
Olhei para o relógio pendurado na parede. Cinco horas, eu tinha que pegar minha filha na escola ou ela iria ficar desesperada igual a uma vez que eu tinha me atrasado para busca-la. Sorri me lembrando da alegria dela ao me ver aquele dia.
Quando iria me levantar a voz rouca e grave do moreno me impediram.
- Deixa que eu busco Sarada. - voltei meu olhar para ele. - Você não está bem. - me lembrou como se fosse uma espécie de aviso.
Segurei a língua evitando praticar um ato infantil.
Assenti sem encara-lo. Bem, afinal ele tinha sido gentil comigo hoje.
Vi o moreno andar e pegar as chaves da caminhonete.
Fiquei fitando sua silhueta entrar no meu carro e liga-lo assim sumindo de minha vista.
Bufei irritada, novamente ele iria buscar minha filha. Isso já estava virando rotina. E este era o meu dever, não o dele.
Suspirei pesadamente.
Sasuke entrará não só em minha vida, mas na de minha família como um furacão. E eu temia que a qualquer hora, ele causasse um belo estrago.
Porque furacões, nunca vão embora sem deixar ruínas.
Continua.