Mike repetiu duas vezes a sopa, a primeira a terminar, foi Laura, que imediatamente saiu da cabana, seguida por Emília, Mari e depois Guga, e Akira que praticamente nem comeu, só reclamou durante o almoço todo. Só restaram Mike e Art dentro da cabana. O homem não falou uma só palavra, Mike nunca tinha visto alguém tão calado assim, sequer tinha escutado sua voz desde que chegara ali, Art comia bem devagarinho saboreando cada colherada de sopa, Mike ainda não tinha puxado assunto com ele, se o homem não queria falar, ele respeitaria, e não tinha ideia do que falar mesmo, preferiu só terminar a sopa em silêncio.
Os olhos pretos do homem o seguiam a cada movimento, a cada colherada que levava à boca, cada vez que ele se mexia no lugar tentando achar uma posição confortável. Mike estava desconfortável, tinha a sensação de ser vigiado. Não gostava que ficassem olhando quando fazia alguma coisa, como comer ou escrever. Apurou terminar a sopa rápido pra se livrar do olhar do homem, se levantou e já ia saindo, quando escutou a voz grossa e rouca do homem.
—Como é seu nome mesmo?—O homem falou olhando para própria sopa. Como podia ele não saber, almoçaram juntos, a cada um minuto alguém falava seu nome durante o almoço. Todos queriam saber sobre sua vida, onde morava, onde estudava, como era a vida de um menino não-bruxo. Mike ficou até encabulado com as perguntas, Guga perguntou do que ele brincava e Mike respondeu que gostava de jogar bola, mas o menino sequer sabia o que era futebol, como alguém que mora no Brasil, não sabe o que é futebol? Ainda mais um menino daquela idade. Mas, o mais estranho é que a voz de Art era familiar , muito familiar.
—É Mike —falou alto, pensando que talvez o homem fosse surdo.
—Mike é um apelido não é?—falou agora olhando pra ele—quero saber seu nome de verdade.
Por que ele queria saber o nome verdadeiro, todo mundo o chamava de Mike, a não ser sua mãe quando estava brava.
—É Michael, Michael Benefoi.
Art ficou um tempo fitando-o, com aqueles olhos pretos, aqueles olhos não eram estranhos, onde Mike os viu antes? Teve a nítida sensação de já tê-los vistos, mas onde? Agora que Mike percebeu, o homem estava sentado bem na frente da porta que estivera fechada desde que ele chegou ali, não tinha pensado nela ainda, o que tinha la dentro, ou seria uma porta dos fundos? Não tinha estado atrás da cabana, talvez fosse. A porta estava remendada e tinha alguns sinais de arrombamento, sem falar das bordas quebradas.
—O que é tem depois daquela porta?—perguntou Mike, indo até a porta, mexeu mas estava trancada, quando se virou Art já não estava mais na cabana, correu na porta e deu um encontrão com Emília, quase a derrubando.
—Ai—gritou a menina em protesto—qual é?
—Pra onde o Art foi?
—Pedir desculpas de vez em quando é bom, sabia?—falou a menina brava, mas ele nem esperou ela terminar de falar e saiu correndo pra fora, o homem tinha sumido, nem sinal dele em frente da cabana. Guga e Akira brincavam, cada um com uma vara de madeira seca, Mike parou um segundo para observá-los. De frente um pro outro, faziam sons com a boca simulando de feitiços
Eles estavam duelando? Era muito estranho vê-los brincando. Mike jamais imaginou crianças jogando feitiço um no outro assim como se jogassem bola, ou brincassem de pega-pega. Mari do lado parecia torcer pro Guga.
—Cade o Art? — Mike lembrou o que estava fazendo.
Mas nenhum deles sabia responder, ele tinha passado por ali tão rápido quem as crianças nem viram. O que será que tinha atrás daquela porta pra deixá-lo tão nervoso?
Voltou pra dentro da cabana, mexeu na porta novamente, tinha que ter algum jeito de abrir.
—Hei—Mike se virou ao escutar a voz de Laura—O que você está fazendo?
—O que tem depois dessa porta? — perguntou ele
—Não sei, Art não gosta muito de falar sobre isso—ela se aproximou devagar — está sempre trancada e quando perguntamos ele sempre muda de assunto ou manda esquecer — respondeu Laura, que ao contrário dele não parecia interessada na tal porta.
—Você sabe onde ele foi? —
—Eu só vi a hora que saiu correndo daqui, você falou algo pra ele?
—Não, só perguntei sobre a porta.
—Estranho—falou ela pensativa.
—Quer abrir?
—O que?
—A porta, claro — falou ele pegando a varinha.
Ela encarou a porta, considerando, parece que ela nunca tinha pensado nela possibilidade. Mike não esperou ela decidir.
—Alohomora—a porta se abriu, saindo uma nuvem de poeira lá de dentro. Veio também um cheiro horrível.
—Hei—falou Laura—Você tem que pensar antes de fazer as coisas.
Mike sabia que aquilo não era só pela porta, mas também pelo que tinha falado pro Akira.
—Laura—começou ele parado em frente a porta entreaberta— eu não acho sinceramente que os meninos são melhores que as meninas.
—Olha Mike, no mundo existe tanto preconceito, de cor, de classe social, de sangue, de raça, de linhagem, de gênero, e — parou ela de falar um pouco como se esse último tivesse algo diferente — eu não suporto nenhum tipo de discriminação.
Como ele tinha sido burro, ele devia saber melhor do que ninguém isso, ele sofria todos os dias, muitas vezes as pessoas nem deixavam ele chegar muito perto, por medo de serem assaltadas, algumas o olhavam de lado, outras até corriam. E ele o garoto negro e pobre, vendedor de doces no sinal tinha sido preconceituoso, sem nem se dar conta.
—Eu sei, me desculpe. Acredite eu sei muito bem o que é o preconceito — falou ele olhando pra baixo sem coragem de encará-la.
—Tá esquece, mas agora vamos sair daqui, eu não quero ver o que tem lá dentro, não sem autorização do Art— Mike a olhava admirado e até envergonhado, Laura passava uma segurança muito forte, ela era integra, e ele se aproveitou que tinha uma varinha mágica, pra invadir a privacidade de Art, ele não podia mais fazer aquilo, não depois de tudo.
—Vamos procurar Art, estou preocupada com ele — falou ela se virando e já indo pra fora.
—Tá—Mike fechou a porta com o feitiço collocorpus e saíram correndo.
—Vamos nos dividir, você vai ver daquele lado— Laura apontou pra esquerda — la perto da horta eu vou por aqui— Ela foi pro outro lado, Mike só via terra pra onde ela estava indo. Dali onde estavam, ele enxergava um borrão escuro, que devia ser a cerca, pelo tamanho daquela coisa, deviam estar longe, ele se perguntava o qual tamanho daquele lugar.