Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 21

    Egoísmo

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    primeiramente, perdoem-me por não estar escrevendo com letras maiúsculas e pela falta de aspas que deveriam vir abaixo, mas deixem-me explicar: meu notebook estragou e não funciona mais a tecla fixa (responsável pelo caps lock), nem a tecla responsável pelas aspas e nem a tecla esc. pois é, estou sofrendo. por conta disso, escrever esse capítulo foi um tanto quanto trabalhoso, porque tive que ir corrigindo sempre que precisava de letras maiúsculas e adicionando aspas e etc, etc. enfim, apesar desse incômodo (que se faz muito presente aqui, meu deus kkkkkkk), eu consegui finalizar.

    agora em segundo lugar... ooooooooooooooiiiiii hahahahahaahaha! voltei, amorinhas! mil desculpas pela demora, mas é que eu me mudei de estado outra vez e a faculdade me toma bastante tempo, então escrever estava sendo difícil. justamente quando pude sentar e escrever, as teclas estragaram e aí eu fiquei um tempo desanimada, mas bem, cá estou. eu queria dizer que sei como é esperar por uma fanfic que gostamos muito, porque eu vivo isso também. então por favor, desculpem. outro questão importante é que este capítulo está pronto há uma semana, porém onde estou morando por enquanto não tem internet e eu não estava conseguindo postar. quanto aos comentários e mensagens, eu tentarei enviar as respostas aos poucos por celular e pelo notebook sempre que conseguir internet.

    sobre o capítulo de hoje, minhas amoras, eu peço que vocês se coloquem no lugar da nossa querida hinata e que consigam entender o quão confuso pode ser o amor para alguém cujo coração ainda está reaprendendo a bater. temos também trilha sonora e sobre isso, eu gostaria de dizer que a letra da música não tem exatamente a ver com a história dos dois (naruto e hinata), especificamente, mas ela é uma melodia incrível e que retrata uma relação tal como a do nosso casal: um amor sôfrego, difícil, pendendo entre a vontade de estar junto e a amizade que existe, entre as dificuldades e caminhos da vida em contrapeso com o destino que insiste em fazer lembrar e unir. o nome da música é baby come home 2/ valentines da banda the neighbouhood. essa banda é uma das minhas favoritas, eu gosto de absolutamente todas as músicas e eu espero que vocês se emocionem junto comigo. aliás, essa música pertence ao novo álbum deles, wiped out! e se quiserem tem inteiro no yt. possivelmente teremos outras músicas desse álbum por aqui :)

    sem mais delongas, link nas notas finais, obrigada pela espera e por todo o carinho e boa leitura!

     Hinata

                O dia seguinte amanheceu estranho. O clima que se instalou em mim mesma acabou transformando todas as outras coisas. Não conseguia mais me sentir igual, não somente por todo o transtorno do dia anterior, mas porque agora meu âmago havia sido exposto, iluminado, tal como se alguém abrisse todas as cortinas e deixasse a luz do sol afastar toda a poeira. Eu não sabia dizer o quanto isso podia ser assustador, uma vez que toda a podridão estava escancarada para ser vista, para me lembrar que meu passado estava ali, ainda nítido. Mas ao mesmo tempo em que a luz clareava e mostrava a verdade, aquecia o que era frio. E isso me fez lembrar que, de alguma forma maluca e inesperada, eu era amada.

              Eu era amada. Repetir isso soava ainda mais louco. Sentei-me na cama e suspirei, escondendo o rosto nas mãos. Havia sido liberada do hospital mais tarde, por apresentar estar mais calma e devia isso à Naruto. Aliás, o devia tanto agora que não sabia nem mesmo como olhar em seus olhos. O dia só havia começado e eu já sentia peso nos ombros, vergonha de mim mesma e receio de sair debaixo das cobertas quentinhas que me protegiam do frio canadense. Estava tão alheia que me esquecera de telefonar para Hiashi e sabia que levaria uma bronca por isso. Como se já não houvesse levado tapas o suficiente de meu carma.

               Ergui a cabeça, vendo Tenten acordando com graça, leve como uma pluma, enquanto se espreguiçava e sorria. A invejei por isso, mas admirei profundamente como aquele simples gesto traduzia um ser feliz. Eram ações tão cotidianas para alguém como ela, simples e naturais. O despertar para um novo dia, mais uma chance de começar projetos particulares, missões de vida ou apenas seguir sonhos. Entretanto, por que eu sentia que nada disso abria espaço para mim? Não conseguia me sentir jovem, sadia e humana. A sensação de estar em minha pele era robótica, mecanizada, infeliz.

              Inspirei o ar, melancólica pela divagação. Tinha decidido recuperar minha existência, aprender sobre mim mesma e estivera disposta a atravessar o planeta a fim de assistir palestras motivadoras e testes vocacionais. Mas agora, eu tinha perdido totalmente o rumo. O que eu devia fazer? Correr para os braços de minha mãe, contar que um garoto havia me beijado pela primeira vez e que se declarara apaixonado? Eu nem mesmo possuía essa opção. E ainda havia o fator de que eu tinha dezoito anos. Trocara beijos com alguém pela primeira vez enquanto a maioria das garotas da minha idade estavam namorando e provavelmente mantiveram relações com outros caras. Mulheres chorariam perante as atitudes de Naruto e correriam para os seus braços? Bom, eu fugi.

             O fato era vergonhoso. Me deixava rubra só com o pensamento. Envergonhada por tê-lo negado o que deveria ter sido natural. Apertei os punhos, sentindo repulsa pela minha fraqueza. Queria socar o que estivesse na frente, gritar para o mundo, espernear, qualquer coisa que arrancasse aquilo de dentro de mim. Era como ter selos mentais, que me obstruíam a passagem adentro do meu próprio eu.

             Voltei o corpo contra a cabeceira, golpeando-a com força, expirando o ar dos pulmões. A atitude fez minha bolsa sacudir, pendurada ao pé da cama e as fotos da polaroid caíram no chão. Fitei os pequenos papéis por um segundo e estiquei o tronco para pegá-los. A foto revelou um sorriso amplo e brilhante que fez meu estômago se revirar. Meus olhos quase a devoraram, crentes de que não poderia existir nada mais bonito do que um sorriso, especialmente, o dele. E divagando sobre isso, constatei o que já devia ter constatado: ele era totalmente apaixonante.

              Apertei a fotografia nas mãos e fechei os olhos, triste. Eu tinha problemas sérios e soluções inalcançáveis. Oh, como eu queria poder apenas lhe arrancar do peito e da memória toda e qualquer coisa que se referisse a mim. Como eu desejava poder apenas sumir e me resguardar solitária em algum canto bem longe de sua felicidade que, por mim, deveria ser intocável. Mas, recentemente, ele tentara me fazer acreditar que meus inacreditáveis sentimentos não correspondentes apenas não eram minha culpa.  E de fato, talvez não fosse. Poderia ser ação do destino dele, não necessariamente do meu, afinal. Porém, independente do motivo, eu não o queria infeliz.

            Era o que mais doía, no fim de cada lágrima e cada nó na garganta: a impotência infinita que recai sobre mim quando o assunto é não ter a capacidade de fazer alguém feliz.

                                                          ***

                 Ele era totalmente capaz de fazer alguém feliz.

                 A visão era estonteante, os lábios repuxados, o cabelo desalinhado e a covinha suave. A expressão em seu rosto personificava unicamente o som de seu riso, como nada que eu já houvesse visto. E podia ser apenas alguma piada tola, que arrancara gargalhadas, que atraíra olhares. O andar suave, flutuava pelo chão do salão com os seguidores em seus calcanhares, no caminho oposto ao meu.

                 Quis ignorar a vontade de seguir em sua direção, trombar com seu bom-humor invejável e sua confiança inquebrável. Mas meus pés continuaram marchando timidamente em linha reta, incapazes de se acovardarem e se esconderem. Quanto mais eu me aproximava, mais parecia que esse pequeno espaço entre nós me esmagava os pulmões. Eu soltei o ar pela boca e tentei me lembrar como era fácil estar perto dele antes. Mas já não era. Agora havia um desconforto, uma intimidade com rachaduras, oscilando ao nosso redor, ameaçando a quebrar a redoma que construímos para proteger nossa amizade, antes tão forte, agora tão... inominável.

              Fiquei ligeiramente feliz ao ver o número de pessoas à volta dele diminuir e quase apressei o passo, para encurtar o tempo em que minha mente tinha oportunidade de mudar de ideia, mas uma garota o parou. Ele se deixou ser parado e colocou as mãos nos bolsos da calça escura, olhando-a de cima com gentileza no rosto. Não podia ouvir o que dizia, nem entendia o porquê de querer esse saber, mas algo me incomodava nisso tudo. Talvez o fato de ele parecer tão normal e cheio de vida e eu tão soturna, querendo ter a chance de pegar um pouco da luz que emanava de si. Era patético e suspirei, notando que havia estancado no meio do salão de refeições.

            -  Hinata? – chamou uma voz doce atrás de mim, que logo reconheci como a de Sakura. Eu me virei e sorri minimamente, cumprimentando com o olhar Sasuke em seu encalço.

            - Okayo, Sakura-san – murmurei. A garota sorriu com o par de esmeraldas diretamente nos meus olhos.

            - Como você está hoje, melhor? Sasuke disse que o baka do Naruto nem dormiu direito, estava tão preocupado! – comentou com carinho. O Uchiha coçou a nuca atrás dela e sorriu com o canto dos lábios, numa confirmação muda. Olhei por sobre o ombro, buscando o loiro com os olhos e o avistei no balcão de alimentos, pegando cafés com a garota que o abordara. Suspirei e voltei-me para a Haruno.

            - Estou melhor, não precisam se preocupar. – respondi, reverenciando-os com a cabeça sutilmente. Sakura balançou a cabeça, sorrindo com doçura.

            - Venha, vamos sentar em uma mesa. Sasuke vai buscar os cafés. – disse, alçando um dos meus braços e me levando em direção às mesas ainda vazias. O moreno seguiu para a cafeteira sem dizer nada, costumeiramente silencioso. Assim que ele nos deixou a sós, ouvi Sakura suspirar baixinho e levantei os olhos para seu rosto, transformado por um risco de preocupação entre suas sobrancelhas róseas.

            - Sabe o que eu acho? – murmurou, analisando-me. Encolhi os ombros e neguei com a cabeça.  – Eu acho que você precisa de uma companhia feminina. Lembra como nos divertimos àquele dia no shopping e na casa do Naru? Você era... alcançável nessa época. O que houve depois do baile? Por que ficou tão distante?

            Baixei os olhos e suspirei pesadamente. Olhei de relance para ver se alguém se aproximava e constatando que não, decidi confiar nela. Naruto era uma pessoa muito especial e nobre, se Sakura era sua melhor amiga desde a infância, eu podia dar a ela um voto de confiança também. E, para falar a verdade, talvez ela estivesse muito certa sobre eu precisar de sua companhia. Além de disso, eu me divertira genuinamente naqueles dias, me sentira parte de algo que nunca havia tido.

             -  Nós te convidamos para a noite de garotas antes de vir para cá. Achamos que te faria bem, mas ainda te vejo com esses olhos melancólicos. Eu não sei se você percebe, mas eu me importo com você também. Ultimamente você tem feito parte integral da vida de alguém que é um irmão para mim, então como não me preocupar contigo? Me deixa te conhecer, Hinata, quem sabe eu possa te ajudar.  – disse Sakura, em resposta ao meu silêncio. Eu apertei os dedos das mãos e fechei os olhos, assentindo.

           - Meu pai não gosta da família dele, por algum motivo empresarial, não sei dizer. E no dia do baile ele ficou sabendo sobre minha amizade com Naruto e me proibiu de falar com ele, inclusive me deixou sem celular. Tive que me afastar, ao menos de aparência. Tenho uma irmã postiça caçula que estuda no colégio e ela me odeia. – revelei, em resumo. Sakura ponderou sobre o assunto, apoiando o queixo no punho. Soltou um suspiro pesaroso em seguida e seu olhar caiu sobre mim com lástima evidente. Um misto de preocupação, pena e desapontamento.

            - Então você se afastou, fisicamente, para proteger a amizade. Mas e quanto ao seu afastamento psicológico? – ela lançou a pergunta olhando bem dentro dos meus olhos, esperando, sem rodeios pela resposta. Engoli a seco e desviei o olhar. Sabia o que queria dizer com aquela interrogação, não julgava, de verdade, errado fazê-la, porque a vida de seu melhor amigo estava atrelada às minhas atitudes também, assim como estava à de todas as outras pessoas ao seu redor. Era natural que Sakura se sentisse de tal forma e mesmo assim, ainda podia ver o brilho de carinho real por mim em seu lindo par de olhos verdes.

             - O Naruto é uma pessoa especial. Eu sei que você já sabe disso por sua convivência natural com ele por todos esses anos. Vocês cresceram juntos. Mas comigo... bom, eu aprendi sobre sua personalidade ao mesmo tempo em que ele me fazia enxergar qual era a minha. Ou ao menos qual podia ser. Eu não tive o prazer de crescer ao lado dele como você e o Sasuke, mas foi com o Naruto que eu tive a oportunidade de finalmente... crescer. Não desejaria ser um fardo ou...

            Sakura segurou minhas mãos, abruptamente, interrompendo o que eu dizia. Olhei para ela, sobressaltada e notei o quanto seus olhos pareciam urgentes.

              - Hinata, ele te adora! Te idolatra, eu diria. Não faz ideia do quanto é importante para ele? – disse, quase sibilando, abrindo a boca para tentar se expressar e optando em seguida por apenas expirar, balançando a cabeça e voltando à me encarar profundamente, na espera de que suas palavras tivessem algum efeito.

               E tiveram.

              “Eu te amo”, ele havia dito. Soara como a coisa mais dolorosamente sincera que pudesse me dizer. Tanto que eu jamais discordaria, nem por um segundo, ao olhar em seus olhos azuis calorosos, o oceano neles inundando tudo, transbordando. Cristalizava seus sentimentos. A lembrança doía, porque eu tinha plena consciência de que eu não podia suprir suas necessidades em nem um terço. Eu era fraca, ingênua demais para o mundo. Apenas uma reles pessoa desvirtuada e desafortunada também das riquezas mais singelas da humanidade. Não podia, não tinha o direito de cobiçar tão alto. Ter sua amizade já era demais, mais do que eu sonharia merecer. Ter o seu coração era impossível, um ultraje, um crime.

              Eu não podia dar a ele o mesmo calor, os mesmos braços acolhedores ou o mesmo riso encantador, sincero, divertidíssimo e amável. Que irônico seria, dentre todas as possibilidades vastas, justo eu querer roubar esse lugar na vida dele. Podia ser qualquer outra pessoa, mesmo aquela garota que ainda falava com ele na cafeteira, alçando seu braço com uma expressão animada e enrubescida. Admirava-o com olhos femininos, possível distinguir mesmo longe. Tudo o que ele gostaria que eu pudesse fazer, mas não podia.

                Suspirei, retornando o olhar para Sakura.

                 - Eu não posso... – sussurrei, sentindo um nó se formar em minha garganta. Ela franziu a testa e apertou os dedos ao redor dos meus.

                 - É claro que você pode, Hinata. Só ainda não entendeu isso. Eu honestamente não consigo compreender o quão difícil possa ser aceita-lo, mas é você quem tem que fazer isso por si mesma, não eu, nem ninguém. – murmurou carinhosamente. Eu encolhi os ombros, tímida, sentindo-me estranha por estar tendo aquela conversa. Que tempos eram aqueles, como as coisas conseguiram tomar um rumo tão vertiginosa e rapidamente diferente?

               - Hinata... você o ama? – inquiriu Sakura.

                A pergunta me sobressaltou tanto quanto a súbita chegada dos garotos, ao mesmo tempo, em nossa mesa. O sangue congelou em minhas veias e eu quase engasguei. Olhei para ela, vendo-a me analisar e ignorando os outros dois. Tentei engolir o nó e ela soltou minhas mãos, pegando o café oferecido por Sasuke, casualmente, como se não tivesse feito a pergunta mais inesperada de todas.

               Era a pergunta mais inesperada? Eu... o amava? Não parecia certo dizer dessa forma, não quando Naruto havia usado das mesmas palavras para definir seus sentimentos, logicamente diferentes do que eu imaginava. Eu... sentia-me confusa, presa contra uma muralha de questionamentos irrespondíveis. Suspirei, mordendo o lábio inferior e desejei que ela se desviasse do assunto, o esquecesse, de preferência. Mas Sakura não o fez e lançou para mim em seguida um olhar cheio de significado, intenso, confiante, quase presunçoso. E depois sorriu com graça, voltando a atenção para o café quentinho e a mão de seu namorado buscando a sua por cima da mesa.

                  Naruto sentou ao meu lado e me passou um copo plástico com o líquido fumegante e cremoso. Sorriu gentilmente, mostrando seus dentes brancos e alinhados, a covinha sutil aparecendo e a expressão sempre tranquila de alguém que nunca perdia a confiança. Suspirei baixinho, sentindo-me tão inútil quanto um pote furado.

                 - Bom dia, Hina-chan – murmurou cordialmente. Senti sua voz ligeiramente trêmula, mas podia ter sido minha imaginação, pois ele logo voltou-se para Sasuke, continuando o assunto que possivelmente estavam conversando. Entretanto, estranhei sua distância, o modo como parecia um tanto alheio naquela manhã e como não disparava os olhos na minha direção por muito tempo.

                 Talvez ele estivesse evitando se perder em seus sentimentos ou talvez ele estivesse apenas evitando que eu me distancie. O impasse me fez lamuriar internamente e quis parar de pensar tanto em tudo por um momento. Era doloroso ver no que havíamos nos transformado; ele calculadamente agindo como meu amigo e eu evidentemente sendo péssima nisso. Ainda mais do que antes.

                  Senti Sakura chutar meu pé por debaixo da mesa e levantei os olhos em sua direção. Ela murmurou de forma muda “fale com ele” e então a vi puxar o braço de Sasuke, cochichando algo em seu ouvido que o fez rir de uma forma estranha e depois pedir licença à Naruto por um instante. Logo, com um olhar penetrante sobre mim da Haruno, os dois se retiraram da mesa e eu me vi deliberadamente sozinha com o Uzumaki. Acho que ele pareceu notar a atitude de seus amigos de infância, pois balançou a cabeça, sorrindo com o canto dos lábios. Bebericou de seu café e então, sem nem hesitar, olhou-me diretamente nos olhos.

                  A sensação de seu olhar sobre mim era como ser engolida pelo oceano inteiro, fazia-me perder em mil questionamentos, mil emoções, sensações, memórias. Afundava-me em um mar azul cheio de maravilhas das quais eu não podia cobiçar e isso, agora, definitivamente me açoitava no âmago.

                  - O que foi? – ele perguntou. Suspirei, desviando os olhos. Notei um grupo de garotas olhando para ele na mesa à frente, onde a garota que o abordara estava sentada. Elas cochichavam, riam com bochechas coradas e voltavam a encarar, como se a visão de Naruto as divertisse e encantasse.  – Por que está olhando para elas?

                  A pergunta me pegou desprevenida e corei, envergonhada.

                  - São... garotas bonitas. – improvisei. Ele riu sem muito humor, de forma gutural. Não ousei olhá-lo, apenas continuei fixa à frente.

                  - É, são. Mas o que tem isso?

                   Ergui os olhos, involuntariamente, para fita-lo. Algo me incomodou em suas palavras e instintivamente acabei inquirindo:

                   - Elas gostam de você, não gostam?

                    Naruto franziu a testa para mim, contraindo os lábios. Encolhi os ombros, arrependida pela pergunta ridícula.

                    - O que há com você? – ele perguntou, direto. Balancei a cabeça, escondendo o rosto nas mãos, com os cotovelos apoiados à mesa.

                    - N-Nada... Eu acho que estou meio desligada hoje. – respondi abafadamente. Senti sua mão puxando a minha, obrigando-me a levantar a cabeça. Ele segurou meus dedos à mostra, sobre a mesa, sem nem se incomodar com o fato. Seus olhos azuis preocupados me fitaram, tensos.

                     - Ei, minha baixinha, não precisa se sentir tão desconfortável. Eu conheço esses olhos, vejo através deles. E você não está bem. O que é, sou eu? – murmurou com carinho, falando devagar. Meu coração se apertou e senti que não poderia responder à ele o que se passava.

                      Eu era fraca demais para admitir o quanto ele, mesmo em silêncio, me fazia bem. Isso era indiscutível depois da crise que se desencadeou dentro de mim após eu experimentar a possível sensação de perde-lo. E nada pode ser comparado ao alívio que foi ver que não o havia perdido. Ao menos, não por suas mãos. Entretanto, eu era fraca demais para ser digna disso. Percebi que precisava de um tempo para conseguir lhe olhar nos olhos como antes e que o afastamento não viria dele, mas de mim.

                     Eu só não sabia a quem isso machucaria mais. Porém já preferiria com todas as minhas forças de que a resposta, independente do motivo, nunca fosse ele.

                       - Não é você. – disse num fio de voz. Ele escutou atentamente, franzindo a testa ainda mais. – Eu só preciso organizar meus pensamentos, estou me sentindo meio tonta. – imaginei que fosse o máximo que conseguiria lhe dar naquele momento e então pedi licença para me retirar, esquecendo-me do café quentinho, mas não do calor de seus dedos nos meus.

                       Deixei o salão de refeições com o corpo petrificado. Meu coração parecia apressado demais, quase estourando, enquanto só o que meu cérebro conseguia pensar eram nas palavras de Sakura martelando em meu subconsciente, brilhando em neon sob minhas pálpebras, esfarelando o concreto que cobria as minhas únicas certezas.

                                                         ***

                Pela primeira vez naquela viagem, pude me desligar um pouco do presente e me focar no que poderia ser o meu futuro. Era a primeira tarde de palestras, o real motivo da excursão e eu segurava com firmeza minha caderneta de anotações, esperando que alguma coisa que fosse dita naquela reunião pudesse me trazer esperança. Eu ainda precisava me descobrir no mundo e, além disso, deveria voltar para a mansão Sasaki cheia de informação em mãos, a fim de demonstrar que essa viagem não teve nenhuma outra finalidade para mim, se não apenas as palestras.

                Os alunos foram organizados nos bancos dispostos em fileiras dentro de uma longa sala de reuniões, com um palco central onde aconteceria a exibição de slides, bem como o espaço dos palestrantes. Eu ocupei um lugar no meio do salão, entre Sakura e Naruto e permaneci calada. Sentia a presença da Haruno ao meu lado como um aviso constante, um ultimato que ecoava as palavras cheias de certeza que ela havia atirado sobre mim sem cerimônia alguma. 

                 Enquanto um turbilhão de sentimentos tomava terreno em meu interior, a sala foi devidamente recheada de pessoas, definindo o primeiro encontro que teríamos com a escola-irmã. Os alunos canadenses acomodaram-se nas fileiras do lado direito e logo uma equipe de palestrantes deu sinal de que começariam seu trabalho. Eu me sentia nervosa, não apenas por estar em um local fechado lotado de pessoas, em sua grande maioria, desconhecidas, mas também porque tinha aquela incômoda sensação de que precisaria dar toda a minha atenção para cada palavra que fosse dita. Muitas coisas dependiam desse entendimento e concentração, mas a verdade era que eu estava uma verdadeira bagunça. Tinha consciência de que possivelmente deixaria muitos pontos importantes passarem e que teria dificuldade para captar coisas óbvias. Porém, ainda que pouco e mal absorvido, eu tentaria me agarrar a qualquer direção que pudessem me encaminhar. Ao menos, no final daquela reunião, eu pudesse ter uma pequena pista do que eu poderia vir a ser um dia, em contrapartida com todas as mentiras que compunham o que eu acreditava ter sido durante toda a minha vida até ali.

                                                          ***

                    Eu era um caso perdido.

                    Claramente, depois de duas horas de palestra, 15 minutos de conversa particular e uma olhada na expressão facial do psicólogo ao ler minha ficha, soube imediatamente que eu era um emaranhado de vários nadas. Tinha anotado pouca coisa, entendera vagamente do que se tratava cada opção viável que minha personalidade possivelmente indicava e mal havia criado expectativas, as pobres coitadas já padeceram.

                    Simplesmente não havia nada em que eu fosse genuinamente boa. Nada que me abrisse uma chama de esperança. Nada que me fizesse sentir um frio na barriga. Só o que eu conseguia sentir era um tédio enorme e uma inquietante frustração ao reconhecer a animação e o brilho invejável da certeza nos olhares de todos os outros alunos. Quase afundei na cadeira ao ouvir o discurso de uma das estudantes canadenses que anunciara com convicção seu desejo de tornar-se professora. Era inimaginável, para mim, passar por todo o inferno emocional do colégio, escolher uma faculdade e ainda, por livre e espontânea vontade, retornar às salas cheias de pessoas. Isso era coisa de quem tinha um dom.

                  Aliás, eu não tinha dons. Além do estagnado e repugnante ‘‘dom” de ver e ouvir demais, eu não possuía mais nada de extraordinário. Entender como alguém desejaria trabalhar para ensinar pessoas era tão difícil quanto entender como lidar com pessoas. Eu mal conseguia conviver com elas, que dirá ser uma cidadã de verdade, definida perante a sociedade, uma profissional em alguma coisa. Isso nem fazia sentido na minha vida, eu nem havia imaginado algo que pudesse ser real, alcançável, fácil.

                  Todas as forças para continuar desabaram, voltaram-se contra mim. Tudo bem, era apenas o primeiro dia, mas definitivamente eu começara com todas as partes esquerdas que possuía no corpo. Eu não tinha hobbies para indicar algum interesse inconsciente para alguma área. Não tinha sonhos sugestivos, nem características de liderança ou ambições. Não tocava um instrumento, não tinha coordenação motora e com certeza não dançava. Era deliberadamente mediana em qualquer matéria e estava sempre entorpecida demais comigo mesma para me permitir gostar de algum conteúdo.

                  Em resumo, não tinha ideia do que poderia ser. Sentia-me incomodada, mais do que esperava. A viagem ao Canadá tornava-se cada vez mais surpreendente, eu só não sabia medir os prós e contras deste fato. Isso porque a chateação partia de pontos diferentes, mas sempre acabavam convergindo para um mesmo horizonte. Estava chateada porque a frustração parecia querer ser a definição de mim nesse momento; estava chateada porque eu sou uma péssima amiga; estava chateada porque eu não consigo definir meus sentimentos por nada nem ninguém; estava chateada porque simplesmente não consigo ser boa em nada; e finalmente, estava chateada porque tudo isso me leva de volta à estaca zero.

                 E enquanto minha atmosfera ficava cada vez mais sombria, as outras pessoas ao meu redor exibiam fileiras de dentes, exalavam alegria e empolgação. As palestras tiveram um bom potencial humorístico, mas eu não consegui rir de nada, não me empolgara, não me sentira parte daquela turma. Não que isso já não se fizesse corriqueiro, porém, dessa vez, eu tinha ao menos um propósito. Só que um propósito perdido na linha do tempo e da vida.

                Além disso, com as horas iniciais de palestras contabilizadas, os alunos ganharam como cortesia uma noite em um boliche & karaokê, o que definitivamente contribuiu para o meu desespero. Ficar no hotel não era opcional, isso fazia parte da excursão e da integração social que a escola queria promover, em complô com a insistente intenção dos professores em não deixar ninguém sozinho.

                  Mas sozinha era só o que eu queria estar. Talvez porque fosse mais fácil pensar, já que eu tinha de lidar com todo o barulho interno, quem sabe solitária eu pudesse ao menos me privar do barulho externo. Ainda tinha que planejar minhas inúmeras fugas, antes já previamente idealizadas e agora irrecorríveis. Havia recebido uma ligação de Hiashi assim que a palestra acabara e seu tom de voz estranhamente calmo me fez ter a certeza de que ele sabia que ganharia essa batalha. Em parte, isso me despertava uma raiva contínua, mas contida, enquanto a outra parte me fazia beirar o medo seriamente.

                  Medo que agora parecia se estender pelo meu corpo, causando dores musculares, deixando-me velha e seca como um livro antigo e esquecido. Perdida em um mar de gente, como uma gota em súplica por piedade entre tantos não-praticantes. Todos pareciam felizes, em grupos, discutindo a jogabilidade e músicas favoritas. Braços e mãos dadas por todos os lados, risos explícitos e sem amarras, vidas repletas de desprendimentos, livres para pertencer ao futuro que tão naturalmente construíam. E nada disso dependia do lugar. Era estranho, incomodava. A singeleza da felicidade podia estar em qualquer coisa, mesmo em uma noite de boliche.

                E estávamos no recinto. Em uma suposta comemoração, tive os pés marchando inconscientes pelo fluxo, obrigados a ir, embora nunca chegassem à lugar algum. A sensação de estar perdendo-me em meus próprios julgamentos era esmagadora e cutucavam meu cérebro em baques ensurdecedores de culpa e dor.

                Enquanto divagava, acabei botando os olhos sobre uma parede espelhada, sendo presenteada pela minha imagem, quase desbotada entre tanta cor e luz. Eu suspirei e tive a visão distraída pelo reflexo que se formara ao longe atrás de mim. Pude ver Sasuke abraçando Sakura pelos ombros na fila do boliche e ao lado dela, estava Ino, aparentemente discutindo e implicando com Gaara, que apenas erguia o braço e apontava para algum ponto que logo pude descobrir ser a localização de Naruto, parado alguns passos atrás, conversando ao telefone e sorrindo. No mesmo momento, ele desligou e alguém o abordou.

                Era a garota do café-da-manhã. Ela parecia corada, notável mesmo distante. A presença dela me deixou estranhamente enjoada, amedrontava de forma nauseante, uma inquietação recente cujo o entendimento me era nulo. Seus lábios moviam-se ligeiros enquanto ela falava, aproximando-se um passo. A conversa dos dois não durou muito, mas algo que ele a disse deixou-a encabulada, cabisbaixa. A garota assentiu e Naruto levantou seu rosto segurando seu queixo levemente com os dedos, soltando-a em seguida. A atitude pudera ter sido apenas singela, mas me tomou de forma grandiosa. Não era como estar chateada, era como estar quase... doente. Senti-me frágil, instável, querendo ouvir o que falavam, tomar posse do assunto e roubar a atenção.

                 Sentimentos que me faziam beirar à insanidade. Não me pertenciam, não faziam sentido. E machucavam como o diabo. Quis justificar com a repentina distância que se instalara entre nós dois e como isso me feria, naturalmente, por sentir a próxima e profunda solidão me comendo pelas beiradas. Só piorava a cada segundo, enquanto a garota ainda falava e como, subitamente, o abraçara impetuosamente. Se tinha sido imaginação ou não sua face levemente chorosa, não importava, mas eu sabia que ela gostava dele, que queria partilhar sua vida e conhece-lo, ter uma conversa, tem seu tempo. Era o que todos queriam de Naruto, só pela contagem de seu sorriso amplo e sua leveza espiritual.

              Eu não a culpei por tal. Era esperado, eu acho. Ou não. Estava confusa, estava pesarosa e pesada, como uma bola de concreto pendurada e balançando desengonçadamente, quebrando tudo o que tocava, despedaçando a razão e rachando a si mesma. Fechei os olhos e inspirei o ar, sentindo minha garganta trancar e instantaneamente soube que choraria. O que diabos eu estava fazendo? Por que minhas certezas escorriam pelos meus dedos e por que não conseguia agarrá-las? Qual era o meu problema? Eu nem deveria tê-lo aceitado como amigo, já sabia que era errado desde a primeira vez em que nos vimos, então por que agora eu sentia que o estava perdendo e o quanto isso me torturava?

               “Você o ama?”

               “Me perdoe”

                As lembranças em um emaranhado. Era como pares de olhos julgando-me, apontando para meus defeitos, rindo de minha dor, gritando minha humanidade desvirtuada. Que coração pútrido era o meu. A fragilidade das partes mais humanas que a mim pertenciam entravam em colapso outra vez, como quando eu fora parar em uma clínica, como quando minha mãe partiu, quando eu conheci Naruto e quando ele me beijou. Momentos em que o estagnado e sensível “dom” fazia-se presente, aterrissava em meu ser arrastando tudo pelo caminho. E só então percebi que eram manifestações advindas das únicas vezes em que, sendo bom ou não, eu realmente estive viva.

               E soube que estaria perdida. Porque não importava qual circunstância, isso era destrutivo. Eu era como uma mina em campo de batalha, quieta e inerte até que algum sinal de vida seja detectado. Um egoísmo que tinha duas vertentes, antes bem espaçadas, mas agora tão... confusas. O que era o tipo de egocentrismo a qual eu queria me apegar? Seria seguir me privando de todas as sensações, a minha salvação? Seria entregar-me às vontades que eram minhas novas amarras, a minha perdição?

                Ou seria o contrário?

                Abri os olhos, deixando que as lágrimas caíssem e queimassem minha pele. Encontrei no espelho a visão devastada de meu rosto e atrás, do outro lado do salão de boliche feliz, um par de olhos azuis me encaravam. Ele estava sozinho agora e me perguntei se não tinha sonhado com todo o momento anterior. Seu olhar inquisitivo pairou, indeciso e ele deu um passo em minha direção. O movimento fez meu peito arder e eu me apressei para longe dali, andando em busca de uma saída, sentindo-me sufocada, surda, cega por toda aquela informação de cores, sons, luzes e sentimentos.

                Meu corpo trêmulo atravessou as portas de emergência, que davam para o estacionamento e o ar frio da noite congelou meus pulmões. A diferença de temperatura me fez oscilar e eu cambaleei, tonta, com os olhos encharcados, sentindo que meu peito inteiro iria explodir. O inverno da solidão bateu em minha sanidade e a nocauteou. O choro rasgou minha garganta e ecoou pela noite recém caída e eu me deixei sofrer. Não havia força para reduzir os danos, eu já estava condenada, porque era egoísmo do meu próprio carma a crescente necessidade de implorar por calor.

                  Egoísmo esse que se tornou ainda mais cruel, quando ouvi a porta de emergência bater, junto do passo apressado e da voz que acalentou meus ouvidos:

                  - Hinata!

                  - Não deveria estar aqui. – murmurei, rouca. Suas mãos seguraram meus ombros e me forçaram a virar em sua direção. O olhar dele pousou sobre mim, escurecido pela dúvida, marcados pela confusão e um misto de tristeza.

                   - Você está chorando. – afirmou, duvidoso, divagando um segundo antes de abrir a boca para continuar.  – Está passando mal outra vez?

                   Neguei com a cabeça, piscando para que a cortina de lágrimas se desfizesse. Eu assenti, abraçando meu corpo pouco agasalhado para o frio que se instalara. Naruto suspirou e sua testa se franziu.

                  - Me conta o que está havendo – murmurou. Encolhi os ombros e suas mãos abandonaram meu corpo, deixando-o gelado. Estremeci, sentindo os açoites de minha consciência julgarem minha fraqueza. Ele retirou seu casaco de couro, revelando um moletom azul escuro por baixo e usou a vestimenta para enrolar ao meu redor, puxando-me no mesmo instante contra si, num abraço estranho, mas que me fez ofegar, frágil, como se minhas terminações nervosas estivessem eletrocutando meu interior. O calor me tocou suave e carinhoso, fazendo meu choro pesar nos cílios e meu coração arrebentar mais fios seguradores, ansioso pelo desconhecido, doloroso e acelerado pela presença mais forte arrebatadora que existia em minha vida.

                   - Não... isso é injusto. – sussurrei. Seus braços apertaram ao meu redor.

                   - Injustiça é como isso está me matando, Hinata. Eu só quero o seu bem, por  Kami! Por que não me diz o que está acontecendo? Sou eu o problema? – perguntou outra vez. Balancei a cabeça, colando o rosto em seu peito, inspirando seu cheiro, que agia feito uma droga me deixando fraca e fora de mim.

                   - Você nunca é o problema, baka! – resmunguei, chorosa. A imagem da garota o seguindo tornou-se viva em minhas pálpebras, trazendo de volta o medo para minha garganta, lembrando-me como ele não tinha nada de problemático e o quanto isso podia fazê-lo desistir de corrigir os meus. Naruto soltou-se do abraço e respirou fundo, pegando uma de minhas mãos.

                  - Acho que eu perturbei você. Me perdoe por isso, eu...

                  - Você vai desistir, não vai? – interrompi, encarando o chão. As palavras irromperam impetuosas, sôfregas e teimosas.

                  - Desistir? De quê? – inquiriu com a voz confusa e levemente nervosa.

                  - De tudo isso, de mim e minha incapacidade de ser normal, de ser alguém que você mereça. Existe uma infinidade de pessoas, de garotas, que podiam te dar o que você quer e...

                  - Hinata, eu te amo! – ele estourou, interrompendo desta vez. Eu ergui os olhos, surpresa, trêmula. Ele dissera de novo e seus olhos urgentes pareciam agitados, tal como antes. Era como enxergar a dor esmagadora da verdade naquelas palavras outra vez.  – Você não vai compreender isso do jeito certo nunca, garota? Eu não vou abandonar você. Demonstrar meus sentimentos não era um ultimato para que houvesse uma retribuição, não é um pré-requisito para que eu continue bem aqui, onde sempre estive. Porque eu sou incapaz de deixar um centímetro seu fora da minha vida. É mais forte do que eu, me desculpe se isso te perturba, mas não precisa ser assim. Eu só... só... pare de correr. Eu só quero estar perto. Eu prefiro perder o seu amor, mas não posso perder você. – sua voz tremeu, reverberava pelo espaço e me massacrava. Senti vontade de lhe abraçar, de lhe roubar do mundo, de guarda-lo em mim. Coisas que eram urgentes demais, que me consumiam, que me confundiam demais e me apavoravam indescritivelmente.

            - Existem outras opções pra você, não desperdice comigo. – insisti, querendo salvá-lo desta corrente desastrosa. Ele balançou a cabeça, expirando com irritabilidade.

            - O que você quer, Hinata? Definhar sozinha? Ou todo esse pesadelo no qual insere a si mesma é um pretexto para me fazer sumir? – perguntou. Seu rosto sério me fez desmoronar e deixei o soluço escapar.

            - Me perdoe – sussurrei entre lágrimas. A dor me inundou e achei que afogaria, cambaleando entre a consciência e a escuridão. O paradoxo do egoísmo destruindo minha capacidade de pensar. Naruto esfregou o rosto com as mãos.

            - Droga, vem aqui. – choramingou, rouco e ainda irritado. Sua mão puxou a minha, trazendo o corpo para si e colando nossas testas como costumávamos fazer, antes sem medo algum. E por um momento, ali tão perto, perguntei-me se isso não fora sempre uma dor para ele.  – Odeio quando você chora. O que eu preciso fazer para despertar esse sorriso de uma vez por todas?

             - Eu sou péssima nisso. –  lamentei. Ele afastou-se e fitou-me por um instante. De repente, o senti mais calmo e um pequeno sorriso surgiu no canto dos seus lábios.

             - Você só precisa deixar pra lá. – disse, puxando-me até a parte do estacionamento coberto por grama. Eu me permiti ser guiada, novamente abalada pela leveza que ele tinha, mesmo agora. Nós sentamos sob o macio verde bem aparado e Naruto olhou para o céu estrelado, parecendo divagar.  – Lembra quando você contou que bebia para esquecer o que te torturava?

               Sua pergunta veio com suavidade, como se ele estivesse querendo introduzir o assunto com boas intenções. Eu imaginei o que ele tentaria fazer com isso e suspirei, pronta para perder as palavras diante de sua invejável capacidade de ver o lado bom de tudo. Assenti como resposta e ele voltou a olhar o céu, inclinando as costas para trás, apoiado em seus cotovelos.

                - No dia do baile, eu segui você. Eu tive medo do que fosse fazer e definitivamente não esperava que virasse uma garrafa inteira e desmaiasse na praia. Mas quando você fez isso, Hinata, eu tive a oportunidade de enxergar todas as suas súplicas mudas. Eu vi o seu eu menina, jovem, perdida e seu lado mulher estagnado, frágil, mas potencialmente forte. Pensei no quanto eu não te conhecia realmente e em como a escuridão não estava na sua vida, mas era parte dela.  – ele interrompeu o pensamento e olhou para mim. Observei sua análise, nostálgica.   – Bem, isso não é de fato o ponto. A questão é que nesse dia, você esqueceu. Você já fez isso antes, já cometeu loucuras para buscar ignorar o que te destruía, já foi uma garota menos medrosa e já sorriu uma vez, baixinha. E sabe, as drogas são fantasias. Elas acabam, são finitas, bobas. Existem fórmulas melhores para esquecer, ou melhor, existem outras coisas para serem lembradas.

                   Encarei seus olhos e suspirei, deitando as costas na grama e fitando as estrelas. Ele me acompanhou e ficou em silêncio, esperando que eu absorvesse a lição. Mas era inútil. Eu podia ser leiga em muitas partes da vida e de mim mesma, mas eu reconhecia minha insanidade e a razão fácil, clara, socando-me a todo momento. É claro que seria fácil apenas... viver. Agora que eu tinha uma chance, que eu poderia conquistar alguma coisa de verdade. Entretanto eu não podia, não era justiça. Era o outro tipo de egoísmo, cuja prática me era profana.

                  - Acredite, eu sei. Mas não posso esquecer, mesmo que tente, mesmo que queira. Eu não posso. – falei por um fio de voz. Naruto buscou minha mão e entrelaçou nossos dedos, trazendo-os até seus lábios por um momento.

                  - E mesmo que tenha tentado, você não esqueceu. Eu sei. Mas eu estava lá mesmo assim. E cuidei de você, te protegi do frio, te acalentei em meu colo, te levei para casa e te coloquei para dormir. Eu assisti seus pesadelos, suas lágrimas borradas e seus suspiros baixos. E quando você acordou, tal como a memória, a dor e suas prisões, eu também estava ali. Não é exatamente em mim que precisa pensar, mas pense no que a minha presença significa e saberá que nunca está sozinha, ainda que tente estar.

                    Olhei para seu rosto próximo, iluminado pelo luar e pela luz da rua. Ele era tão sereno quanto uma noite de verão, na costa do mar azul. Apertei sua mão, deixando uma lágrima escapar.

    “Não sente na minha frente

    E espere por mim para conversar

    Você pode me ligar

    Telefone funciona de duas maneiras, você sabe

    Este tempo, bebê

    Eu acho que eu vou ficar bem

    Eu gostaria de poder dizer o mesmo para você

    Eu, sim eu gostaria”

                      - É, você estava lá. – sussurrei, certa de que já nem podia me considerar endividada. O que tinha em débito com ele já era mais valioso do que minha própria existência. Naruto fizera por mim coisas que eu nem sonhara ter ou fazer por outra pessoa. Seu caráter esmagador era indiscutível, grande demais para que eu fosse capaz de retribuir. Estaria eternamente tentando pagar a dívida e morreria com ela.

                      - Eu sou um pouco egoísta, desculpe. Mas não vou te deixar sozinha. – ele murmurou, olhando de volta para o céu. Eu engoli à seco, surpresa pela abordagem. De todos os adjetivos, egoísta estava bem longe dele. Porém, eu mesma tinha conceitos antitéticos da palavra. O paradoxo entre a nobreza e a injustiça. O paradoxo no qual eu me encontrava agora, presa entre querer esquecer e me obrigar a lembrar.

                      - Naruto... – chamei. Ele virou o rosto, fitando-me.  – O que você quer dizer com esse egoísmo?

                      - Quero dizer que mesmo você pensando sobre não merecer o que eu quero te dar, ainda serei egoísta por continuar oferecendo. – respondeu, virando-se na minha direção, deitando lateralmente. Seu rosto ficou mais próximo e eu instantaneamente senti-me enervada, envergonhada e trêmula. Ele não tivera a intenção, pois sorria com suavidade, mas partira de mim o incômodo. Avaliei sua expressão tranquila e meus olhos pararam sobre seus lábios inclinados em um sorriso. Estavam ligeiramente molhados, mostravam os dentes, emolduravam a imagem mais feliz que eu conhecia. Eu lembrei de como eram lábios que tinham a capacidade de dizer tudo o que eu precisava ouvir, como podiam me contagiar toda vez que surgiam diante de mim, como conseguiam embelezar ainda mais um rosto já tão bonito e como conseguiram sugar todo o meu fôlego, toda a minha força e coragem.

                      Os lábios dele me arrancaram do chão uma vez. E agora eu não sabia se estava caindo em queda livre ou flutuando. Mas meu coração apertou igualmente, sendo para um ou outro, clamando por ajuda, implorando por hospedagem, querendo ser hospedeiro. O egoísmo se alastrou pelas minhas veias.

                   E pendera para o lado da injustiça.

                   - Acho que eu sou mais egoísta que você. – sussurrei. Naruto expirou em minha face, o hálito quente enevoando minha cabeça, soltando um pouco de vapor pelo frio. Seus olhos encontraram os meus, brilhantes e intensos. Seu sorriso sumira, seu maxilar ficou tenso e uma de suas mãos tocou minha bochecha, deslizando o polegar até meu lábio inferior, traçando uma trilha que fez todo meu rosto queimar.

                   - Você quer ser egoísta comigo? – perguntou roucamente, baixinho, com uma pontada de incredulidade. Eu queria? A questão ecoou dentro de mim e revirou meu estômago. Sua pele ainda queimava em minha boca, pressionava-a com sutileza, mas despertavam uma sensação selvagem que eu não conseguia mais suportar. Todo o frio se fora, eu estava quente, eu estava em casa, eu estava ali, com ele. E no momento em que meus olhos deixaram seus lábios e fitaram seus olhos, eu quis. Quis ser egoísta com meu melhor amigo.

                    - Eu quero ser egoísta agora. – ele disse, ecoando meus pensamentos. As palavras soaram e açoitaram minha última gota de razão.

                     Eu não tinha ideia do que estava fazendo, mas ainda que parecesse loucura, meu corpo explodiria se eu mantivesse a distância entre nós mais um segundo. Naruto não fez perguntas, sua mão roçou meu rosto e enroscou-se em meu cabelo, puxando-o levemente, apoiou-se no cotovelo e antes mesmo que eu pudesse deixa-lo escapar outra vez, sua boca deitou sobre a minha.

                     Seus lábios quentes moveram-se com firmeza, diferentes da primeira vez, sem tanta hesitação, ágeis como se estivessem famintos. Sua língua contornou meu lábio inferior um momento antes de enterrar-se em minha boca, arrancando todo o ar de meus pulmões. Meu corpo inclinou-se em sua direção involuntariamente, meus pelos eriçaram e eu me senti derretida, como se a grama tivesse virado areia movediça e eu estivesse sendo drenada para o subsolo de um mundo inconsciente.

                    Abri a boca, deixando-o vir, esquecendo o que precisava fazer, o que queria e quem eu era. Eu havia partido de meu próprio corpo, saindo cada vez mais que sua língua entrava, explorando aos quatro cantos. Meus dedos seguraram sua face desta vez, deliciaram-se com a maciez dos cabelos louros, aproximando nossos rostos ainda mais, fazendo o tronco dele pesar mais sobre o meu. Eu senti sua língua rodear a minha, sugando, fazendo-a dançar a mesma música e eu abracei o ritmo, ignorando o fato de que aquilo era totalmente novo e que eu provavelmente não estava fazendo certo. As sensações me levaram a imaginar coisas inesperadas, pintando imagens em meu cérebro de todas as garotas que perseguiam o dono dos lábios que agora eram meus, encaixados em um misto de suavidade e urgência, unidos como o céu e o mar no fim do horizonte. Senti meu coração acelerar, o calor percorreu em proporções oceânicas o meu interior, inundando e sugando todo o oxigênio.

                 Eu mergulhei.

                 E quando estava no fundo, meus olhos abriram. O mundo virou de cabeça para baixo, não existia terra, nem pés no chão, só havia mar e céu, só havia leveza, correnteza que guiava para um só destino. Eu não tinha como nadar contra. Não mais.

                 A água do oceano que lavou todas as feridas que em mim existiam, que despertou dor, mas trouxe a cura, deixou cicatriz. Marcou. Selou.

                 E independente do egoísmo que margearia esta lembrança, a profundeza dos beijos de Naruto me presenteava com o esquecimento. 


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