À medida que desciam pela montanhosa trilha em uma paisagem noturna, adentravam na floresta sombria, que não poderia ser evitada. Nada mais podia ser visto daquilo que antes se podia chamar de ''vilarejo''. Por questões de segurança, o local onde os aldeões decidiram se agrupar, havia sido o ponto mais alto da montanha, exceto pelo pico outrora conhecido por ser uma das torres de vigia dos soldados do rei em tempos remotos; o ''Ninho do abutre'', como era conhecido. Mas a aldeia, que não era protegida por nada além de uma baixa e fraca cerca improvisada, poderia impedir apenas a entrada de animais selvagens. Criaturas como as que Gatts estava acostumado a enfrentar, tais como os homens com cabeças de cães que haviam levado as pobres garotas, nunca seriam impedidos por algo como uma leve proteção ao redor e um ponto ''quase'' estratégico. No final das contas haviam poucas coisas no mundo que poderiam impedir tais criaturas. Gatts havia perdido um braço e um olho para descobrir isso.
O estigma de Gatts dava sinais de proximidade das criaturas malignas, mas era impossível dizer em qual direção procurar em meio à selva negra, apenas pela dor que sentia em seu pescoço. Quando uma coruja alçou vôo próxima ao garoto, com seus olhos amarelos brilhando na escuridão e produzindo um som horrível de se ouvir em meio a uma floresta escura, o pequeno aventureiro não conteve um espasmo e um grito abafado, antes de bater de frente com uma árvore ao se distrair. Caiu e ficou ali. Sentou-se no chão um instante, calculando o dano pela pancada na cabeça. Mas ao ver que Gatts se distanciava e o deixava para trás, correu até ele de imediato, pois lhe apavorava a idéia de ficar ali sozinho.
- Diga garoto... - disse Gatts, assim que ambos caminhavam lado a lado - Mesmo tendo medo de sua própria sombra insiste em seguir o rastro daquelas criaturas? Será que pensa serem menos perigosos do que a coruja que te afugentou agora a pouco?
- Eu só... - dizia Roney, agora caminhando cabisbaixo. O que era imprudente, visto que caminhavam numa floresta à noite, e pareceu ter percebido esse fato assim que os arbustos lhe roçaram a face, alguns lhe arranhando mais do que outros. - Não podia deixar Layana com aqueles monstros! E em parte... Sinto-me culpado. Eu estava lá quando aconteceu, ela foi levada bem na minha frente e não pude fazer nada!
- Você não podia fazer nada! - disse Puck, ignorando o fato de que o garoto não podia ouví-lo.
- Não teria adiantado em nada! - disse Gatts, sem muito consolo em sua voz - Mas se quer se redimir, sugiro que não banque o covarde quando a hora chegar! Se por acaso se atrapalhar e estragar tudo, vai morrer junto de sua garota, tenha isso em mente ao pisar diante de um monstro daqueles. E essa porcaria de espada em seu cinto não vai sequer machucar um deles, então seja útil mostrando a direção e depois se esconda! Se acreditar que pode resgatar as garotas, então venha por sua conta e risco... Já disse que não estou aqui para proteger você.
- Eu... Entendo.
- Contudo -, disse Gatts, virando o rosto por um momento, como se lhe perguntassem algo embaraçoso - comparado ao resto de sua aldeia, dos quais nem mesmo alguns pais pareciam realmente decididos a salvar suas filhas... Você parece ter mais coragem. Apenas seja homem esta noite!
- Cer. Certo! - gaguejou Roney, e de certo modo seu comportamento mudou naquele mesmo instante. Seus olhos se tornaram firmes, determinados, ao menos para seu próprio padrão. Acelerou o passo, como se o que antes o freasse tivesse sido eliminado com a demonstração grosseira e ainda assim inspiradora da bravura de Gatts.
O medo não mais banhava seu coração, mas ficava para trás a cada passo. Ao menos por enquanto.