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Fukuoka – Japão. 2 de Setembro. 04:00 AM.
Meses se passaram e Plata tinha anunciado o que estávamos desesperados para ouvir: Alistair parou.
Finalmente...
Japão. Era a noite anterior ao encontro e eu alisava minha tatuagem (algo que virou um hábito desagradável antes de eu conseguir pegar no sono). Como uma pessoa podia se transformar tanto em tão poucos meses? Agora, por exemplo, eu sabia dizer que tanto Nahuel quanto Plata estavam dormindo. Eles tinham me ensinado a prestar atenção ao ritmo dos seus corações para poder perceber a diferença. Além disso, agora tinha também nossa ligação, eu simplesmente sabia que não estavam completamente despertos. A calma fluência de suas respirações emanando dentro de mim. Este, eu aprendi, era meu momento.
No silêncio da noite, quando eles me deixavam a sós comigo mesma.
Em retrospectiva, até que não havia passado tanto tempo... É que estivemos em tantos lugares...
Fomos para Manila onde ficamos duas semanas (para extremo prazer de Nahuel, apesar de eu realmente dispensar os detalhes sobre os corpos das nativas que fui obrigada a escutar); depois de pouquíssimo tempo Alistair se mudou de novo. De novo... E de novo. Filipinas, depois Camboja, depois Vietnã e então eu deixei de ligar. Ele estava correndo de nós.
No aniversário de dois anos de minha fuga de Whitehorse, 11 de agosto, nós três estávamos ansiosos e irritados, mas eu talvez estivesse mais irascível. Quase seis meses atrás daquele magrelo remelento pelo mundo e eu só estava com o fantasma da minha preciosa paciência, cada dia que passava me sentia cada vez mais como uma bomba prestes a explodir.
Onde caralho estávamos naquela noite? Tudo me irritava. A montanha me irritava, o silêncio me irritava, as dezenas de animais barulhentos que estavam por todo o lado e que eu agora simplesmente não tinha como deixar de escutar me irritavam.
Não tive que dizer o motivo de minha irritação para Nahuel e Plata, eles simplesmente perceberam que eu precisava de algo. Uma mudança qualquer, uma esperança. Algo que fizesse aquela loucura que minha vida tinha se tornado fazer sentido.
Foi um daqueles momentos em que não havia como não perceber a semelhança que os ligava, eles simplesmente se encararam com aquela expressão dura e trocaram um breve olhar que pareceu ter toda uma discussão muda. Eu continuava meio que saltando no mesmo lugar, esperava que me atacassem para o treino diário de luta, como sempre fazíamos assim que assentávamos o acampamento, estava mesmo desesperada por alguma ação mesmo que doesse.
Eles não me falaram nada, assim só assisti como se movimentavam de um lado para o outro – acendendo a fogueira, pegando ervas da bolsa, buscando água e finalmente derramando pozinhos estranhos numa cuia enquanto cantarolavam coisas mais estranhas.
Então entendi. Quão poético era ter minha pele marcada para sempre justo naquela data?
- Eu não sei que desenho fazer. – finalmente declarei depois de terminarem a mistura e me encararem esperando.
- Uma fênix. – disse Plata.
- Sim, eu concordo – Nahuel assentiu.
- Renascer das cinzas... – murmurei, sem dúvida era algo que eu apreciava para ter tatuado em minha pele.
Então pensei em algo melhor.
- Seria possível... Uma fênix lutando com um lobo?
Nahuel fez um som com a garganta.
- É claro. – concordou Plata.
E então ambos marcaram minhas costas e além com a cena que pedi.
Assim que eles terminaram mostraram para mim o desenho antes de tomarem meu sangue com a mistura necessária para prendê-la dentro deles para sempre. Eu não consegui reparar em nada diferente acontecendo, suas expressões continuavam vazias para mim.
Depois de alguns minutos eles fizeram um no outro uma marca de uma fênix pequena, sem os muitos detalhes da minha. Enquanto assistia me senti idiotamente importante, duas pessoas se tatuando com algo queme representava era bem impressionante. Plata havia feito o desenho em seu outro braço e Nahuel (acho que de propósito) no lado direito do peito. Depois uma mistura com cheiro de planta queimada, sangue e algo que fazia meus olhos lacrimejarem me foi passada e bebi ali o sangue dos dois misturados.
O líquido estava frio, o que me fez perder a vontade de bebê-lo depois do primeiro gole, mas os olhares dos dois continuavam fixos em mim enquanto murmuravam aquelas palavras desconhecidas, pensei que se eles estavam pagando aquele mico então tudo o que eu podia fazer era beber o negócio.
O gosto era ruim, sentia algo de errado descendo pela minha garganta exatamente como o tentáculo de um polvo desnorteado. Uma ardência começou a percorrer meu corpo e de repente eu senti calor, como se eu estivesse pegando fogo (de verdade, eu já estava sacolejando na direção de um riacho que devia estar gelado o suficiente para congelar o sangue nas minhas veias) e então estava lá. A repentina consciência deles, como se fosse uma sensação constante, como se meu coração batesse no ritmo deles. Uma leve dormência também foi tomando meus membros e eu sabia que tinha a ver com o veneno de Nahuel.
Lembro-me de ter pensado que a sensação do veneno dele no meu corpo era como a presença dele para mim: asfixiante e QUENTE. Se antes eu sacolejava agora estava praticamente fazendo a dança da chuva.
Minha vista foi ficando baça e eu pude sentir a preocupação dos dois pinicando em algum lugar dentro de mim, em minha mente.
Eu tinha sido avisada para caçar após a sessão, pois ambos os processos – o da tatuagem e da doação de sangue – eram desgastantes. Me lembrei disso e só virei no tempo de uma piscada para os dois.
- Voucaçar! – gritei, sussurrei, grunhi. Eu não sei.
E então corri. Na verdade nem teve graça por que em meio segundo já estava babando escondida esperando por qualquer idiota que se aproximasse o suficiente de mim em uma aldeia. Sentia-me bêbada, como há séculos atrás no casamento de Sam e Emily*. Lembro que pensar naquilo fez meus joelhos tremerem.
Ouvindo a ladainha das pessoas dentro de suas casas simples me lembrei que tínhamos entrado na Índia há algumas semanas em nossa eterna perseguição a Alistair. Eu tinha continuado a escrever toda maldita semana para meus parentes (e Jacob), contando coisas totalmente vagas que nada tinham a ver com o que eu estava passando, aquilo talvez fosse à pior coisa para se pensar então me concentrei em meu próprio corpo antes de perder o controle.
Enquanto esperava de olhos abertos o dia seguinte contemplando o céu lembrava aquela noite em que nós fomos ligados. Realmente não queria pensar em que finalmente encontraríamos aquele vampiro ranhoso. Traçava com os dedos o desenho em minhas costas, sentindo as linhas mesmo sem vê-las. Abraçando-me. Eu estava com medo, por que ele havia decidido parar? Depois de tanto tempo atrás dele quase não podia acreditar que era verdade.
Lutei contra o mau presságio respirei devagar e continuei me lembrando do passado recente:
Naquela noite eu tinha encontrado uma garota, e novamente como tinha acontecido com Ethan e todos os outros depois dele, ela gemeu quando eu a mordi. Foi um alívio supremo, como se seu sangue fresco afastasse a dormência do meu corpo. Meus olhos se abriram quando terminei, enxergando a tudo normalmente. O calor, no entanto continuava a me cozinhar e conseguia sentir nitidamente Nahuel e Plata à distância relaxando ao saberem que eu estava bem. Isso era estranho.
Depois de apagar a memória da garota sobre mim e deixa-la adormecida em um local escondido entre algumas folhas eu quase pensei ter visto uma mulher de cabelos loiros entre as sombras, mas em um piscar de olhos ela havia desaparecido. Achei que tivesse sonhando acordada, ninguém naquela região poderia ter os cabelos daquela cor.
Porém quando decidi dar uma volta na aldeia em vez de voltar ao acampamento encontrei a mulher apoiada a uma parede. Quando nossos olhares cruzaram ela entrou pela porta do que parecia um bar e eu curiosa a segui.
O lugar era mal iluminado e pequeno e além da mulher loira que agora se sentava em um banco havia apenas um homem gordo já embriagado no balcão do outro lado. Sentei-me ao lado dela e aguardei por algo, não sabendo exatamente o que. A mulher era baixa, por que apesar de eu agora parecer ter entre 11 e 12 anos era apenas alguns centímetros menor do que ela.
Eu meio que estranhei ninguém dizer nada sobre uma criança e ainda por cima do sexo feminino entrando em um bar sozinha a não sei que horas da noite, mas como não houve nenhum tipo de reação apenas continuei imóvel. Meu cérebro se perguntava inutilmente o que meu corpo fazia ali, mas minha voz apenas o mandou calar a boca.
Depois de alguns segundos a mulher pediu alguma bebida e se virando pra mim perguntou em inglês:
- O que você vai querer?
Eu guardei meu espanto no bolso.
- Não tenho dinheiro. – declarei, sem desviar os olhos dos seus muito azuis.
- Sem problema, você parece precisar de algo.
Eu ergui uma sobrancelha com o comentário, mas decidi não dar ao trabalho de retrucar.
- Vodka.
Ela assentiu e gritou para o velho barman o pedido.
Quando as bebidas vieram ambas tomamos sem nenhuma nova tentativa de conversa, eu mentalmente agradeci aquilo, mas estava esperando um tipo de interrupção. Quando esvaziamos os copos e a loira simplesmente pediu novas doses eu sorri e desta vez deixei minha mente vagar enquanto bebia.
Eu tinha deixado guardado em algum lugar escuro na minha mente a revelação do que meu sangue fazia com quem o tomasse. A imagem de Ethan lambendo apenas algumas gotas de minha palma fazia minha mente zunir.
Se aquilo não tivesse acontecido, aquela maldita coincidência, eu nunca iria atrás dele, nunca teria encontrado ele antes de morrer. E nunca teria me vingado apropriadamente.
A imagem de seu rosto rasgava algo dentro de mim, libertando finalmente uma parte do desespero que tinha feito tão bem em guardar. Mesmo que aqueles últimos momentos com ele tivessem sido horríveis eu não trocaria a chance de ter aquilo por nada.
Lembrando de tudo meses depois deitada na noite fria de Fukuoka senti aquela parte negra lutar para vir à tona de novo, mas eu já tinha alguma prática agora em mantê-la sob controle. Minha mente precisava se prender em algo, no entanto, por isso continuei puxando minhas memórias enquanto esperava a noite anterior ao encontro com Alistair finalmente terminar.
Depois da terceira dose eu apenas tinha levantado e agradecido à mulher antes de sair do bar. Nos dias que se seguiram eu sempre havia estado na corrida em perfeito ritmo com Plata e Nahuel. Fora isso treinávamos todos os dias, os dois contra mim e apesar de sempre acabar machucada eu estava me dando bem, principalmente nas últimas semanas. Da última vez tinha conseguido, inclusive, nocautear Nahuel.
Eu ruminava nossos planos diariamente, muitas peças ainda estavam faltando. Se não conseguíssemos saber da história dos Volturi precisávamos pelo menos de dados sobre os atuais membros da guarda. Tudo parecia um enorme quebra-cabeça com as peças principais faltando.
Eu havia achado há algumas semanas uma dessas peças, quase sem querer como geralmente acontecia quando eu meditava muito tempo sobre algo.
- Eu sei o que temos de fazer primeiro. – eu havia dito assim que acampamos naquela noite.
Plata e Nahuel apenas se sentaram e escutaram com os semblantes alertas.
- Como primeira ação contra os Volturi, eu acho que descobri o que temos que fazer. Tudo vai depender das informações que Alistair vai nos dar, mesmo se ele não souber a origem dos Volturi. Temos de destruí-los por dentro, mas precisamos conhecer pelo menos algumas falhas antes de tentarmos algo.
Eu tinha dito aquilo enquanto preparava minha cama, de forma natural. Mas sabia que tinha acabado de expor um tipo de decisão sem volta. Algo que minha mente simplesmente havia visto como o melhor caminho, e eu tinha aprendido a confiar nessas revelações por mais loucas que elas parecessem.
Enquanto o vento frio continuava a acariciar meu rosto e sem mais nenhuma lembrança para me levar antes do dia D acontecer, finalmente consegui fechar meus olhos e pedir para o sono me levar na breve meia hora que faltava para o sol nascer antes do fatídico encontro acontecer.
Infelizmente não tive o alívio de conseguir finalmente ficar inconsciente, já que o mais leve ruído de folhagens me fez despertar novamente e assim que abri os olhos até cheguei a pensar estar sonhando: A mesma mulher loira que havia me pagado bebida na noite da tatuagem estava em pé apenas a cinco metros do acampamento e me encarava.