|
Tempo estimado de leitura: 3 horas
12 |
- Seu nome não serve mais. – havia declarado Nahuel depois de eu alcançá-los no segundo em que tinham parado para acampar.
Eu pisquei um pouco atônita.
- Como é?
- Seu nome antigo não lhe cabe mais. – ele declarou enquanto jogava sua mochila no chão.
Antes que eu me recuperasse e respondesse fui interrompida.
- Ele tem razão. – Plata declarou, também me encarando.
- Por quê? – tive que perguntar.
- Podemos ver em seus olhos. Você demorou, mas entendeu o que estávamos fazendo. Henrietta mesmo depois de anos ainda não compreende que tudo depende do modo como você raciocina suas falhas.
Eu suspirei. Nunca tinha gostado do meu nome, claro que poderia soar ofensivo pra minha família, mas a junção de dois nomes de outras pessoas não tinha exatamente um apelo pessoal em relação a mim. E convenhamos... Que tipo de respeito atrairia uma mulher adulta a que chamassem de Nessie? Parecia nome de uma heroína de romances água com açúcar. Simplesmente não soava como algo que eu quisesse ser.
- Certo. – concordei enquanto tirava minha mochila.
Plata sacudiu a cabeça uma vez então pulou sobre mim. Aquilo me pegou de surpresa, mas consegui desviar antes do golpe atingir minha garganta. Eu estava mais ágil já que além do sangue do homem na trilha também havia me alimentado de pequenos animais enquanto corria.
Ela não esperou eu me recuperar e tentou me golpear com ambas as mãos, eu saltei longe, enquanto sentia meu instinto crescer e tomar minha consciência. Agachei-me em forma de ataque quando ela partiu para cima de mim novamente.
Ela veio em um salto e em vez de desviar e eu corri em direção a ela, deslizando por baixo de seu corpo arranhei suas costas com força. Ela rugiu e voltou à cabeça para trás mordendo meu braço, eu tentei me livrar arranhando seu rosto o que funcionou. Por um segundo ela liberou a mordida e eu aproveitei minha pouca altura para ferir seu torço antes de saltar para trás.
Achei que tinha me livrado, mas Nahuel estava atrás de mim e me deu uma rasteira, eu rolei para longe, porém não longe o bastante. Ele me chutou com força e eu voei uma distância parando somente quando atingi uma árvore que rachou com meu peso. Senti minhas costas queimando, mas não tinha tempo para ficar deitada. Ergui-me resfolegando enquanto garras tentavam alcançar minha cabeça.
Eu rugi enquanto tentava enxergar o corpo do oponente e era golpeada na cabeça uma, duas vezes. Um pouco tonta deixei meus joelhos dobrarem e com ambos os braços feri as pernas dos dois. Dei uma cambalhota no espaço entre eles, e me reergui o mais rápido que pude respirando forte e esperando por novos ataques.
Os dois viraram em minha direção lentamente, Plata tinha o rosto arranhado assim como as costas, o torço e a perna, as feridas já se curando. Nahuel sorria com apenas um ferimento na perna e outro no braço.
Eles tinham me ensinado que nossa pele só se machucava quando éramos atacados por outros de nossa espécie, ou algo igualmente “sobrenatural”, digamos.
- Dara. – ele disse como se sentenciasse.
- Dara. – concordou Plata se empertigando.
Eu suspirei infeliz.
- Vocês não tinham um jeito mais fácil de decidir isso? – consegui dizer, mas saboreando o novo nome.
- Sim... – concordou Nahuel.
- Mas de modo nenhum mais preciso. – terminou Plata.
Cansada e mais dolorida do que sequer poderia sonhar um dia poder ficar me sentei vagarosamente, com medo de desabar se não o fizesse. Plata caminhou de forma elegante e se sentou a minha esquerda.
Enquanto respirávamos Nahuel fez uma fogueira e se sentou à minha direita.
- Muito bem Dara, agora você precisa saber de algo importante. - Nahuel tinha um tom novo, quase didático.
Eu sequer pisquei aguardando.
- Se você se alimentar continuamente de sangue humano sentirá seus sentidos mais expandidos e ficará mais forte, mas com o tempo sua fome aumentará.
Eu segurei a respiração entendendo.
- Quanto tempo demoraria até eu ter fome o suficiente para matar alguém?
Nahuel olhou para Plata.
- Pelas experiências de Joham comigo e minhas irmãs, se você se alimentar desde o nascimento diariamente poderia fazê-lo no quarto ano. E uma vez feito seria difícil parar.
Eu balancei minha cabeça.
- Suponho que isso acontece por causa da grande queima de energia?
Ela concordou.
- Enquanto ainda estamos em desenvolvimento se nos alimentarmos somente de humanos todos os dias o processo pode ser acelerado, a energia seria consumida rapidamente por causa disso e a fome aumentaria. Seu corpo cresceria muito mais rapidamente, porém.
- Em quanto tempo... Eu estaria em minha forma adulta?
- Yara completou seu crescimento em apenas quatro anos.
Eu exalei o ar que segurava fortemente. Eles sabiam o que estavam me dizendo, a tentação que seria aquele tipo de informação para mim, por isso tinham aguardado para passá-la.
Se eu decidisse acelerar o processo poderia estar mais apta fisicamente quando fossemos enfrentar os Volturi (finalmente seria adulta!), porém teria uma fraqueza: a FOME me dominaria.
Não gostava de pensar em mim sem controle sobre minha consciência ou minha força.
- E ela é uma louca descontrolada perto de humanos? – questionei.
Nahuel sorriu.
- Ela teve meio século para aprender a se controlar melhor.
- Eu acho que esse é um tempo que não quero dispor pra aprender a ser educada na mesa.
Eles apenas assentiram concordando comigo.
- Se eu alterar minha, hum, alimentação entre humanos e animais ficará tudo bem? Um pouco cada dia?
- Pelo que sabemos, sim. É desnecessário para nós se alimentar tão frequentemente, mas deixará você mais forte e rápida o tempo todo. – concordou Plata.
- Certo.
- Gostaríamos de saber sobre seus poderes. – questionou repentinamente Plata.
Eu não pude deixar de sorrir com isso, estavam começando a me deixar por dentro dos assuntos perdidos nestes dias.
- Eu terei prazer em contar sobre isso se vocês detalharem os de vocês antes.
Nahuel riu e Plata fez uma careta, o que achei realmente engraçado. Rir, porém, fez minhas costelas doerem.
- Plata é metamorfa. – declarou repentinamente Nahuel.
Arregalei meus olhos.
- O que? Mas... Isso é impossível! Como é que...?
Plata ofegou de cenho franzido.
- Nasci em uma tribo na Costa do Marfim em que as mulheres se transformavam em pássaros. Minha mãe era a líder da tribo e tinha sete gerações de mulheres antes dela na família em que todas haviam herdado o dom.
Eu ouvia de boca aberta. Mulheres-pássaro. Maravilhoso!
- Joham soube disso, é claro, e a seduziu. Ele era realmente bom com isso. Na verdade esse era seu “talento”. Então quando ficou grávida, toda a tribo reparou que algo estava errado. Joham veio uma noite e me arrancou de dentro de minha mãe antes da tribo mata-la comigo dentro dela.
- Ela morreu? – perguntei, sem conseguir deixar de olhar para Nahuel.
- Não pela cesárea. Elas cuidaram dela e ela ficou saudável e bem para o julgamento. Então a tribo a matou por trazer o mal para suas casas.
Um arrepio percorreu minha espinha.
- Isso é horrível...
Ela deu de ombros.
- Não há nada a ser feito. – concluiu.
Um silêncio incômodo reinou alguns segundos, então não consegui me controlar.
- Eu acho... Que deve ser ótimo poder voar.
Ela olhou para mim, os olhos cinza quase translúcidos pelo fogo pareciam emitir luz própria, então me deu um sorriso.
- É ótimo.
Eu sorri de volta, inveja e curiosidade pinicando minha pele.
- Muito bem, desculpe estragar o momento I Believe I Can Fly, mas Dara tem algo para nos contar, certo?
Eu girei meus olhos ainda estranhando o novo nome.
- E você?
- Como assim? Eu já disse...
- Sei, sei... Você é um gênio da lâmpada.
Ele encarou um pouco surpreso.
- Sim, pra falar a verdade é muito parecido.
Dessa vez ele quem viu minha surpresa.
- Eu consigo saber do Desejo, como se eu pudesse ler uma parte da pessoa pelos olhos...
- Peraí! Você vê os mais profundos desejos das pessoas através dos olhos?
- É.
- Isso é estranho...
- Bom, no começo acontecia apenas com o toque, mas através dos anos...
Eu suspirei. Meu Deus, qualquer coisa poderia ser aperfeiçoada em um punhado de anos?
- Tudo bem... Eu vi um vampiro fazer um terremoto acontecer, acho que não vou discutir contra isso.
Ele deu de ombros.
- Quando capto o que a pessoa precisa, se for algo possível e existente eu simplesmente sei onde encontrar.
Novamente arregalei meus olhos.
- C...?
- Como? – cortou ele.
- Eu simplesmente sei, sou atraído para aquilo. Às vezes eu só digo algumas palavras e a própria pessoa acha o que precisa.
Olhei para o céu estupefata, então me sentindo desgastada passei a mão pelo rosto. Quando levantei meus olhos os dois me encaravam aguardando.
- Muito bem. – suspirei enquanto esticava as mãos.
- Venham até aqui.
Os dois se sentaram com as pernas cruzadas na minha frente, então eu apenas toquei suas mãos e exalando mostrei a eles. Nahuel obviamente já sabia do que eu conseguia fazer quando mais nova, mas mostrei mesmo assim. Então também mostrei a evolução do processo até a última coisa diferente que havia feito, com Henrietta.
Quando terminei ambos piscaram igualmente os olhos duas vezes antes de se afastarem.
- Então... – comecei.
- Você pode mostrar coisas que você viu... Suas memórias... – começou Nahuel.
- Pode criar coisas falsas e fazer as pessoas acreditarem. – disse Plata.
- Pode apagar a mente das pessoas, se você conhece o conteúdo do que irá apagar... – continuou Nahuel.
- Com um toque, mas com o tempo apenas com a mente... Provavelmente por causa da familiaridade com a pessoa... – completou Plata.
- Você pode até proteger uma informação dentro da mente de alguém, escondendo algo até que quiser libertar a memória... – finalizou Nahuel.
- E tem o negócio do xadrez... – eu disse, vagamente...
- Compreender a mente de alguém, apenas por base de tentativa e erro... – disse Nahuel em um tom um pouco fantasmagórico.
O silêncio dominou novamente enquanto eu aguardava.
- Dara... – chamou Nahuel - Você é assustadora.
Plata quietamente sacudiu a cabeça em concordância.