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Uma típica viagem de família, seus pais, antes a beira da separação, agora pareciam mais apaixonados que nunca. Seu irmão maior, emburrado, abandonara os videogames, a namorada, os colegas da banda, e as demais futilidades e simplicidades da fugaz e efervescente vida adolescente e tivera que ir a tal viagem em família, na verdade, não culpava o irmão, também não aprovara o destino escolhido pelos pais. “Peru, resquícios da civilização Inca?” pensara. “Mas que chatice”.
Não ligava. Nunca gostara das aulas de história...
- Hector, Pierre, Marie vejam isso! – Chamou a Mãe alta, loira, bela com empolgação.
- Incrível Louise! Vejam crianças, esse enorme templo! – Apontava o homem de meia idade, calças caqui, camisa social azul e quase calvo e com óculos com gigantes lentes redondas com as hastes coladas preguiçosamente com fita adesiva.
- Si Señor! Estes são as ruínas do que sobrou do Templo do Sol, em quíchua antigo, Korikancha. É dedicado ao deus Sol Inty e ao seu filho, Manco Capac que no século XI fundou esta cidade, Cuzco e o império Inca. – Disse com um sotaque castelhano o guia que acompanhava a comitiva de turistas, em sua maioria, espanhóis, franceses e ingleses que vieram se aventurar pela cidade lendária dos Incas.
Marie não ligou tampouco Hector, seu irmão. Estavam mais interessados em azucrinar um ao outro, o rapaz beirando seus 17 anos, sardento, alto e magrelo tentava colar uma ascosa goma de mascar nos longos cabelos loiros da irmã, dois anos mais nova, que socava-lhe os ombros com cara de repulsa. A família Du Bois se divertia. Cada um a seu modo.
Então veio aquela luz... Lugar errado... E o homem de prata... Hora errada...
Agora já não se divertia mais. Lacrimejantes olhos pesados, mãos e pés amarrados, jogada ao chão de rocha, cheiro sórdido de decomposição. Vira o irmão ser morto, teve lanças transversas a seu corpo, seu sangue foi jogado naquela orbicular estátua dourada que emanava... Aquela luz... O pai sumira. A mãe foi levada dali por aqueles homens vestidos de armadura opaca. Sabia que sua hora chegaria.
Homem forte, pardo, armadura de metal fosco com gravuras de um grande e imponente Falcão no peitoral. Em seus ombros e pescoço, pelego de um animal que parecia recém-caçado, cabelos negros escorridos, presos por um adorno de osso (humano), pintura azul no rosto e uma enorme lança azulada, um pouco curva para a direita, em sua mão direita:
- Cerca de 10 mais sacrifícios bastam para a Huaca de Tampu. Use os estrangeiros capturados. Menos a jovem e pura, ela será usada na Huaca de Korikancha. É o necessário para trazer nosso Inty do Hanan Pacha, sangue jovem e puro, e assim amaldiçoarmos o homem branco, e sua linhagem e a linhagem de sua linhagem.
O guerreiro raso a seus pés acenou positivamente com a cabeça e logo em seguida com tom de dúvida lançou:
- Supa Pariacaca, devo avisar nosso Supa Inca Manco Copac e o senhor Honor sobre a finalização do reerguimento da fortaleza de Sacsayhuaman?
- Não! Cabe a Supa Ekeko fazer isso. – Respondeu Pariacaca com ar ignóbil – Essa fortaleza é de responsabilidade dele, além do que quanto menos contato com aquele estrangeiro de prata houver, melhor. É abjeto e torpe que um estrangeiro faça a guarda pessoal de nosso Supa Inca e da grande pirâmide Intihuatana...
O imponente guerreiro observou o sangue dos sacrifícios serem lançados sobre a grande estátua dourada talhada em forma arredondada e com gravura de falcão.
Estrangeiro de prata...
Shura preferiu seguir em direção ao centro do raio de luz. Seguiu pela mata que circundava o vale do rio Vilcanota que dava acesso ao povoado Písac. Achou que ir pelo povoado principal direto a Cuzco chamaria muita atenção, então preferiu seguir pelo contorno da mata. Parou. Ouviu pequenos passos, seguidos de uma respiração ofegante:
- Estava me seguindo esse tempo todo? – Disse Shura, meio que ao ar.
Então um garoto, o mesmo que acabara de salvar, sai de trás de um monte emaranhado de cipós, com feições estarrecidas:
- Hã? Como o senhor sabia que eu estava aqui? Você é algum tipo de bruxo, ou algo do tipo?
Shura não respondeu, voltando a seguir em frente, o garoto o seguia com passos ligeiros.
- Como fez aquela coisa com os braços? Sabe, àquela hora?
Shura não se manifestara.
- Você é algum tipo de lutador ou algo assim?
O santo impacientemente responde:
- Você fala demais para um garoto. E pare de me seguir.
Mal o dourado terminara de falar e o garoto dispara:
- Você sabia que vai morrer né? Não deveria ter matado aqueles homens lá perto do rio.
- Que moleque mais mal agradecido. Deveria ter te deixado lá... – Murmurou Shura baixinho.
- O garoto tem razão! – Ecoou uma voz em um sotaque francês.
Shura parou. Pôs - se em posição de ofensiva. Porém eis que vê saindo do meio das arvores um homem de meia idade, de óculos, calvo e meio barrigudo, vestindo calças caqui sujas e surradas e uma camisa social azul rasgada e desfiada.
- É melhor ir embora daqui enquanto ainda estas em tempo, estrangeiras são todos mortos aqui. – Disse o homem, com sotaque francês, ajeitando os óculos.
Shura saiu da posição de ofensiva. O homem não representara ameaça.
- Não estou aqui à procura de conselhos, amigo. E além do mais, você não parece ser daqui, se disse que forasteiros são mortos, você é quem deveria sair daqui... – Disse Shura, se voltando e recomeçando a andar.
Além do que ele não era um homem normal...
- Porque eu ainda estou aqui?! Porque tenho uma família, mulher e dois filhos, para resgatar daquelas malditas coisas... Para que não os matem, e joguem seu sangue naquelas malditas pedras, de onde sai àquela luz... – Vociferou o homem, que a final da fala, já estava com voz embargada e olhos lacrimejando.
Shura parou no mesmo instante... Aquela luz... Voltou-se para o homem e perguntou-lhe oque sabia sobre as luzes e os sacrifícios.
- Ora, Ora, o senhor “não preciso de conselhos” se interessou... - O homem levantou o rosto, meio emburrado. – Pois bem, se quer mesmo saber, e se lhe vale de aviso, uns loucos, vestidos de Incas, estão sequestrando e assassinando turistas, eu e minha família viemos da França, bem, antes eram só turistas, agora até mesmo os Quíchua da região, para alimentar umas porcarias de estátuas redondas, das quais saem aquelas luzes.
O homem apontou para três direções, explicando que os raios de luzes menores que saiam de lugares distintos iam em direção da luz maior, em um quarto local e que tais luzes emanavam de estátuas de pedra, que eram alimentadas por sangue humano.
Luz maior... Aquela névoa... Loucos Incas...
- E como sabe de tudo isso? – Disse Shura, com um pouco de desconfiança...
Novamente, lagrimas voltaram às feições rechonchudas do homem, o sofrimento, mãos aos olhos:
- É que eu... Estive preso numa daquelas ruínas... Minha família... Eu... Consegui escapar da vista dos guardas, e fugi. Preciso resgata-los antes que... – Sua voz se emaranhou com soluços e lágrimas. – Antes, que algo ruim aconteça a eles. E aviso-te que se não quiser que algo te aconteça, é melhor voltar por aonde veio.
- Mas ele é algum tipo de lutador! Matou CINCO soldados lá no rio!!! – Disse com euforia o garoto, cuja presença havia sido esquecida durante aquele diálogo.
Antes mesmo de o homem terminar sua explicação, Shura já se encontrava seguindo em direção norte. De onde era possível ver emergir um dos raios de luz menores que juntamente com outros dois, que emergiam de locais ao nordeste e ao sudeste se misturavam com um principal, emergido do sul.
Afinal não era um homem normal... Um tipo de lutador... Cavaleiro de Ouro...
Ele sentia aquele grande cosmo dourado, familiar, se aproximando. Por mais que sua presunção fosse exacerbada, sabia que um Santo de Ouro poderia fazer o curso dos planos correrem de forma contrária. O santuário seria um empecilho. Sua armadura prateada reluzia com os raios de sol que nela batiam, seus cabelos ruivos esvoaçavam-se e bagunçava-se com o vento, sua capa parecia dançar conforme a melodia do ar.
Aproximou-se daqueles grandes muros de rocha sedimentada. Passou por uma estreita e escura entrada, viu uma antessala, uma sala e quando voltou a céu aberto, viu o templo. O templo da fortaleza Ullantay Tampu. Aproximara-se da entrada do templo com a saudação respeitosa dos soldados que lá faziam a guarda com suas lanças postas em sentido.
Não chegou a entrar. Pois do templo saiu carrancudo, Supa Pariacaca, de imponente graça e presença. Os soldados rasos se mostram ainda mais respeitosos com esse. O forte guerreiro cuja armadura tinha um falcão gravado olhou o homem ruivo com desdém e repulsa, mas que não lhe afetara nem um pouco:
- Sinto uma cosmo energia se aproximando desta fortaleza. Espero que tudo esteja devidamente em seus conformes. – Disse o ruivo de armadura prateada.
O guerreiro Supa, mostrou asco diante do homem:
- Cosmo? Se quiser estar aqui em Tawantisuyu, vai ter mudar esse seu jeito de se referir as coisas. É repulsivo que tenhamos um estrangeiro no meio nós. Só lhe aturamos porque nosso Supa Inca, Manco Capac lhe tem muita estima. Caso contrário, seu sangue já estaria em nossas Huacas...
- Não é pra menos que Capac me tenha estima, eu trouxe todos vocês de volta a vida, aliais, você deveria ser um pouco mais grato. Se não fosse por mim, tudo seriam fósseis agora e suas almas estariam apodrecendo no mundo dos mortos. Que vocês chamam de Uku Pacha. Mas enfim, um possível inimigo se aproxima, é bom estar preparado. – Disse o ruivo, virando as costas.
Cosmo tão familiar... Capricórnio dourado...
Shura passara da mata, entrara em um vilarejo de lá era possível ver o grande forte de pedra. Era incrível, como um lugar todo, que dias atrás eram somente ruínas de séculos de esquecimento parecia ter sido construído a não muitos meses... Havia pessoas lá, ele podia senti-las. Mas estavam escondidas, com medo. Há dias, com medo.
Séculos de esquecimento... Dias atrás eram somente ruínas... Aquela névoa, Incas loucos.
Shura então consultou o mapa de Cuzco novamente. Viu que estava no vilarejo de Písac, e mais á frente, a grande construção de rocha da qual emergia a luz, a fortaleza militar Ullantay Tampu, na qual, nos séculos XII e XIII eram feitos sacrifícios em oferenda ao deus Falcão. Olhou em volta: viu as plantações de milho, secas, como se tivessem sido esquecidas lá.
O santo adentrou a fortaleza. Na antessala, foi surpreendido por armadilhas, flechas em chamas voaram em sua direção. Com destreza desviou. Na próxima sala, havia um grande totem de falcão, dos seus olhos, mais armadilhas, magma denso em gêiser. O cavaleiro novamente foi hábil.
Viu-se a céu aberto novamente, mais afrente, um templo. Cinco soldados lhe surpreenderam atirando lanças inflamáveis, em contra ataque, Shura disparou feixes de luz cortantes. Esses pareciam mais fortes que os outros. Novamente lanças. Porém eram lentos. Shura dispara com suas pernas, feixes que cortam ao meio todos os soldados de uma vez.
- Devo lhe confessar que não é todo dia que vejo alguém assassinar cinco guardas Supa de uma vez. Digno de nota. Em homenagem a isso, sua morte vai ser rápida, porém não garanto que será indolor. – Disse o guerreiro Supa com palmas irônicas, saindo da entrada do templo.
- Você deveria fazer menos juízo da morte alheia. Não lhe soa meio arrogante?- Disse Shura, já pressentindo a ameaça.
Eis que Shura retira a urna dourada das costas, emanava em como dourado. A urna se abre, revelando a sagrada armadura de ouro de Capricórnio. Que em pleno fervor de cosmo, veste-se em Shura. O cavaleiro parecia imponente em sua veste sagrada, tal qual um guerreiro mitológico em um front de guerra.
- Um cavaleiro! Tenho repudia por vocês. Logo, esqueça oque eu disse antes sobre morrer rapidamente! – Supa Pariacaca se exaltou.
Um cavaleiro... Mas como ele poderia saber...
- Qusqu Samay! (*Ar pesado de Cuzco em Quíchua antigo) – Lançou o Supa erguendo sua lança azulada, ligeiramente curva a direita.
Fluxos de ventania vindos de todas as direções atingiram Shura em cheio. O cavaleiro sentiu como se o peito estivesse sendo apertado e como se isso estivesse impedindo sua respiração. Duas massas de ar se chocaram, na frente atingindo-lhe o peito e por trás, atingindo-lhe as costas ao mesmo tempo. Seu corpo é impactado ao chão com violência fazendo subir poeira.
Se não fosse a armadura de ouro, seu corpo teria se partido... Impacto terrível. Poder terrível.
O guerreiro se voltou, e enquanto retornava ao interior do templo disse com tom de zombaria:
- Esperava mais de um usando armadura dourada. Mas são todos o mesmo lixo, seja de prata ou ouro...
Seja de prata ou de ouro... Mas como ele poderia saber...
Já no interior do templo, o Supa percebeu a silhueta dourada recostada a entrada. Ficou surpreso, como seu golpe não o matara?
Mas é claro, não era um homem normal...
Shura olhava tudo. Percebeu a Huaca em forma de falcão, pela qual a luz emergia. Percebeu as pessoas amarradas, esperando pela morte. Percebeu as pedras que formavam as paredes circulares, tão velhas, mas ao mesmo tempo tão nupérrimas...
- Não terminei com você ainda, não é? Subjuguei-te... Como tenho asco de seres hediondos como vocês, encerrarei isso. – Disse o guerreiro Supa.
Shura se aproximou, pé-ante-pé, como se estivesse em uma gloriosa marcha incauta. Sua armadura fulgurou seu cosmo dourado. As pedras em que pisava, trincavam.
- Hediondos? Será que não vê oque está a fazer? Essas pessoas amarradas, esperando para serem sacrificadas por você? – Disse Shura, com o cosmo cintilante.
- Vocês estrangeiros, vieram do mar. Destruíram nossos templos, impuseram sua fé. Devastaram nossas terras, escravizaram nosso povo. Isso que estamos fazendo é só uma pequena lasca da vingança, como a grande pedra que é. Arcarão com seus pecados ajudando a reerguer nosso Tawantinsuyu e trazer nosso sol de volta à vida com seu sangue. Pagarão sangue com sangue!
O Cavaleiro de Capricórnio lançou feixes de luz cortantes em direção a Pariacaca. Os feixes despedaçaram o peito de sua armadura, fazendo os pedaços titilarem no chão de rocha. Os olhos do guerreiro Supa, ascenderam em um misto de ódio e espanto. Ele levando sua lança, um involucro de luz surgiu em sua volta.
- Qusqu Tampu! (*Ave-rapineira de Cuzco em Quíchua antigo)
O Supa atirou sua lança contra Shura, e logo em seguida ela se transformou em uma tempestade de relâmpagos, ar e agua que se juntaram formando um gêiser horizontal que lhe acertou o peito. O dourado teve a impressão que uma tempestade se condensara e atravessara seu peito. Foi lançado ao chão com tanta força quanto da vez anterior, abrindo uma enorme fenda na rocha. Sua armadura dourada trincou levemente em algumas áreas.
Pariacaca deu a luta como vencida, e suspirou com ar de arrogância. Mas eis que é surpreendido pelo Santo de ouro mais uma vez:
- Você culpa pessoas inocentes pelos erros cometidos por outras. Isso é um entojo, é covardia. Eu sou alguém que presa à honra acima de tudo. E você sintetiza o oposto do significado de honra. Então, cabe a mim, que sou o mais leal aos meus princípios, dar um basta nessa vergonha que você é.
- Ah é? E como você pretende fazer iss...Oque! Então o guerreiro Supa é surpreendido com Shura a suas costas.
- Jumping Stone! - O cavaleiro agarrou-o com as pernas, reunindo cosmo em seus membros, faz uma acrobacia, arremessando o adversário contra a grande Huaca em forma de falcão, cujo impacto quebrou ao meio a grande pedra, rompendo o fluxo de luz que dali saia.
Velocidade da luz...
Pariacaca caiu atônito ao chão, com os restos da Huaca despedaçando-se em cima dele.
Shura percebe que a luz emanava da grande pedra, e que quando foi quebrada rompeu a ascendência de um dos três raios que alimentavam o fluxo de luz principal. Aquela névoa se dissipou. E então, vê também as pessoas que lá estavam amarradas. As cordas se cortaram com simples movimentos dos dedos do Santo.
Alivio. Estava livre. Escapou da morte. Marie se sente aliviada, mas em conjunto também sente um turbilhão de emoções como aflição tardia, remorso e tristeza, ao lembrar que o irmão não tivera a mesma sorte, e que o pai e a mãe também podem não ter tido.
Seus olhos brilham em um fascínio infantil, aquele homem. Aquela aura dourada. Sentiu-se estarrecida e logo depois nauseada. Mas aquele homem, de mãos cortantes. O que era ele... Aquela presença...
Aquele homem de Ouro!