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Pelo menos era aquilo que eu pensava. Que nunca mais o veria...
You´ve Got To Learn da Nina Simone tocou na minha cabeça quase sem interrupções nos três dias que se seguiram. Eu já havia decidido abandonar o orfanato, aquilo era totalmente sem propósito sem Ethan e eu precisava encontrar Nahuel. Sabia daquilo tanto quanto sabia que não deveria me preocupar tanto com Ethan, mas pensar é fácil...
Na quarta noite depois de sua partida, no entanto, eu acordei sabendo que algo estava errado. Não havia ido à biblioteca naqueles dias, por isso fui dormir mais cedo. A sensação estranha de que algo não estava bem com Ethan me despertou e eu só sabia que tinha que ir até ele.
Troquei-me colocando um macacão por cima da blusinha de mangas compridas e prendi rapidamente meu cabelo longo em um rabo-de-cavalo. Pulei então a janela conforme vinha fazendo há meses e como se meu corpo pudesse me guiar sabia para onde correr.
Conforme eu percorria o mais rápido que eu podia as ruas da cidade me descobri mais e mais assustada e enraivecida, algo muito errado estava acontecendo eu tinha certeza. Não sabia como eu poderia ter conhecimento disso, mas minha certeza era total. Quando dei por mim estava parada a cerca de dez metros de uma casa de aparência rústica, era feita de madeira como as que a cercavam e parecia muito antiga.
Ouvi um barulho e gritos e minha hesitação terminou.
Adentrei a porta como um raio e contemplei um homem enorme que havia se virado parcialmente para a porta por onde eu havia entrado. A seus pés, para meu total horror, Ethan estava caído. Seu rosto era um borrão de sangue que encheu minhas narinas e minha mente por um segundo, felizmente eu tinha outra coisa com o que me preocupar: meu ódio.
Rugi alto e fiz as madeiras estremecerem. O homem pareceu assustado por um momento, então se virou completamente para mim, ele tinha provavelmente 1,80, grande e largo. Os cabelos no mesmo tom negro de Ethan, a face contraída de raiva. O cheiro de álcool alcançou meu olfato.
Em um segundo estava na frente dele.
- Seu maldito covarde! – chiei entre dentes.
Pulei em cima da mesa para alcançar seu rosto em que desferi um soco, nunca tinha dado um soco em ninguém antes, mas soube que funcionou quando homem caiu para trás com a força. Aproximei-me e comecei a chutar seu corpo, o som de seus ossos quebrando e seus gritos me enchiam de energia, continuei até ouvir sua respiração se quebrar um pouco então me abaixei na altura de seu rosto que havia poupado.
- Monstro! – murmurou ele.
- Exatamente! – respondi veemente.
Tive então o imenso prazer de afundar meus polegares lentamente dentro de seus globos oculares. Ele gritou ainda por um tempo até perder a consciência. O sangue nojento dele agora também me envolvia, mas eu preferiria morrer antes de prová-lo.
Eu estava completamente cega, não precisava pensar no que estava acontecendo simplesmente fiz o que tive vontade de fazer. Queria que ele sofresse e mais do que isso EU queria lhe provocar dor.
Eu queria sentir o cheiro de seu medo correndo pra fora de sua pele, não para me sentir poderosa, mas sim por que ele merecia aquilo, ele merecia punição de qualquer um que pudesse fazê-lo. Naquele momento tudo o que eu tinha aprendido sobre o certo e errado caiu por terra.
Corri para o lado de Ethan que mantinha os olhos abertos, havia algo de errado com o ritmo da respiração dele.
- Isso... Foi... Lindo... – disse.
“Droga, eu não sei se posso movê-lo! E se tiver alguma coisa quebrada?”
- Ethan, onde tem um telefone? Preciso ligar para um hospital...
- O... Brigado – sussurrou – Eu... que..ria ter f... eito isso...
Entendi por que ele havia me perguntado se eu poderia transformá-lo meses atrás quando descobriu sobre mim, ele queria se defender e se vingar. Senti uma grande onda de impotência e me vi chorando.
Passei minhas mãos em seu rosto devastado, limpando o sangue de seus olhos. Sua respiração estava mais e mais entrecortada, algo de líquido nela. Contemplei paralisada enquanto ele engasgava com o sangue, seu coração batendo anormal.
- Foi... um pra...zer... Srta...
Eu arquejei entre os soluços.
- Nessie. Meu nome é Renesmee Cullen.
Ele fez um esforço sofrido para sorrir que quebrou algo dentro de mim.
- Voc...ê fez... va...ler a pe...na...
Aguardei enquanto ele lutava para aspirar o ar.
- ... viver.
Então, para minha surpresa ele amoleceu. Seus membros flácidos ao redor do corpo, a cabeça caída.
Continuei como uma estátua, como se me mexer fosse algum tipo de profanação.
Era assim morrer então?
Quente, ele estava tão quente que eu conseguia senti-lo. De alguma forma aquilo parecia ser abstrato demais, irreal demais.
Como? Por que eu tinha que encontrá-lo? Para agora sentir algo se rasgando em mim? Quem mais se lembraria? Quem se importaria com sua ausência?
E mesmo assim a dor iria passar. O mais cruel é que mesmo ali respirando o ar que ele havia respirado apenas alguns segundos atrás eu sabia que iria passar e sua presença...
Sua presença em minha memória seria tudo o que eu teria dele.
E isso simplesmente não era justo.
Fiquei um tempo ainda esperando a próxima respiração, o próximo bater de seu coração, mas nada aconteceu.
Sim, sim. Nada na verdade é tão efêmero quanto à dor da perda. Por que nada muda, nada muda depois disso, nada, nada, nada.
E eu chorei, chorei como se não soubesse o sentido que havia em chorar antes. Chorei sabendo que poderia me afogar nas lágrimas e que mesmo assim nunca iria embora, não poderia me livrar dessa sensação de injustiça. A dor da falta nunca superaria a raiva.
Ele não merecia aquilo. Tão simples e tão frágil, tão fácil tirá-lo de mim.
Dor e raiva por eu estava fadada a viver décadas e talvez séculos sem nunca mais encontrá-lo.
Finalmente rompendo o tempo, consegui me inclinar lentamente em direção aos seus lábios e os toquei com os meus.
Sua voz cantada e ríspida nos meus ouvidos
Seu olhar fixo no meu.
O sorriso.
E o fim.
- O prazer foi todo meu. – respondi antes de partir.