Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 19

    Dedilhados e Polaroids

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    Olá, pessoinhas! Olha só quem está de volta: eu! (eeeeeeeeh) Pois é, galerinha, o ENEM passou e agora estou de férias, ô coisa boa, né? E por essa linda causa, consegui finalmente terminar o capítulo 19. Quero dizer que, meus amores, segurem os forninhos. KKKKKKKKK Bom, no capítulo de hoje eu PRECISO dizer para vocês que temos trilha sonora e que a segunda música é de SUMA IMPORTÂNCIA que vocês escutem enquanto estiverem lendo POR FAVOR POR FAVORZINHO. O que quero dizer é: a canção está diretamente ligada ao capítulo. Vocês entenderão ;). Mas enfim, hoje eu vou lhes apresentar uma versão de Naruto que até então eu estava guardando para mim, mas que era algo já prontinho e idealizado há muito tempo para ser dividido com vocês, então por favor, escutem a música. Outro ponto importante é que esse capítulo foi feito com muito carinho, muita pressão e muita dedicação. Eu reescrevi várias partes várias vezes e sempre que dava eu acrescentava algo. Escrevi no cursinho em aulas que eu podia dispersar (gramática, rsrs), durante madrugadas insones e até mesmo no carro durante a viagem. Eu queria que ficasse perfeito, que retratasse exatamente o que eu precisa dizer. E é claro que nem sempre conseguimos executar isso, então espero, do fundo do coração que vocês gostem. E, ah! Não me matem no final, por favor! rsrsrs eu já estou providenciando o próximo (de verdade) então se não ficar muito corrido aqui pra mim por conta da viagem, postarei em breve. As trilhas sonoras de hoje são Never Be Alone de Shawn Mendes e I See Fire do Ed Sheeran. A 1ª música tem muito a ver com a fanfic e com o modo de pensar de Naruto sobre Hinata, eu achei super bonitinha e vai combinar certinho com a cena. A 2ª, meus amores, é importantíssima. Ponderei muito sobre qual música escolher, mas não teve jeito, desde o início foi ela. Essa música me desperta coisas inexplicáveis e, de certa forma e ponto de vista, também me lembra muito o Naruto. Eu ia buscar uma versão dela apenas com o acústico violão, mas no fim decidi que precisava ser a versão de estúdio. Outra coisa importante, um segredinho pra vocês: Eu imagino a voz do Naruto como uma mistura entre Ed Sheeran e Corey Taylor! HAHAHAHA Soltem a imaginação! Enfim, os links estarão nas notas finais. Boa leitura!

    PS.: OUÇAM AS MÚSICAS, SÉRIO.

    Hinata

          A primeira programação da viagem se estendia diante de nós, em uma escadaria longa. O lugar era belíssimo, transmitia uma sensação de tranquilidade e era incrivelmente limpo, amplo e verde, com uma vista maravilhosa. Um ponto de paz entre prédios modernos e arquitetura antiga. Era diferente do Japão, muito mais calmo, como se o tempo ali fluísse ali com mais suavidade, sem tanta carga, nem tanta pressa. É, era isso. O Canadá fluía sem pressa, sem frenesi.

          Era reconfortante, eu podia até mesmo pensar que a felicidade não estava tão distante estando ali, tão livre de correntes, querendo correr como uma criança por aquela grama verde, mas ciente de que isso não seria justo, quando não tinha aquela que me ensinara a correr viva ao meu lado. Mas eu tinha Naruto, posto logo atrás de mim. Podia sentir seu olhar em minhas costas e imaginava-o sorrindo, talvez, por não conseguir pensar nele sem ser dessa forma.

           A fila de alunos à minha frente já estava nos últimos degraus e eu podia ouvir a voz de um dos guias explicando que aquela era a escadaria para a passarela das Planícies de Abraham. Fiquei analisando as pessoas, a animação presente em todos os rostos, exceto na garota loira, Shion, que me fizera passar uma vergonha gigantesca e acabara por me enfiar numa encrenca danada com Hiashi, mas que ao mesmo tempo havia me proporcionado uma inusitada aproximação com Naruto. Talvez fosse por isso que não a odiava, ou mesmo porque já estava fadigada desses tipos de pessoas, a ponto de nem mais perder o resto de sanidade cultivando ódio por elas.

          Naruto passou por mim, apoiando o braço ao redor dos meus ombros. Eu suspirei, pensando na conversa que tivemos minutos antes. A dúvida ainda me corroía por dentro acerca do que estava lhe chateando, porque era difícil imaginar que houvesse algo no mundo capaz de matar o seu sorriso. Naruto era uma espécie de anjo para mim, seu riso deveria ser imortal. Sua luz, incessante. Era dela que eu vivia agora, fazendo jus ao meu próprio nome.

       - Pensando, pensando... Ponderando, ponderando. Ei, Hinata, o que acha de dar uma folga para o seu cérebro? – perguntou Naruto, olhando-me. Sorri com o canto dos lábios. Embora ele não fosse telepata, sempre sabia o que estava acontecendo em meu interior. Como se ele tivesse um manual, um dicionário só para mim.

      - Do que está falando? – perguntei mesmo assim. Ele sorriu amplamente.

      - Por que não se deixa ser feliz hoje? Minha baixinha, deixa eu ouvir você rir, como na noite em que dançamos juntos? Eu não quero pensar que foi um evento triste, porque você me deu o maior presente naqueles segundos e seria maravilhoso se você me desse...

       Eu o abracei com ímpeto, meio desajeitada, cortando sua frase. Ele não tinha ideia de como tinha o dom de me fazer querer rir. Fazia-me desejar tê-lo conhecido desde sempre e tinha certeza de que tudo seria diferente. Naruto contornou o outro braço ao meu redor, retribuindo ao abraço com carinho. Apertou-me contra seu peito e eu deitei minha bochecha contra o seu coração, ouvindo-o bater com força, pesado. Aproveitei o som, gostava disso, me fazia sentir segura.

        Senti seu nariz sugando o ar em meus cabelos e o calor de seu hálito aquecendo os fios quando uma risada soou abafada.

        - Você tem um cheiro gostoso, Hina. Já te disse isso? – murmurou. Eu afastei a cabeça, arqueando uma sobrancelha. A frase fora inusitada, mas carregada de afeto e por isso sorri. Encarei seus olhos e notei uma coisa nova em nós dois. Naruto estava diferente, se mostrando mais, ao invés de ficar o tempo tentando se adequar às minhas inconstâncias.

       - Não uso perfumes. – disse, franzindo o cenho. Ele abriu um sorriso de canto e assentiu.

       - Eu sei, mas você tem um cheiro bom. Seu cabelo... e a sua pele. Não sei, você sempre me faz lembrar de um cheiro bom. Quando está longe, você tem um cheiro de saudade. Quando está perto, você tem cheiro de...

       - De? – ecoei, curiosa. Ele nunca havia dito aquelas coisas para mim e soava estranho, poético demais, quase como se estivesse lendo algo secreto em um caderninho escondido. Naruto ponderou, os olhos encaravam os meus, mas perdiam-se, tornavam turvas as águas do azul oceânico intenso.

       - Cheiro de Hinata. Cheiro de tudo que você é. – murmurou. Torci os lábios, desgostosa.

       - Então deveria ser um cheiro ruim. – discordei. Ele balançou a cabeça e riu baixo. Soltou-me de seus braços e tomou minha mão, puxando-me pelos degraus da escadaria, ainda risonho por qualquer coisa que estivesse pensando.

       - Venha, sua boba. Eu vou fazer você entender o contrário hoje. – disse, virando o rosto para mim. O encarei, duvidosa, mas ele abriu um enorme sorriso, não de vitória ou confiança, apenas de certeza.

       Suspirei, inquieta. Havia algo para descobrir ali, dessa vez não mais sobre mim, mas sobre ele. Algo que talvez fosse difícil, se para apenas um ou ambos, independia. Eu já notara que não se tratava de nada simples e ignorável. Naruto precisava de ajuda, eu sentia. Alguma coisa o estava machucando.

       Eu não podia descrever os motivos que me levavam a sentir isso, mas estava determinada a fazer tudo o que pudesse para lhe salvar.

       - Se isso for importante para você, então o faça. – respondi, convicta. Ele desfez o sorriso um pouco, não me passou despercebido, assim como o leve aperto em meus dedos. E soube que ele entendera o que havia dito. Agora Naruto sabia que eu já havia entendido suas entrelinhas e que estava pronta para ler o que quer que precisasse ser dito.

                                                        ***

               Enquanto apreciávamos a paisagem, o guia turístico explicava sobre a história das Planícies e, particularmente, achava incrível que o local tivesse sido cultivado e transformado em um parque após as batalhas. A passarela de madeira que atravessávamos dava uma visão belíssima do rio Saint Laurent e também da cidade de Quebec. Eu via uma beleza genuína na forma como os cidadãos apreciavam seu pequeno verão, estendendo toalhas na grama, tomando banhos de sol, ouvindo os pássaros e jogando discos para cães. A própria cidade já exibia essa aura feliz, mas as Planícies conseguiam ter uma luz a mais, contagiavam, convidavam a sentir aquele gramado sob os pés.

            - Ei, Hinata! – chamou Naruto, arrancando-me de meus pensamentos. Ele estava atrás de mim, apoiado à cerca da passarela, fitando o rio com um sorriso bobo. Eu me virei, encarando-o interrogativamente.  – Tenho uma surpresa pra você. – disse, puxando a mochila nas costas. Esperei ele abrir o zíper e um sentimento de ansiedade me tomou. Fiz uma careta diante da sensação. Ele tirou um saco de tecido preto de dentro da bolsa, revelando o que ocupava seu interior e eu quase arquejei pela surpresa e nostalgia.

             Era uma câmera polaroid. Naturalmente mais moderna, mas pequena, com aspecto retrô, ajeitável à mão e dona de lembranças literalmente instantâneas e palpáveis. Naruto guardou a sacola e prendeu a alça da mochila ao ombro novamente, pronto para apontar a lente da câmera em minha direção. Eu pisquei, atônita e logo comecei a enrubescer.

            - O-O que você...

            - Nós vamos nos divertir e registrar isso. Quero criar um painel no meu quarto com lembranças boas. E não seria a mesma coisa se não tivesse você nele. – revelou, dando de ombros. Eu fitei aquele ser, admirada. Ele mal imaginava o quanto se parecia com Akemi, ainda que fosse impossível. Como se houvesse sido criado pelas mesmas ideologias e o mesmo tipo de sorriso que minha mãe tinha. Me perguntei se caso não tivesse presenciado todo o inferno em minha vida, teria me tornado ao menos um pouco parecida com ele. E gostei de imaginar, soava correto... completo. Como se a felicidade pudesse ser fácil até para mim.

            Naruto deixou que eu absorvesse a ideia por um tempo, fingindo não estar apressado ou ansioso, enquanto mexia na polaroid, entretido. Eu balancei a cabeça, sorrindo envergonhada, corada por algum sentimento próximo à animação real. Não que eu ainda soubesse sorrir para fotos, mas eu reaprenderia, se isso o fizesse feliz. Então tomei a câmera de suas mãos e a mirei em seu rosto surpreso.

            - Vamos começar por quem é mais fotogênico. – disse, tentando soar descontraída. Ele abriu um sorriso zombeteiro.

            - Isso quer dizer que sou bonito? – brincou. Eu bufei, embora não negasse. Até as lentes concordariam.

            - Isso quer dizer: “Cale a boca e sorria”. – respondi, posicionando a câmera e dando o primeiro clique, a tempo de pegá-lo sorrindo para o chão, levemente corado. Uma expressão feliz, parecia que o riso estava crescendo no diafragma, esperando para fluir. Era encantador, mesmo sem a visão de seus olhos. E logo a foto fora cuspida, numa moldura branca simples. O Saint Laurent ao fundo, o céu azul e as poucas nuvens faziam a fotografia transbordar alegria. Eu segurei o papel, admirando.

            - É minha. – murmurei, deixando escapar. Corei, mordiscando o lado interno da bochecha. Naruto riu baixinho, inclinando a cabeça para o lado.

            - Ah, é? E meus direitos de imagem? – zombou. Revirei os olhos, sorrindo de leve.

            - Você já vai ficar com todas as outras fotos, seu guloso! – acusei. Seu riso cresceu e ele pegou a câmera de minha mão, puxando-me pela outra.

            Nós caminhamos para os gramados verdinhos, mais afastados dos outros alunos. Alguns estavam entretidos nas histórias do guia, outros aproveitavam o sol e ainda havia os que apenas conversavam entre si, sentados em bancos. Naruto buscou um ponto mais afastado e sentou-se sob a sombra de uma árvore, convidando-me a fazer o mesmo.

            - Por que quer construir um painel? – perguntei, sentando ao seu lado. Naruto encostou-se ao tronco e inspirou o ar, olhando para o céu. Eu admirei como seus olhos refletiam o céu e aproveitei para tirar outra foto com sua polaroid. Ele sorriu, virando o rosto na minha direção.

             Segurei a foto, olhando-a junto da anterior. Suspirei, apreciando o sorriso em ambas, sentindo falta de algo que nunca me pertencera: poder sorrir assim. Toquei com o dedo indicador o relevo do papel, acariciando. Mil coisas me passavam pela cabeça às vezes, quando me pegava em momentos como aquele, porém nada que esclarecesse uma verdade plausível para minha vida, para este novo contexto, um novo tempo. Olhar para Naruto sempre distorcia minhas convicções, dessa forma assustadoramente boa. Tinha medo de perder minhas rédeas, de não conseguir mais nem me reconhecer, ainda que como um montante vazio. Mas a necessidade de estar com ele era gritante, sobressaía aos berros apavorados de minha consciência e os reduzia a meros sussurros. E eu já estava certa disso, a ponto de tornar-se um ponto concreto em minha vida, lutando contra o único ponto que eu jurava ter. Antes apenas uma garota abandonada por si mesma, à espera de pagar seu carma e finalmente descansar. Agora uma reviravolta maluca, que revira e volta, uma órbita ao redor de um sol chamado Naruto.

           Talvez essa fosse a única certeza então. Se diante de todos os medos e dúvidas, eu ainda encontrasse a vontade de ficar.

            Mas eu era tão complexa que não conseguia fazê-lo saber de tudo isso. Simplesmente não sabia como lhe dizer, nem demonstrar. Porque nem a mim eu podia explicar. Eu só sabia sentir, dentre todo o abarrotado de emoções.

            - Você é... – tentei, suspirando outra vez. Sentia-me impotente, insegura, incerta. Naruto não questionou, nem pressionou, apenas se permitiu esperar o meu tempo novamente. Mas sua gentileza, sua perspicácia e paciência só me enterravam ainda mais. Havia algo gritando em mim também, em resposta à vontade de ficar ao seu lado. Eu queria dizer, eu queria falar, queria jogar para fora. Mas o quê?

             Não possuía frases. Desconhecia as razões. Só carregava as sensações e timidamente as guardava. Ao menos eu podia lhe desejar o bem, em silêncio, porque a bondade nunca precisou ser gritada à plenos pulmões.

            - Queria que soubesse que se um dia eu não puder mais estar por perto ou que por alguma razão o destino nos leve para caminhos diferentes... – engoli à seco, fechando os olhos. – Eu serei eternamente grata por ter renascido para você. Obrigada, Naruto, por ficar e me deixar entrar no seu mundo. Obrigada por significar o mais próximo de uma verdadeira vida que eu jamais poderia imaginar ter.

            Soltei o ar devagar, era o melhor que conseguia dizer. Naruto não disse nada, mas me surpreendeu ao deitar a cabeça em minhas pernas, esticando seu corpo preguiçosamente na grama fofa. Abri os olhos, dando de cara com os seus. Tão azuis, tão cálidos e líquidos, vívidos. Um oceano de sensações.

             - Nós estaremos por perto. Fizemos uma promessa, lembra? – disse, erguendo o dedo mindinho. Eu sorri, assentindo e repetindo o gesto. Desejava que fosse tão fácil, tão certo e irrevogável que meu lugar fosse onde quer que ele estiver. Mas eu conhecia o mundo mal o suficiente para não gostar de expectativas.

              - Você vai se cansar um dia. Vai chegar aos trinta, se casará com uma mulher bonita e eu ainda estarei colecionando fotos... e possivelmente gatos. – murmurei. Ele fez uma careta.

              - Por que você sempre me imagina à sua frente, Hinata?

           - Porque você é melhor do que eu. – admiti, arriando os ombros. Naruto bufou e levantou-se, negando com a cabeça.

            - Bobagem. Isso é uma desculpa para não assumir que gosta de gatos. Vamos adotar um em conjunto então. E se não quiser se casar, nós abrimos um lar para animais perdidos.  – disse, inflando o peito com orgulho. Eu ri, deixando-o vencer a discussão dessa vez.

             - Você já é especialista em dar um lar para os perdidos. – respondi. Ele ficou surpreso por um momento e depois seu rosto mudou. Uma expressão suave se formou, os olhos brilharam e exibiu seus dentes brancos, querendo dizer algo, mas fechou a boca em seguida, abaixando a cabeça e dando um sorriso tímido.

             - E você está bastante ousada hoje, minha baixinha. – brincou. Eu mordi o lábio inferior, constrangida. Naruto ergueu a face e me fitou, intenso de repente. – Eu gosto disso.

             - Por quê? – murmurei, pigarreando. Havia ficado estranhamente nervosa sob seu olhar.

             - Porque ver você se soltando das amarras é gratificante. Me faz feliz, Hina.

              A certeza em sua voz me deixou muda. Naruto era tão singelo, tão direto, mas ao mesmo tempo metafórico, quase um poeta. Sua inspiração partia de uma bondade pura, dessas que não se pode nem invejar. Seus olhos claros nunca me pressionavam, mesmo no momento em que demonstrara estar chateado. A compreensão que dava sem esperar nada em troca era surreal, distante das qualidades humanas. Um verdadeiro dom, responsável, provavelmente, pela fila interminável de pessoas em seus calcanhares, ansiosas por sua atenção, desejosas de um pouco de luz. Era fácil ver os porquês, só de olhar para suas feições. Naruto era mais que apenas um garoto iluminado, ia além de qualidades, definições e bênçãos. Ele correspondia a fatores maiores para sua própria explicação, desde seus ideais até a forma como conseguia expô-los, sem impor.

              Soltei o ar dos pulmões, desviando os olhos para as pessoas no parque. Sentia-me cansada de ser tão impotente. Farta de ter a capacidade para lhe enxergar dos pés à cabeça, até do avesso, mas não conseguir equiparar meus passos aos seus. Incapaz de ser justa consigo, de lhe oferecer um pouco do que recebia.

              Via todas aquelas pessoas levando suas vidas, parecendo felizes por motivos, às vezes, tão simples, enquanto eu não podia nem ser – de forma íntegra – a felicidade de alguém, já tão feliz, como Naruto.

              - Por que eu sinto que você está fazendo um autojulgamento errado? – interrogou de repente. Voltei minha atenção a ele, encolhendo os ombros.

              - Porque você sabe me ler muito bem. – respondi, quase soando como uma pergunta. Fiz uma careta diante à entonação. Ele riu e pegou minha mão. Brincava com os dedos, descontraído, quando disse:

              - Talvez. Eu só sei ler livros que gosto.

              Sorriu com os olhos fechados. Uma parte de mim pensou que havia uma breve ambiguidade em sua maneira deliberadamente calma de falar. Encarei sua expressão, a absorvi e notei também que ele estava usando eufemismos para lidar com o assunto. Uma clara tentativa de recuperar o bom humor da manhã. Assenti para mim mesma e apertei seus dedos, obrigando-me a fugir de minhas tendências melancólicas.

              - Certo, então eu deveria tentar transformar a sua leitura em algo melhor. – sugeri. O loiro sorriu mais amplamente, divertindo-se com minhas tentativas.

              - Gosto de ler você do jeito que é. Mas já que insiste, que tal começar me ajudando a preencher meu mural? – pediu, erguendo a polaroid. Eu ri baixo e concordei com a cabeça.

              Naruto se endireitou e mirou a câmera em mim. Fiquei constrangida, sem saber o que fazer. Se devia fazer alguma expressão específica ou não. A verdade era que eu fugia de fotos, mas ele conseguia sair tão natural, que me instigava a tentar. Coloquei alguns fios mais longos da franja atrás da orelha e logo senti o fluxo sanguíneo se concentrar nas bochechas. O click soou, sem planejamento e quando a máquina cuspiu a fotografia, tive uma visão diferente de mim mesma: uma garota viva. Tímida, talvez até mesmo alegre. O enrubescer do rosto, o sorriso de canto querendo aumentar. Uma inocência doce, paralisava minhas feições e induzia ao pensamento de que aquele era um momento feliz.

            E era, só de olhar para meu fotógrafo.

            - Minha. – ele repediu minhas palavras. E notei a ambiguidade de novo.

            - Você merece as lembranças mais felizes, então sim. – respondi.

            - Corrigindo, nós merecemos. – enfatizou. Eu ri, revirando os olhos ante à sua teimosia. Ou a minha, em seu ponto de vista. Balancei a cabeça positivamente, arrancando-lhe outro sorriso gigantesco.  – Ótimo! Então vamos fotografar, baixinha! Quem tirar as mais bonitas ganha um sorvete. -  anunciou, orgulhoso. Eu desviei meus olhos para suas fotos e a lembrança me tomou, inevitavelmente.

            Um sorvete e uma foto no parque. Melhores amigos.

            Suspirei. A saudade era engenhosa, com vida própria. Surgia a qualquer momento e assolava tudo o que via. Mas naquele momento eu senti vontade de sorrir, mesmo tendendo a entristecer. Eu podia sentir saudade, mas Naruto estava ali para me fazer reviver as sensações.

            E diante disso, percebi que estava o comparando demais à minha mãe. Eles eram pessoas diferentes e eu queria viver coisas novas com ele. É... eu queria viver com Naruto, ter outras lembranças. Poder parar daqui um tempo em algum minuto nostálgico e me lembrar das coisas que ele me faz sentir por si só, não do que me faz relembrar da pequena parcela feliz do meu passado.

            - Naruto. – chamei, sorrindo. Ele me encarou, esperando. Eu aumentei o sorriso, quando uma sensação enérgica me tomou. – Prepara essa câmera, porque o sorvete já é meu.

                                                              ***

        Naruto

                    Entrelacei meus dedos nos de Hinata, por pura vontade de não perder nenhum contato. Queria ir fundo o quanto pudesse, qualquer coisa que me encorajasse a lhe dizer meus segredos. Qualquer sinal de que ela não fosse fugir. E para falar a verdade, aquele dia estava sendo bom. Até demais, depois de tantos outros cheios de dúvidas, dores e medos. Eu quase podia jurar que Hinata estava sendo feliz. Principalmente quando me surpreendeu, fotografando nossas mãos unidas. Ela parecia subitamente interessada em ganhar nossa pequena aposta, em participar ao meu lado naquela atividade e não atrás, como sempre tinha a mania de fazer. Eu não sabia dizer se ela havia escolhido o dia perfeito para me encher de sorrisos ou se era obra do destino, mas algo estava diferente.

                 Talvez ela, talvez eu. Nós. Independente, parecia o momento ideal. Se, é claro, eu não estivesse congelando de medo por dentro. O caso era que, por falar em destino, eu havia pensado na mesma coisa que Sakura sugerira, antes até de embarcar na viagem. Irônico é que eu havia planejado algo semelhante, idealizado lhe deixar entrar ainda mais em minha vida. Só não tinha contado com a total amnésia que se apoderaria de mim sobre os inúmeros discursos que fizera, ao estar finalmente decidido e em frente à Hinata.

                 Um tolo, era o que eu me sentia. Muitos diriam que o problema era ela, mas eu não queria muda-la em nem uma só vírgula. Havia me apaixonado por tudo, desde seus defeitos e qualidades, seu jeito, manias, sua beleza e até mesmo a sua complexa causa. Absolutamente tudo me era especial e não trocaria nada, por mim, exceto a carga negativa e os traumas do passado de seus ombros, mas isso era mais para o seu próprio bem do que qualquer interesse externo meu.   

                E por isso deixei-a tranquila naquela manhã, para pensar e dizer o que quisesse, mas me esforcei em fazê-la se divertir. Achava que se conseguisse distraí-la, poderia lhe preparar para o que desejava mostrar mais tarde. E ao pensar nisso, não pude evitar sentir um calafrio me percorrer a espinha. A decisão não viera fácil e sabia que tampouco seriam as consequências. Porém, não me sentia arrependido por já ter plantado a ideia na cabeça, mesmo sob qualquer medo opressor. Porque, apesar de tudo, Hinata merecia minha sinceridade, assim como merecia minha amizade, meu apoio, sendo no sim ou não.

               Analisei seu rosto enquanto caminhávamos pelas Planícies. A vi pensativa diversas vezes, mas com os pés, de certa forma, no chão. Sentia que ela estava ligeiramente mais positiva, distanciando-se de seus poços escuros. Entretanto, isso não significava que estaria preparada para qualquer impacto. E mais do que sempre pensei ser, agora me sentia muito consciente de todos os lados humanos.

               Talvez ela acreditasse que nossa amizade só trouxera ensinamentos para si, por achar a própria vida desinteressante. Mas na verdade, eu havia aprendido inúmeras coisas com nossa convivência, inclusive nesse quesito, sobre conseguir entender melhor as reações das pessoas, por estar constantemente estudando as dela.

               E dentre todas as coisas que aprendi sobre Hinata, a mais notável era sua singular maneira de lidar com os próprios sentimentos. Sempre calculando até onde pode se permitir sentir. Quando parava para pensar sobre isso, inevitavelmente lembrava da imagem de seu rosto borrado por lágrimas, caída na areia gélida com uma garrafa ilegal – para sua sanidade – de whiskey.

               Era assustador não a entender por completo, não possuir o conhecimento certo para preencher as lacunas faltantes. Por maior que fosse meu entendimento, ainda não era total. E o pior de tudo era que algo me dizia que justamente as lacunas vazias me prejudicariam e me afastariam dela. Era o ponto vulnerável de nossa relação, um nó frouxo que deixava toda a extensão da ponte instável. Ainda que eu prometesse não deixar nenhum de nós cair.

               Enquanto divagava, Hinata observava o céu, havia se deitado no gramado macio. Sua pele quase translúcida refletia o sol morno que a banhava, num perfeito contraste com seus cabelos escuros espalhados ao redor da face. Transmitia uma sensação de tranquilidade, um desafio aos meus olhos, um paradoxo nas linhas e entrelinhas do que o seu ser queria dizer. Sorri com o canto dos lábios e aproveitei para fotografá-la. O barulho da câmera lhe chamou a atenção e ela virou o rosto, buscando com o olhar os meus olhos.

              - Se está tentando ganhar o sorvete, é melhor se esforçar mais.  – brincou, sorrindo de leve. Eu lhe mostrei a língua e deitei ao seu lado, esticando a fotografia acima de nossas cabeças. Ela torceu os lábios para a própria visão em terceira pessoa e isso me arrancou risadas.

              - Vamos escrever no verso: “Tentando copiar o bronze do Naruto”. – disse. Hinata bufou, olhando-me de canto e, da mesma forma, capturei outro breve sorriso. Ainda que não fosse um milagroso riso frouxo, já era um começo. E, de repente, me perguntei se havia algum motivo especial para ela estar exclusivamente mais aberta naquele dia. Analisei seu rosto, tentando não me atentar à nossa proximidade física.

            - Ei – chamei, vendo-a virar a face para o lado, de modo que nossos olhos se fixaram um no outro. Os dela ligeiramente opacos, nostálgicos, o que me deixou mais certo acerca de minhas suposições. – Você está tão estranhamente pacífica hoje... Sinto que algo te incomoda, mas está lutando para ignorar, relevar.

            Ela pareceu absorver minhas observações, entretanto, ponderou para responder. Se apenas sobre como dizer ou mesmo se deveria fazê-lo.

           - Algum problema? Eu só estou dizendo o que pensei, mas não se sinta pressionada. – aliviei, embora a contragosto. Hinata negou com a cabeça e sorriu de leve outra vez. Pensei que fosse desviar os olhos, mas ao contrário disso, focou-os nos meus, a nostalgia agora tornou-se um suave brilho.

           - Eu já estive em um ambiente assim com minha mãe, quando era criança. Ela tinha uma câmera e nós só ficamos juntas sob o sol. – contou. A encarei, buscando qualquer sinal de melancolia. Não havia pensado nisso como a razão para a súbita mudança, mas vendo pelo lado de que ela aparentava estar bem, me surpreendi com sua força. Não estar tão triste por uma lembrança já era um avanço digno de comemoração. Lhe toquei os dedos, suavemente, com admiração e carinho quase palpáveis. Notei seu olhar sobre mim, era doce, apaziguava meus hormônios aflorados, me fazia ter vontade de transformá-la em uma obra de arte só para eternizar no mundo aquela visão. – E nesse dia ela me contou o que significava a palavra amigo. E jurou, daquele dia em diante, ser a minha melhor amiga. – murmurou, sorrindo. A leve covinha que aparecia em sua bochecha direita quando sorria amplamente me deixou envolto no momento, preso diante de tanta beleza, tanta ternura. Ah, como ela era singela, gentil e profunda. Apertei nossos dedos e Hinata se sentou, vasculhando subitamente a sua bolsa. Esperei pelo o que estivesse procurando e quase tive o coração derretido pela visão que me proporcionara.

             Ela tirara uma fotografia de uma polaroid, já meio gasta e velha, mas a segurava como se o mundo valesse aquele pedacinho de papel. E quando pude ter a honra de tocá-la, meus olhos se focaram na imagem de uma pequena Hinata, com a ponta do nariz suja de sorvete, tão graciosa quanto um anjo. As bochechas gordas, rosadas, os cabelos finos desde aquela idade com a franja lhe cobrindo a testa e as mãozinhas minúsculas e meladas, segurando um grande cascão de sorvete italiano enquanto lambia a parte superior quase derretida. O colo cheio de flores coloridas de papel, vestida de um jeito leve, quase como se tivesse saído de uma pintura. E diante de tantos detalhes, só então percebi que ao seu lado estava uma linda mulher, tão idêntica ao que ela se parecia hoje, que senti meu coração apertar.

           Aquela mulher era Hyuuga Akemi. O sorriso amplo, os cabelos igualmente escuros, o carinho evidente nos olhos perolados. O amor de mãe tão estampado naquela pequena fotografia me fez sentir vontade de imediatamente correr para o colo da minha. E depois, a familiar sensação de já tê-la conhecido, de saber exatamente o som da sua voz e o cheiro de sua pele.

           - Nesse dia, ela me perguntou se eu tinha dado nomes para minhas flores. Eu não tinha, embora a amarela fosse minha preferida. Akemi tentou chama-la de “sol”, mas eu disse que ela precisaria de algo mais específico. – disse, olhando a foto ao meu lado, parecendo se lembrar de tudo com exatidão. – Bom, acho que no fundo, eu gostaria de chama-la de Naruto.

            Levantei os olhos, surpreso. Ela me sorriu, com graça, com afeto. E eu finalmente deixei que a emoção transparecesse. Naquele momento, Hinata havia me deixado entrar. Eu a sentia tão viva dentro de mim que era quase insuportável. Queria lhe abraçar, lhe esmagar em meu peito, queria lhe tornar só minha.

             Lhe dedilhar.

             E nesse momento, eu soube, que não poderia mais esperar.

    “Eu prometo que um dia estarei por perto

    Te manterei a salvo

    Te manterei segura

    No momento, as coisas estão meio loucas

    E eu não sei como parar ou diminuir o ritmo disso

    Olá

    Sei que existem algumas coisas que precisamos discutir

    E eu não posso ficar

    Só me deixe te abraçar um pouco mais, agora

    Pegue um pedaço do meu coração e o faça seu

    Então, quando estivermos separados

    Você nunca vai estar sozinha

    Quando sentir saudades, feche os seus olhos

    Eu posso estar longe, mas nunca fui embora

    Quando você adormecer à noite

    Lembre-se que nós deitamos sob as mesmas estrelas”

                Puxei Hinata para cima e impetuosamente lhe abracei. Saciei um pouco de minha vontade, girando com ela no lugar, apertando meus braços ao redor de sua cintura. Ela se assustou inicialmente, mas depois a senti leve e enfim, assim como já desejava há tempos, sua gargalhada preencheu meus ouvidos.

                Doce, alegre como de uma criança, alta e clara. Bem ali, só para mim. Causada por mim. Fora o som mais gostoso que já ouvira, encheu-me de esperança, aqueceu cada ponto de meu âmago. Um riso especial, raro, uma joia rara feito ela.

                Não havia um milímetro em Hinata que precisasse ser mudado, nada que lhe estragasse a beleza. E eu sabia disso, só de sentir cada emoção que me causava, apenas por tê-la ali, nos braços, quente e pequena, indefesa, mas forte. Eu só queria abraça-la para sempre, como se pudesse travar à nós dois ali, sozinhos do restante do mundo. Tendo como a nossa única prova, uma câmera polaroid.

               - Hinata... – murmurei, descendo seus pés no chão, sem largar seu corpo. A olhei de cima e sorri, tocando-lhe a face com gentileza e só então me afastei, respeitoso, entendendo que por mais apertado que desejasse ser o nosso abraço, não éramos um casal.  Respirei fundo, num mar de emoções que jamais poderia administrar. – Eu quero lhe mostrar uma coisa importante. 

                 Os sons dos chamados dos professores interromperam ligeiramente meu discurso, mas não liguei, aproveitando para segurar sua mão com a minha livre. Ela se manteve focada em mim, sorrindo de leve, corada por ter rido de uma maneira tão solta.

                - Não se preocupe, pode me mostrar o que quiser. – disse, deitando sua cabeça em minha palma.

                Eu sorri, certo de que agora nada me impediria, nem o medo e nem qualquer que fosse sua reação. Independente de tudo, eu só queria lhe dizer, eu só queria lhe dar a oportunidade de receber amor de mais alguém. Eu só queria lhe fazer viver. E mais do que nunca, ela precisava saber que além de dois amigos, além de uma pérola e um oceano, havia mais. Além.

                Nós podíamos ser o mundo inteiro.

                                                   ***

                    Ansiedade poderia definir o que eu sentia, ao me dirigir até o corredor dos dormitórios femininos. O sol já estava se pondo e minha coragem estava beirando à loucura, entretanto, ali estava, em pé frente à porta de Hinata. Bati com os nós dos dedos na madeira e esperei, batendo o pé incessantemente no chão. Ela já estava à espera, então seria simples. Só precisaria encontrar um bom lugar, respirar fundo e me deixar levar.

                   Quando a porta abriu, dei de cara com uma garota morena, de estatura mediana e olhos amendoados. Ela olhou-me de baixo, meio surpresa e corou violentamente quando lhe sorri educadamente com o canto dos lábios. Mas, na verdade, eu não me sentia com paciência para apresentações, então respirei fundo e fui logo me adiantando:

                  - Oi, eu vim buscar a Hinata.

                   A jovem engoliu à seco e virou-se, atrapalhada com a porta, mas foi efetiva em trazer a Hyuuga até o batente, enfim pronta para meu desabafo. Ela acenou para a colega de quarto e se mostrou tímida diante de mim, rindo baixinho.

                  - O que foi? – perguntei. Hinata mordeu o lábio inferior, corando. E isso me desviou da própria pergunta, mas ignorei, antes que meu nervosismo a assustasse.

                  - Ayame-chan é muito engraçada. – explicou. Eu cocei a nuca, compreendendo o significado por trás de suas palavras, embora não gostasse muito desse assunto. Tinha consciência de minha suposta fama, mas julgava totalmente desnecessário. Bom, ao menos anteriormente, quando a ideia de gostar de alguém de novo soava suicídio. Hoje, me pego pensando se os efeitos causados nas outras garotas teriam alguma chance com Hinata.

                  Engoli o nó que se formou em minha garganta e apertei a alça da caixa forrada em couro preto que carregava. Os olhos dela se atentaram a isso, mas lhe impedi de perguntar, aproveitando a outra mão livre para puxá-la em direção ao jardim dos fundos da Pousada. Rodei os olhos em busca de qualquer espaço vazio e longe da porta e quase comemorei ao avistar um banco solitário no canto de um pequeno jardim. Hinata estava quieta, não questionara o porquê de tudo precisar ser tão secreto, mas ao menos me seguira e se sentara no velho banquinho de madeira escura, com adornos de metal. O cenário era perfeitamente romântico, pelo ponto de vista estético, o que só intensificava meu nervosismo.

               Mas agora não importava, já havia feito a escolha, já estava ali diante dela. Não havia mais volta. Quando me sentei ao seu lado no banco e encarei sua face, senti o peso da decisão subitamente cair sobre mim. Minhas mãos começaram a suar e meu estômago esfriou, frenético como se rodopiasse no abdômen. Quis rir de minha situação deplorável, mas meu maxilar parecia duro demais. E sob todas essas sensações, soube que aquele era o momento.

              - Feche os olhos, por favor. Apenas... me escute. – pedi e ela assentiu, acatando ao pedido sem nem pestanejar. Respirei fundo e abri a caixa, enfim retirando de dentro dela, os meus sonhos perdidos.

    “Se isso é para terminar num incêndio

    Então, deveríamos nos queimar juntos

    Veja as chamas subirem bem alto à noite

    Chamando o Pai, oh, ficamos aqui e nós iremos

    Ver as chamas queimarem e queimarem

    A encosta da montanha

    E se deveríamos morrer hoje à noite

    Então, deveríamos todos morrermos juntos

    Vamos brindar com um vinho pela última vez

    Chamando o Pai, oh

    Nos preparamos enquanto iremos

    Ver as chamas queimarem e queimarem

    A encosta da montanha

    A desolação vem do céu

    Agora eu vejo o fogo

    Dentro das montanhas

    Eu vejo o fogo

    Queimando as árvores

    E eu vejo o fogo

    Perfurando almas

    E eu vejo o fogo

    Sangue na brisa

    E espero que você se lembre de mim”

               Minha voz soou tão firme no início que nem pude acreditar. Mas ali estava eu, cantando para ela outra vez, embora mais do que isso. Eu estava lhe entregando o que achava ser o melhor de mim. Meu grande sacrifício e ao mesmo tempo, meus gigantescos sentimentos. E foi com todos ele que eu tomei coragem e levei os dedos às cordas, iniciando a música, relembrando o toque, sentindo-a.

                Dedilhei meu velho violão enquanto sonhava que poderia dedilha-la também.

                Seus olhos abriram de imediato e eu os contemplei. A sensação foi tremenda e senti meu corpo inteiro estremecer. Isso era... nossa, era amor. Só podia ser. Não havia nada mais que pudesse explicar, que pudesse traduzir. Sua surpresa fez seus lábios entreabrirem, mas as pérolas intensificaram-se, as pálpebras suavemente serraram, transformando seu olhar, fazendo-o transbordar algo que eu jurava ser calor. Tal como na canção, incendiou tudo ao redor. Me jogou em chamas.

                E conforme a música se estendia e seu fogo me queimava, senti-me nu. Totalmente despido diante daquela mulher, indefeso como uma criança, entregue como se estivesse nascendo e morrendo ao mesmo tempo. Era doloroso lhe dar tudo de mim sem saber se teria um mísero pedaço dela, qualquer coisa que não deixasse esse fogo apagar, que não me congelasse em outra decepção. Minha mente tornou-se quase nebulosa e percebi que eram meus olhos marejando, sem ordem, sem planejamento.

              Eu só a queria, mais do que a qualquer outra pessoa. Mais até do que meus sonhos antigos, perdidos, sacrificados pelo amor. Amor este que agora eu queria despejar sobre ela, sem delicadeza alguma. Ao contrário, com urgência. Eu estava urgente, eu estava ofegante, eu...

             Eu estava apaixonado. Inconsolavelmente apaixonado.

             Já fazia tanto tempo desde a última vez que tocara alguma coisa que já me sentia distante de mim mesmo, longe do que antes movia meu mundo. E era culpa dela, ainda que com seu jeito tão inocente, porque havia esquecido de cultivar meu próprio eu enquanto procurava encontrá-la. Havia imaginado mil reações para o momento, mas nada que fosse me destroçar de uma forma tão dura, tão forte. Talvez eu não tivesse compreendido ainda a magnitude dos meus sentimentos por ela e por isso aquilo doía tanto. Rasgava meu peito enquanto eu rasgava a melodia, esculpia a canção com cada uma daquelas odiosas cordas, com cada pingo do sentimento que me fazia queimar, detestar a mim mesmo por ser tão frágil.

             Ah, como eu a amava. Era fato, era real. Se não o fosse, não haveria dor, não haveria ódio. Não haveria nada dessa sensação concreta e esmagadora. Porque o sentimento de verdade não envolvia nenhum conto de fadas, nem qualquer caminho fácil. Eu imaginava isso, mas não compreendia. Nunca havia sentido e nem o queria tão cedo. Mas... oh, droga, eu já estava nesta teia, quase como se fizesse parte dela.

              Começara lento, surpreso, como acordar de um sonho por um susto externo. E terminava ardente, arquejante, fora dos eixos. Eu me sentia estranhamente rouco, leve e ao mesmo tempo pesado. As palavras ainda estavam salivando em minha boca, penduradas em minha língua, ansiosas para serem despejadas, para que o peso diminua, para que a dor desapareça.

                E quando eu terminei, quando meus dedos doloridos soltaram as cordas e meus olhos derramaram as teimosas lágrimas e meus lábios tremeram, Hinata se levantou. Ela parecia tão tonta como eu estava. Podia ver o mundo dentro dos seus olhos profundos, um furacão passava-se dentro de nós dois. Mas não importava, não era exatamente dentro do olho do furacão o lugar mais seguro?

                A encarei, esperei, sangrei por qualquer coisa que pudesse me proferir e quando sua voz soou, eu quase tive certeza de que perderia os sentidos se fosse um abandono.

               - Naruto... você é inexplicável. O que foi isso? Por que...? – murmurou, gaguejando um pouco. Eu larguei o violão sobre o banco e me pus de pé à sua frente, com as pernas bambas.

               - Isso era o meu sonho, o que eu queria ser. O que eu achava que era. E quando o amor me foi tirado, eu jurei que sacrificaria o melhor de mim apenas para quem merecesse o amor. Eu estou te dando meu sonho, Hinata. – respondi, rouco, mal podendo me ouvir diante das batidas pesadas de meu coração. Ela ligeiramente empalideceu e seu rosto foi iluminado pelo sol, tornando-a tão quente... tão acolhedora.

               - E-Eu não mereço, por que está me dando seu sonho? – sussurrou e seus olhos encheram de lágrimas mornas. Eu expirei o ar dos pulmões e a fitei profundamente, sentindo o corpo inteiro tremer, ansiar em desespero por seu carinho. Uma sensação que não podia nem imaginar como conter. Eu não poderia mais aguentar, estava me matando como um doce veneno diretamente na veia, fazendo tudo escurecer como se eu estivesse prestes a cair em um abismo. E foi então que eu decidi pular.

              - Porque... Eu sou louco, um completo maluco, idiota e desajeitado, mas insanamente apaixonado por você. Hinata... Eu te amo.


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