Lua Cheia

Ele espreitava do canto mais escuro da praça. Sentia-se embriagado pelo cheiro de maresia no mar, misturado ao perfume da fêmea. E a jovem morena daquele país tropical, bonita por natureza, a beleza que gingava os quadris tentadores, atravessava a praça iluminada por poucos lampiões a gás. A criatura salivava nas sombras, ansiosa por experimentar o tempero da pele morena, salgada pelo banho de mar que havia tomado, e o suor de uma noite quente. A lua cheia exibia poderosa. E a jovem com curvas exuberantes, as formas sensuais de seu corpo atraíam a fera.

Ele não controlou mais o apetite por uma refeição.

A lua cheia apenas ordenou que seu escravo seguisse em frente. A jovem estava ali... Ela não podia escapar.

A liberdade dele vinha da submissão que exigia de sua vítima.

-Por favor... Não... Não me mate... –Implorou ela no português com gosto brasileiro, submissa entre as garras que a rasgariam por inteiro.

Matar?! Era o que seu instinto... Era a ordem imposta pela lua. Ela mandava. Ela ordenava e ele obedecia.

Foi o vento que trouxe as nuvens negras, e foram elas que encobriram o brilho intenso do luar, a escuridão se tornou completa naquele trecho da praça.

A vítima não se mexia, em pânico, caída de costas contra o chão imundo.

Seu atacante sobre ela, as garras, porém, não se decidiam a terminar o que havia começado, ele aproximou o focinho  assustador, os dentes perigosos próximos demais da pele morena, quase colados á fêmea que desejava.

Hesitou, como hesitara outras vezes, desde que fora transformado, havia mais de um ano.

Não era a principal crítica que escutara sua vida inteira?!

Victor contrariou a natureza mais uma vez. Largou a moça jogada na praça e fugiu para longe, o mais longe que suas quatros patas pudessem levá-lo.

O início da manhã espantou a aparência do lobo, cedendo espaço para o organismo de Victor reencontrasse a forma humana.

Sempre na primeira lua cheia, ele se transformava, na época onde ela aparecia vitoriosa.

Os pelos caíram e o focinho desapareceu, revelando-se um homem jovem, Victor tinha 22 anos, era alto e estava nu.

Com medo de ser flagrado naquela situação mais do que constragedora, ele se esqueirou sob as sombras projetadas pelo sol no cais de pedras daquela cidade portuária, não sabiamais onde estava, havia embarcado em um navio na Argentina com destino ao Brasil, então nascera o primeiro dia da lua cheia daquele mês, prometendoa noite imprevisível de aromas e sabores... Lembrava-se de ter desembarcado em algum porto... Santos, sim, no Brasil. É vinha atrás de alguém especial... Eliza, que estava em São Paulo acompanhando o pai em uma viagem de negócios ao país.

O vozeiro de um grupo de trabalhadores que chegava para mais um dia de trabalho bruto no cais obrigou Victor a se esconder atrás de uma pilha de sacas de café. Eles falavam um português arrastado... Eram portugueses, imigrantes que tentavam uma vida melhor na terra além do mar.

O rapaz saiu de trás das sacas de café, os raios solares o obrigaram a estreitar as pálpebras para proteger os olhos que enxergavam o mundo meio embaçado, precisaria de ajuda para obter roupas e umas moedas.

-Bom dia cavalheiros!. -Saudou, agradeceu em pensamento ter as mãos grandes que usou para cobrir a virilha.

Um deles não segurou a gargalhada, e não demorou para que todos os seguissem, cada vez mais constragido, Victor tentou falar entre as risadas.

Solidários, os trabalhadores portugueses não se opuseram em ajudá-lo, isso, claro, depois de quase dez minutos de risos e piadas sobre a situação do rapaz.

Victor  conseguiu roupas velhas e algumas moedas .

Victor filho de um poderoso empresário conseguiu chegar a empresa, onde se vestiu adequadamente, essa foi a primeira coisa.

A segunda coisa seria almoçar, pois estava com uma fome enorme, Victor odiava perder o controle sobre sí uma vez por mês, odiava quando a lua o dominava e o deixava uma fera... Um lobisomem feroz e descontrolado... Um selvagem.