Olá, amorinhas! Tudo bem com vocês? Eu sei que isso é cansativo, mas devo uma explicação à vocês. Estou com pouco tempo para escrever, pessoas. Geralmente escrevo à noite depois que chego da aula, mas não dá muito proveito porque acabo dormindo. Maaaas, no meu caso, às vezes a insônia pode ser amiga! E foi pela noite não-dormida que estou aqui hoje. Já tinha escrito o capítulo faz uns dias, mas só agora deu tempo de postar. Então, vamos lá! Espero que gostem! Boa leitura :*
PS.: Leiam as notas finais, por favor.
Sakura
Havia acordado um pouco mais cedo do que os outros alunos naquela manhã. Combinara com os meninos de nos encontrarmos no pátio dos fundos da pousada, antes da grande reunião no refeitório, porque Sasuke disse que devíamos tirar um tempo para nós três planejarmos algo juntos, como nos velhos tempos. O que de início estranhei vindo dele, mas logo entendi, ao ver a expressão esquisita de Naruto. Embora o motivo de estarmos nos encontrando pudesse soar melancólico, era ótimo estar com os dois dessa forma, nosso trio andava um pouco de lado desde que... bom, que o loiro cabeça-dura caíra aos pés de nossa nova amiga Hinata. Não que eu fosse contrária a isso, apenas não concordava com todo esse medo que o rondava, achava injustificável, exagerado. Naruto havia posto os olhos na garota Hyuuga como se houvesse acabado de descobrir alguma coisa inacreditável e a tratava tal como uma boneca de porcelana frágil.
Era surreal. Até insano, diante da feição desnorteada que ele fazia. Enquanto eu me aproximava devagar da dupla, parei para analisar o loiro. Meu melhor amigo era o garoto mais especial que eu já tinha conhecido e acreditava ser por isso que ele conseguia tantos seguidores em suas causas e ideais. De forma que o ver se destruir me deixava extremamente impotente, como retroceder nos piores tempos de nossa amizade, quando eu me apaixonara por Sasuke e acabara por ficar cega nesse sentimento, escondendo-me sob sua sombra, enquanto ele andava ao lado de Naruto e os dois se tornavam cada vez mais irmãos. E eu me lembrava cada vez menos de ser uma amiga.
No contexto atual, a impotência estava mais ligada em não poder o alcançar, ainda que queira. Porque eu o entendia, no sentimento, reconhecia como estar apaixonado poderia ser terrivelmente mortal se não administrado corretamente. Só não podia entender o motivo de tanta complicação. Hinata podia ser um poço bem escuro por dentro, desconhecido por mim, mas quanto ao seu sentimento por Naruto, ela era mais transparente que a água. Dava para notar, ela também o amava. Podia enxergar no fundo de seus olhos alguma coisa acender sempre que ele era o assunto. A garota tomava o maior cuidado ao se referir à Naruto, enfatizava uma timidez esquisita, não inocente, era mais como se ela não quisesse expor a importância dele porque tratava-se de algo pessoal demais. Algo só dela.
E talvez, diante de tantas conclusões, a única resposta para ambos era: nenhum dos dois sabia que Hinata estava apaixonada. Suspirei, balançando a cabeça, inconformada com uma situação tão infeliz. Naruto era um cabeça-oca nesse sentido, sua humildade chegava a ser irritante, como Sasuke diria, para não perceber o quanto uma garota pode estar gostando dele.
Os alcancei, depositando um beijo na bochecha de cada um. Sasuke me deu um sorriso breve de canto e Naruto apenas tocou meu ombro com uma das mãos. Inspirei a brisa matinal gelada, apesar de o sol estar morno sobre nossas cabeças. Era um clima que me agradava, o céu bem azul, poucas nuvens, sol quente, mas vento gelado. E pensei ser por isso que os canadenses denominavam a época como verão. Havia ouvido também pelos corredores na noite passada que a temporada em alguns lugares do país podia trazer realmente uma temperatura boa, embora em muitos outros alcançar os dezoito graus fosse motivo para deixar os casacos de lado.
- Ohayo, Sakura-chan. – disse Naruto, olhando brevemente para mim e logo desviando os olhos estranhamente sem brilho para qualquer ponto fixo. Sasuke tocou minha mão, segurando-a firme e lhe lancei um sorriso terno antes de perguntar-lhe aos sussurros o que nosso amigo tinha de errado, além do óbvio.
- Ele está deprimido porque a Hinata o prendeu na friendzone. – zombou o Uchiha, revirando os olhos. Naruto bufou em resposta, incomodado. Encarei Sasuke seriamente até que ele entendesse que não estava brincando. Seu suspiro veio logo em seguida e endireitou-se na mureta em que estavam encostados. – Eu já falei com ele, esse cabeça-dura, deixei bem claro o que penso sobre tudo isso. Qualquer um pode ter problemas, mas se torturar para proteger alguém não vai levar à lugar algum. E ele nem sabe se essa garota irá repudiar tanto assim o fato. – completou.
Sentei sobre os tijolos do pequeno muro, entre os dois, para que pudesse ter uma posição melhor na conversa. Naruto nem mesmo o respondeu e isso me deixou curiosa. Toquei-lhe o ombro, chamando sua atenção.
- Qual é o problema, de verdade, Naruto? Acho que nós merecemos saber, somos seus irmãos. – murmurei, na intenção de atingi-lo em cheio. Talvez tenha funcionado, pois mexeu-se desconfortável, visivelmente ponderando sobre o assunto, o que dizer e como explicar. Senti pena por ver sua confusão interna lhe consumir, não era do feitio de meu melhor amigo.
Abriu a boca duas vezes, prestes a falar, mas desistindo. Fechou os olhos com força e notei o quanto ele queria dizer, ainda que algo o impedisse profundamente.
- Naruto, você pode contar conosco. – insisti, preocupada.
- Não é assim. Contar vai revelar coisas sobre ela, coisas que Hinata me confiou como segredo. Não posso traí-la, Saky... – respondeu de forma incomodada, como se falar doesse.
- Mas você está sofrendo! – exclamei, expirando pesadamente – Está apaixonado de verdade, Naruto. Pela primeira vez, você está completamente louco por essa garota. Está até perdendo a razão, como espera que deixemos isso acontecer diante de nossos olhos, sem fazer nada para lhe arrancar essa angústia? Nós amamos você.
- Devia ao menos tentar, cara... Eu sei lá, apenas diga. Não vai matar ninguém, Hinata não pode se afastar de você porque descobriu que a ama. No final das contas, não seria ainda mais carinho do que já dá para ela? – questionou Sasuke. Assenti, concordando. Naruto manteve os olhos fixos em pontos aleatórios, pensativo. As mãos nos bolsos do casaco e a testa franzida indicavam o quanto ele estava tenso. Com sua espontaneidade, ele geralmente gesticulava, sorria, apoiava a cabeça nas mãos, se movimentava frequentemente. Vê-lo tão diferente ainda me causava sensações estranhas, indecisas entre me preocupar ou gostar dessa nova versão.
- Eu vou contar... um dia. – murmurou. Inclinei a cabeça, olhando-o com compaixão. Naruto nunca tivera problemas para demonstrar seus sentimentos e não tinha consciência de como isso era nobre. Mas olhando por este novo ponto de vista, talvez houvesse uma razão maior por trás de suas ações que o transformasse em mais nobre ainda. E isso me fez lembrar de uma das coisas mais bonitas que aquele garoto cabeça-oca havia feito pelas pessoas que mais ama, no passado. Seu pequeno sacrifício. E embora sentisse uma leve pontada de ciúmes por lhe sugerir a ideia, pensei ser o empurrão que ele precisava.
- Ei! – o cutuquei, ganhando sua atenção. Sorri antes de falar, mordendo o lábio inferior de modo sapeca – Por que não mostra a ela o seu segredo de confiança? Você já deu o seu coração sem nem precisar de muito, por que não lhe dar também seus dons?
Seu olhar ganhou um brilho nostálgico bonito. Combinava com a paisagem e o clima, o tornava mais aquecido. Sasuke soltou um suspiro ao meu lado e passou um de seus braços ao meu redor, esticando o outro na direção de Naruto.
- Eu juro que se depois disso ela fugir de você, vamos viajar para Las Vegas com uma mala cheia de imprudência e uma passagem só de ida para longe de toda essa merda. – disse, olhando nosso amigo com um sorriso largo e raro. Fez meus olhos brilharem e me senti emocionada por ainda estarmos ali, depois de tantos anos, sem deixar apagar uma fagulha sequer de nossa amizade. Naruto abraçou à nós com ímpeto, rindo pelas palavras de Sasuke. Eu abracei como pude os corpos grandes, lembrando de uma época muito antiga, quando nós ainda conseguíamos fazer isso sem que eu me perdesse entre os dois grandalhões. Quando Sasuke ainda era mais rabugento, com vergonha de dar e receber abraços e com aquela estranha repulsa por garotas. Eu balancei a cabeça, sorrindo pela lembrança, pensando em como todos havíamos mudado. Senti orgulho por meus dois garotos terem crescido tanto, principalmente em seus corações.
Mesmo diante da camaradagem infinita entre eles, não me senti atrás. Nossa irmandade era meu maior tesouro, minha maior descoberta, a maior parte de mim. E tinha certeza de que o mais bonito de tudo isso era como esse sentimento pertencia à nós três. Juntos.
- Vocês são os melhores. – Naruto murmurou, com a voz levemente embargada, mas com uma alegria evidente. Nos separamos, fazendo um pequeno círculo de sorrisos brilhantes e olhos acesos. Tão diferentes um do outro, mas tão pertencentes à um mesmo sonho.
- Nós três somos. – respondi, apertando sua mão grande e bronzeada. Sasuke subiu seu braço de minha cintura para meus ombros, puxando-me para perto apenas para estalar um beijo em minha bochecha, colando nossas cabeças em seguida. Naruto sorriu para nós dois e eu corei, rindo para minhas botas pretas.
- Mas em breve seremos quatro. – disse Sasuke, lhe lançando uma piscadela. Bufei, mas concordei, esperando que a confiança dele não falhasse no fim. Naruto assentiu, coçando a nuca, um pouco constrangido pelo comentário sutilmente malicioso.
- É, vamos ver no que isso vai dar... – respondeu, desconcertado. – Bom, até mais tarde, pombinhos! Agora vou correndo para o refeitório procurar um lugar que me permita admirar uma certa vista. Não demorem! E ah... Arigatou. – despediu-se, sorrindo daquela forma que era só dele. Sasuke socou o punho ao seu e depois o loiro voltou para dentro.
Suspirei, alegre. Olhei para o rosto do Uchiha ao meu lado, ainda agarrado a mim, de um jeito mais fraternal do que qualquer outra coisa. Mas suficiente para fazer meu coração saltar a cada minuto. Ele sorriu de canto, sendo iluminado pelo sol suave, fazia ser possível enxergar alguns poucos risquinhos em seus olhos tão escuros. Eu gostava de pensar em como pareciam buracos negros, feitos para me sugarem por completo, me prenderem em outro tempo e espaço só nosso.
- Acha que ele vai conseguir? – perguntei baixinho. Sasuke deslizou novamente o braço para minha cintura, virando-me de frente para si. Apoiei minhas mãos em seu peito, segurando a gola de seu moletom azul escuro.
- Eu realmente acho que sim. Afinal, se eu consegui, por que aquele cabeça-oca não conseguiria? – respondeu, encarando-me fixamente. As íris tal como um par de ônix transmitiam seu amor contido e eu apreciava isso, de verdade. O fazia ainda mais meu, só por me transformar na única que poderia ser dele. Não podia prever se ficaríamos juntos até envelhecermos, mas eu não pensava muito sobre. Tinha certeza de que Sasuke, Naruto e eu seríamos o mesmo trio até nossos últimos dias e esta convicção já era suficiente para me fazer sentir feliz por ter sido a primeira a despertar esse olhar no conservador Uchiha. Sorri em resposta, erguendo-me para lhe depositar um beijo no canto do queixo e logo nos lábios mornos, entreabertos pelo carinho anterior.
- Tem razão. – sussurrei. Sasuke apertou o abraço ao meu redor, depositando um beijo em minha testa antes de apoiar o queixo no topo de minha cabeça.
- Você é minha razão. – ele sussurrou de volta, tão baixo e tão íntimo que tive certeza de que falava consigo mesmo. Mas eu ouvi e sorri, o nariz em seu pescoço, inalando o cheiro refrescante de sua pele, sentindo-o como sempre fazíamos: discretamente, sem esforços, sem correntes, sem alarmes.
Sem complexidades. E totalmente certos de todos os motivos para isso ser exatamente como deve ser.
***
Naruto
Observei as ruas através da janela do ônibus, prestando atenção à música em meus fones de ouvido. Nosso primeiro passeio da viagem, algo como apenas um saudoso “bem-vindos”, que combinava com o lugar. A cidade não era como Tokyo, agitada, brilhante, enlouquecedora. As pessoas eram tão educadas quanto, mas tinham uma expressão mais pacata. Talvez pela cultura da própria cidade ou pelo fato de ser um país frio, pouco populoso, relativamente calmo. O inverno tinha esse quê mais ameno, de certa forma. Ao meu ver, o Canadá combinava com o amor de um jeito até nauseante. E isso me fazia suspirar, de amor e de náuseas.
Meu estômago estava prestes a dar um nó cego e eu já nem conseguia raciocinar direito. Achava-me forte o suficiente para ser tudo, resistir até o fim, ser o fiel melhor amigo tão estimado, que eu sabia significar muito, inclusive. E talvez fosse esse o problema. Havia uma necessidade gigantesca de existir alguém para ocupar esse cargo na vida de Hinata. Ainda que eu não o deixasse de ser, ela podia não compreender desta forma. A verdade podia me aproximar como queria, mas podia me afastar definitivamente. Um paradoxo cruel, porque eu estava me importando mais com ela do que comigo mesmo.
Já era acostumado a ser, digamos, altruísta para muitas coisas. Mas no amor, era algo surreal de se imaginar. Porque o amor já é por si só quase impossível. Eu não duvidava, depois de tudo o que aconteceu, depois de cada pensamento que me invadiu, que não estivesse apenas apaixonado por Hinata. Eu estava amando. Um patamar bem acima de qualquer outra paixonite aleatória. Não era possível existir dúvida porque eu havia mudado por ela, eu renasci no seu próprio mundo, abaixei-me para ver com seu ponto de vista e entreguei-me às suas verdades.
Eu a entendi.
A desvendei.
Decorei.
E de longe, inevitavelmente, me peguei amando.
O medo de admitir que carregava era mais baseado nos temores dela do que em quaisquer outros. Eu podia conviver com dores, mas Hinata já estava saturada delas. Não desejava lhe causar nada além de sorrisos e odiava-me quando desviava os olhos para seus lábios enquanto a ouvia falar, desejando descobrir se conseguia amar os lábios mais do que as palavras que saíam por eles ao transparecer a pessoa magnífica que é. Odiava quando o vento balançava seus longos cabelos, levava seu cheiro até mim e acompanhava sua risada doce, tal como na estrelada noite canadense. Porque eu teria a puxado para a grama naquele momento, me enrolaria em suas madeixas púrpuras e me deleitaria com o gosto de sua pele, beijaria cada ponto de seu rosto, contemplaria o som do seu riso, tão raro e ao mesmo tempo frouxo. O meu recém-descoberto elixir. E eu, bom, era um completo viciado.
Mas eu não havia feito nenhuma dessas coisas. E me chateara, feito um idiota, por estar suportando essa frustração tão pesada. Não conseguia mais aguentar, sustentar, administrar, o que fosse. Eu a queria. Mais do que podia descrever, de maneiras que nem sabia que poderiam fazer parte de mim. Ora como um garoto, ora como um singelo amigo, ora como um homem. E era por esse acarretado de fatores que havia sido convencido a mudar o rumo desta história. Hinata aceitando ou não, era insustentável continuar mantendo este segredo. Eu estava pronto, até ansiava, para lhe dizer com todas as letras o que já estava explodindo em meu peito.
Ensaiara, aliás. Ri com o pensamento, pensando o quão idiota soaria se revelasse que havia cantarolado sozinho todo o repertório romântico do celular cada vez que colocava os fones. E agora não era diferente. Estar num banco afastado ajudava, compactuava com meu pequeno mistério.
Tinha consciência de que estava deixando-a confusa com essa distância. Mas Tenten estar ocupando o lugar ao seu lado algumas poltronas à frente talvez pudessem me fazer estar errado. Ela podia pensar qualquer coisa, no fim, menos que eu estava planejando me declarar para ela.
De certa forma, era romântico, não? Havia cruzado o mundo para lhe dizer “eu te amo”, três palavras que pesavam tal como a própria Terra. E pensando também ainda pela linha geográfica, as estrelas canadenses bem que combinavam com Hinata. O céu, um manto cheio de pontos brilhantes, reluziam nos seus olhos. Jóias preciosas, raras, únicas. Hinata era tão assombrosamente especial que podia se igualar à uma galáxia inteira e eu ainda não teria desvendado toda a sua magnitude.
Uma curva adiante e eu já encontrara outra metáfora para meu tímido amor. Cômico e desesperador. Me surpreendia não as ter despejado antes sob a doce Hinata, com toda a impaciência que possuía como característica. Suspirei. Até isso era conseguira contornar! O que mais podia fazer o poder desta garota sobre mim?
Tirei os olhos da janela quando senti o estofado do banco levemente afundar ao meu lado. As pérolas me encaravam com confusão nítida e fiquei surpreso por ela ter ido até ali, importando-se sem restrições. Os cabelos estavam jogados sobre o ombro, quase roçando o assento, emolduravam seu rosto preocupado e suavemente corado pelo vento gelado que vinha da vidraça entreaberta. Vestia um casaco cor chumbo e calças jeans também escuras, o que ressaltava sua pele alva, mas ao mesmo tempo a encobria, a tornava um contraste facilmente despercebido, pela simplicidade e pela neutralidade com que tentava se misturar entre os demais. Se não fosse, é claro, por sua beleza angelical e seus grandes olhos claros. Existia uma diferença entre as outras garotas e Hinata, além de tudo o que já havia listado. Ela parecia um anjo, com feições delicadas feito uma boneca, pele clara e suave, lisa e sem nenhuma maquiagem pesando-a ou tentando disfarçar qualquer coisa. Era estonteante como ela conseguia, inocentemente, sair de cara limpa, assumindo a si mesma e ainda parecer a mais bela de todas. Sua beleza ultrapassava a futilidade, o externo e efêmero. Era algo para se contemplar, o rosto de menina, mas o olhar de mulher. Os lábios carnudos como de uma boneca, mas o sorriso trêmulo e maduro, que nasce na face, não apenas brota por qualquer vestígio de luz.
Eu tentava me atentar apenas à suas feições, olhares e sorrisos, gestos, e embora isso conseguisse atrair minha atenção na maior parte do tempo, eu ainda me percebia tão vulnerável ao seu corpo quanto à face. Fisicamente falando, sem contabilizar toda a bagagem de sentimentos, Hinata me enlouquecia. De uma paixão ardente até o ciúme escaldante. Como ela podia ser tão inalcançável, com rosto de anjo e um corpo de mulher extremamente convidativo?
Tudo bem, era da natureza masculina se atrair pela beleza de uma mulher. Eu não julgaria nenhum outro se caísse aos seus pés também. Mas eu me ardia em possessão só de imaginar. Não era apenas como se não quisesse vê-la nos braços de outra pessoa, eu não confiava em ninguém mais para lhe dar o que precisava, cuidá-la, amá-la de verdade.
- Naruto-kun? – ela chamou, fazendo a pele de meu pescoço arrepiar por baixo da gola alta do casaco. Despertei dos devaneios e focalizei minha visão em seu rosto gentil e preocupado.
- Ohayo – respondi, sorrindo com o canto dos lábios.
- Você está bem? – perguntou, hesitante. Dei de ombros, tentando parecer descontraído. Não queria preocupa-la, não era hora e não era como se eu estivesse chateado com ela ou coisa do tipo.
- Estou. E você? – joguei de volta. Hinata ponderou, mordendo o canto do lábio inferior. Eu me remexi no assento, inquieto e pigarreei baixinho.
- E-Eu... – começou, mas parou para engolir a saliva. Estava nervosa, então? Por quê?
- Hinata? O que houve? – inquiri, instintivamente aproximando minha mão da sua.
Ela suspirou, encarando nossos dedos quase unidos, embora sua mão fosse pequena e rechonchuda, como a de uma criança, ainda que em contraste por suas unhas um pouco compridas e quadradas, perto de minha palma grande e dedos longos. Sua delicadeza era tão cativante e a força que tinha em seu interior só intensificava isso.
- Estou preocupada, porque... acho que estou ferindo você. – murmurou, quase um sussurro. Curvei as sobrancelhas para baixo, franzindo a testa. E só então notei as marcas levemente arroxeadas abaixo de seus olhos, destacados por sua pele limpa e pálida demais. Divaguei sobre as possíveis causas destas olheiras, mas meu coração insistiu em dizer que eram por mim. Havia ela tido uma noite de sono ruim por ficar preocupada comigo, mesmo? Respirei fundo e cocei a nuca, incomodado, porque na verdade eu não queria isso. Não desejava que ela ficasse chateada, nem que se importunasse com perguntas a ponto de perder o próprio sono.
Ao olhar em seus olhos, tive a confirmação dita ali, timidamente. Expirei, incerto do que lhe dizer, como confortar. Era estranho, porque eu também precisava ser confortado, porém sabia que não poderia e seria ainda mais incomum que Hinata percebesse minha razão. Mas eu percebia a dela, tão sutil. Me fez abrir um sorriso de canto, melancólico, ainda que sincero. Ela não queria estar certa sobre o que pensava, não queria estar me machucando, porque dava para enxergar com nitidez como só a menção lhe era incabível.
Hinata não sabia, mas era um ser misericordioso e lindo. Poupava-se de todas as coisas boas por pensar que não merecia viver mais num mundo que fora construído por sua mãe, injusta e prematuramente falecida. Sofrera dos piores tipos de bullying e se submetera aos mais terríveis autojulgamentos e ainda assim preferia a própria dor, ao invés de se permitir ser humana e magoar outro alguém.
Notei sua expressão inquieta, hesitante e nervosa. Achava-a tão bonita, tão bondosa e graciosa. Ah... como queria simplesmente lhe dizer, lhe deixar saber o quão forte meu coração podia bater só de estar ao seu lado. Mas por enquanto só podia lhe aquietar os pensamentos, então quebrei o espaço entre nossas mãos e as entrelacei, apertando-a na tentativa de lhe assegurar minhas palavras com o gesto.
- Não se martirize, minha baixinha. – murmurei, permitindo-me ousar só um pouquinho. Ela sorriu um pouco, ponderando.
- Eu... gostei. – disse, olhando para baixo. Engoli um nó súbito em minha garganta e ignorei as batidas em meu peito.
- Gostou de quê? – perguntei.
- Do jeito como me chamou. – respondeu, sem demonstrar muito o que pensava. Congelei os olhos sobre sua forma pequena, mas sentindo-me quente.
- Isso é novo. – disse, rouco. Ela finalmente levantou os olhos, encarando-me. Pensei que talvez estivesse expondo demais minhas verdades secretas, mas não consegui disfarçar.
- Eu pareço ser uma péssima amiga quando reage assim. – respondeu, franzindo o cenho. – Talvez eu realmente seja, não é? Então...
- Você é ótima, não se preocupe. – interrompi, achando graça de sua careta. – Quer uma afirmação mais convincente?
Ela me analisou, curiosa. Abri meu melhor sorriso e me aproximei, usando a mão livre para segurar seu rosto. Deixei um beijo breve em cada um de seus olhos, tocando as pálpebras quando ela automaticamente os fechou. Aproveitei a chance para lhe depositar outro beijo sutil em sua testa, tal como na noite anterior. Demorei-me uns segundos a mais, respirando seu cheiro junto ao ato.
- Guarde suas noites de sono, durma, sonhe. E não pense demais, não se enrole nas próprias teias, porque até mesmo isso faz mal. Tenha seu equilíbrio, você é uma humana. Uma bem importante para mim. – murmurei contra sua franja.
Quando me afastei, temi um pouco a sua reação e só então parei para pensar que talvez estivesse beijando demais sua face. Era uma tentativa de sanar um pouco de meus anseios, mas Hinata poderia ter uma impressão errada ao obter conclusões sozinhas. Devia ser mais inteligente esperar, aguentar todas as vontades até o momento certo de lhe revelar a grande novidade. Não que fosse ser fácil, já estava claro que não seria de qualquer jeito. Eu só esperava que ao menos ela não se esqueça que sempre estarei por perto, para ser o que precisar.
Era doloroso, mas Hinata valia – e merecia - o risco. Depois de ver tanta dor estampada em seus olhos, depois de todo o pouco amor que a rondara ao longo de sua pequena e frágil vida, negar-lhe qualquer demonstração de carinho e afeto estava longe de meus planos.
Os olhos curiosos me fitaram e um sorriso escapou de seus lábios. Eu me contagiei, rindo baixo. Me recostei ao banco outra vez, capturando ao máximo o que podia de suas reações.
- Isso só confirmou que você é bom demais para ser verdade. E para ser meu amigo. – respondeu, balançando a cabeça, mas ainda sorria.
- Sua boba, não seja tão ingênua consigo mesma. Devia enxergar melhor aí dentro. – rebati. Hinata abaixou a cabeça de novo, quieta. O ônibus parou, assustando-me como uma quebra brusca de tempo. Estava tão entretido que o movimento sutil da condução na estrada parecia um espaço infinito de minutos em que eu só tinha à mim ali, com ela, e só.
- Talvez eu consiga melhorar isso, se puder fazer por você um terço do que faz por mim. – murmurou. Lhe encarei, um pouco tenso.
- Do que está falando?
- Quero te alcançar. Descobrir o que te aflige e... – ela levantou os olhos até os meus, permitindo-me a visão de minha própria expressão rígida. – Talvez te ajudar a ficar bem.
Neguei com a cabeça, levantando-me. As pessoas já desciam do ônibus e pensei que fosse melhor encerrarmos nossa conversa discreta. O movimento separou nossas mãos e logo senti falta do calor que produzíamos.
- Você não precisa fazer nada. Só de estar sorrindo já me faz bem, Hinata. Ver o seu bem é meu objetivo, independente da trajetória. Eu quero que esse sorriso que te ajudei a fazer nascer, não morra.
Ela ficou muda, fitando-me. Sorri com o canto dos lábios e indiquei com o polegar a saída do ônibus. Já estávamos para trás e eu sabia que ainda precisávamos de certa discrição. Hinata entendeu e se levantou, pensativa, meio zonza, aparentemente. Toquei em seu braço quando ela passou para o corredor, segurando-a.
- Eu sou feliz, Hinata. E quero te fazer também, só isso. Você acredita em mim? – inquiri, desgostoso de suas reações tão assustadas, negativas. Era como se ela abominasse a felicidade de seu próprio sorriso. Assentiu para mim e não acreditei em nada, mas fui surpreendido por um abraço torto e ligeiro, antes de vê-la quase correr até a porta. Virou-se, com o pé no primeiro degrau, e ponderou. Eu esperei que dissesse algo ou que justificasse suas ações tão confusas, mas ela mais uma vez quebrou todas as minhas muralhas, quando singela e finalmente se pronunciou:
- Eu sempre vou sorrir pra você.
E sorriu.
***
Temari
Soltei um suspiro quando senti a presença dele atrás de mim. Dentre todas as coisas que poderia imaginar quando me apaixonasse, nunca pensaria que seria tão difícil. Mas com Shikamaru, parecia que nunca se tornaria real. O Nara tinha uma dificuldade incrível de não se decidir, um excelente pensador, mas um perfeito preguiçoso. Ele poderia ter certeza do que precisava ser dito e feito sobre qualquer situação, menos quando o incluía de alguma forma. No sentindo romântico, então, nem podia imaginar, o que contribuía terrivelmente bem para fazer dos meus dias um inferno. Isso, porque, é claro, meu coração estúpido resolveu se apaixonar por este cara.
Tê-lo andando atrás de mim, como se não houvesse lacunas entre nós implorando para serem preenchidas, era ainda mais irritante. Matava-me sua reação, suas atitudes indiferentes e calculistas. Pegava-me rezando à noite para que algum juízo lhe caísse à cabeça e que finalmente escolhesse ser sincero e honrar suas próprias calças. Mas esperar qualquer medida vinda dele era desgastante, mesmo que em raras vezes renasça das cinzas a minha frágil esperança.
Expirei pesadamente mais uma vez. Shikamaru era a razão das minhas caretas mais feias, da raiva mais latente, da frustração mais fatídica e da decepção mais dolorosa, ao mesmo tempo em que representava o meu melhor sorriso, as mais doces borboletas em meu estômago e o sentimento mais amável que nutria. Irônico, inconcebível, ridículo. Desejava arrancar à machadadas cada pensamento sobre ele.
Era por ser totalmente inesperado que tive a reação mais inapropriada naquele momento, quando Nara Shikamaru resolvera chamar meu nome em alto e bom som ao plantar-se do meu lado direito, caminhando em meu ritmo, tranquilamente como se estivesse indo até a padaria. Dei um salto, levando a mão ao peito enquanto arfava pelo susto. Meu coração ameaçara saltar em conjunto pela garganta.
- E ai? – disse, calmo. O olhei, estupefata, mas logo tratei de disfarçar. Ainda estava brava por todo o alvoroço que ele causara no baile. Tudo bem, já fazia um tempo, mas mesmo assim, suas atitudes expuseram Hinata ao ridículo e acabara com todas as chances de eu obter alguma diversão. Era nauseante a sua falta de maturidade para assumir seus próprios sentimentos. Pior ainda era ter descoberto dias depois que tudo aquilo só era um pretexto para chamar a minha atenção. Naquele momento, eu não sabia se ficava feliz por descobrir seus sentimentos secretos ou se esmagava seu maldito crânio contra a mesa do refeitório.
- Hm. – respondi.
- Monossilábica agora, Tem? Até parece o Uchiha. – zombou. Espera, ele zombou, mesmo? Inspirei o ar, buscando paz interior para não lhe aplicar um chute nas partes baixas. E que diabos de apelido era aquele?
- O que você quer agora, Shikamaru, outro show de horrores? – perguntei, irritada. Ele suspirou, praguejando aos sussurros. Nem prestei atenção, precisava manter mais cuidado com meus sentimentos aflorados por aquele idiota, do que com qualquer inutilidade que estivesse resmungando.
- Já faz um tempinho, Temari! Eu já paguei um preço por isso. Naruto disse que depois daquilo, a Hinata se envolveu em encrenca em casa e eu nunca paro de pensar que isso foi o motivo do afastamento deles mais tarde. Você sabe que eu não queria estar envolvido naquele desastre. Foi burrice. E odeio ser burro. – tagarelou, surpreendendo-me. Ora, um preguiçoso de carteirinha podia falar mais do que uma frase de uma vez. Será que algum bicho o havia mordido? O olhei pelo canto dos olhos, sentindo vontade de roer as unhas. Estava nervosa, mas decidida a ignorar. Se Shikamaru não sabia enxergar uma mulher, eu o faria ver o que era uma.
- Você tem parecido bem burro para mim, Nara. – devolvi, afiada. Ele suspirou.
- Eu sei. – respondeu. Parei de andar, surpresa. Esperava qualquer coisa, menos uma afirmação. Ele parou uns passos à frente e virou-se. Só então o encarei de verdade, nos olhos. Sua expressão era dura, séria, me fez ficar nervosa. O olhar melancólico, escuro e penetrante e a forma como torcia os lábios para baixo em desgosto. A leitura corporal que era possível observar denotava a sinceridade de seu descontentamento e isso era perigoso para minha esperança.
- Sim, eu sei. – murmurou, sorrindo minimamente. O fitei, desentendida. – E você tem razão. Por isso estamos nesse impasse.
O ar pareceu ficar mais denso e me perguntei se desmaiaria. Se de ódio ou de alegria, ainda não podia decifrar. Mas estava certa de que ele se abria comigo naquela pequena conversa desajeitada. Observei os alunos caminhando bem mais à frente, entretidos pela paisagem e alheios ao nosso problema.
- Shikamaru...
- Não, Temari, tudo bem. Eu demorei tempo demais, eu já sei. E não quero lhe pedir nada, não mais, nem forçar barra nenhuma. Eu só...
O fitei, maldita esperança que se alastrava sem autorização. Internamente, só o que fazia barulho, além de meus pensamentos, era meu coração. Pesava como uma bomba prestes a estourar, ligado por fios incertos entre estar diante de uma declaração amorosa ou uma desculpa para cair fora. Eu ainda não sabia qual fio Shikamaru cortaria, mas reconhecia muito bem as suas cores.
- Você só... – instiguei.
- Só queria te pedir desculpa e... – era o fio errado, o fio errado! Gritava sozinha em minha mente como se necessitasse de uma reviravolta. E necessitava. – E dizer que se houver qualquer chance de você me dar uma chance para que eu também me dê uma chance, eu estarei disposto para te alcançar.
Arregalei os olhos, completamente incrédula. Minha boca secou no instante em que entendi sua frase bagunçada. Não era possível que ele estivesse sendo verdadeiro, porque já estava tão acostumada a amá-lo em segredo, que pensar em realizar todos os meus anseios íntimos me parecia fora de questão. Ainda que eu soubesse de seus sentimentos agora, não era aceitável, não era... imaginável. Era doloroso, porque eu o queria.
- Eu não mereço você agora, Temari. E eu sei disso. Mas eu posso tentar? – pediu, dando um passo à frente. Minha mente gritava “sim” de todas as formas possíveis, mas procurei ser racional. Porque, de fato, ele não o merecia agora. Depois de tudo o que passei sozinha por sentimentos que nutria, não seria certo se eu me entregasse de bandeja para ele na primeira vez em que finalmente descobrira os seus. Eu merecia que ele tentasse, que fosse corajoso e que lutasse para conquistar seu espaço por mim.
E por isso, apenas sorri. Não como quem o aceita, mas como quem concorda.
- Você deve tentar, Shikamaru. Porque se você não fizer isso, vai ser tarde demais para você, mesmo com toda a sua inteligência. – respondi. Comecei a caminhar para longe dele, ainda que meu corpo quisesse permanecer ali. Era necessário, não apenas para que ele se assegure de seus próprios sentimentos, mas para que justamente não me magoe ainda mais. E me senti orgulhosa por tal, significava que estava pronta para deixar de correr atrás e começar a andar à frente.
- Temari! – ele chamou. Virei meu rosto, esperando. Shikamaru apenas sorriu, um sorriso diferente, certeiro em meu coração. A expressão convicta de quem não apenas assegura, como já está totalmente assegurado. – Eu prometo. E por enquanto...
- É só o que eu preciso saber.