Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 17

    Motivos

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    Yo, minna! Tem alguém ai ainda? Bom, serei breve aqui desta vez para não enrolar muito vocês. Eu estou com o tempo bem corrido, minha agenda de coisas para todos os dias mudou e por conta disso escrever tem sido complicado. Tive que parar de dançar e desde que tudo isso começou, só consegui ir pro estúdio uma vez. O que com certeza acarretou numa série de coisas, sem falar nas correrias e etc. Por conta disso, atrasei a fanfic. E devo dizer, foi torturante para mim também! Espero que me perdoem, mais uma vez e que, se serve de consolo, essa é a primeira vez que compartilho assim algo de minha autoria, então vocês são muito importantes na minha vida. Cada um de vocês. Obrigada pela paciência e espero que tenham uma boa leitura! Até lá embaixo, beijos :)

    Hinata

         Um amontoado de malas e três garotas lindas e animadas resumiam a visão que tinha naquela manhã. Eu estava nervosa. Angustiada por estar alcançando essa liberdade nova e com medo do que viria a partir disso. Mas tudo o que Ino, Sakura e Tenten pareciam sentir enquanto comiam seus oniguiris era uma ansiedade latente. Riam tanto de qualquer coisa que o sorriso já demonstrava ser pintado às suas faces. Embora estivesse calada e cheia de sentimentos incertos, estava contente por estar ali. A noite de garotas não havia sido nada ruim, mesmo com tantos momentos constrangedores. Eu apenas me sentia feliz por tudo estar finalmente caminhando para um rumo mais claro, ainda que estivesse ciente do peso do carma em minhas costas.

    A genuinidade de se estar bem era algo tão novo e difícil de me acostumar que eu quase sempre evitava, mas naquela manhã, em um clima tão acolhedor, eu só queria... Deixar para lá. Nada que me tomasse a coragem para me encontrar nesse mundo me derrubaria naquele dia. No fim das contas, era isso ou voltar à estaca zero.

    Com tantos pensamentos rondando minha mente nos últimos dias, percebi que estar viva já não era mais apenas um castigo e que, por Akemi, podia fazer muito mais utilizando cada dia que ainda tinha. Agora que descobrira tantas sombras no passado de minha mãe, sabia que podia me entregar à uma missão mais nobre do que apenas definhar até a morte. Eu podia salvar sua história, honrá-la de alguma forma, limpar qualquer coisa que estivesse suja e me manter exatamente onde ela sempre desejou que eu ficasse.

    E toda essa nova meta começava assim que saísse pela porta da residência Haruno e embarcasse para o outro lado do planeta. Sorri, encarando meu prato vazio enquanto refletia. Já havia comido poucos dos bolinhos de arroz que a senhora Mebuki servira e estava satisfeita. Tinha pouco apetite pela manhã e era acostumada com pequenas refeições. Assim, esperava pelas outras garotas para que pudéssemos sair. Elas mais pareciam entretidas em seus planos turísticos do que no relógio que corria contra todas nós. Eu suspirei, olhando na direção das malas empoleiradas na sala.

    Talvez, pensando melhor, eu estava ainda mais ansiosa do que as três.

    Olhei para o celular em cima de minha mochila e me lembrei do pedido de Hiashi na noite anterior. Achava que parar para fazer uma ligação depois que chegasse ao colégio seria difícil, pelo tumulto e pelo tanto de pessoas que os professores teriam de organizar e malas que teriam de guardar. Fitei as meninas por um segundo, percebendo que tinha pouco tempo antes que terminassem o café-da-manhã e me apressei para levantar. Pedi licença às pessoas na mesa e segui para o cômodo ao lado. Segurei o celular, incerta em fazer aquela ligação, imaginava que o motivo se detinha às insistências do Sasaki em relação ao acordo estúpido que me fizera aceitar. Mas se não ligasse, as consequências poderiam ser piores. Respirei fundo e disquei o número, ouvindo as primeiras chamadas com o coração acelerado.

    - Hinata. – ele disse do outro lado da linha, assustando-me.

    - Otoosan... – comecei sugestivamente, desejando que ele dissesse logo o que queria. O homem soltou um suspiro.

    - Já está embarcando?

    - Não, na verdade, estou indo para o colégio. Imaginei que fosse mais fácil fazer a ligação antes de estar no meio de tanto barulho. – justifiquei, mordendo o canto da unha de meu dedo indicador.

    - Certo. Serei breve, não se preocupe. – disse, delongando-se no assunto como se soubesse o quanto me torturava. – Só quero lhe dizer para manter o cuidado, Hinata. Viagens são experiências fortes, as pessoas se deixam levar por besteiras. Não seja descuidada e mantenha nosso acordo. É minha única condição e acho que nós dois sabemos que é o mínimo que você pode fazer por mim e por nossa família.

    - Otoos...

    - Hinata. – ele interrompeu. Meu coração acelerou ainda mais com o silêncio seguinte. – Estou feliz por você ter se afastado dos Uzumaki. Mayumi disse que nunca mais viu você dirigir a palavra àquele garoto insolente. Ótimo! É bom poder confiar em minha filha preferida... só não conte à sua irmã que eu te disse isso. – Arregalei os olhos, incrédula do que ouvia. Ele soltou uma risada breve e aquilo me gelou de uma maneira inexplicável. Um calafrio passou pelo meu corpo e as palavras dele ecoaram em minha mente. “Filha preferida”. O que diabos ele queria dizer com aquilo? Inspirei o ar, tentando manter a calma e a discrição delicada que aprendera a construir.

    - Hai, otoosan. Não se preocupe. – respondi, soltando o ar devagar.

    - Me ligue com frequência, todos os dias se conseguir. Espero que consiga, conversaremos sobre as suas palestras e sobre nosso acordo. Agora vá e me faça orgulhoso, Hinata. Estou esperando por você. – terminou, desligando sem nem me deixar responder. Encarei o celular, estremecendo. Hiashi soara tão estranho em toda a conversa, tão... sombriamente paterno. E isso nem fazia o sentido.

    O pensamento fora logo interrompido pelo grito animado de Sakura, que entrara na sala seguida pelas outras meninas, ainda dialogando freneticamente sobre os passeios e planos futuros. Eu sorri para elas e os pais da Haruno começaram a embarcar todas as malas no carro da Sra. Mebuki, enquanto eu e as outras entrávamos no agradável Fiat 500, que seria trazido de volta por um dos dois.

         Isso me fez divagar sobre o trabalho que estávamos dando ao casal. Embora ambos parecessem estar de bem com a vida, ainda não conseguia me sentir à vontade por ser só mais uma com bagagem extra para carregar. Talvez no fundo fosse apenas reflexo dos meus receios e desejos. Tinha medo de estar perto de pessoas novas, mas ao mesmo tempo buscava nelas a mesma hospitalidade que recebia de meus amigos. Estar na casa de outra família inevitavelmente me fazia pensar na casa Uzumaki e de como gostaria de entrar lá outra vez apenas para sentir o cheiro da comida de Kushina, o som da risada de Naruto e o aconchego das inúmeras fotografias cheias de pessoas felizes.

         Suspirei, dispensando os pensamentos e prestei atenção no assunto que rondava o carro. Percebi que Tenten tagarelava alguma coisa sobre como não gostava da neve para mim e logo sorri. Realmente, a neve não tinha nada a ver com ela. A Mitsashi era muito agitada, amava esportes e tinha olhos e cabelos castanhos calorosos que faziam lembrar o verão quente de lugares áridos. Ela combinaria com outro lugar do Ocidente, mas não com o Canadá.

         - Tenten, para de choramingar que lá também está chegando o verão. Não vai ter neve enterrando seus pés na rua. – disse Sakura, rindo. A garota ao meu lado suspirou aliviada, como se pensasse que o lugar era, literalmente, um amontoado de neve durante todo o ano.

         As duas zombaram de Tenten e sua aversão ao frio e logo a fachada do colégio tomou forma à frente. Eu estava nervosa, não exatamente por estar viajando sozinha por vontade própria pela primeira vez, mas porque estava ultrapassando muitos limites ao mesmo tempo. A escolha ainda fazia algo se agitar em meu âmago, apenas por estar ciente do quanto havia fugido de todas as condições que já pré-estabelecera para mim mesma antes de cair de paraquedas nesta nova realidade. E estava fazendo isso tudo de uma vez, numa única passagem para o Ocidente.

       Respirei fundo quando Sakura estacionou o Fiat e pulou para fora do veículo, ávida por pegar suas malas e correr em direção à Sasuke, o moreno que já lançava olhadelas em nossa direção com aquele típico sorriso mínimo. Foi quando vi, ao seu lado, tagarelando com sua linda mãe, Naruto. Ele parecia empolgado, feliz de verdade, mas a ruiva demonstrava uma tensão na face alva. Eu sorri, achando doce a forma como os dois transbordavam amor um pelo outro. Talvez Kushina só estivesse preocupada em deixar seu único filho partir sem a família para o outro lado do mundo, o que era natural, considerando-a uma mãe dedicada como eu sabia que era.

       Saí do pequeno carro vermelho e peguei minhas bagagens, equilibrando a mochila sobre a mala de rodinhas. As outras garotas já estavam amontoadas sobre as suas, ainda numa conversa frenética. No fim, vendo tantos pais por ali e tanta empolgação por parte dos alunos, senti-me abatida. Havia um lado ruim em se deixar levar pelos prazeres de sentir essa nova vida: não ter nada daquilo e carregar essa ausência. Mas, assim que todas as garotas se despediram dos Haruno, reparei em como tudo estava prestes a mudar, ao menos por um tempo. Era real. Tinha chegado a hora. Inspirei o ar, sorrindo minimamente. Fazia um dia bonito, se pela ocasião ou apenas pelo clima, mas eu só pude ter a plena certeza desta beleza quando enfim meus pés me direcionaram à liberdade.

       Eu caminhei com a determinação que há dias reprimia e olhei diretamente nos olhos azuis que me seguiam. Ansiava por ouvir sua voz, seu riso e me deixar ser contagiada por toda sua alegria. Suspirei enquanto a distância se encurtava, parecia que ela se tornara uma grandeza diretamente proporcional à saudade que me preenchera desde que começara a evitar meu melhor amigo. E finalmente, quanto parei ao seu lado, descobri que não tinha ideia do que dizer.

        Kushina grudou seus olhos ansiosos em mim e fiquei esperando que seus braços caíssem ao meu redor, como ela costumava fazer e como eu adorava que o fizesse, mas a mulher apenas se limitou a me encarar, uma observação minuciosa de qualquer coisa que pudesse estar estampado em meu rosto. Notei o olhar penetrante de Minato sobre a esposa, talvez estranhando seu silêncio, mas tendo uma visão um pouco mais ampla da situação, estava mais do que óbvio de que tudo não passava de um encontro desajeitado. Pigarrei, corando. A saudação era responsabilidade minha, uma vez que parara ao lado de Naruto como um poste sem dizer nada.

       - O-Ohayo! – fiz uma reverência breve e geral, esperando não transmitir tanta timidez. Meu amigo rodou os olhos rapidamente pelo pátio cheio de alunos abraçados aos pais e enfim sorriu seu melhor e único sorriso.

       - E ai, baixinha, você não vem sempre aqui, hein! – Naruto zombou, dando-me uma indireta que talvez só nós dois entendíamos. No fundo ele só estava nervoso também. Depois de tantos dias excluindo-me de contatos públicos, tê-lo ali claramente ao meu lado com sua família era quase como ter uma manchete na primeira página escancarando “a volta de Hinata”. Mas naquele momento eu não precisava me preocupar. Ninguém prestava a atenção em nada que não fosse o assunto “viagem” e suas despedidas aos familiares. Diante disso, por que não poderia ganhar ao menos um “até breve” das pessoas que mais gostava no mundo?

       - Ah, querida! – Kushina exclamou, doce. Seu abraço me aqueceu assim como em minhas lembranças e a retribuí sem pestanejar. Não era possível explicar a sensação de segurança que sentia ao lado daquelas três pessoas de olhos azuis, mas era visível, totalmente. Sentia que transpassava isso como se transbordasse do sorriso que se formava em meu rosto a cada vez que estava diante da família Uzumaki. Podia reconhecer o sentimento como gratidão, até mesmo alívio, porém jamais poderia medi-lo.

       - Kushina-san... – murmurei, deixando-me ser abraçada como se fosse sua filha mais nova.

       - Fazia tanto tempo que não víamos você, querida. Como está? – perguntou, afastando-se para apoiar as mãos em meus ombros. O olhar cálido da ruiva me fez sentir saudade só de lembrar como era fácil ser feliz em sua presença. Tal como era fácil na de Akemi.

    - Gomennasai, Kushina-san! Estou bem melhor agora. – respondi, sincera. Ela assentiu e soltou um de meus ombros para segurar a mão de seu filho. 

    – Se cuidem nessa viagem, está bem? Cuidem um do outro e sejam bons com os monitores. Estudem todas as possibilidades para o futuro de vocês e, acima de tudo, voltem cheios de lembranças felizes. Combinado? – ela murmurou, olhando de mim para Naruto. Eu assenti, segurando a mão que repousava firme em meu ombro. O loiro riu baixinho e notei o olhar terno que ele direcionava à sua mãe. – Ora, venham, meus anjos, me deem um abraço coletivo. Minato-kun, nada de escapar dessa! – disse Kushina de repente, soando chorosa. Ela puxou aos três em um aperto caloroso e pude ouvir a risada de Naruto se sobressair às cabeças de todos. O garoto conseguia ser mais alto do que seu pai. Assim que a matriarca nos soltou, a vi abrir um sorriso largo e agarrar a mão do marido. As bochechas coradas talvez evidenciassem que estava feliz.

     - YOSH! Vamos lá, baixinha, já está na hora de ir pro aeroporto! – exclamou Naruto, passando um braço pelos meus ombros. – Pode deixar, okaasan, a gente vai voltar inteiros e cheios de coisas para contar. – prometeu, sorridente diante da mulher que o amava tão descaradamente. Ela riu e Minato lhe abraçou de forma carinhosa.

     - Não esqueça de dar notícias, filho. Boa sorte aos dois e boa viagem! – disse o loiro mais velho. Eu assenti e esperei Naruto dar um beijo nas bochechas dos pais para enfim entrarmos no ônibus. Eu acenei para o casal quando começamos a nos afastar e tive a impressão de que Kushina sussurrara um “eu amo vocês”. Sorri, mesmo sabendo que ela não me amava, naturalmente, mas talvez amasse que fôssemos amigos, por fazermos bem um ao outro, por estarmos ali diante dos seus olhos correndo atrás do futuro.

     Entreguei as malas para Gai-sensei quando chegamos ao ônibus e passei pelas portas duplas, ajeitando-me em um banco livre na penúltima fileira. Vi a cabeleira loira de Naruto seguir para a mesma direção e logo seu corpo enorme desabou no assento ao meu lado. O sorriso dele era tão brilhante que fazia o sol pareceu tolo.

     - Te sinto diferente. – ele murmurou um minuto depois, como se estivesse ensaiando a frase. Desviei os olhos para minhas mãos, um pouco tímida. Ainda era difícil admitir que estava aceitando todas aquelas decisões, uma atrás da outra.

     - Estou ansiosa. – respondi, escondendo o rosto com a cortina de cabelos.

     - Você está... – ponderou, olhando-me. Levantei o rosto, encarando sua face bronzeada que abrigava olhos incrivelmente azuis, com fios dourados rebeldes caindo sobre a testa. Um sorriso tremulou em seus lábios, até se tornar amplo e franco. – Lindamente ansiosa, então.

      Arqueei as sobrancelhas, surpresa pela colocação.

     - Hã? – inquiri. Isso o divertiu e eu corei pelo modo como seu riso soava livre e sem esforço. Naruto tinha um jeito único de parecer feliz.

      - Caramba, Hinata. – disse entre seu riso meio sussurrado, parando para respirar fundo. Os olhos azuis caíram para seus tênis antes de voltarem a me fitar. – Eu senti sua falta, tipo... muito.

      Analisei sua expressão corporal, os lábios repuxados em um sorriso sincero, os olhos cálidos como as termais que tanto me lembravam, o rosto iluminado pela luz morna do sol da manhã. Ele parecia uma pintura, um daqueles quadros feitos para serem vistos somente pelos olhos de quem o entendia. Eu não sabia o porquê de coisas assim me passarem pela cabeça, nem me incomodava por isso de verdade, mas para mim Naruto era o melhor artista, por produzir os melhores e exclusivos feitos, por representar os mais puros sentimentos mesmo externamente, por conseguir ser, sem nem precisar de muito, tão único e inigualável como a própria arte.

      Lhe sorri de volta, tocando sua mão delicadamente. Ele nem imaginava como o entendia, como significava mais do podia explicar em minha vida e como tudo o que eu desejava agora era poder conseguir ser uma amiga tão excepcional como ele era para mim.

     - Não sinta mais isso... – murmurei, olhando para nossas mãos. – Porque eu vou me encontrar logo, eu vou tomar as rédeas de toda essa bagunça e vou tentar estar aqui para você sempre. – concluí com sinceridade. Fitei sua reação e fui inundada por seu olhar caloroso. Ele levou nossas mãos entrelaçadas ao peito e sorriu.

     - Você já está sempre aqui. – respondeu, indicando seu coração que batia forte e saudável contra minha palma. Lhe dei um sorriso tímido, gostando de sentir a sua vida abaixo dos meus dedos, como se eu fosse capaz de protegê-la. Suspirei, segurando o tecido de sua camiseta. No final de cada dia, era sobre a vida dele que eu me pegava divagando. E aceitando o fato, não pudera resgatar a vida de Akemi, tampouco a de Hanabi, mas ao menos podia me resgatar dentro daquele coração grande, cujo dono dizia ser onde eu podia morar. E bom, no que me restara no mundo, talvez fosse o meu único lar.

     - E eu não vou à lugar algum.

                                                            ***

           - Isso é o que você chama de verão? – berrou Tenten, tremendo o queixo enquanto puxava as mangas do casaco fino numa tentativa falha de torna-lo mais quente. Estávamos descendo da van que nos levara até a entrada da pousada onde ficaríamos instalados. A viagem aérea havia sido relativamente tranquila, mas o clima havia nos surpreendido. Para a temporada, classificada como um verão, as temperaturas estavam instáveis e naquele momento chegavam à meros dez graus. Era um frio aceitável para japoneses, se não fosse o despreparo nas vestimentas e o vento gelado que parecia querer congelar nossos dedos. Em partes, eu esperava que houvesse uma diferença climática. O Japão se encontra numa localização geográfica que permite estações bem definidas, com direito à verões bem quentes, mas em se tratando do Canadá, sabia que era um país glacial. Em alguns lugares, em comparação com outros países no mundo, o termo “verão” nem poderia se encaixar.

       Mas de fato, encontrar dez graus ainda era uma surpresa. Puxei os cabelos para frente, colocando o capuz do moletom que, por sorte, estava comigo, a fim de esquentar as orelhas. Os professores que estavam conosco naquela viagem eram Gai, Kakashi e Kurenai. Ficara surpresa por Tsunade não ter vindo, sendo uma viagem deste porte, mas logo pensei que talvez alguém precisasse mesmo continuar no comando da escola, já que todas as outras turmas ainda estariam lá nos oito dias. Ao mesmo tempo, não decidira ainda se era certo ou não a senhora Kurenai ter vindo. Ela devia estar em um estágio mais avançado da gravidez e me perguntava se encarar uma subida mudança de clima não poderia afetá-la mais do que aos outros. Porém, a mulher sorridente demonstrava um aconchego invejável em seu casaco de crochê.

     Prestei atenção na fila de alunos quando Kakashi finalmente indicou que prosseguíssemos. Estávamos sendo recebidos por dois monitores da escola parceira com que Konohagakure possuía alianças, mas somente um deles parecia saber falar japonês. A pousada tinha um hall de entrada encantador, com vários pendura-casacos coloridos e uma pequena salinha com duas poltronas e um aparador de madeira bruta. À frente seguia a recepção, onde uma mulher esperava atrás do balcão. Seus olhos amendoados pousaram no grande grupo de alunos e logo um sorriso gentil se formou em seus lábios. Levantou-se, rodeando a bancada para saudar nossos professores.

    - Boa noite, sejam bem-vindos! Estávamos aguardando a chegada de todos vocês, a pousada já está com as alas preparadas para recebê-los confortavelmente. – disse, soava gentil até demais, numa empolgação e hospitalidade agradáveis, mas então me lembrei de que isso era mesmo um pré-requisito canadense.

      A recepcionista, um dos monitores e Kurenai-sensei seguiram em frente até a ala correspondente ao que usaríamos como dormitórios femininos, enquanto o monitor e os outros professores seguiram na direção oposta com os garotos. Lancei um olhar rápido para Naruto antes de lhe perder de vista e ele sussurrou um “até breve”, desaparecendo na curva do corredor. Eu me concentrei em carregar as malas sem tropeçar em ninguém e então finalmente fomos postas em um longo corredor repleto de portas de madeira clara. No avião, Kurenai havia dito brevemente que os quartos variavam entre camas únicas de solteiro ou casal até a dupla opção, o que no momento me fez pensar que poderia optar por ficar sozinha. Mas no fundo, nem era bem o que eu queria de verdade. Só não sabia quem iria se dispor a dividir o quarto comigo, caso me restasse um com apenas duas camas de solteiro.

     E como se lesse meus pensamentos, Kurenai tratou de logo se adiantar a avisar que todas as meninas poderiam escolher até três outras para se hospedar junto. E nesse breve momento entre a euforia por conhecer os “dormitórios” e decidir os grupos, vi-me numa situação oportuna para pensar em quais opções provavelmente cairia. E bom, não conseguia pensar em mais nenhuma outra combinação que não incluísse as quatro garotas pertencentes ao amistoso grupo de amigos de Naruto. Contando comigo fechavam cinco e isso, no fim, deixava-nos em um impasse.

     Ino já estava agarrada ao braço de Sakura, o que evidentemente já determinava o início de um dos trios. Olhei de Tenten para a silenciosa Temari e percebi que não gostava da ideia de tornar aquilo uma separação. A ideia de ter todas nós em um único cômodo soava infinitamente mais apropriado. Era feliz só a menção, imaginava o quão cheio de experiência malucas eu voltaria após passar oito dias colada nas quatro garotas.

     E no final, eu fora colocada com Temari e outra garota chamada Ayame, por ideia da própria Kurenai. A professora adorável parecia entender a dificuldade feminina em decidir quem dormiria ao lado de quem quando se tinha mais do que duas amigas. Tenten pareceu satisfeita por ficar com Ino e Sakura e isso me fez divagar sobre como Temari não era tão próxima assim das outras. Eu só pude perceber que não era tão relevante pensar sobre aquilo no momento quando meu rosto enfim pousou em um travesseiro macio.

     Teríamos um tempo de descanso e só nos encontraríamos no salão de refeições em algumas horas. Eu estava aliviada, mal notara o design do quarto, apenas pegara qualquer uma das três camas de solteiro e me permitira relaxar as costas em algo fofo pela primeira vez desde que levantara na casa Haruno do outro lado do mundo. Fechar os olhos e sucumbir a um inocente cochilo foi só o que consegui obter de minha reação diante os primeiros momentos concretos naquela jornada ocidental que me levaria à um novo destino.

                                                                ***

           - As estrelas. – disse aquela voz conhecida, o corpo jogando-se ao meu lado na grama do jardim. Ele vestia uma jaqueta grossa e jeans escuro, parecia apreciar o clima gelado, enquanto seu sorriso só crescia diante de minha expressão interrogativa.

       Havia saído um pouco do quarto para me abster de tanto falatório feminino vindo da boca da eufórica Ayame e acabara por encontrar a saída para o jardim dos fundos, com uma vista privilegiada do céu noturno do Canadá. Pensava estar ali sozinha, até que o Uzumaki me assustara com aquele papo astronômico.

       - Elas me trouxeram até aqui, pensei ser só o brilho do céu, mas no final era os seus olhos. – completou. Olhei-o de canto, vendo um sorriso divertido em seu rosto. Eu ri, balançando a cabeça.

       - O céu é um infinito assustador, não acha? – comentei. Ele me fitou, sereno.

       - Todo infinito pode ser assustador. – respondeu.

       - Mas o céu é um infinito real. Até demais, chega a ser esmagador. – murmurei, encarando as estrelas.

       - A realidade te assusta, por quê? – perguntou baixinho. Olhei em seus olhos, notando como eles pareciam mais bonitos sob a luz do céu estrelado. De certa forma, eles meio que o refletiam, tal como se fossem, de fato, o oceano.

       - Porque... – ponderei, sem saber ao certo a maneira de lhe explicar.  – Faz a felicidade contrastar com a terrível verdade de que ela nunca será totalmente minha. – Naruto pensou, quieto, olhando para o céu.

        - Nem todas as verdades são absolutas. – disse por fim. Franzi a testa.

        - Como não seriam?

        O garoto voltou a me olhar e sorriu com o canto dos lábios.

        - Depende da perspectiva. Você vê através de uma verdade amargurada e a torna concreta. Eu vejo você fazendo isso através da minha verdade, o que não valida a sua com única e final. – respondeu.

       - Tudo bem, espertinho. Qual é sua verdade? – perguntei, suspirando.

       - Que você, senhorita Hyuuga – ele apontou o dedo indicador na minha direção, tocando meu ombro. – É uma garota jovem e irritantemente linda que não precisa se sentir melancólica quando estiver feliz porque o tempo é incerto demais para você determinar o próprio fim, ainda mais quando este fim te faz duvidar da própria força.

       O sorriso gigantesco que ele exibia podia desviar qualquer um de convicções tristes, até mesmo eu, se não estivesse muito ciente de outras verdades passadas. Entretanto, era grata por cada segundo ao lado daquele ser iluminado, ainda que talvez realmente não o mereça, apenas por ser capaz de me tirar toda a dor do peito com um singelo sorriso.

      Toquei sua mão, apertando-a de leve. Os dedos longos e bronzeados faziam um contraste reconfortante em minha pele clara demais. Combinava com o calor que emanava e transferia até mim. Naruto era um porto seguro, onde eu já me agarrava com ânsia de jamais perdê-lo de vista. Suspirei. Isso era, no fundo, tão bom que eu não entendia. Mas era difícil, eu tinha medo de descobrir e medo de sustentar o que quer que houvesse depois. Eu tinha com aquele garoto uma amizade semelhante à que tinha com minha mãe, mas os sentimentos que nutria diferiam em muitas vezes, como o tipo de gratidão e as vontades espontâneas. Eu sentia vontade de deitar no colo de Akemi por horas, enquanto seus dedos penteavam meus cabelos e sua voz me embalava com suas sábias palavras. Eu podia observá-la em sua energia alegre por um dia inteiro apenas numa tentativa de ser como ela.

       Mas com Naruto, eu sentia vontades que nem sabia como saná-las. Eu poderia olhar nos olhos azuis por horas e não cansaria, poderia ouvir sua risada para sempre e ainda assim não seria o suficiente. Eu queria olhar para o mundo como ele, queria rir da mesma forma. Queria tocá-lo. Sentir sua vida nos meus braços, contemplá-la, aprender com seu pequeno legado, tão bonito e tão dele. Queria abraçá-lo, não sair de seu lado, trilhar seus caminhos, segui-lo onde quer que fosse. Eu queria lhe cuidar, como sou cuidada. E tudo isso, acarretado à aura que irradiava do grande corpo ao meu lado, me confundia.

      Era uma amizade estranha de administrar. Forte demais, intensa, pesada. Me cobria por inteira, me tomava. E talvez o mais estranho fosse o quanto era... bom. Forte, intensa e pesadamente bom.

      Sentia seus olhos me encarando, suaves, como se assistissem a bagunça emocional em meu âmago. Virei meu rosto em sua direção, correspondendo seu olhar. O vento gelado levou meus cabelos para o lado, bagunçando-os e atirando-os em minha face. Eu ri, tentando parar os fios com minha mão livre. A visão que tive do rosto de Naruto no segundo em que me livrei do cabelo me pareceu diferente. O maxilar estava travado e a face ficara momentaneamente tensa. Mas ele logo tratou de sorrir e deitou-se na grama, sem desviar o olhar do meu. Nos fitamos pelo o que me pareceram longos minutos, concentrados no que quer que estivesse sendo dito nos olhos um do outro. Os dele estavam indecifráveis e seu silêncio me perturbou um pouco, embora sua mão grande e quente continuasse entre meus dedos frios.

       - O que está incomodando os pensamentos do meu melhor amigo? – perguntei baixinho, franzindo a testa. Naruto inspirou o ar lentamente e fechou os olhos.

      - Às vezes é difícil ser seu amigo. – sussurrou, quase para si mesmo. Mas eu ouvi e isso gelou meu coração. Abri a boca, confusa.

      - P-Por quê? – elevei a voz sem a intenção e engoli em seco. Os olhos azuis voltaram à me fitar de prontidão e sua boca sorriu de leve. Ele se sentou e abraçou um dos joelhos, soltando minha mão para se apoiar ao chão. Lamentei aquela pequena separação, temendo o que seria a sua resposta. Mas seu rosto estava estranho, diferente, distante. Como se tivéssemos trocado os papéis, enquanto eu divagava perdidamente sozinha, ele aguardava pacientemente por respostas. E percebi o quanto seu papel poderia se tornar melancólico. Suspirei, compreensiva, ainda que nem soubesse seus porquês.

     Toquei sua bochecha e acariciei seus cabelos. Naruto virou o rosto, sorriu, com os olhos no chão e apenas beijou a palma de minha mão antes de desviar-se novamente.

     - Lembra que você prometeu ficar comigo uma vez, na sua primeira e frustrada aula de educação física? Eu pedi que não se afastasse e você concordou. – começou. Assenti para ele, emitindo a confirmação com um som gutural. – Bom... mas você vai fazer isso, não vai? Mais cedo ou mais tarde você vai se afastar, se eu não conseguir te ajudar, se eu não for o suficiente para te fazer querer ficar. E isso dói, por motivos que... – ele parou, franzindo os lábios. – Apesar de eu ser um tagarela de primeira, nem sempre me sinto bem para dizer tudo. Mas eu só não queria ficar com essa sensação presa na garganta, porque você é minha amiga, Hinata, no final das contas, é o que somos. Você pode me dizer que vai...

     - Eu não vou sair do seu lado, Naruto. – o interrompi, sentindo meu coração arder com cada palavra proferida. Só de pensar que o machucara de alguma forma, não conseguia raciocinar. Naruto era o tipo de pessoa que só devia sorrir.  – Eu não vou deixar de ser sua amiga, eu prometo. – murmurei. Seus olhos finalmente me encararam, tristes. Ele assentiu, em silêncio e então, levantou-se de repente.

     - É reconfortante saber disso, Hinata. Agora vou dormir, o dia vai ser longo amanhã. Boa noite. – disse, sem alegria na voz, sem sua energia vibrante, sem nem mesmo o familiar “baixinha”. Encolhi os ombros, confusa. O vi se afastar, os passos já distantes na grama e senti o clima ficar mais frio com sua partida. Balancei a cabeça, levantando-me, querendo alcançá-lo.

     - Naruto! – chamei. Ele parou, de costas para mim. Percebi pelo movimento de seus ombros que suspirara e quase não conseguia acompanhar o movimento quando voltara-se na minha direção, andando ligeiro como se tivesse algo pendente de urgência. Só pude sentir suas mãos enroscando-se nos meus cabelos, seu rosto próximo e a angústia em seus olhos azuis, agora mais escuros do que o normal. Seus lábios tocaram minha franja, ternos, mas diferente, sôfregos. Fechei os olhos quando encostou a própria testa na minha, nosso cumprimento secreto. Ficou ali por uns segundos de uma infinidade assustadora e depois seus lábios beijaram minha bochecha, pressionados com força, estalando e me provocando um desconhecido arrepio na espinha. Tão rápido quanto viera, Naruto já se afastara e eu o encarei, interrogativa por dentro, mas estática por fora.

     - Não faça essa cara triste pra mim. Está tudo bem, minha pequena pérola. Com ênfase no pequena, é claro. Você ainda vai acabar me deixado concorda! – ele riu, aliviando todo o meu corpo endurecido pela preocupação. – Boa noite, Hinata.

      E saiu, com o sorriso pintado no rosto, estranhamente posto como se quisesse apenas me acolher. Mas ainda presente. O vento gelado me abraçou no lugar de suas mãos e sua confusa deixa me fez adentrar a ala feminina com indagações talvez mais difíceis de entender do que as minhas: quais seriam os motivos de Naruto, capazes de deixa-lo tão melancólico?

     Eu não sabia, mas só consegui fechar os olhos naquela noite quando prometi à mim mesma que descobriria. E tiraria, de vez, a tristeza dos meus cálidos olhos azuis.


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