Antes de voltarmos a casa, eu e minha irmã fomos dar uma volta pelo parque municipal. Vimos uma pata andar pela grama, rodeada pelos seus quatro filhinhos, pelo que minha irmãzinha sorriu e disse "Olhe, soeur, aquela é a mãe e os patinhos pequeninos somos você, eu, Anne e a Nicole." Eu não pude evitar e sorri, enquanto ela imitava o andar dos patos. Quando eu e Márrie chegámos ao café, meu pai correu até mim, me abraçando com força.
- Oh, Papa! - disse eu, surpreendida, abraçando-o também.
- Valentina! Ah, ma chère fille, você está bem? - ele me perguntou, passando as mãos pelo meu rosto, me olhando nos olhos.
Meu pai nunca me tinha abraçando daquela maneira e eu nunca o havia visto tão preocupado. Seus olhos estavam muito abertos e quase inundados em lágrimas que lhe escorriam pelo rosto abaixo.
O que quer que tivesse acontecido, não podia ser coisa boa.
- Papa, o que é que aconteceu? - eu lhe perguntei, preocupada, olhando para Márrie, que parecia também não estender o que quer que se estava ali passando.
- Me diga só, minha querida, você está bem? - ele voltou a me perguntar, passando as mãos pelos meus cabelos.
Eu, lentamente, virei minha cabeça para o lado e pude ver minha mãe, quieta, atrás do balcão. Ela estava calada e seus olhos estavam postos no chão.
Aí eu percebi que algo de mau tinha acontecido. Algo de muito mal, mesmo. Então, ouvi a porta da cozinha se abrir e por ela saíram Nicole e Bélle, um pouco assustadas, e que, depois de verem eu e Marrie ali, suspiraram e se abraçaram. Minha mãe, também uma mulher que eu nunca pensei ver tão aflita, desceu as escadas que davam para os quartos lá de cima e, ao ver meu pai me abraçar.
- Maman, o que houve? - perguntou Márrie, confusa, indo até minha mãe e a abraçando.
- Nada, mon amour. - suspirou minha mãe, abraçando minha irmã e lhe beijando a testa, passando a mãos pelos seus longos cabelos - Nada... Então, minha querida, você gostou da aula de ballet de sua irmã?
Enquanto minha mãe levava minhas irmãs mais novas lá para cima, meu pai e eu ficámos ali em baixo, no pub. Meu pai, por sua vez, me olhava, sério.
Pierre Chevalier era um homem alto, de cabelo e bigode loiro. Tinha 36 anos de idade (menos dois que minha mãe) e era muito bem-educado. Fora ele que ma havia ensinado que, sejamos nós de que classe social formos, temos que ter respeito por todos os que nos rodeiam. Ele nunca foi rude comigo e sempre me ensinou que eu uma menina burguesa como eu deve ser educada e culta, por isso minha mãe me fez frequentar as aulas de ballet da madame Blanche.
- Valentina, eu... Eu preciso falar com você. - ele suspirou, se sentada num dos bancos ao balcão e apontando para o que estava à sua frente - Se sente, s'il vous plaît.
E assim eu fiz. Me sentei calmamente sobre o acento de madeira, ajeitando meu saiote e ouvindo minha barriga fazer um som grave. Eu estava "morrendo" de fome.
- Não se preocupe. Pode ir fazer o almoço quando nossa conversa terminar. - ele me disse.
- Oui, Père. - eu lhe respondi, endireitando minhas costas.
- Minha querida, eu... - ele passou a mão direita pelos seus cabelos loiros e depois a poisou sobre as minhas, que estavam uma por cima da outra sobre os meus joelhos juntos - Lembra de eu, ontem à noite, te ter dito que eu e sua mãe te adoramos muito, lembra?
- Oui, Père. Me lembro perfeitamente. - respondi, sentindo minhas mãos começarem tremendo.
- Bom, eu espero que você nunca duvide do nosso amor por você. Valentina, você é um doce de menina e eu e a sua mãe faríamos tudo para proteger você, custe o que custasse... mas, infelizmente, disto a gente não te pode proteger.
Juro por tudo na minha vida que eu estava prestes a desmaiar quando o ouvi dizer aquilo. Na noite anterior ele me tinha dito algo semelhante mas aquilo quase que fez meu coração pular de dentro de meu peito de tão depressa que este estava batendo.
- Querida, hoje vei cá, ao pub, o comandante de uma das tropas Nazis e... ele, não sei como, soube que você sabe ballet.
E foi aí que o chão debaixo de meus pés pareceu desabar... mas eu não caí. Ainda não.
"Claro, pensei eu. Como eu pude ser tão estúpida. Eu hoje de manhã me encontrei com Valentin e com Klaus e Márrie lhes disse que tínhamos acabado se sair da aula de ballet. Essa só pode ter sido a única maniera de um alemão saber que eu danço ballet..." pensei comigo mesma.
- Papa, hoje de manhã eu e Márrie encontrámos dois soldados alemães e eles nos perguntaram de onde nós estávamos vindo, antes de irmos para o parque. - eu lhes expliquei - Eles só podem ter sabido que eu sei ballet por causa disso.
- Bom, agora já sei como eles conseguiram essa informação.
- Mas, Papa, eu não lhe podia mentir. - disse eu, sem nunca elevar meu tom de voz.
- E eu nunca quereria que você fizesse tal coisa, minha filha. - ele respondeu, fazendo um gesto para que eu me acalmasse - E, como é óbvio, eu não estou culpando você por ter dito a verdade. Aliás, até lhe digo que fez muitíssimo bem... Agora, como eu estava dizendo, antes de você e sua irmã chegarem, aqui entraram cinco alemães e um deles um general acompanhado por mais uns quantos soldados. Acho que Switz era o seu apelido ou algo parecido... Bom, ele parece que já ouviu falar de você e, sei lá como, sabe que você dança ballet e... ordenou que você fosse dançar ao Château de Versailles.
Eu não pude evitar sorrir. Eu? Eu, Valentina Chevalier, ir dançar ao Château de Versailles? Seria um sonho tornado realidade?
- Oh, mon Dieu! Dançar ao Château? Será uma honra! - eu bradei, dando uma volta por mim mesma, deixando que meu vestido subisse até chegar à altura dos meus joelhos.
- Valentina, se acalme, por favor. - ordenou meu pai, segurando minha mão e olhando pela janela para ver se ninguém nos estava vendo ou ouvindo - Pelo amor de Deus, se acalme, está bem?
- Pardon, Papa, mas não posso resistir. Estou tão feliz. - abracei-o com força, sorrindo - Você não está feliz por mim, Papa?
- É claro que estou, ma fille. Muito orgulhoso, mesmo. Agora, vá ajudar sua mãe a fazer o almoço. Hoje quero creme de cenoura, tá?
- Oui, Papa. - respondi, soltando ele e indo até à cozinha - Ah, Papa, quer uma pitada de sal na sopa?
- É claro que quero. - ele disse, cumprimentando dois clientes que acabavam de entrar no pub - Bonjour, mes amis. Como estão?
Ao entrar na cozinha, vi minha mãe cortar uma cebola e depois duas cenouras.
- Maman, o Papa diz que quer creme de cenoura.
- Oui, oui... - suspirou minha mãe - Je entendu.
- Maman, está tudo bem? - perguntei a minha mãe, preocupada.
- Sabe, querida... Como seu pai lhe disse, eu e ele gostamos muito de você e, como é óbvio, não queremos que nada de mal lhe acontecesse. - disse ela, olhando para mim com um pequeno sorriso nos lábios.
- Eu sei, ma mére. E eu também gosto muito dos senhores e nada, nem ninguém, pode substituir vocês.