Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 15

    Se Eu Ganhasse Um Desejo

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    POR FAVOR LEIAM ESTA NOTA: Antes de começar, deixem-me adiantar por vocês: Sim, eu sou uma pessoa problemática.

    Yo, meus queridos e queridas! Eis que após um século e outra Guerra Mundial (ou interna dentro de uma certa autora), aqui estou trazendo para vocês mais um capítulo de Jóia Rara. Eu sei que demorei e acho que vocês não merecem minhas desculpas, ainda que sinceras, todas as vezes em que dou as caras, né? Mas bem, fico feliz que vocês ainda estejam aqui. Vocês estão, não estão?

    Bom, minhas singelas desculpas à parte, vamos falar do capítulo de hoje. Voltamos a ter trilha sonora! Pelo menos neste capítulo. (hehehe). Temos duas músicas, galerinha, a primeira é uma instrumental LINDA que encontrei no filme "Querido John", baseado no livro do Nicholas Sparks e que embora eu não tivesse certeza de que a usaria, não pude evitar. Quando ela começou a tocar, literalmente, tocou meu coração. A segunda é "Last Kiss" de Pearl Jam e terá um trecho para vocês se localizarem. Quanto à primeira, vou deixar a palavra DEAR em negrito para vocês saberem a hora certa de dar o play. Certo? Então é isso, até lá embaixo e boa leitura! :)

    OBS.: LINKS NAS NOTAS FINAIS

    Hinata

       - Você tem certeza disso? – Naruto perguntou pela terceira vez. Estávamos mantendo o assunto tão baixo quando podíamos enquanto o a primeira aula não começava. Eu estava debruçada sobre a mesa, não ligando para os inúmeros olhares caídos em nós, uma vez que estava aos cochichos com o aparentemente tão conhecido Uzumaki Naruto.

     - Certeza absoluta, ela estava se referindo àquela sala. Foi o único lugar invadido naquela noite, Naruto, como estaria falando de outra coisa? Sem contar na descrição toda: dois pares de pegadas evidentemente de um garoto e uma garota. É claro que Tsunade sabe de alguma coisa. Aliás, por que está tão surpreso, você não tinha essa desconfiança desde o começo? – sussurrei, angustiada. Ele coçou a nuca e olhou ao redor.

    - Estou confuso, na verdade. Acho que ando deslumbrado demais com outras coisas e acabei me esquecendo de toda essa bagunça. Fui pego de surpresa com isso tanto quanto você. – ele respondeu, dando um suspiro baixo, mas pesado. Encolhi os ombros. Ele tinha dito aquilo com sinceridade e inocência, mas não sabia como a situação me chateava, em especial ao ouvi-lo dizer o quanto tudo era mesmo uma bagunça. Eu odiava conturbar a vida de alguém tão nobre como Naruto. Tinha um sentimento crescente de querer protegê-lo, às vezes até de mim mesma, mas com uma dependência latente de estar ao seu redor e abaixo das asas de sua positividade.

    - Não é culpa sua. Essa bagunça é minha, não a tome como se tivesse que resolvê-la sozinho. Nem é sua função, é só que... eu não tenho outra pessoa pra desabafar nada disso e...

    - Shhh, ei, pode parar por ai, dona Hinata. – ele me interrompeu, negando com a cabeça. Esperei que continuasse, surpresa por seu modo de falar. – Escuta, tem uma coisa que você já devia ter entendido sobre a gente.

    Arqueei as sobrancelhas. Aquilo parecia uma intimação.

    - C-Como? – não sabia explicar, mas senti-me nervosa pela mudança no rumo da conversa. Naruto inclinou o corpo um pouco mais, olhando-me diretamente nos olhos como se não temesse nada que houvesse sobre mim.

    - Eu quero a sua bagunça. Eu quero te ouvir, quero te ajudar e quero saber sobre a sua vida. Uma amizade não é um acordo de paz e privilégios e eu não estou me queixando por nada que venha junto com você.  – ele se interrompeu, sorrindo de canto. – Com exceção do seu pai e daquela sua irmã postiça, é claro.

    Eu ri baixo, corando. Naruto era mais nobre ainda do que eu conseguia descrever. E na verdade, talvez nobre não fosse bem a palavra. Às vezes, ao olhar para ele, pensava que nenhum adjetivo pudesse lhe definir de verdade, nada que exaltasse sua essência sem deixá-lo erroneamente perfeito. Naruto não era perfeito, ele era um ser humano, vulnerável às falhas, com manias estranhas e memórias ruins. Eu não gostava de pensar nele como a personificação de um Deus, nem como em um Sábio puro. Ele apenas era um garoto digno de todo o bem que ainda restava no mundo, simplesmente por entender o que isso significa de verdade.

    Bom, no fim das contas, Naruto era apenas... Naruto. E conceber isso sozinha já era novidade o bastante para validar seu nome como sua exclusiva definição para mim.

    - Imersa em pensamentos outra vez, baixinha? – ele sussurrou, inclinando a cabeça de lado.

    - Estava pensando sobre você. – respondi. Ele pareceu um pouco surpreso e curioso ao mesmo tempo. – Sobre como não deve existir um amigo mais especial do que um certo loiro gigante. – completei, corando.

    Naruto ficou levemente enrubescido, mas havia algo mais. Seus olhos continham uma ansiedade estranha, como se ele esperasse minhas palavras ao mesmo tempo em que esperava que elas não saíssem.

    - Ser especial é uma “grandeza diretamente proporcional”, para mim. – respondeu. Eu sorri, tímida. – Ei, antes da nossa aula começar e de nós termos que adiar o papo sério sobre Tsunade, eu queria te dizer uma coisa importante que andei notando.

          Olhei rapidamente para a porta da frente e em seguida para o relógio na parede, percebendo que já eram quase 08:30. A avaliação básica geral antes das aulas já havia muito que não cumpriam o tempo estimado. Acho que fazia parte do último ano, os alunos evitavam coisas que atrasassem as aulas, já que ficávamos a maior parte do dia na escola, sem contar os horários extras. Não participar de atividade extracurriculares quando se está no último ano era como assinar em baixo que não está muito interessado, então basicamente todas as turmas ficavam até mais tarde.

       - Acho melhor dizer logo então. – respondi baixinho, vendo o braço de Kurenai apontar na porta. Naruto sorriu de canto, de um jeito meio convencido e brincalhão.

       - Você está evoluindo, sabe. Antes eu não podia ousar em elogiar nada sobre você e agora eu vejo que está abrindo brechas para isso. Eu gosto de te ver assim, porque gostar de si mesmo faz a gente feliz. – murmurou, brincando com meu dedo indicador sobre a mesa. Pensei sobre o que ele dizia e percebi que era verdade. Mas ao mesmo tempo em que isso me deixava animada, me deixava triste. Eu não devia deixá-lo elogiar qualquer coisa, fazia parte do carma que aceitava carregar. Suspirei. A vida podia ser muito irônica quando queria. Afinal, prometer ficar viva não significava realmente ter todos os caprichos. Mas lá estava eu, diante da única pessoa capaz de me manter naquele mundo, cujo dom era me tirar dos trilhos de minha própria maldição.

        O caso era simples desde o início e eu aceitara como algo irrevogável: Se Akemi não podia viver, então eu também não. Mas e agora, será que as novas curvas nesses trilhos estariam me levando para o caminho certo?

        Eu não sabia, mas aqueles grandes olhos azuis praticamente gritavam, de forma que me embalavam em ondas suaves, tais como os braços calorosos que um dia me levaram à calmaria espiritual: não era o caminho que deveria ser certo. Era a intenção.

                                                              ***

             Assim que fomos liberados para o almoço, decidi correr até a diretoria para entregar minha autorização. Não conseguia mais segurar aquele papel, necessitava da comprovação ainda maior de que Tsunade sabia de alguma coisa sobre minha vida e torcia para que ela estivesse em sua sala.

       - Tem certeza de que quer ir lá sozinha? – perguntou Naruto. Assenti.

       - É melhor não nos envolvermos nessas coisas explicitamente juntos. Tsunade desconfia de um casal, aparecer lá só levantaria suspeitas. – respondi. Ele ponderou, mas não discutiu, sabia que estava certa. Respirei fundo, tomando coragem. Se houvesse a possibilidade da Senju saber sobre o significado da sala ou até mesmo estar envolvida nisso, eu tinha que descobrir, mas ao mesmo tempo sentia-me com medo do que isso poderia resultar. Tinha a impressão de que podia confiar na loira, talvez por ela fazer parte da família de Naruto, entretanto a verdade não estava nem perto de mim. E apesar de estar mais forte, não eram só os sentimentos bons que cresciam, eram todos eles. Com o dia vem a noite, tal como com a alegria vinha para mim, vinha o medo.

        Nunca fora muito boa para pensar sobre minha própria vida. Que dirá sobre seu significado. Mas estar nesse inusitado recomeço implicara numa série de novas questões, antes não abordadas. Era como estar preenchendo um dossiê sobre mim mesma, como ser minha própria detetive. Uma constatação assustadora, aliás. Eu não sabia nada sobre viver, assim como tampouco sabia nada sobre a minha vida.

          - Hinata. – o grandalhão chamou acima de mim, fitando-me com seus olhos preocupados. Eu havia ficado quieta novamente. Isso o assustava, dava para notar. A questão era que passara tantos anos sentada em minha própria consciência, que às vezes esquecia que o tempo corria fora dela.  – Ei, não se preocupe. – ele disse.

         - É um passo importante. Adiei por tempo demais e ainda adiarei oito dias fora daqui. É melhor esticar logo a minha perna, antes que o alvo fique distante demais. – murmurei, pensativa. Naruto assentiu. Juntei meus braços como se aninhasse a mim mesma e procurei me encher de força de vontade, assim como ele fazia às vezes.

        - Nós dois vamos conseguir entender tudo isso um dia, baixinha. Não fique tão tensa, independente do que essa bagunça significar, eu prometo, nunca ficará sozinha. – disse, tocando meu ombro. Olhei em seus olhos azuis, águas que me aqueciam e sorri minimamente.

       - Arigatou. – respondi, era o gole de coragem que faltava. Me virei na direção oposta à de Naruto, sentindo seu olhar em minhas costas. Era reconfortante, me passava segurança. Era impressionante como ele conseguia amenizar todas as dores de todas as feridas. Quem dera se eu pudesse colocá-lo no bolso e jamais deixá-lo ficar longe. Ri do meu pensamento, balançando a cabeça. Não que pensar nisso fosse tolice, na verdade, era apenas cômico o modo como este pequeno desejo se infiltrara dentro de mim e me fizera aprender a encontrar motivos para rir sozinha.

         Acelerei o passo até a diretoria, subindo os degraus com cautela. Precisava que Tsunade estivesse em sua sala, mas pensava que fosse melhor ela estar acompanhada de alguém importante. Não que isso fosse motivo para ela não pedir licença e me abordar com um milhão de perguntas. E isso logo foi descartado assim que me deparei com a porta aberta e uma loira sentada confortavelmente em sua cadeira.

       Pigarreei para chamar atenção, nervosa. A diretora me lançou um olhar indecifrável, mas indicou com a mão que eu me sentasse à sua frente. Eu o fiz com a folha de autorização em mãos, sentindo como se aquele mísero papel pesasse como chumbo. Tsunade levantou, fechando a porta e depois indo até a janela para observar o que estava lá embaixo. Eu sentia que isso era uma espécie de deixa, mas não me sentia segura quanto ao silêncio que ela fazia. Talvez ela não estivesse em um bom dia. Mas Tsunade cortou meus pensamentos, pronunciando-se logo após:

       - E então, Senhorita Hyuuga, o que te traz aqui?

       Observei o andar suave da mulher, ouvindo seus sapatos de salto soando pelo chão de madeira. Tudo em sua expressão corporal revelava o quanto ela estava tensa e observadora naquela manhã. O que só aumentava ainda mais suspeitas sobre seu envolvimento.

       - Trouxe minha folha de autorização que Hiashi... – pausei, pigarreando novamente – Digo, otoosan, assinou para que eu possa viajar com a escola. – Notei o olhar pesado que Tsunade me lançou e senti-me fraca por ser uma mentirosa tão ruim. Era claro que estava nervosa, só torcia para que ela pensasse que isso se devia à nossa última conversa. Mas finalmente pude ter uma reação positiva vindo dela. A loira suavizou a expressão e sorriu, parecendo inspirar o ar com alívio.

       - Finalmente! Sabia que conseguiria! – exclamou, em seguida parou novamente, encarando o ponto exato em que meu rosto estava ferido. – O que aconteceu com você, Hinata?

       Toquei meus lábios. O corte ainda estava vermelho e a região inchada, mas minha bochecha melhorara um pouco. Minha aparência não era surpresa, mas a oscilação em seu tom de voz sim. Era desconcertante o modo como aquela exclamação e aquela pergunta soavam tão pessoais.

       - Eu apenas me machuquei, diretora. – respondi, vendo-a desacreditada. É claro que estava, eu mentia terrivelmente mal. Sorri para amenizar. – Não se preocupe, é algo bobo, logo estará curado.

      - Certo... – ela me analisou, franzindo a testa. – Bom, mas fico realmente contente que tenha conseguido sua permissão. Como havia dito, esta viagem é muito importante para você, Hinata.

      Assenti, tensa. Não gostava do tom daquela frase. “Importante para você, Hinata”, como se fosse exclusiva à mim. E, definitivamente, os possíveis motivos não me cheiravam bem.

      - Fico feliz em poder participar. – respondi, sendo sincera, mesmo com a voz ainda manchada pela tensão. Tsunade tomou a folha de minhas mãos e anexou à uma pilha de papéis que deveriam corresponder às outras autorizações. Notei que ela queria dizer algo e imediatamente fiquei alerta.

      - Como está sua amizade com o Naruto? – ela perguntou de repente. Fiquei um pouco surpresa, mas essa pergunta ainda podia ser suspeita, mesmo que aleatória. Inevitavelmente sorri ao pensar em respondê-la.

      - Ele é meu melhor amigo, diretora. – respondi. O par de topázios caíram sobre os meus, estranhamente ternos.

      - Isso é bom, Naruto é um bom menino. Muitas vezes os pais perguntam para mim se seus filhos andam em boa companhia, sabe, mas no caso de vocês dois, acho que é um pouco complicado, não?

      Encolhi os ombros, assentindo.

       - Otoosan não gosta muito dos Uzumaki, acho que é concorrência de status. – respondi, rindo baixo. Tsunade assentiu.

      - E sua mãe? O que ela acha de Naruto? Se Akemi continuou a mesma garota serelepe do passado, tenho certeza que se identificaria com ele. – ela perguntou de repente. Fiquei tensa. Eu não esperava muito por essa pergunta. Na verdade, eu nunca esperava que o assunto fosse mencionado com ninguém e em nenhum momento, porque era difícil pensar no vazio de não ter sua presença.

      - N-Não falamos sobre isso. – disse, gaguejando como uma tola. Ela logo notou meu nervosismo e arqueou uma sobrancelha.

      - Não conversam sobre suas amizades? – enfatizou com descrença. Desviei os olhos, levantando. – Ei, Hinata...

       Parei, deixando-a falar. Mantive os olhos no chão, mentalizando o sorriso de Naruto para poder ficar calma.

      - Você sempre desvia o assunto quando menciono sua mãe. Sabe, nós fomos amigas, eu gostaria de saber como ela está. Por que fica tão chateada quando pergunto? – ela inquiriu diretamente, sem rodeios, mas com leveza no tom de voz. Suspirei, desejando poder me teletransportar.

      - Não gosto muito de falar sobre minha vida pessoal, senhora. – murmurei. Uma tentativa vã de desviá-la da pergunta. Mas ao mesmo tempo em que desejava evitar, sabia que estava errada. Se quisesse descobrir algo, teria que manter uma conversa. Eu só não esperava ter que entrar nesse assunto para obter respostas. Tampouco esperava perguntar diretamente, apenas queria que a própria Senju comentasse algo sobre a invasão que evidenciasse seu envolvimento e então eu tentaria conversar sobre. Mas é claro que as coisas tinham que ser mais complicadas do que isso e a diretora agiria como se o telefonema daquela manhã simplesmente não tivesse a importunado nem um pouco.

       - Perdoe-me, Hinata, mas se me permite questioná-la, o que há de tão ruim em me contar apenas como está minha velha amiga? – disse, coberta de razão. Não deveria ter nada de ruim nisso e eu sabia totalmente disso. Qualquer um que se importasse perguntaria, era natural.

       Apertei os dedos na saia de pregas, sentindo como se minhas veias estivessem transportando um veneno paralisador. Naruto ficaria decepcionado por minha falha investigação e depois assumiria todo o caso sozinho, arcando com as consequências e sustentando o peso em meu lugar, como sempre fazia. Isso me torturava, odiava essa impotência, essa vulnerabilidade extrema.

      - Gomennasai, Tsunade-sama. – disse-lhe por um fio de voz, caminhando dura até a porta.

      - Espere, Hinata, não precisa ficar desse jeito! – ela exclamou, levantando-se. Parei com a mão na maçaneta, cabisbaixa. Meus rosto ardia calorosamente e eu sabia que estava enrubescida, não por vergonha, mas por angústia. – Não quis lhe invadir a vida, fique calma.

      A loira falava como se soubesse como meu corpo se encontrava e isso era ainda pior. A pessoalidade em suas palavras era como uma estaca bem afiada diretamente em minha ferida mais dolorosa. Como se não bastasse meu egoísmo, ainda era fraca o suficiente para negar à Akemi as orações e o luto de seus amigos.

      - Não se preocupe, eu não estou chateada. – respondi, detestando-me. Eu tinha que dizer à ela, por que sentia tanto que deveria? Suspirei pesadamente. Como eu era uma garota tola e frágil. Não era capaz nem de responder uma simples pergunta. Sentia os olhos de Tsunade em minhas costas queimando-me e então decidi acatar ao instinto, não de proteção, mas de redenção. Não podia ser tão egoísta, as duas não mereciam e eu não podia evitar minha dor e implantar a angústia nas pessoas que se importavam com ela apenas por minha fraqueza emocional.

      - Hinata? – ela chamou, talvez meu conflito interno fosse notável. Enchi o ar dos pulmões, certa de meu dever.

      - Akemi... – comecei e ela esperou, quase como se não respirasse. – Ela está morta.

      O ar da sala de Tsunade ficou denso e eu quase pude sentir seu pesar, mesmo de costas. O corpo da mulher caiu na cadeira e ela expirou. Olhei de canto para sua expressão indecifrável e então saí da sala, não aguentando mais. Ao menos havia dito e isso já lhe era o bastante. Talvez ela nem fosse querer entrar em detalhes, e mesmo que fosse, minha parte estava feita.

       Desci a escada com o coração palpitando e o apetite reduzido à zero. Naquele momento, a única coisa que eu queria era um ombro amigo e eu sabia muito bem onde encontrar. Entrei no Refeitório e quase como se ele esperasse por mim, Naruto me encarou à distância. Trocamos um olhar sugestivo e o loiro logo entendeu meu recado, dizendo algo para seu pessoal e vindo em minha direção. Esperei que ele chegasse perto e, disfarçando, saí do campo de visão das outras pessoas e andei até um pequeno jardim interno do colégio. Nunca havia ido ali antes, mas parecia o local perfeito para nos isolar.

      Meu amigo me seguia em silêncio e apenas se sentou ao meu lado em um banco de madeira quando eu o fiz.

      - Você disse para ela, não disse? – ele acertou em cheio. Inspirei o ar, querendo chorar, mas tentando segurar. O garoto apenas olhava para mim cheio de compaixão.

      - Eu só gostaria que não fosse tão... pesado botar em palavras. Eu devia isso a ela, entende? Tsunade a conhecia, ficou em choque. – murmurei com a voz embargada. Naruto tocou em meu cabelo, afundando seus dedos em um cafuné.

                                                                            DEAR

      - Nem tudo tem que ser fácil, Hina, o equilíbrio das coisas é inevitável. Você sempre terá algo de muito bom e algo de muito ruim. Isso é o que nos faz ser capaz de discernir entre o bem e o mal, o certo e o errado. É assim que evoluímos. – disse suavemente. A voz daquele garoto tinha o poder de me embalar mesmo que seus braços estivessem bem longe. E isso me confortava de um jeito difícil de administrar. Era como se não coubesse no peito o tamanho do sentimento que me cercava sempre que ele me entregava a pureza do ser que era. Deitei minha cabeça em seu ombro, deixando-me ser abraçada.

      - Eu sabia que ela perguntaria, ainda mais depois daquela conversa de vocês. – ele murmurou pensativo. Suspirou pesadamente. – Se eu tivesse a oportunidade de ganhar um pedido, Hinata, eu apenas escolheria trazê-la de volta para você. Porque... céus, eu só queria conseguir arrancar esse vazio de dentro desses seus olhos!

      Levantei o rosto, tocada por sua amizade e compaixão. O encarei com uma cortina de lágrimas em minha visão, distorcendo a face bonita de Naruto. Pisquei para afugentá-las, quase derramando-as diretamente no oceano azul dos olhos que me encaravam de volta. Balancei a cabeça e lhe toquei a bochecha com ternura.

      - Se eu ganhasse um desejo, eu escolheria abençoar a sua vida para sempre. Não no sentido religioso, embora também se essa for a sua crença, mas me refiro à proteção merecida, à sua recepção de todas as coisas boas que possam existir ainda intactas nesse mundo. – murmurei, sorrindo de canto. Os olhos de Naruto pareceram transbordar algum sentimento muito forte e ele entreabriu os lábios, como se quisesse dizer algo. Mas eu já havia entendido sem nenhuma palavra. Não esperava que eu dissesse aquilo assim como não esperava que eu usasse meu pedido com ele.

      Não me senti mal por isso. Ao contrário, achei muito mais digno. Porque Akemi havia vivido por mim e ainda vivia em mim. Naruto havia salvo minha vida e isso era o mesmo que resgatar à nós duas.

       - Por quê? – sussurrou. Eu sorri em meio às lágrimas.

       - Porque nem tudo tem que ser fácil. O equilíbrio é inevitável e necessário. Perder a presença física de minha mãe é o meu algo de muito ruim, mas ter você comigo é a melhor coisa de todas. – respondi, mencionando suas próprias palavras. Naruto abriu um largo sorriso e escondeu sua face na curva de meu pescoço e cortina de cabelos. Ele parecia acanhado ou talvez feliz. Eu não entendia como ele podia conseguir se importar tanto com alguém como eu, mas eu sentia que ele o fazia sem pretensões. Ele era o exemplo mais perfeito de um ser humano imperfeito preenchido pela sabedoria do que é ter humanidade.

       - Eu vou te dar uma razão para existir, Hinata. Minha baixinha, melhor amiga, confidente e fiel companheira das aventuras e bagunças, eu não sinto em dizer, nem hesito, porque você é a minha vida agora. E desculpe se isso te deixa melancólica ou assustada, mas eu não quero perder nenhum segundo sequer longe de você nunca mais. Eu prometo ser o melhor de mim que você precisar. – ele quase atropelou as palavras, mas as proferiu e isso me suturou, me inundou mais uma vez com aquela doce certeza de que era exatamente por isso que eu ainda estava ali.

       Naruto não tinha apenas salvo a minha vida e me apresentado ao mundo comum. Ele havia acabado de nos fazer o mundo um do outro.

                                                              ***

         Naruto

      Joguei minha mochila sobre o ombro determinado a fazer alguma coisa para mudar aquela rotina. Hinata havia se despedido de mim ainda antes de sairmos da sala, afirmando que agora que tinha a permissão em mãos, queria se adiantar à frente de seu pai e sua irmãzinha postiça. O que, na verdade, não era uma decisão ruim de sua parte. Mas era lamentável para mim, um idiota apaixonado. Suspirei, não sabia se conseguiria administrar aquilo por muito mais tempo, eu era um homem, afinal, tinha a impaciência como característica cúmplice dos meus hormônios e isso contribuía negativamente nas etapas de relacionamento que vinha construindo com a Hyuuga.

    Ainda que fosse apenas uma forte atração ou qualquer outra coisa facilmente esquecível. A questão era muito mais complicada. A adoração que nutria por nossa amizade era tão grande quanto a vontade de excluir todos os espaços entre nós dois. Não queria perder isso, mas também não queria perder a chance de mostrá-la outro lado dessa relação. Uma escala para outro patamar, onde eu deixaria explícita a minha cara de bobo cada vez que olhar naquele conjunto de pérolas que ela tem como olhos. Sorri com o canto dos lábios, ali, sozinho, enquanto encarava o chão e andava para fora do prédio. Lembrar das íris de Hinata era reconfortante, mesmo que fosse visível o abismo que havia ali dentro de cada uma. Talvez porque eu estava fora dos trilhos e, às vezes, mesmo um abismo pode se tornar um caminho.

    - Eu apostaria seu videogame que está pensando naquela garota. – disse Sasuke atrás de mim, surpreendendo-me. Parei de andar, virando-me. Só a minha cara devia entregar. Apenas ri, balançando a cabeça.

    - E como um bom amigo, retiraria a aposta e me daria o seu ombro para lastimar essa realidade tão dura. – respondi. Ele fez uma careta.

    - Na verdade, eu ia sugerir que você me convidasse para jogar videogame ao invés de apostá-lo. – concluiu, parando ao meu lado e socando seu punho com o meu.

    - Muito sutil, Uchiha. – zombei. Ele deu de ombros.

    - Ainda posso apostar.

    Entrei no carro e dirigi até a saída do estacionamento, esperando meu amigo parear o seu ao meu lado. Abaixei o vidro, inclinando a cabeça para fora da janela.

    - Tenho treino agora, se não se importar de ficar, a gente com certeza afunda todas as minhas dores nos consoles. – disse. Sasuke assentiu.

    - Fechado, garotinha chorona.

    Eu ri, revirando os olhos.

    - Você é um babaca, Sasuke. – devolvi. Fechei a janela e liguei o som. Imediatamente o som fresco da música invadiu o carro e eu pensei sobre como a vida era uma senhorinha muito metida a engraçadinha. De toda a seleção de Pearl Jam, é claro que justamente uma canção sobre o amor – e como ele pode acabar tragicamente - deveria tocar para alguém nutrindo um amor platônico. Certo?

    Abri um sorriso como uma rendição à música. Eu jamais negaria Pearl, mesmo que cada letra esfregasse nostalgia em minha cara. E é claro que no meu caso, considerando as estrofes estranhamente sofridas, eu ainda estava lucrando feito um milionário. Ao invés de lamuriar sobre meu destino, decidi apenas deixar a música adentrar meus ouvidos como se fosse um amigo de bar cheio dos melhores conselhos.

               “Onde, onde meu amor pode estar?

                 O Senhor levou-a de mim

                  Ela se foi para o paraíso, então eu tenho de ser bom

                  Assim poderei ver meu amor quando deixar este mundo.”

      As lembranças do momento que tive com a baixinha mais cedo vinham como flashes e a cada palavra que minha mente repetia incansavelmente, eu era preenchido pela doce ilusão de que ela podia me amar. Era egoísmo que eu a pedisse isso, afinal, o amor a destroçara de uma maneira muito pior do que a mim. Mas não era uma intenção ruim e eu sabia disso, tanto que não havia desistido de encontrar um sim em alguma de suas linguagens corporais.

    Estacionei o carro na garagem sorrindo novamente. A pontinha de esperança podia ser um gole de néctar ou de veneno, não podia prever, mas estava ali, tomando conta do meu coração a cada dia. Sasuke talvez risse de como eu me encontrava terrivelmente apaixonado, mas a verdade era que nada podia tirar isso de mim agora. As palavras proferidas como se fossem revestidas pelo amor que eu queria dar, ditas na minha cara, jogadas ao vento como se não temessem seu rumo. Hinata podia não me amar dessa forma, mas eu pude sentir o quanto importava cada momento e cada ensinamento que compartilhamos juntos. E só isso já era quase como declarar um vitorioso “missão cumprida”.

    Suspirei antes de sair do carro. Pensando bem, Sasuke ainda iria rir.

    - O carro de Jiraiya já está aqui na frente. Pensei que fosse treinar sozinho, por que chamou seu mestre? – perguntou Sasuke, travando as portas de sua Lancer negra.

    - Jiraiya está aqui? – ecoei, confuso. Sasuke arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços de forma avaliativa e denunciativa ao mesmo tempo.

    - Você está no mundo da lua, Naruto? Vê se acorda, porque você acabou de sair de dentro de um carro, deveria estar com esses olhos bem cientes na rua. – disse. Encolhi os ombros, sorrindo amarelo. Ele tinha razão e eu estava levando uma bronca de Sasuke. Que mundo maravilhoso.

    - Hm... eu não o chamei. Ele deve estar aqui pelo otoosan ou veio trazer Dan para ficar com a okaasan. – respondi, caçando as chaves na mochila para entrarmos. A casa estava um tanto silenciosa, então imaginei que não havia crianças no perímetro. Talvez Jiraiya estivesse em alguma reunião para falar sobre o patrocínio da empresa para sua Academia de Artes Marciais.

    Por via das dúvidas, bati na porta do escritório e recebi um “entre”. Dentro do cômodo, meu pai e nosso mestre conversavam debruçados sobre a mesa cheia de papéis. O assunto parecia bom, mas ao mesmo tempo eu sentia que algo não estava nos encaixes normais por ali.

    - Tadaima! – exclamei como de costume. Os olhos de otoosan pousaram em mim e um leve assentir de cabeça me respondeu um “bem-vindo de volta”, como manda a tradição.

    - Yo, Naruto! Como anda a vida? – disse Jiraiya com sua voz estrondosa. Abri um sorriso para ele. Aquele velhote tinha o dom de sacudir qualquer sentimento ruim para bem longe e acho que sempre busquei herdar um pouco disso de sua personalidade.

    - Precisando de aventuras. – respondi. Ele balançou a cabeça, rindo.

    - Acho que li suas entrelinhas... – respondeu, mudando sua expressão para maliciosa. Bufei.

    - Estava falando de lutas, seu pervertido.

    Meu pai riu e eu notei como esse riso soara diferente. Mais introspectivo do que o normal, com uma pontada de resistência. E logo soube que algo não estava bem, como suspeitava.

    - Está tudo certo, otoosan? – perguntei, desviando bruscamente o rumo da conversa. Ele voltou-se para mim, pego de surpresa pela interrogação. Ouvi seu suspiro baixo e seu sorriso paterno de “não se preocupe” tomou sua face quase automaticamente.

    - Tudo sim, filho. Apenas sua mãe que não está muito bem hoje. – respondeu, fitando os papéis. Analisei a reação dos dois, percebendo como Jiraiya parecia quieto demais e como meu pai se comportava estranho. Não era como se ele estivesse preocupado, era mais algo como medo. Arqueei uma sobrancelha para meu mestre e recebi um dar de ombros indiferente.

    - Onde ela está? – inquiri e sem a intenção minha voz soou autoritária. Meu pai voltou a olhar para mim e sorriu, dessa vez um pouco mais aberto.

    - Sua mãe está repousando, Naruto. Ela disse que pegou uma alergia forte de uma flor nova que cultivou no jardim dos fundos. – respondeu.

    Analisei o escritório e os dois homens uma última vez antes de me voltar para a saída.

    - Hm, vou dar uma olhada. – respondi, saindo sem esperar que respondessem. Não que eu achasse que algum dos dois estava escondendo algo. Não era o que parecia, afinal, mas meu pai demonstrava uma comoção estranha, fora do comum para ele.

    Procurei relaxar. Talvez ele estivesse preocupado com os negócios e não com relação à mamãe. Era bem provável que assumir um status de patrocinador alavancasse a empresa de algum modo, seja para o lucro ou não. Então apenas voltei para a sala, onde havia deixado Sasuke e o chamei para subir a escada comigo.

    - Tá rolando alguma coisa? – ele perguntou atrás de mim.

    - Minha mãe está meio mal. – respondi, parando em frente à porta do quarto de meus pais. Sasuke me lançou um olhar preocupado.

    - Quer que eu vá embora para você cuidar da tia? – murmurou. Eu sorri, querendo zombar de seu lado mole, mas me limitei a negar com a cabeça.

    - Claro que não, eu só quero dar uma olhada na Dona Kushina. Entra aí, ela vai gostar de te ver.

    O Uchiha deu de ombros e eu abri a porta devagar, espiando e encontrando os longos cabelos ruivos espalhados pela cama. A matriarca parecia estar dormindo, mas ao ouvir o mínimo estalar da madeira, ergueu a cabeça. Eu parei na entrada, surpreso. Quando otoosan mencionou uma alergia, não pensei que ela fosse tão forte. O rosto de okaasan estava vermelho, fazendo ela parecer um tomate com suas bochechas enrubescidas e olhos e nariz avermelhados. O azul de suas íris se destacava, tomando uma coloração levemente verde, induzida pela tonalidade do globo ocular. Ela fungou e sentou-se calmamente, chamando-me com seu sorriso materno. Me movi a passos largos até sua cama e Sasuke veio em meus calcanhares, sentando-se na ponta do outro lado. Mamãe o olhou, abrindo um sorriso ao vê-lo.

    - Meninos – ela disse, a voz um pouco embargada. Toquei sua face gentilmente e recebi seu olha doce.

    - Você está tão ruim assim, okaasan? – perguntei baixinho. Não sabia bem o porquê, mas tinha a sensação de que ela estava chorando anteriormente.

    - Oh, estou com a pior alergia do século! – respondeu, fungando novamente. Uma lágrima escapou de seu olho esquerdo, enquanto o outro prontamente se encheu de água. Ela limpou rapidamente e sorriu, mas não conseguiu esconder a tristeza.

    - Caramba, tia, você parece péssima! – Sasuke comentou. Lancei um olhar de alerta à ele, mas minha mãe apenas riu. Meu amigo definitivamente não sabia como era perigoso ressaltar o problema físico de uma mulher.

    - Na verdade, parece triste. – corrigi, voltando minha atenção para sua face. Mamãe pôs a mão sobre meu cabelo, afagando e esticou o toque para me puxar para perto. Me aproximei e deixei que ela me abraçasse com um dos braços, enquanto chamava Sasuke com o outro. O moreno parecia levemente desconcertado, mas aceitou ser envolvido também. Talvez ele estivesse se sentindo uma criança, assim como eu estava. Mas não liguei. Sabia que ela ficava emotiva quando adoecia e era impossível lhe negar alguma coisa quando se encontrava naquele estado.

    - É claro que estou triste. Eram flores lindas, fariam um arranjo maravilhoso no jardim. – respondeu, claramente chorosa. Ergui os olhos e avistei os seus. Estavam opacos, diferentes. Eu gostaria de aceitar que ela apenas estava em uma péssima crise de alergia, mas sentia como se houvesse algo a mais e queria ajuda-la. Kushina percebeu meu olhar e sorriu, dando-me um beijo no topo da cabeça.

    - Não fique enchendo sua mente de bobagens, eu estou péssima por ter ficado doente. Seu pai e eu iríamos sair para jantar hoje, sabia? – perguntou. Neguei com a cabeça e ela riu. – É nosso aniversário de casamento. Mas agora Minato-kun terá que ficar comigo assistindo televisão porque eu não consigo sair de casa assim. – lamentou-se. Era claro que eu havia esquecido desse acontecimento, não era bom para guardar datas. Suspirei, essas coisas eram importantes para ela e então entendi o possível motivo para tanto desânimo. Levantei de seus braços, Sasuke já o havia feito e depositei um beijo na testa de minha mãe.

    - Não se zangue, ainda virão muitas comemorações e o que importa é que nós estamos aqui com você. – murmurei, dando-lhe meu sorriso amplo e infantil que ela adorava. Eu herdara isso de si, assim como outras tantas coisas. O olhar doce que recebi me banhou com seu amor de mãe e eu estava pronto para ir treinar. Mesmo que não pudesse curá-la, sabia que o mínimo de carinho que pudesse dar já o faria, ainda que gradativamente.

    Sasuke me seguiu para fora do quarto e eu o guiei para a sala de treinamentos que papai montara com Jiraiya nos fundos. O sentimento de que havia uma aura estranha rondando a casa ainda me perseguia, mas tentei ignorar. Ao invés disso, apenas tirei a farda colegial, vesti uma bermuda leve e comecei a enrolar mãos e canelas com faixas. Sasuke se ajeitou em um pufe azul e começou a mexer em seu celular. Ele havia treinado comigo por um tempo, mas o Uchiha tinha uma mania estranha de sempre andar com suas coisas inacabadas. As únicas exceções eram suas amizades e seu namoro com Sakura.

    Sorri, me alongando. Iniciei o treinamento no saco de pancadas, acertando um chute 360º que o fez balançar fortemente e imediatamente me lembrei do dia maluco em que embarquei de cabeça numa linda aventura chamada Hinata.


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