Campo de guerra

Resultado da autópsia: inconclusiva.

Não havia marcas no corpo, nem sinais de envenenamento ou hemorragia interna, nada que pudesse explicar a morte da pobre garota, e o irmão dela ainda estava desaparecido. Os dois policiais saíram satisfeitos do IML, já sabiam a causa da morte... Não eram tiras comuns.

***

Aviões cortavam o ar, atirando bombas à moda da segunda guerra mundial, mandando para os ares tanto inimigos quanto aliados. Os zepelins explodiam em pleno ar, resultado do choque com aviões desgovernados que se digladiavam na arena mortal com metralhadores e perigosas manobras.

A trincheira estava lotada de soldados armados até os dentes, aos poucos, eles avançavam sobre o território inimigo, que tinha a vantagem de possuir um enorme andador, robô constituído de engrenagens e pistões movidos a vapor e que se equilibrava em duas poderosas pernas mecânicas que se encaixavam numa enorme caixa de metal. A máquina era comandada pelo jovem general Hans Fritz auxiliado por cinco atiradores de elite covardemente escondidos e protegidos dentro do andador. Cinco metralhadoras se projetavam na parte superior, como se fossem a metade de uma peça de dominó de número cinco, que não se cansava de destruir tudo o que vinha pela frente. Precisavam detê-lo.

– Me dê cobertura!

Gritou um dos soldados.

As vestes do garoto eram grandes para ele, afinal aquela guerra não era para meninos, mas necessitavam de toda ajuda possível. Prestativo como era, ele se levantou, apanhou o mosquete alçado no seu ombro pela bandoleira e se deitou de bruços na borda da trincheira, ao lado de outro soldado que recarregava a submetralhadora Thompson fumando um cigarro de quinta categoria, isso acalma a gente, dizia ele soltando fumaça pelas narinas.

O soldado que pediu cobertura se foi com um pequeno destacamento para impedir o avanço do inimigo, alguns deles atiravam a torto e a direito, sem mirar ou raciocinar, a guerra os deixava confusos e a tremedeira causada pela visão de compatriotas mortos e de aviões rodopiando no céu.

Estava na hora de entrar em ação, o garoto mirou torcendo para que não atingisse um dos seus, mas ao apertar o gatilho do mosquete, não ouviu a arma disparar e a metralhadora do soldado ao lado também não. As armas travaram sem motivo algum, e outro som entrou em ação, uma granada despedaçou o pequeno destacamento em mil pedaços.

O andador avançava...

***

O detetive Rangel usava sobretudo preto e não estava para brincadeira. Victor, o seu parceiro mais jovem, estava disposto a colocar a estupidez juvenil em ação e se preparava para arrombar a porta do suspeito, mas antes que pudesse fazê-lo, o detetive a destrancou mexendo na fechadura com alguns instrumentos que sempre levava consigo para estas missões.

– Da próxima vez apenas observe. – Disse ríspido. 

A casa ficava no litoral em frente a uma bela praia, como ele não tem inspiração com uma vista tão bela como esta, pensou o jovem policial. Os dois já empunhavam os revólveres, entrando de mansinho na sala.

– Mãos ao alto... – Disse Rangel, indo na frente e cumprindo o protocolo, apontando a arma para o escritor sentado a mesa. Hans Fritz se levantou e sorriu como se os ingratos visitantes fossem amigos de infância.

– O que vão fazer? Vão me prender, é?! Vocês não sabem de nada...

– Sabemos o suficiente, seu canalha...

A mão inexperiente se coçava para atirar, mas a lembrança das palavras recém-ditas o impediram de efetuar os disparos. Não era assim que funcionava.

***

O andador estava em cima deles agora, o garoto via a morte se aproximar e começava a aceita-la. Lagrimas escorriam pela sua face, encolhido em um canto da trincheira, ele esperava sentir as balas lhe perfurarem e experimentar o gosto amargo do sangue quando este atingisse os seus lábios. No fim não haveria ninguém para lhe fechar os olhos ou limpar o seu rosto sujo de terra e sangue.

Não viu os dois aviões darem um rasante próximo à cabeça dos soldados, nem quando eles se lançaram em missão suicida contra o andador. Apenas sentiu o vento forte que lhe fez arrepiar os pelos quando os aviões e o andador colidiram, e as bombas que as aeronaves levavam explodiram, destruindo tudo o que estava ao seu redor.

Abriu os olhos vagarosamente, sem entender o que havia acontecido, olhou ao redor e viu que não sobrara nada além de corpos sujos e destroços. Havia acabado, mas não pode sorrir, o infinito amargo da devastação da guerra se estendia a frente dele.

***

– Tire-o do transe... Agora! – Mandou o experiente policial, apontando a arma para a cabeça do escritor.

– Não posso... – Disse rindo como se estivesse assistindo um Stand Up.

– Rápido, antes que eu estoure os seus miolos.

O garoto estava sentado na outra ponta da mesa adormecido com o rosto virado em cima da mesa. Parecia estar tirando apenas um cochilo de fim de tarde depois de estudar.

– Creio que os miolos dele é que já eram.     

O detetive assentiu.

– Traga o material, Victor – Rosnou.

– Imediatamente...

Depois de alguns segundos, ele voltou com uma grande mala que pegara no carro estacionado a alguns metros da casa.

– Aqui está.

– Agora será a nossa hora de se divertir.

Quando terminaram, limparam as digitais que poderiam aparecer na investigação e tiraram o garoto da casa, colocando-o no banco de trás do carro.

***

"Hans Fritz é encontrado morto na sua casa de praia, a perícia sobre a morte ainda é inconclusiva. Fãs do mundo inteiro prestam homenagens ao escritor...”.

– Filho da mãe... Teve o que merecia.

Jogou o jornal no lixo, entrou no carro e tirou o sobretudo, colocando-o ao lado do garoto, que estava em estado vegetativo.

– Malditos escritores sem criatividade. Invadem mentes, matam crianças... Desgraçados, é o que são. Terá que ter muito sangue frio quando encontra-los, meu rapaz. – Aconselhou mais uma vez.

Ligou o carro, o motor roncou e em seguida desapareceram no horizonte.

– Mundo dos Mortais – Conto inspirado no filme Sucker Punch.