.,.-'*'-.,. Contando Estrelas, segundo capítulo .,.-'*'-.,.
Movia minhas pernas rapidamente, correndo pelos corredores sem cuidado algum. Não me importava para onde estava indo, queria ficar sozinho apenas por alguns segundos. Apenas queria me ver longe de Erwin e de suas atitudes perversas para comigo, esquecer os hematomas que tentava cobrir com meu cravat, esquecer a maldita dor em minha cintura e das palavras que insistiam em ecoar na minha cabeça.
Sentia-me sufocar dia após dia. Como gostaria de encontrar uma forma de permanecer neste lugar sem precisar me submeter à tais devaneios sexuais com Erwin sempre que ele quisesse. Não queria voltar para a cidade subterrânea mais uma vez e viver como um criminoso, assim como não queria fugir e ser perseguido pelo exército.
Eu queria a minha liberdade, era a única coisa que eu mais desejava na vida.
Ignorei por completo as perguntas de alguns de meus companheiros conforme corria apressado pelos corredores, e quando percebi, estava parado em frente aos estábulos.
Para minha sorte, os cavalos estavam em silêncio e pareciam não se incomodar com a minha presença ali. Porém, franzi o cenho por conta da estranha iluminação do lugar, como se alguém tivesse esquecido um lampião aceso. Conforme caminhava pelo corredor principal em passos lentos, torcia o nariz por conta do cheiro de feno fresco e esterco que fazia meu estômago embrulhar levemente.
Caminhei na direção da luz, que vinha de uma das divisões do meio. Ao me aproximar, ergui ambas as sobrancelhas bem de leve ao ver Mike relaxadamente sentado sobre um monte de feno, com um cavalo abaixado ao seu lado esfregando o focinho em sua mão.
Aquilo me deixou desconfortável. Ele estava com Erwin no dia em que Farlan, Isabel e eu fomos pegos. Lembro de alguns poucos comentários dele antes de levá-los para longe e me deixar sozinho com Erwin, à pedido do capitão.
O fato de não ter feito nada para impedi-lo apenas fez crescer minha desconfiança com o passar dos dias. Mike tinha total conhecimento do que Erwin e eu fazíamos, e no entanto, apenas demonstrava indiferença quanto à isso.
Isso me fazia pensar se todos os veteranos da tropa de exploração, apesar de tudo o que fazem pelo "bem da humanidade", possuem a mesma personalidade doentia.
- Por quanto tempo pretende ficar em pé? - O ouvi dizer, voltando os olhos em tom caramelado para mim.
Na verdade, nem imaginava que ele tinha percebido a minha presença ali.
- Pensei que estivesse em seus aposentos. - comentei, aproximando-me apenas o suficiente para me encostar em um dos pilares de madeira que sustentavam aquele estábulo.
Mike ficou em silêncio por breves momentos, afastando o focinho do cavalo, que se ergueu e trotou para um canto qualquer.
- Gosto do cheiro desse lugar. - disse, largando os braços sobre o feno, fazendo alguns poucos fiapos levantarem.
- Gosta do cheiro de feno e merda? - Crispei os lábios com aquilo, não obtendo resposta.
Ponderei seriamente em ir para outro lugar, o campo de treinamento ou o galpão onde guardavam o armamento por exemplo. Mas poderia ser facilmente encontrado nesses lugares. Àquela hora da noite apenas eu caminhava pelos estábulos.
Pelo menos até agora.
Tive que segurar o suspiro, cruzando os braços em seguida. Também não queria ter companhia em um momento daqueles, principalmente a dele. Pelo o que havia entendido, Mike era uma espécie de "braço direito" de Erwin, como se fossem melhores amigos.
- Você não gosta de mim, não é? - O ouvi comentar e então voltei os olhos para ele mais uma vez. Não respondi, mas creio que ele deva ter entendido pela carranca que lhe dirigi e pelo suspiro que ele soltou logo após. - Eu não aprovo as coisas que Erwin faz, mas não posso simplesmente obrigá-lo a parar. Querendo ou não, ele é meu superior.
Daquela vez não contive o suspiro, desviando o olhar logo em seguida.
- Não é como se precisasse se preocupar com uma coisa dessas. Não te diz respeito, afinal. - devolvi sem lhe dirigir o olhar.
Mais um período de silêncio se fez presente. Não gostava daquele tipo de coisa, da sensação do ar pesado à minha volta. Sentia certa dificuldade em formular frases que fizessem sentido em situações como aquela. Mas não era como se sentisse necessidade de manter uma conversa saudável com Mike, creio que até mesmo uma situação como aquela era algo desnecessário.
- Pode vir aqui por um momento? - perguntou e quando ergui o olhar, vi quando se moveu sobre o feno, deixando um generoso espaço onde podia se acomodar.
Admito que ponderei seriamente sobre aquilo, regulando até mesmo a altura de Mike e comparando com a minha. Por mais que soubesse lutar bem, seria extremamente complicado me livrar do enorme corpo dele, caso tentasse alguma coisa comigo. Fora que poderia ser ameaçado por Erwin, caso Mike comentasse sobre alguma coisa.
- Está com tanto medo assim? - comentou, sorrindo bem de leve antes de coçar a barba com uma das mãos. - Não farei nada com você, Levi. Apenas quero uma companhia que aprecie o odor de esterco tanto quanto eu.
Franzi o nariz e a testa com aquele comentário.
- Eu não gosto desse cheiro horrível. - disse e Mike riu alto com aquilo.
- Então por que está no estábulo à essa hora, conversando com alguém como eu e suspirando esse odor peculiar?
Separei os lábios levemente, sem saber o que responder. Mike riu de novo pela minha confusão antes de erguer uma das mãos para mim, chamando-me mais uma vez para que sentasse ao seu lado. Ainda que muito hesitante, estiquei meu braço e segurei em sua mão, desviando-me das pilhas de esterco acumuladas nos cantos do estábulo antes de finalmente me sentar sobre o feno macio. O cheiro subindo logo em seguida.