Capítulo 004 ? Entre as entrelinhas
O pedalar de movimentos incomodava na coxa; ainda sentia pontadas ao fazer esforço sobre ela, apesar disso compensava o vento suave que rodeava o meu corpo em uma sensação agradável e energizante.
A imensidão azul do mar inundava minha visão. Estava cercada de água por todo lugar que olhava, pressionei o freio estacionando a beira da grade de proteção para contemplar a vista.
- Isso é extraordinário. ? gritei ao mar.
As ondas se tornaram mais fortes em resposta as minhas emoções. Debatiam-se contra as pilastras com intensidade.
- Não temos tempo para isso. ? Augustus me censurou com a voz mais grave que o normal. ? Irá anoitecer em breve.
- Eu não tenho pressa. ? disse extremamente emocionada. ? A natureza nos presenteou com essa divina paisagem, e é nossa obrigação apreciá-la como se deve.
- Você tem toda razão. ? uma voz floreada e pausada se impôs a de Augustus. ? A beleza é algo a ser admirado.
- Acho que não me entendeu. ? me assustei ao ver a figura que se dispôs a falar comigo. -...
Vestia um colã de couro preto cobrindo todo o seu corpo, uma saia de bailarina em um tom de rosa berrante e o sapato de salto agulha verde limão. Andava em um monociclo turquesa, com flores estilizadas no aro. O porte físico deselegante em meio a trejeitos bruscos e descoordenados; aparentava estar bêbado. O cabelo púrpura com mechas verdes trançados amarrados na ponta em uma bolsa castanho-avermelhada pedante. Apesar das feições e dos trajes femininos, era um homem e muito estranho por sinal.
- O que foi? ? provavelmente demonstrei-me espantada e isso poderia trazer conseqüências desagradáveis. ? Não consegue apreciar a verdadeira beleza quando a vê?
Evitei responder.
- Exijo uma batalha. ? disse entre floreios. ? Você pagará a Darbas por isso.
- Não tenho medo de bailarinos esquizofrênicos e narcisistas. ? falei irritada. ? Se quer uma batalha, uma batalha é o que terá.
- Insolente. ? disse ofendido.
- Julli, não temos tempo para isso. ? Augustus se pôs a minha frente, tentando me impedir. ? Esquece ele.
- Não rejeito desafios. ? disse decidida.
- Ok. ? Augustus se afastou.
Andei alguns passos para a esquerda. Não sabia se era proibido batalhar sobre a ponte, mas não me intimidei.
- Natu, faça as honras. ? finalmente encontrei uma frase que me soou agradável ao iniciar uma batalha.
- Koko, mostre todo o meu encanto. ? disse quase caindo do monociclo.
- Naaaa... ? Natu fitou a figura estranha, contudo seus olhos enigmáticos não se concentraram ali e se puseram para o oceano instintivamente.
O bizarro ser remexeu sua trança, lançando a pokebola pela bolsa castanho-avermelhada. Do outro lado, gases tóxicos se alastravam, forçando a tapar o nariz. Uma esfera roxa com crateras emanando fumaça fulgente e um crânio com dois ossos entrecruzados desenhado na parte frontal surgiu da pokebola. Sua feição alegre, um pouco fora da realidade era engraçada.
- Koffing. ? o Pokémon esfera pareceu tossir. Não iria lutar contra um Pokémon doente.
- Como ousa utilizar de um Pokémon enfermo para batalhar. ? disse indignada.
- Hahahahaha! ? ele riu descontroladamente. ? Sua fedelha inexperiente. Meu Pokémon esta em perfeitas condições.
- Julli, este Pokémon apresenta estas características. ? Augustus cochichou pelas minhas costas.
Apontei a pokedex para o pokémon esfera um pouco receosa.
Koffing, pokémon gás venenoso. Possui diversos gases tóxicos em seu interior que podem levá-lo a explodir sem aviso prévio. Por ser extremamente leve, consegue se manter levitando.
Estava completamente envergonhada, minha face enrubesceu queimando minhas bochechas. Percebi que tinha um grande caminho a trilhar até conseguir ser uma boa treinadora.
- Certo. ? disse ainda corada. ? Posso ser inexperiente, mas irei provar o meu valor.
- Pirralha convencida. ? falou ajeitando a trança. ? Será um prazer esmagar sua frágil segurança.
- Natu, Peck. ? ignorei suas palavras.
- Smog, Koko. ? disse sem rodeios.
Natu saltou bicando a face de Koffing furiosamente. As crateras de seu corpo soltaram mais gases tóxicos, mas Natu saltava evadindo do ataque pousando sobre a esfera roxa acertando bicadas em seu resistente corpo. Apesar das investidas, Koffing não havia sofrido grandes danos.
A pokedex apitou tirando a minha atenção da batalha.
Golpe aprendido: Night shade
Observei uma ventania forte se moldar em direção a Koffing, fazendo rodopiar igual a um peão. Os olhos enigmáticos de Natu estavam iluminados em um tom róseo. Não conseguia acreditar que aquela miúda ave continha tanto poder oculto.
- Koko, nããããoooo! ? disse o ser bizarro descontroladamente.
Natu se aquietou exausto. Koffing conseguiu se recompor, mas estava bastante ferido.
- Isso não é justo. ? disse com seus movimentos descoordenados. ? Koko, Tackle.
- Natu, Night shade. ? apesar da exaustão Natu conseguiu recriar o seu ataque. Sua sombra se estendeu sobre Koffing engolindo o seu corpo, levando ao chão com aspecto murcho.
- Não. ? choramingou escandalosamente. ? Como? Você ganhou? Isso é impossível.
- Acho que resolvemos esta pendência. ? disse feliz ao subir na bicicleta. ? Natu, você foi esplêndido e para lhe presentear pelo seu ótimo trabalho, você irá passeando até chegarmos a Fuschia. O que acha?
- Natuuuuuuu... ? os olhos de Natu brilharam emocionados.
Natu saltou para o guidão da bicicleta, e continuamos a pedalar abandonando o desconsolado ser de colã. Augustus veio logo atrás.
***
Desembocamos em uma encruzilhada. A ponte seguia para o norte e para o leste, sua estrutura era mais antiga e desgastada pela ação do tempo do que a que estávamos passando.
- Seguimos em frente. ? Augustus disse entediado.
Já estava anoitecendo. O sol se retirava do horizonte, acalorado e pulsante como um grande coração dourado, dando espaço para o frágil e cintilante brilho da lua, bela e misteriosa, uma alma prateada personificada.*
- Natuuuuuuu... ? Natu piou baixo, precisava descansar.
- Você foi uma ótima companhia e merece uma boa noite de sono. ? disse antes de beijar o topo de sua cabeça. ? Boa noite. ? retornando a pokebola.
Pedalamos até chegarmos ao terminal. Era pequeno comparado ao anterior. Devolvemos as bicicletas na portaria, pagando a tarifa de aluguel e nos dirigimos rumo a Fuschia. A região era rodeada de quaresmeiras, paineiras, sândalos e resedás floridas. A denominação dada à cidade era explicada pela coloração róseo-violeta do local.
Extremamente arborizada, a sensação era comparada a estar em uma floresta. As casas se ocultavam por entre as copas que exalavam uma explosão de aromas adocicados. As flores rosadas com pintas avermelhadas e bordas brancas se sobrepunham as folhas palmadas esverdeadas, destacando as suas cores pelo brilho do luar.
- Acho que é hora de cada um seguir o seu caminho. ? Augustus disse enquanto eu admirava a paisagem. ? Foi bom te conhecer.
- Como? ? disse intrigada. ? Pensei que iríamos viajar juntos.
- Talvez em outra ocasião. ? falou desconcertado, mas sem emoção.
- Boa sorte, então. ? estendi a mão para ele, sorridente. ? Espero que nos reencontremos em uma ocasião mais agradável da próxima vez. Até.
- Até. ? disse secamente, sem apertarmos as mãos.
Ao desaparecer por entre as paineiras, senti que Augustus não era mais que uma alma perdida, um ser obscuro e sem vida, uma existência estraçalhada. Enfim, seus demônios internos o consumiam e sem um lugar ou alguém para retornar, iria desaparecer o pouco de humanidade que resistia em permanecer.
- Será que voltaremos a nos encontrar? ? disse com um aperto no peito.
Fiquei por mais algum tempo em minhas divagações antes de procurar um centro Pokémon para me instalar. O centro Pokémon era pequeno, com poucos dormitórios disponíveis para os treinadores descansarem. Felizmente havia poucas pessoas ocupando as suítes e pude ficar sozinha em um, apesar de que cada quarto continha duas beliches com colchões bem confortáveis e macios com um banheiro para uso coletivo.
Aproveitei a folga para entregar meus pokémons a enfermeira Joy analisar as suas condições.
- Poderia examiná-los. ? disse entregando duas pokébolas a ela.
Era idêntica as outras enfermeiras. Seria um complô se formando na medicina Pokémon, pensei gracejando.
- Claro. ? disse amavelmente. ? Aguarde um momento, por favor. ? retirando-se da recepção.
Procurei minha pokegear na mochila para dar notícias a minha mãe, enquanto esperava o atendimento.
- Mãe, tudo bem? ? disse calmamente.
- Filha, que saudades. ? falou agoniada. ? Está tudo ótimo e com você minha querida?
- Estou com saudades também. ? disse alegremente, ocultando tudo que correspondia a pokémons. ? Acabei de chegar a Fuschia e tudo correu bem. Estou muito feliz, e eu tinha de ligar para lhe contar.
- Minha querida. ? cochichou melosa. ? O que me consola é que está feliz no que está fazendo. Agora tenho que desligar, mas me ligue novamente. ? disse choramingando. ? Te amo.
- Também te amo, mãe. ? aproximei a pokegear a boca como se as palavras fossem chegar até ela, de maneira mais íntima.
Segurei as lágrimas, esfregando o braço aos olhos. Minha mãe não conseguira permanecer conversando comigo. Provavelmente neste momento esteja chorando deprimida. Preocupava-me deixá-la só.
- Seus pokémons estão em boas condições. ? disse uma voz gentil. ? Obrigado e volte sempre.
- Obrigado. ? disse recolhendo as pokébolas sobre a bandeja, voltando ao dormitório.
***
Pela manhã comecei a treinar o Mudkip e o Natu para a batalha de ginásio. Tinha um campo de batalha em ótimas condições nos fundos do centro Pokémon e uma enorme paineira produzindo sombra.
Uma garota de cabelos curtos negros brilhantes e sedosos, encaracolados nas pontas, folheava um livro antigo, envolto em uma casca de madeira rústica escorada a paineira. Vestia uma camisa social branca, manga três quartos, botões frontais de coloração negra, um short jeans preto com suspensórios cinza ardósia escuro, tênis em fibra de carbono quantum e meias brancas. Estava absorta em seus pensamentos nem notara a minha presença ali.
Peguei duas pokebolas em minha mochila, atirando-as para o alto.
- Natu, Mudkip façam as honras. ? falei sorridente.
Dois jatos brilhantes surgiram a minha frente, uma pequena bola esverdeada de asas e um pequenino corpo azulado e fofucho de barbatanas alaranjadas.
- Bem Mudkip, Natu vamos começar com o nosso treinamento. ? disse animada.
- Mud! ? apesar do humor volátil, neste instante Mudkip estava animado, Veríamos até quando.
- Naaaaaaaa... ? seus olhos enigmáticos se concentraram na garota abrigada na paineira. Não conseguia descobrir se prestava atenção em mim ou nela. Era frustrante.
- Começaremos aquecendo os músculos com um alongamento. ? disse espreguiçando os braços para o alto.
Mudkip esticou o corpo caindo de barriga no chão e Natu tentava rodopiar as asas para me imitar.
- Hahahahaha! ? não consegui conter o riso. - Isso foi um começo... ? disse tentando me retratar imediatamente.
Mudkip jorrou água em mim. Ficara zangado com a minha atitude. Natu continuava a observar a garota.
- Desculpem. ? disse sem graça. ? Vocês estão se esforçando e eu não deveria ter feito isso. Perdoem-me.
- Mud... ? Mudkip se recolheu ignorando-me.
- Naaaaaaaa... ? Natu não desgrudava os olhos da garota.
- Isso vai ser muito intricado. ? sussurrei chateada comigo mesma. ? Eu asseguro que vou me comportar.
- Kip. ? Mudkip se levantou ainda desconfiado, mas agora parecia desanimado.
- Naaaaaaaatuuuuuuuu... ? ainda da mesma forma.
- Vamos começar com uma corrida. ? disse entusiasmada.
Comecei a dar voltas no campo, Natu saltava e Mudkip corria um pouco desengonçado.
Aos poucos, pegávamos um ritmo, contudo em menos de cinqüenta voltas Mudkip e eu ficamos exaustos. Natu ainda saltava pelo campo com energia de sobra.
- Uma pausa. ? disse sem fôlego. ? Para nos hidratarmos.
Coloquei água para eles enquanto bebia um pouco do cantil. Natu bebericava pequenas doses de água, enquanto Mudkip engolia enormes quantidades de uma vez.
- Agora que estamos aquecidos, vamos à batalha. ? levantei sentindo o corpo dolorido. O acidente no laboratório ainda fazia efeitos em mim. ? Natu contra Mudkip.
- Mud. ? Mudkip me olhou estranhando.
- Naaaaaa! ? Natu pulou sobre a minha cabeça, amedrontado.
- Será uma batalha de treinamento. ? disse retirando o pequeno pássaro em forma de bola de cima de mim. Foi um pouco complicado, suas garras prenderam em meu cabelo. ? Para melhorar suas habilidades.
Mudkip e Natu pareceram entender e se puseram um de cada lado do campo.
- Natu, Peck. ? gritei no canto do campo. ? Mudkip, water gun.
Natu saltou em direção a Mudkip, mas ele foi envolvido por água acertando Natu violentamente. A pokedex apitou descontroladamente.
Erro fatal. Erro fatal. Erro fatal.
Não parava de repetir a mesma frase e impulsivamente joguei o aparelho longe com medo que explodisse. Natu e Mudkip se aproximaram de mim alarmados. Eu era um pouco tecnófoba. Conseguia manipular algumas tecnologias, mas se ocorressem problemas eu ficava apreensiva e as evitava, era uma negação quanto a isso.
- Não se preocupem. Eu resolvo isso. ? a garota de cabelos negros disse calmamente.
Ela fuçou por alguns segundos silenciando a pokedex.
- Pronto! ? falou ao me entregar o aparelho.
- Obrigada. ? disse desconcertada. ? Acabei passando a minha fobia por tecnologia para os pokémons. Se não fosse por você, eu nem saberia o que fazer. ? estendi a mão para cumprimentá-la. ? Julliane Cerule.
- Isis Gast, prazer em conhecê-la. ? disse sorrindo. ? Foi um prazer ajudá-la.
Ao tocarmos as mãos, um choque estático sobreveio. Retiramos as mãos involuntariamente.
- Que estranho. ? dissemos ao mesmo tempo. ? Hahahahaha! ? rimos da situação.
- Você deve ser de Hoenn, certo? ? a garota disse delicadamente.
- Não!? ? minha voz saiu um pouco esganiçada. ? Por que acha isso?
- Seus pokémons são freqüentes nessa região, na verdade, para obtê-las, você deve ir para Hoenn, onde possui ambas as espécies ou Jotho, para capturar este pequenino Natu. ? disse acariciando a sua pena.
- Na verdade eu sou de Cerulean. ? disse incomodada. ? O Mudkip foi presente do meu pai, e o Natu capturei na floresta próxima a Pallet.
- Isso é estranho ou você teve muita sorte. ? falou distraída. ? Pode me emprestar a sua pokedex?
- Claro. ? disse recuperando a vitalidade.
Isis digitou alguma coisa e entregou a pokedex para mim.
- Segundo a pokedex, o Mudkip é incapaz de aprender Aqua míssil. ? disse maravilhada. ? Aparentemente o seu consegue.
Fiquei estupefata. Descontrolada, abracei seu pequeno corpo azulado, apertando-o. Uma cabeçada me jogou ao chão. Aquela cena já havia ocorrido...
- Mud! ? grunhiu extremamente irritado.
- O que foi isso? ? disse apontando de um lado ao outro.
- É que às vezes eu perco o domínio das minhas ações. ? comentei envergonhada, levantando do chão. ? Ocorre essencialmente com pokémons.
- Nossa? ? disse intrigada. ? Você fala de um modo tão estranho. Muito formal.
- Meus estudos foram muito extenuantes. ? procurei explicar este pequeno detalhe. - Minha mãe cobrava extrema dedicação em todas as atividades, e meu pai sempre me inspirei a ser como ele. Sua sabedoria, seu bom senso e inteligência encantam-me profundamente. É por esta razão que somente pude sair em minha jornada aos doze anos. Além de outras implicações.
- Impressionante como você consegue se expressar assim. ? falou acalentando minhas mãos. ? Eu adoraria ter propriedade para aplicar as palavras desta maneira. Mesmo sendo uma leitora assídua eu não consigo.
- Eu não... ? estava realmente constrangida com tal elogio. ? Obrigada. ? foi o que consegui dizer.
- Ah. Desculpe por isso. ? disse soltando-se. ? Acho que fui um pouco entrona.
- Não se preocupe. ? procurei mudar de assunto. ? Aquele livro singular que estava lendo; nunca tive a oportunidade de ver um.
- É um tonalamatl, significa página dos dias. ? disse sorridente. ? Na antiguidade, utilizavam cascas da árvore de figueira aplicando gesso branco para poderem pintar desenhos ou escrever sobre ele. É um dos poucos exemplares da região de Kanto.
- Poderia ver? ? pedi quase como uma súplica.
- Claro. ? disse me puxando para a paineira. ? Este é na nossa língua, apesar de muito antigo.
- Mudkip e Natu, uma pausa e voltamos. ? gritei para eles.
- Mud! ? Mudkip ainda estava insatisfeito comigo, teria de me retratar de alguma forma.
- Naaaaaaaa... ? Natu saltou para um galho alto da paineira, repousando.
***
Concebiam o tempo como uma sucessão de momentos uniformes, alongando-se monotonamente do passado indefinido para o futuro indefinido. Nem era o seu tempo de qualidade indiferente e uniforme. Será de salientar o fato de que o tempo é pleno de energia e movimento, albergando a mudança e sempre carregado de um sentido de acontecimentos miraculosos. Revelam uma preocupação com o processo da criação, destruição e recriação, estas noções sobre o caráter do tempo e a expressão da sua ?energia interior?.
Venets
Assim iniciava a leitura daquele estranho livro composto principalmente de representações de monumentos em cores fortes, as imagens simplistas contando histórias de civilizações perdidas no tempo.
- O primeiro é o interessante tonalpohualli ou a ?conta dos dias?, um ciclo de duzentos e sessenta dias usados com propósitos divinatórios. ? Isis explicava cada página. ? Esta repetitiva roda de dias formava um almanaque sagrado com os guardiões, assim chamados os pokémons que poderiam pertencer à determinada indivíduo.
Duas rodas com setas estavam representadas, à direita no sentido horário e a esquerda, anti-horário. A roda da esquerda com treze números intercalados aos vinte nomes da roda da direita: cana, ocelote, águia, abutre, movimento, faca de sílex, chuva, flor, crocodilo, vento, casa, lagarto, serpente, cabeça da morte, veado, coelho, água, cão, macaco e erva. Todos pintados com figuras referentes.
- Este calendário utilizava a associação dos nove senhores da noite, os chefes das tribos, com os dias portadores dos anos para um período de cinqüenta e dois anos. É constituída por um calendário festivo de dezoito meses de vinte dias, correspondente ao ano dois cana, quando se celebrava a cerimônia do acender do Fogo Novo. ? comentou à medida que folheava o calendário em forma de livro.
Uma figura de um homem ornado em jóias destacava-se ao centro sobrepujando um dragão cuspidor de fogo. Oito figuras menores divididas nas laterais compunham os nomes correspondentes a roda da direita, com figuras de seus guardiões pokémons.
- Nessa seção estão pintados os rituais que se realizavam em cada festa. ? disse animada. ? Um ciclo de cinqüenta e dois anos que leva a um novo ano dois cana e à seguinte cerimônia do Fogo Novo.
Uma fogueira queimava as oferendas, metais nobres que derretiam e eram moldados nas formas dos guardiões dos nove senhores da noite.
- A flor, Vileplume, a serpente, Arbok, o cão, Arcanine, a cabeça da morte, Marowak, a faca de sílex, Kabutops, a água, Omastar, o lagarto, Charizard, o movimento, Raichu e o vento, Dragonite. ? Isis disse calmamente. ? Cada senhor da noite possuía o seu guardião, que protegia as suas tribos. Os principais foram esses. Os herdeiros possuíam os seus guardiões dependendo da figura referente em que haviam nascido. Através disso definiram os ginásios da região de Kanto.
- Então um guardião da figura do coelho seria designado para quem nascesse no período do coelho? ? eram muitas informações.
- Correto. ? disse aliviada por ter entendido. ? E para controlar este sistema de datas, as tribos tinham o auxílio dos sacerdotes, especialistas que eram chamados para efetuarem prognósticos sobre recém nascidos, para aconselharem em matéria de diferentes objetivos de acordo com dias auspiciosos, ou para determinar os melhores dias de cultivo ou colheita. Supõe-se que estes prognósticos eram realizados em conjugação com padrões de clima conhecidos e outras condições ambientais, assim como outros fatores sociais e econômicos.
- Isso é incrível. ? disse abismada. ? Como consegue absorver tanta informação?
- Eu sou historiadora e arqueóloga Pokémon. ? falou orgulhosa, retirando de sua mochila um cartão. ? Meu trainer card.
No cartão havia uma foto dela, um chip aderido, seu nome, data de nascimento, número de inscrição na liga Pokémon e no espaço destinado a profissão e ao local de nascimento, historiadora e arqueóloga Pokémon e Azálea, região de Jotho, respectivamente.
- Você é de Jotho?! ? disse meio que perguntando. ? Então já está em jornada a bastante tempo.
- Eu comecei a minha jornada há dois anos. ? sorriu para mim sem jeito. ? Mas como me concentrei em descobrir mais sobre a história Pokémon, não desenvolvi meus pokémons para batalhar.
- O importante é que você já encontrou aquilo que lhe dá prazer. ? disse preocupada. ? Eu ainda não adquiri meu trainer card, por não ter decidido que profissão eu pretendo seguir. Para mim, todas são necessárias para explorar todo o potencial de um Pokémon e demonstrá-lo ao máximo.
- Eu acho isso incrível. ? me interrompeu levantando-se. ? Grande parte das pessoas já sai em suas jornadas decididas e com seus sonhos definidos. O meu sonho é mostrar que o passado representa a possibilidade de aprender e conseguir corrigir as falhas para garantir um futuro melhor entre seres humanos e pokémons. Eu comecei tão decidida a isso que deixei meus pokémons de lado e embarquei no passado almejando um bom futuro e esquecendo-me do presente. Agora me sinto culpada de não ter dado a devida atenção a eles.
- Você ainda pode compensar. ? disse olhando em seus olhos negros e profundos. ? Eu posso ser inexperiente ainda, mas Isis, o que você faz é incrível. Seus pokémons com certeza entenderão o seu afastamento. Agora peça perdão e busque encaixá-los no seu trabalho. Você precisa agir...
Isis me abraçou, derramando lágrimas em meus ombros.
- Obrigada. ? Isis disse aos prantos. ? Eu estava precisando disso. Alguém que conseguisse me entender por entre as entrelinhas.
Não havia compreendido a sua última frase, contudo meus novos sentimentos conseguiram.
***
Depois de muita conversa, decidi continuar o treinamento pelo resto do dia. Extremamente cansados e satisfeitos dos resultados, nós repousamos no dormitório. Isis me acompanhou, trocando para o mesmo quarto que eu.
- Então planeja desafiar a líder de ginásio de Fuschia? ? estávamos deitadas nos beliches após organizarmos as roupas e tomado banho.
- Correto. ? disse massageando o calcanhar. ? Será minha primeira batalha de ginásio.
- Eu posso ir com você? ? Isis falou discretamente. ? É que eu sempre tive curiosidade de ver como é uma batalha de ginásio, mas não pus isso em prática.
- Claro. ? disse sorridente. ? Vai ser uma honra ter a sua companhia.
- Legal. ? Isis ergueu-se da cama. ? Agora vamos comer para amanhã estarmos bem. Será um dia cheio.
- É verdade, contudo precisarei fazer uma ligação. ? disse esfregando as pernas, ainda doíam. ? Me encontre na lanchonete depois.
- Não demora. ? Isis disse antes de sair.
Peguei a pokegear, contatando Tracey. Cerca de três toques, alguém atende.
- Alô, Julli. ? disse uma voz suave. ? Como está?
- Bem e você? ? disse animada.
- Ótimo. ? falou do outro lado da linha. ? Algum problema?
- É que hoje a minha pokedex apresentou um defeito. ? disse meio sem graça.
- De que tipo? ? perguntou preocupado.
- Meu Mudkip aprendeu Aqua míssil e a pokedex afirmou ser impossível que ele pudesse aprender tal ataque. ? disse rapidamente. ? Ela apitava erro fatal, erro fatal.
- Hummmm... ? pensou um pouco. ? Irei verificar e retorno para você. Certo.
- Agradeço a atenção. ? disse carinhosa.
- Desculpe estas falhas, e tentarei minimizá-las. ? disse suavemente.
- Ok. ? disse terminando a ligação.
Guardei a pokegear na mochila, peguei a carteira e fui para a lanchonete me encontrar com a Isis. Mais tarde fomos ao pokeshop comprar alguns itens para o dia a dia e para a batalha de amanhã.
***
Estava uma manhã muito agradável e calma na lanchonete. Eu e Isis aproveitamos o café da manhã em companhia de Natu e Mudkip, muito determinados por sinal. A noite foi tranqüila, permitindo descansar o corpo e a mente para batalhar. Estávamos a todo gás.
- Será bastante emocionante não é mesmo? ? Isis disse empolgada.
- Espero que sim. ? disse um pouco insegura. ? Eu confio no Mudkip e no Natu, mas estou sentindo um frio na barriga insuportável.
- Não se preocupe. ? Isis disse abocanhando um pedaço de salada de berrys. ? É natural. É apenas a ansiedade aguçando os seus sentidos.
- Você acha? ? perguntei angustiada.
- Vai correr tudo bem. ? disse engolindo em seco. ? Você treinou duro para isso, então dê o seu melhor.
- Certo. ? falei mais insegura do que nunca.
Terminamos de comer e nos dirigimos ao ginásio. A construção era em estilo oriental de formato em u, as paredes mescladas em branco e azul, o portal de madeira de lei, com dobradiças em ouro e uma humilde placa assinalando o ginásio da cidade de Fuschia. Toquei a campainha, e um tilintar de sinos soou rumo ao interior.
As portas de madeira se abriram em um ranger irritante. Um belo gramado central, com passagem para a sacada destacava-se. As portas de correr se espaçaram, possibilitando ver um vulto em formas femininas.
- Eeeeuu... Desafio o ginásio de Fuschia. ? disse meio gaguejante.
- Aceito. ? uma voz forte e sobrepujante respondeu. ? Uma batalha em estilo ninja.
- Como? ? disse surpresa.
Aquilo não poderia ser bom. Estava com um péssimo pressentimento.
* Os termos coração dourado e alma prateada referem-se às reversões do clássico Gold e Silver, Heartgold (coração de ouro) e Soulsilver (alma prateada).