Ohayo, minna! OMG, por favor, digam-me que ainda estão ai? hahaha Estive tão sumida :(
Confesso que desanimei um pouco, porque eu vi que vocês foram desanimando de mim também, mas escrever esta fanfic é muito bom, é especial e é uma coisa nova pra mim ter meu trabalho divulgado. Bom, eu não vou parar de escrever, mesmo que não tenha tantos leitores. Maaaas, em compensação, MUITO obrigada à todos que favoritaram JR, de coração, muito obrigada pelo carinho, não só pelo voto de "favorito" como por todos os comentários que já recebi. Vocês são uns doces! (amo doces).
Bom, minha demora tem motivos, ta? hahaha eu não abandonei a fanfic. Mas não vou me prolongar muito explicando, porque o que importa é que eu não os esqueci e que cá estou novamente. Eu quero avisar que estou tentando escrever capítulos menores, porque muitas pessoas não têm tempo pra parar e ler um capítulo tão grande, então estou procurando adaptar os capítulos para uma forma mais acessível. Algo entre 5 mil palavras, o que acham? O capítulo de hoje pode ser representado como uma nova abertura, uma nova temporada. Eu espero que vocês gostem!
PS.: UM ABRAÇO DE URSO PRA QUEM LEMBRAR DAS PALAVRAS DO FLASHBACK!
Hinata
Assisti à televisão como não fazia há tempos. Sentir-me confortável também era uma coisa nova e embora estivesse sentada há horas, isso me deixava feliz. Após a longa conversa que tive com o Uzumaki, apenas fomos escorregando mais e mais preguiçosamente no sofá. O loiro começara a percorrer os canais aleatoriamente até sintonizar em um filme meio maluco de aventura no Ocidente. Não prestava muito atenção à sequência cronológica das cenas, apenas gostava de me apegar aos pedaços que me agradavam visualmente. E em meio aos personagens tão aleatórios quanto o enredo para mim, peguei-me relembrando o passado. Meus olhos mergulharam no mar azul que a televisão expunha ao mesmo tempo em que caía nostalgicamente nos braços de minhas memórias.
*FLASHBACK*
Podia ouvir o barulho do oceano ao longe e o cheiro inconfundível que ele produzia. Mantinha a janela bem aberta para que o vento escovasse meus cabelos para longe do rosto. Era uma boa sensação e também marcava minha primeira ida à praia. Minha mãe dirigia nosso carro comum e velho pela estrada meio vazia ouvindo um leve blues dos anos 70. O rádio soava baixo e confortável, combinava com o vestido de algodão florido e a jaqueta jeans que ela usava junto com a trança desajeitada em seu longo cabelo que eu tentara fazer mais cedo. Ela parecia vinda naturalmente de um mundo perfeito e simples, sua leveza quase conseguia quebrar as pedras que me firmavam na dura realidade. Mas quanto a isso, mamãe não era egoísta e não tinha pressa. Acho que ela só queria me fazer aprender a viver como uma criança feliz. Apoiei o queixo no vidro e observei o chalé tomar forma logo à frente. Passaríamos o fim de semana do meu aniversário ali, só nós duas, sem nenhum contato com quem quer que fosse. Isso era o que eu mais gostava: estar isolada ao lado dela. Me fazia sentir totalmente segura, tendo nosso amor de mãe e filha longe de intervenções alheias.
- O que achou, querida? - ela perguntou, olhando-me pelo espelho retrovisor. O sol já ameaçava a se pôr e isso transformava a paisagem em um quadro artístico de pintura, desses de exposições francesas bem famosas que retratavam cenas típicas do Rococó. Clássicas como um filme de amor proibido. Era quase como se fosse sair do pequeno chalé uma loura em roupas pesadas de Maria Antonieta, correndo descalça pela areia branca enquanto seus cabelos feito molas caíam do penteado elaborado ao virar o rosto em busca de seu amado.
Eu teria rido se entendesse um pouco de romance. Mas ao invés disso apenas dei um sorriso de canto em resposta à pergunta feita. Akemi parou o carro instantes depois, me chamando para ver a vista que teríamos por dois dias. Fui até ela com um pouco de timidez, mas isso logo foi embora quando a vi rir de modo infantil ao colocar os pés na areia. Estava quentinha pelo resquícios de sol, imaginei. A abracei ali mesmo, feliz por tê-la e naquele início de noite, enquanto fitava o oceano, mamãe prometera me contar uma nova história.
É claro que eu fiquei extremamente ansiosa para ouvi-la, mas somente depois de jantarmos é que ela decidiu lembrar de sua promessa. O chalé era bem pequeno, mas na verdade isso me deixava confortável, então dormiríamos no mesmo quarto. Eu coloquei um pijama comprido e me ajeitei entre as cobertas para poder finalmente ouvir. Akemi tinha um sorriso meio bobo no rosto, sentou-se ao meu lado e deixou que eu me aninhasse próxima ao seu corpo. Enquanto mexia em meus cabelos, mamãe parou para pensar sobre algo antes de iniciar a história. Ela ficou um pouco corada, mas parecia mais amororsa do que tímida. E, como toda criança ansiosa, decidi apenas suspirar impacientemente para que ela começasse logo com aquele mistério.
- Vou lhe contar uma história sobre amor. Mas não é qualquer amor e nem um tipo específico dele.
- O que quer dizer, okaa-san? - perguntei, franzindo a testa. Ela sorriu.
- Tenha calma, querida. O que estou dizendo é que o amor que menciono se aplica a qualquer tipo de amor que você determinar. Veja bem, existem vários tipos, sabia? - perguntou. Dei de ombros. Eu não sabia nada sobre isso. - Certo, vamos pular essa parte. Você sabia que todos nós temos um lar dentro de outra pessoa?
- Como é que eu vou morar em uma pessoa? - interroguei, confusa. Ela riu baixinho.
- Não feche a sua cabeça para imaginar, querida. É modo de falar, mas a sensação é exatamente como estar fora do lugar onde pertence ao ficar longe desta pessoa. É uma coisa natural de ser humano e ao longo dos anos, esse lar pode pular de uma pessoa para a outra, mas com sentidos diferentes. Mas a história que eu quero lhe contar é sobre um lar especial que compartilhei uma vez há muito tempo atrás.
- Então você já tem um lar? - perguntei, infinitamente mais curiosa ao saber que se tratava de uma de suas experiências. Ela afagou meu cabelo, sorrindo.
- Hai, hai. Mas vamos com calma. Deixe eu te contar a história toda. Quando eu tinha a sua idade, eu conheci uma pessoa muito querida. Me tornei a sua melhor amiga depois de um tempo e foi então que encontrei meu primeiro lar. Não fazia nada sem pensar no que ela acharia e não conseguia imaginar um futuro sem sua amizade. Eu também não compreendia muito bem o que era amor, sabia? - ela parou para perguntar. Apenas neguei com a cabeça. - Eu era muito jovem, acho que isso justifica. E naquela época as coisas não fluíam tão bem como hoje. Nós éramos duas pessoinhas contra o mundo, crescendo simultaneamente, apesar de eu ser um ano mais nova. Foram tempos doces da minha vida, sem compromisso e sem problemas. E isso é uma coisa mágica, sabia disso? - ela parou outra vez e soltou um breve suspiro. - Quando você precisar de ajuda, quando estiver se sentindo perdida ou quando eu não puder mais estar com você, haverá um lar para você voltar. Assim como eu tive. Será como um mapa em direção ao maior tesouro de todos. Você nunca deixará de se sentir motivada em seguir em frente até a sua felicidade. E quando isso for real, então terá encontrado o seu lar.
- Foi assim que encontrou o seu? - murmurei baixinho, um pouco sonolenta.
- Foi sim, querida. Foi sim... Meu lar era azul como o mar que nos cerca. E o seu também será.
- Azul? - ecoei, confusa.
- Será como um oceano, as águas tranquilas... serenas. Refletirão o céu de uma forma cristalina, querida. E você saberá quando enxergar na profundidade delas, como um espelho, a sua própria luz. - disse Akemi, embalando-me.
- O que quer dizer, mamãe? - perguntei, manhosa. Ela afagou meus cabelos.
- Saberá um dia, minha pequena. Tenha certeza disso.
- E como vou saber que águas são essas? - interroguei, bufando. Ela riu docemente.
- Porque elas te enxergarão com olhos de anjo, o que ninguém mais poderá ver. Somente aquilo que é cristalino pode mostrar o brilho de sua alma, Hinata. Agora durma, minha pérola. - sussurrou.
Eu já havia fechado os olhos e sucumbido ao sono assim que ela mandou, embalada pelo calor de seu carinho e pela sensação de que aquelas palavras não eram apenas histórias para dormir. Eram as promessas do meu destino.
***
Soltei um suspiro, pensando sobre como a situação atual era comicamente parecida com o que ela tinha se referido naquela época. Era quase como se tivesse previsto, mas é claro que isso não era possível. Akemi sempre fora muito sensitiva, mas ela era apenas a minha doce mãe. Desejar que eu herdasse as coisas boas de sua própria vida era algo natural. Talvez se ela estivesse comigo, teríamos viajado algum dia para a capital e eu poderia ter tido a chance de conhecer o Uzumaki. Ou talvez eu nem estivesse viva. Mas quanto à isso, não havia dúvidas de que a vida de Akemi valia infinitamente mais do que a minha. Em 18 anos de vida, eu não fiz nada pelo mundo, mas ela fizera o mundo para mim. E agora mais do que nunca, a verdade disso só a transformava numa luz maior do que já era.
Despertei dos devaneios ao sentir um suspirar sonolento. Ao meu lado, o grande loiro cochilava tranquilamente. Eu sorri, admirando como ele conseguia dormir com a face tão serena, tão despreocupada e relaxada. Era como se os pesadelos não pudessem atingi-lo, como se sua mente fosse livre e protegida de qualquer insanidade. Olhei para a televisão de novo, vendo os créditos do filme subindo ao som de uma canção animada. Sentia-me tão nostálgica, tão sensível e eu sabia que algo estava mudando dentro de mim. Talvez eu tivesse finalmente conseguido destravar alguns dos cadeados em minha mente, talvez agora eu pudesse viver mais perto da luz.
Pensando nisso, voltei à olhar para o garoto, rindo um pouco do modo torto como sua cabeça pendia para baixo. Pensei em acordá-lo, mas não tinha ideia de como ele se sentia em relação à isso. Algumas pessoas detestam ser acordadas e o Uzumaki era um tanto quanto genioso. Ao invés disso, levantei seu rosto e o apoiei em meu ombro, sentindo-me um tanto boba ao fazê-lo. Cuidar às vezes implicava coisas demais, como sustentar o peso de um loiro de 1,86. O corpo dele pendeu quase junto com a cabeça, jogando-se sobre minha lateral e passando um dos braços por cima de minha barriga, enlaçando-me em um abraço torto e estranho que me fez enrigecer. Naruto murmurou alguma coisa ininteligível, inconsciente de suas atitudes. Girei os olhos pela sala, procurando um jeito de sair daquele esmagamento.
Foi então que fitei o relógio de parede e me dei conta de que já estava fora de casa há mais de 24h.
Arfei. Hiashi deveria estar furioso comigo e eu ainda não conseguia me lembrar de onde estaria o meu celular e minha fantasia de camareira. Me debati sob o braço de Naruto, assustada por ter deixado Hiashi sem notícias por tanto tempo. Como eu poderia ter esquecido da existência da minha suposta família?
- Naruto! - resmunguei, empurrando seu ombro. Ele balançou a cabeça, bagunçando seus cabelos e piscou os olhos três vezes, sonolento.
- Não fui eu, okaa-san. - resmungou.
- O quê? Não, sou eu, Hinata. - disse, estalando os dedos na frente de seu rosto. Fiz uma nota mental de que o garoto não acordava fácil. Ao menos aquilo era engraçado.
Os olhos dele finalmente abriram e logo em seguida se arregalaram.
- Hinata-chan! Eu cochilei! - exclamou abobalhado. Eu me limitei a rir, corando um pouco pela forma adorável como ele agia.
- Você parece uma criança quando dorme. - falei, rindo. Ele se endireitou no sofá e coçou a parte de trás da cabeça, rindo também.
- Gomen, baixinha.
- Você é uma criança pesada. - zombei.
O loiro olhou para mim, parecendo querer dizer alguma coisa, mas sua tentativa foi vetada por um barulho de sirene estranho. Nós ficamos em silêncio, tensos pela proximidade e do som e pelo modo como soou. Um minuto depois ouvimos um burburinho vindo da porta da frente. Naruto se levantou e puxou a cortina da janela para olhar do lado de fora. Mesmo do sofá, pude ver o brilho azul e vermelho que irradiava em frente à casa dos Uzumaki naquele fim de tarde.
- A polícia? - ele se perguntou, virando para mim. Arregalei os olhos.
- Por que a polícia estaria aqui? - perguntei, tensa. Ele negou com a cabeça e caminhou até a porta. O segui e nos deparamos com a senhora Kushina tentando argumentar com um policial estranhamente irritado. Naruto virou-se para mim e segurou meu rosto com as mãos.
- Espere aqui. Um segundo. - disse e saiu, subindo as escadas. Meu coração acelerou e uma sensação de perigo começou a me deixar nervosa. O loiro voltou rapidamente, colocando uma camiseta preta às pressas e indo em passos largos para a porta. Fiquei encolhida no canto, observando ele passar pelo policial e olhar diretamente em seus olhos.
- Okaa-san, algum problema aqui? - perguntou de forma autoritária.
- Naruto, volte para dentro. - a ruiva ordenou. Sua voz indicava o quanto parecia nervosa também.
- O senhor responde por ela? - disse o policial.
- Não, senhor. Esta mulher é minha mãe e esta é minha casa. No que eu posso ajudá-lo? - Naruto perguntou, levemente irritadiço pela voz irônica do homem grisalho.
- Muito bem. - murmurou, mostrando para o garoto uma papelada que de longe não pude entender. - Este é um mandato que me permite revistar esta casa tijolo por tijolo se sua mãe não colaborar com a polícia.
- Do que está falando? Quem enviou você? - Naruto perguntou, confuso.
- Naruto, querido, por favor entre e vá ficar com...
- Com a garota que procuro? - o policial interrompeu ironicamente.
- Mas que porra está acontecendo? - o loiro explodiu, fazendo o policial olhar para ele de forma ameaçadora.
- Pense antes de falar, moleque. Nós recebemos uma denúncia contra Uzumaki Kushina pelo sequestro de Hyuuga Hinata. De acordo com a última pessoa que viu a jovem, ela parecia transtornada e estava com um rapaz que presumo ser você, Uzumaki Naruto, filho desta mulher com Namizake Minato. A menos que vocês não queiram ser levados à delegacia imediatamente, acho melhor deixarem eu e meu companheiro procurarmos pela residência. O que acha disso, hm? - inquiriu o policial. Arregalei os olhos, a culpa caindo terrivelmente em meus ombros.
Eu havia me esquecido de avisar Hiashi sobre mim e agora ele teria aproveitado meu sumiço para denunciar a família Uzumaki? Eu já sabia que ele não aprovava minha amizade com Naruto, mas aquilo já era um absurdo. Como ele podia enviar a polícia daquele modo agressivo para a casa deles? O que fazia Hiashi os detestar tanto? Independente da resposta e da encrenca em que estava metida, precisava aliviar o lado de Kushina em primeiro lugar. Mesmo com medo de piorar a situação, andei até a porta e passei pelo meio dos dois, sentindo-me subitamente menor do que já era.
- Eu não fui sequestrada! - exclamei, corada e nervosa.
- Hinata! - Naruto exclamou atrás de mim, surpreso pela atitude.
- Ora, ora. Parece que encontramos mais fácil do que imaginava. - o homem murmurou, colocando a mão na cintura e roçando os dedos propositalmente no cinto que abrigava sua arma e cacetete.
- Eu não fui sequestrada, senhor. Estou nesta casa por livre e espontânea vontade. - repeti.
- Bom, isso é o que vocês três terão de explicar na delegacia. O delegado está aguardando por um retorno. - respondeu, apontando para a viatura onde outro policial aguardava.
- O quê? - perguntei, deixando a voz morrer. Ser levada numa viatura policial com Naruto e Kushina me parecia uma ideia terrível. Depois de fazê-los passar por esse constrangimento, a senhora Uzumaki não conseguiria confiar em mim. O pensamento de perdê-los começou a me fazer suar frio, como se houvesse uma corda em meu pescoço prester a ser puxada.
- Para a viatura, por favor. - o policial pediu, suspirando. O homem parecia estressado por algo maior do que o motivo que o levara ali, mas eu não podia prever o quanto teria encrencado Naruto e sua família.
- Tudo bem, o senhor pode me acompanhar, se quiser. Vou pegar minha bolsa. Naruto, pegue seus documentos e as coisas de Hinata, ligarei pro seu pai no caminho. - disse Kushina com a voz abalada. Ela passou por nós e foi seguida pelo policial, enquanto Naruto apenas entrou em casa e subiu as escadas outras vez. O vazio que se instalou em mim ao vê-los tão encurralados fez com que minhas pernas parecessem duras e pesadas. Logo os três estavam de volta e o loiro entregou minha bolsa esquecida, um casaco gigante e um par de chinelos.
- O casaco é meu, mas espero que ajude com o vento gelado. Os chinelos são da minha mãe, devem servir. - murmurou.
- Arigatou... eu acho que perdi meus sapatos ontem. - sussurrei, envergonhada. Calcei os chinelos e vesti o casaco, desejando poder me esconder nele. O policial nos levou até a viatura e nós fomos levados à delegacia. Naruto estava entre mim e Kushina e parecia imerso em pensamentos. Talvez ele estivesse revendo o que nossa amizade poderia fazer em sua vida ou talvez estivesse preocupado com os negócios da família se o nome fosse sujado por esse incidente. Mas nas duas opções a culpa me cobria como um manto de ferro.
- Minato-kun - disse Kushina, quebrando o silêncio do veículo. Ela estava com o telefone grudado à orelha, prestes a contar para o marido que haviam sido culpados por um sequestro que nunca aconteceu. - Houve um pequeno problema, mas não se preocupe, está tudo bem. Só... por favor, encontre-me na estação de polícia do bairro. - Houve um tempo de silêncio e então ela suspirou e continuou:
- Hai, hai. Estou com os dois, nos vemos lá.
Assim que Kushina desligou o celular, ouvi Naruto suspirar baixinho ao meu lado. Queria que ele olhasse pra mim, que desse um sorriso de canto ou qualquer coisa que pudesse signifcar que ele não estava lamentando ser meu amigo. Seu corpo estava tenso, os braços estavam cruzados no peito, apertados em músculos e no tecido da camiseta. Eu puxei a longa manga do casaco e busquei seus dedos com minha mão gelada. A mão grande do loiro estava solta abaixo do braço e ao sentir a minha lhe tocar, ele rapidamente pareceu ficar mais tenso.
- Gomennasai. - sussurrei, encolhendo os ombros. Naruto olhou para mim e fechou os olhos, apenas balançando a cabeça e segurando minha mão de volta. Ele desfez sua posição para segurá-la de forma terna em cima de sua coxa esquerda, fazendo o mesmo com Kushina do outro lado. A matriarca olhou para nós e sorriu de canto ligeiramente, voltando a olhar para a janela logo em seguida.
- Não precisa se desculpar. Não é sua culpa estarmos nessa situação. - O loiro sussurrou de volta, olhando-me. Franzi os lábios, incerta sobre o que ele de fato estava pensando. - Eu só temo pelo o que esse seu... pai quer com tudo isso. Eu não quero que, depois de tudo, nós tenhamos que ser cuidadosos em nossa amizade. Não é justo que paguemos pelas brigas de outras pessoas, baixinha. Eu não quero perder você.
O alívio me invadiu instantaneamente, afinal eu também não queria perdê-lo. Hiashi daria um jeito de me afastar de Naruto se não conseguisse entender a importância do garoto em minha nova vida. Eu podia tentar lutar por esse laço, assim como ele lutava para quebrar as correntes que me prendiam. Mas ainda havia a chance de Hiashi não ligar para o que eu sentia. Se o ódio entre as duas famílias era tão antigo, não seria a filha bastarda que mudaria o fato. Suspirei, encostando a cabeça no ombro de meu amigo. Alguns minutos depois nós chegamos à estação e o policial nos levou pelo edifício. Naruto deu o braço para sua mãe de forma respeitosa e com sua outra mão apoiou a base de minhas costas. Ao entrarmos em uma sala, avistei Hiashi de costas conversando com o delegado. Ele estava curvado para a mesa do senhor e parecia tenso. Assim que todos passamos pela porta, o policial que nos acompanhava soltou um pigarro para chamar a atenção.
- Com licença, nós encontramos a senhorita Hyuuga. - anunciou. Hiashi virou às pressas e seus olhos caíram sobre mim com urgência, depois fitaram Kushina de forma séria.
- Então as acusações eram verdadeiras! - o Sasaki exclamou.
Kushina estancou no lugar, olhando para Hiashi como se não acreditasse no que via. Naruto não havia dito à ela que eu era filha dele? Será por isso que seus pais nunca me rejeitaram como Hiashi fizera? O nervosismo que pairava sobre mim parecia deixar o ar denso demais para respirar. Olhei para a ruiva, que tinha os olhos azuis tremulando, como se estivesse tentando ligar peças de um quebra-cabeça. Estaria ela pensando que estivesse sendo traída?
- Hiashi?! - perguntou, confusa. A matriarca olhou para mim e depois para ele, parecendo achar a resposta ali de uma forma nada agradável.
- Por que tanta surpresa, Kushina? Pelas denúncias que recebi, achei que já conhecesse minha filha. - meu pai respondeu, arqueando uma sobrancelha. Eles pareciam se provocar como se conhecessem muito um do outro e isso podia ser mesmo ruim. Kushina havia me recebido como se eu fosse da família e agora estava descobrindo que eu vinha de seu maior inimigo.
- Você...? - ela balbuciou, mas de repente se interrompeu, balançando a cabeça e tentando reformular sua frase. - Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas não sou responsável por nenhum sequestro.
- Ah, não? Então por que os policiais encontraram minha filha em sua casa? - Hiashi cobrou. Kushina respirou fundo.
- Senhor delegado, eu não quero passar pelo interrogatório deste homem. Se quiser verificar a menina, verá que está perfeitamente bem. Na noite passada, meu filho a encontrou passando mal e a trouxe para nossa casa. Os dois são colegas de classe, estavam em um baile da escola. Não sequestramos esta jovem, eu a abriguei e cuidei para que ficasse melhor. Algum engano aconteceu e este homem que alega ser seu pai não ficou sabendo de seu paradeiro. - Kushina se interrompeu, estava abalada. Olhou para Hiashi uma vez e então voltou-se para o delegado atrás da mesa. - Se precisar de alguma prova para isso, qualquer pergunta, faça o trabalho e questione à mim. Não tenho absolutamente nada para justificar.
O homem expirou pesadamente e se levantou de seu assento, rodeando a mesa.
- A senhorita Hyuuga confirma o que foi relatado pela senhora Uzumaki? - inquiriu. Dei um passo à frente, olhando para meu pai.
- Eu não fui sequestrada, senhor. Pelo contrário, eu fui ajudada pela família Uzumaki. Acordei pela manhã e durante o dia fui atendida pela senhora Kushina. Fui culpa minha, única e exclusiva, ter esquecido o celular e não ter avisado onde estava. Sinto muito pelo transtorno gerado, mas o senhor não tem motivo nenhum para deixar essas pessoas nesta delegacia. - respondi.
- O que aconteceu com você, Hinata? - perguntou Hiashi com o tom de voz bravo. Suspirei.
- Eu fiquei bêbada, desmaiei. Fui encontrada por Naruto e ele me ajudou. - murmurei, encolhendo os ombros. Não queria me expor, mas precisava manter a ira de Hiashi sobre mim e não sobre os Uzumaki.
- Bêbada? - cuspiu. Assenti, o coração materlando em meus ouvidos. - Você abusou dela? - perguntou de repente, dando um passo à frente na direção de Naruto.
- Como é? Não ouviu? Eu salvei a Hinata! - o loiro defendeu-se, inflando o peito e andando para frente também. Entrei no meio dos dois, apartando o que poderia se tornar uma confusão.
- Hiashi! - exclamei, olhando-o. Ele me lançou um olhar irritado. Engoli em seco. - Otoo-san... - reformulei, abaixando a cabeça. O patriarca segurou meu braço, puxando-me para o seu lado.
- Não quero saber desta história. Acho bom que não tenha tocado na minha filha, entendeu, moleque? E quanto à você, Kushina, siga o exemplo e fique longe de minha família. Eu não confio em nenhum de vocês e Hinata não é garota para andar com esse tipo de gente. - ralhou o Sasaki.
- Otoo-san, onegai. - murmurei, sentindo meus olhos arderem.
- Não quero ouvir nada agora, Hinata. - ele interrompeu.
- Onegai, retire a acusação, eles não fizeram nada. - supliquei.
Os olhares de Naruto e Kushina me espetavam como agulhas. Meu amigo parecia ter levado em soco e parecia furioso por isso, enquanto sua mãe ainda parecia transtornada pela surpresa. Hiashi soltou um suspiro estressado.
- Mas que droga, Hinata. Eu retiro esta acusação, posso me resolver em casa com minha família. Agradeço pelo trabalho de seus homens, senhor delegado. - disse ele. O homem na mesa deu de ombros e começou a pegar alguns papéis.
- Certo, os responsáveis Sasaki Hiashi e Uzumaki Kushina devem assinar aqui para que este caso possa ser encerrado com o concentimento de ambos os lados. Ao fazê-lo, estarão concordando com os termos de que a acusação foi cancelada pelo acusador por motivos devidamente esclarecidos e que nenhum dado negativo será transferido para a ficha da acusada.
Hiashi assinou a papelada de forma nervosa e depois Kushina o fez, de ombros tensos e lábios apertados. Olhei para Naruto, nossos olhos se encontrando e transmitindo o mesmo sentimento de medo.
- Vamos embora, Hinata. Satisfeita? - perguntou o Sasaki, endireitando-se.
- Eu... gostaria de agradecer a família...
- Não é necessário, vamos embora agora. - cortou-me.
- Vou devolver o casaco emprestado à ele. - insisti, olhando-o em súplica. Hiashi surpreendeu à todos ao arrancar a vestimenta de forma grotesta de meu corpo e o entregar para Naruto.
- Está devolvido. Agora mexa essas pernas para fora desta delegacia agora, Hinata. Eu movi a polícia atrás de você, acho que está me devendo o mínimo de consideração. - esbravejou. As lágrimas vieram ardentes e teimosas, descendo sem minha autorização pelas bochechas. Lancei um olhar de desculpas para Kushina, que apenas me devolveu com suas íris tristes, depois olhei para Naruto e tive o coração murchado pela expressão enfurecida do garoto. Era uma fúria que doía, que o queimava por dentro, justamente por não poder expô-la. Hiashi me puxou impacientemente de volta para fora da sala. Passamos por Minato, que andava nervoso até o fim do corredor onde estávamos. O homem loiro arregalou os olhos diante da cena e eu só pude lhe lançar o mesmo pedido silencioso de desculpas. A vergonha e medo que sentia superavam a dor que os dedos firmes de Hiashi causavam em meus pulso.
Eu entrei no carro luxuoso com o corpo trêmulo e frio. O Sasaki bateu a porta ao sentar no banco do motorista e começou a dirigir de imediato.
- Existe uma coisa que você precisa aprender, Hinata. - começou a dizer, trançando os carros pela rua. - Eu sou seu pai. Posso não ter sido durante toda a sua vida, mas eu fui até você, eu te tirei daquele lixo e te coloquei dentro de uma mansão, te dei uma família nova e uma chance de recomeçar. Não é fácil ser alguém como eu e de repente aparecer com uma filha mais velha. Mas assumi todos os compromissos e o que ganho em troca? Um dia inteiro de preocupação e um showzinho na delegacia? - falava cada vez mais nervoso. Não respondi, sentindo-me apavorada. - Não quero você com os Uzumaki, entendeu? Eu já lhe disse uma vez e agora é uma ordem. Sou seu tutor, seu pai. Tem que me obedecer.
- Eu já sou uma mulher...
- Mulher? Você não viveu nada, Hinata. Não sabe nem ter a responsabilidade de fazer uma maldita ligação? Sai de casa sabendo que sua família é contra às suas novas amizades como se fosse uma adolescente rebelde e quer ser tratada como mulher?
- Eu precisava de ajuda! - exclamei, nervosa.
- Claro, porque a mulher estava bêbada?! - gritou, batendo no volante.
- O que há de errado com você? Por que eu não posso ser amiga deles? - perguntei, olhando-o. Hiashi virou o carro violentamente na rua da mansão, entrando na garagem com os pneus cantando. Sua parada abrupta fez com que meu corpo pendesse para frente e batesse de novo contra o banco.
- Porque não pode. Não sou eu quem devo dar explicações aqui! - gritou outra vez.
- Isso não faz o menor sentido! Não sabe como eles são gentis, não precisa desse ódio todo! - tentei argumentar. Hiashi riu de modo sarcástico.
- Hinata, você mal os conhece.
- E quanto à nós? A gente se conhece? - soltei sem pensar.
O olhar dele caiu como uma tempestade de gelo sobre mim.
- Você está passando dos limites.
- Não! Você é quem está! Não pode fazer isso comigo, não depois de tudo! - gritei, tremendo.
- Depois de tudo o que, Hinata? Mas do que diabos está falando?
Tranquei a respiração, vendo a enrascada em que me pusera. Meu coração batia audivelmente, mas agora devia uma resposta e ao mesmo tempo em que sentia medo, sentia também a necessidade de lutar por isso.
- Depois de toda a dor, eu... eu finalmente sorri. - sussurrei, deixando que as lágrimas me banhassem. Hiashi se calou, parecendo confuso. - Depois de tudo, eu finalmente fiz um amigo e agora eu me sinto mais forte. Eu sinto que finalmente posso encarar a vida de verdade. Pode ser da forma mais tímida, mas ainda assim será real.
- Por que essa força não pode vir da sua família? - perguntou Hiashi, abaixando o tom de voz.
- Porque eu não construo isso sozinha e agora, graças ao Naruto, tive a oportunidade de conhecer pessoas, de fazer amigos. Eu finalmente posso rir com os outros também. Gostaria que não menosprezasse isso. - pedi, fechando os olhos molhados.
- Infelizmente não é uma discussão que possamos ter neste momento, Hinata. Se quer ser uma mulher de verdade, busque sua própria força. Agora vá para dentro, eu não queria lhe castigar por isso, mas não posso ignorar o que aconteceu. Você precisa aprender. Talvez não consiga te controlar 24h por dia, mas por um tempo seu celular será confiscado e não poderá sair de casa. Te deixarei na porta do colégio e assim será na volta. Nem mais um choro sobre essa conversa. - decretou Hiashi, saindo do carro e batendo a porta.
Soltei um suspiro pesado e saí do veículo também. Ao menos poderia ver o loiro no dia seguinte e tentar conversar. Hiashi poderia me roubar todo o tempo restante, mas enquanto eu estivesse na escola, não poderia me afastar de Naruto. Entrei em casa sob os olhares de Aiko e Mayumi. A mais nova tinha um semblante meio risonho e isso já entregava que a culpada por todo o alarde havia sido ela. Apenas ignorei e subi a escada, vendo Hiashi na porta de meu quarto à espera. Sem olhá-lo, entreguei o telefone e entrei no cômodo, deixando-o do lado de fora sem qualquer resposta. Sentia o peso da solidão solidificar o sangue em minhas pernas, dificultando minha ida ao banheiro. Meus joelhos ecoaram um baque contra o chão e os efeitos da ressaca finalmente vieram à tona.
Talvez fossem as sensações de impotência e tristeza que tivessem bagunçado todo o meu emocional e físico. Um provável motivo para que rajadas de vômito me fizessem apoiar os braços contra a privada por alguns minutos, expelindo tudo o que meu corpo não podia mais manter. A dor de cabeça fincou agulhas em meu cérebro e após meus lábios secarem, deitei as costas nos chão úmido e desejei que pudesse me refrescar desse ardor no peito. Estava totalmente encurralada e suja, pela dor e pelo velho litro de whiskey. Era como retroceder ao passado, mas trocando o filme de terror por um conto frustrado e moderno da Cinderela. Balancei a cabeça, expulsando o pensamento melancolicamente cômico. Embora desejasse que as coisas fossem mais simples pelo menos uma vez, não conseguia me sentir arrependida por ter chegado até ali, por ter dado meus primeiros passos na vida e por ter encontrado pessoas que pudessem me mostrar sentimentos reais, que sofrem e sorriem, que ganham e perdem, sensações humanas e comuns, que podem ser compartilhadas e que não significam o peso do universo sempre que forem expostas. Havia ganhado o mundo de Akemi e agora estava aprendendo o significado social dele.
Levantei do chão frio e liguei o chuveiro para lavar o corpo de toda aquele pó físico e mental. Sentia o coração mais sereno do que esperava e isso significava uma nova porta aberta dentro de mim, esperando para ser explorada e aprendida. Eu era como um labirinto cheio de passagens secretas. Sempre entre acasos, esquinas, becos e muralhas. Uma busca infinita pelo final, mas ironicamente intacta na linha de partida.
Assim que saí de baixo da água morna, vesti-me e encarei o quarto. Abri a janela, o vento gélido de encontro ao meu cabelo molhado fez meu corpo estremecer, mas era bom. Observei as estrelas do céu, pouco visíveis naquela noite púrpura, imaginando qual caminho elas podiam trilhar além do que se podia enxergar. Tal como as pinturas astronômicas que Akemi gostava de pesquisar, mapas das estrelas, constelações e planetas. Ela gostava de acreditar que a vida podia ser real fora dos muros padronizados que foram moldados na Terra. Eu ainda podia imaginar o modo como ela andava à noite até a janela em seu kimono roxo, observava o céu e depois fechava as cortinas. Era como se desejasse boa noite ao mundo, mesmo se fosse apenas uma cidadã desconhecida do interior.
Sorri, nostálgica ao fazer o mesmo. Voltei para a cama e minha cabeça descansou sobre o travesseiro, jogando todo o peso dos pensamentos despertos em plumas. O sono me embalou devagar, estrategicamente em ondas suaves e num balanço sutil. Os sonhos pintaram minhas pálpebras, um espelho que refletia o céu e a água num horizonte eterno. Os peixes nadavam nas correntes da vida que crescia e acontecia, lutavam por um lugar. Uma casa, um lar. Aquele olhar.
Tão azul feito o mar.
Hinata
Assisti à televisão como não fazia há tempos. Sentir-me confortável também era uma coisa nova e embora estivesse sentada há horas, isso me deixava feliz. Após a longa conversa que tive com o Uzumaki, apenas fomos escorregando mais e mais preguiçosamente no sofá. O loiro começara a percorrer os canais aleatoriamente até sintonizar em um filme meio maluco de aventura no Ocidente. Não prestava muito atenção à sequência cronológica das cenas, apenas gostava de me apegar aos pedaços que me agradavam visualmente. E em meio aos personagens tão aleatórios quanto o enredo para mim, peguei-me relembrando o passado. Meus olhos mergulharam no mar azul que a televisão expunha ao mesmo tempo em que caía nostalgicamente nos braços de minhas memórias.
*FLASHBACK*
Podia ouvir o barulho do oceano ao longe e o cheiro inconfundível que ele produzia. Mantinha a janela bem aberta para que o vento escovasse meus cabelos para longe do rosto. Era uma boa sensação e também marcava minha primeira ida à praia. Minha mãe dirigia nosso carro comum e velho pela estrada meio vazia ouvindo um leve blues dos anos 70. O rádio soava baixo e confortável, combinava com o vestido de algodão florido e a jaqueta jeans que ela usava junto com a trança desajeitada em seu longo cabelo que eu tentara fazer mais cedo. Ela parecia vinda naturalmente de um mundo perfeito e simples, sua leveza quase conseguia quebrar as pedras que me firmavam na dura realidade. Mas quanto a isso, mamãe não era egoísta e não tinha pressa. Acho que ela só queria me fazer aprender a viver como uma criança feliz. Apoiei o queixo no vidro e observei o chalé tomar forma logo à frente. Passaríamos o fim de semana do meu aniversário ali, só nós duas, sem nenhum contato com quem quer que fosse. Isso era o que eu mais gostava: estar isolada ao lado dela. Me fazia sentir totalmente segura, tendo nosso amor de mãe e filha longe de intervenções alheias.
- O que achou, querida? - ela perguntou, olhando-me pelo espelho retrovisor. O sol já ameaçava a se pôr e isso transformava a paisagem em um quadro artístico de pintura, desses de exposições francesas bem famosas que retratavam cenas típicas do Rococó. Clássicas como um filme de amor proibido. Era quase como se fosse sair do pequeno chalé uma loura em roupas pesadas de Maria Antonieta, correndo descalça pela areia branca enquanto seus cabelos feito molas caíam do penteado elaborado ao virar o rosto em busca de seu amado.
Eu teria rido se entendesse um pouco de romance. Mas ao invés disso apenas dei um sorriso de canto em resposta à pergunta feita. Akemi parou o carro instantes depois, me chamando para ver a vista que teríamos por dois dias. Fui até ela com um pouco de timidez, mas isso logo foi embora quando a vi rir de modo infantil ao colocar os pés na areia. Estava quentinha pelo resquícios de sol, imaginei. A abracei ali mesmo, feliz por tê-la e naquele início de noite, enquanto fitava o oceano, mamãe prometera me contar uma nova história.
É claro que eu fiquei extremamente ansiosa para ouvi-la, mas somente depois de jantarmos é que ela decidiu lembrar de sua promessa. O chalé era bem pequeno, mas na verdade isso me deixava confortável, então dormiríamos no mesmo quarto. Eu coloquei um pijama comprido e me ajeitei entre as cobertas para poder finalmente ouvir. Akemi tinha um sorriso meio bobo no rosto, sentou-se ao meu lado e deixou que eu me aninhasse próxima ao seu corpo. Enquanto mexia em meus cabelos, mamãe parou para pensar sobre algo antes de iniciar a história. Ela ficou um pouco corada, mas parecia mais amororsa do que tímida. E, como toda criança ansiosa, decidi apenas suspirar impacientemente para que ela começasse logo com aquele mistério.
- Vou lhe contar uma história sobre amor. Mas não é qualquer amor e nem um tipo específico dele.
- O que quer dizer, okaa-san? - perguntei, franzindo a testa. Ela sorriu.
- Tenha calma, querida. O que estou dizendo é que o amor que menciono se aplica a qualquer tipo de amor que você determinar. Veja bem, existem vários tipos, sabia? - perguntou. Dei de ombros. Eu não sabia nada sobre isso. - Certo, vamos pular essa parte. Você sabia que todos nós temos um lar dentro de outra pessoa?
- Como é que eu vou morar em uma pessoa? - interroguei, confusa. Ela riu baixinho.
- Não feche a sua cabeça para imaginar, querida. É modo de falar, mas a sensação é exatamente como estar fora do lugar onde pertence ao ficar longe desta pessoa. É uma coisa natural de ser humano e ao longo dos anos, esse lar pode pular de uma pessoa para a outra, mas com sentidos diferentes. Mas a história que eu quero lhe contar é sobre um lar especial que compartilhei uma vez há muito tempo atrás.
- Então você já tem um lar? - perguntei, infinitamente mais curiosa ao saber que se tratava de uma de suas experiências. Ela afagou meu cabelo, sorrindo.
- Hai, hai. Mas vamos com calma. Deixe eu te contar a história toda. Quando eu tinha a sua idade, eu conheci uma pessoa muito querida. Me tornei a sua melhor amiga depois de um tempo e foi então que encontrei meu primeiro lar. Não fazia nada sem pensar no que ela acharia e não conseguia imaginar um futuro sem sua amizade. Eu também não compreendia muito bem o que era amor, sabia? - ela parou para perguntar. Apenas neguei com a cabeça. - Eu era muito jovem, acho que isso justifica. E naquela época as coisas não fluíam tão bem como hoje. Nós éramos duas pessoinhas contra o mundo, crescendo simultaneamente, apesar de eu ser um ano mais nova. Foram tempos doces da minha vida, sem compromisso e sem problemas. E isso é uma coisa mágica, sabia disso? - ela parou outra vez e soltou um breve suspiro. - Quando você precisar de ajuda, quando estiver se sentindo perdida ou quando eu não puder mais estar com você, haverá um lar para você voltar. Assim como eu tive. Será como um mapa em direção ao maior tesouro de todos. Você nunca deixará de se sentir motivada em seguir em frente até a sua felicidade. E quando isso for real, então terá encontrado o seu lar.
- Foi assim que encontrou o seu? - murmurei baixinho, um pouco sonolenta.
- Foi sim, querida. Foi sim... Meu lar era azul como o mar que nos cerca. E o seu também será.
- Azul? - ecoei, confusa.
- Será como um oceano, as águas tranquilas... serenas. Refletirão o céu de uma forma cristalina, querida. E você saberá quando enxergar na profundidade delas, como um espelho, a sua própria luz. - disse Akemi, embalando-me.
- O que quer dizer, mamãe? - perguntei, manhosa. Ela afagou meus cabelos.
- Saberá um dia, minha pequena. Tenha certeza disso.
- E como vou saber que águas são essas? - interroguei, bufando. Ela riu docemente.
- Porque elas te enxergarão com olhos de anjo, o que ninguém mais poderá ver. Somente aquilo que é cristalino pode mostrar o brilho de sua alma, Hinata. Agora durma, minha pérola. - sussurrou.
Eu já havia fechado os olhos e sucumbido ao sono assim que ela mandou, embalada pelo calor de seu carinho e pela sensação de que aquelas palavras não eram apenas histórias para dormir. Eram as promessas do meu destino.
***
Soltei um suspiro, pensando sobre como a situação atual era comicamente parecida com o que ela tinha se referido naquela época. Era quase como se tivesse previsto, mas é claro que isso não era possível. Akemi sempre fora muito sensitiva, mas ela era apenas a minha doce mãe. Desejar que eu herdasse as coisas boas de sua própria vida era algo natural. Talvez se ela estivesse comigo, teríamos viajado algum dia para a capital e eu poderia ter tido a chance de conhecer o Uzumaki. Ou talvez eu nem estivesse viva. Mas quanto à isso, não havia dúvidas de que a vida de Akemi valia infinitamente mais do que a minha. Em 18 anos de vida, eu não fiz nada pelo mundo, mas ela fizera o mundo para mim. E agora mais do que nunca, a verdade disso só a transformava numa luz maior do que já era.
Despertei dos devaneios ao sentir um suspirar sonolento. Ao meu lado, o grande loiro cochilava tranquilamente. Eu sorri, admirando como ele conseguia dormir com a face tão serena, tão despreocupada e relaxada. Era como se os pesadelos não pudessem atingi-lo, como se sua mente fosse livre e protegida de qualquer insanidade. Olhei para a televisão de novo, vendo os créditos do filme subindo ao som de uma canção animada. Sentia-me tão nostálgica, tão sensível e eu sabia que algo estava mudando dentro de mim. Talvez eu tivesse finalmente conseguido destravar alguns dos cadeados em minha mente, talvez agora eu pudesse viver mais perto da luz.
Pensando nisso, voltei à olhar para o garoto, rindo um pouco do modo torto como sua cabeça pendia para baixo. Pensei em acordá-lo, mas não tinha ideia de como ele se sentia em relação à isso. Algumas pessoas detestam ser acordadas e o Uzumaki era um tanto quanto genioso. Ao invés disso, levantei seu rosto e o apoiei em meu ombro, sentindo-me um tanto boba ao fazê-lo. Cuidar às vezes implicava coisas demais, como sustentar o peso de um loiro de 1,86. O corpo dele pendeu quase junto com a cabeça, jogando-se sobre minha lateral e passando um dos braços por cima de minha barriga, enlaçando-me em um abraço torto e estranho que me fez enrigecer. Naruto murmurou alguma coisa ininteligível, inconsciente de suas atitudes. Girei os olhos pela sala, procurando um jeito de sair daquele esmagamento.
Foi então que fitei o relógio de parede e me dei conta de que já estava fora de casa há mais de 24h.
Arfei. Hiashi deveria estar furioso comigo e eu ainda não conseguia me lembrar de onde estaria o meu celular e minha fantasia de camareira. Me debati sob o braço de Naruto, assustada por ter deixado Hiashi sem notícias por tanto tempo. Como eu poderia ter esquecido da existência da minha suposta família?
- Naruto! - resmunguei, empurrando seu ombro. Ele balançou a cabeça, bagunçando seus cabelos e piscou os olhos três vezes, sonolento.
- Não fui eu, okaa-san. - resmungou.
- O quê? Não, sou eu, Hinata. - disse, estalando os dedos na frente de seu rosto. Fiz uma nota mental de que o garoto não acordava fácil. Ao menos aquilo era engraçado.
Os olhos dele finalmente abriram e logo em seguida se arregalaram.
- Hinata-chan! Eu cochilei! - exclamou abobalhado. Eu me limitei a rir, corando um pouco pela forma adorável como ele agia.
- Você parece uma criança quando dorme. - falei, rindo. Ele se endireitou no sofá e coçou a parte de trás da cabeça, rindo também.
- Gomen, baixinha.
- Você é uma criança pesada. - zombei.
O loiro olhou para mim, parecendo querer dizer alguma coisa, mas sua tentativa foi vetada por um barulho de sirene estranho. Nós ficamos em silêncio, tensos pela proximidade e do som e pelo modo como soou. Um minuto depois ouvimos um burburinho vindo da porta da frente. Naruto se levantou e puxou a cortina da janela para olhar do lado de fora. Mesmo do sofá, pude ver o brilho azul e vermelho que irradiava em frente à casa dos Uzumaki naquele fim de tarde.
- A polícia? - ele se perguntou, virando para mim. Arregalei os olhos.
- Por que a polícia estaria aqui? - perguntei, tensa. Ele negou com a cabeça e caminhou até a porta. O segui e nos deparamos com a senhora Kushina tentando argumentar com um policial estranhamente irritado. Naruto virou-se para mim e segurou meu rosto com as mãos.
- Espere aqui. Um segundo. - disse e saiu, subindo as escadas. Meu coração acelerou e uma sensação de perigo começou a me deixar nervosa. O loiro voltou rapidamente, colocando uma camiseta preta às pressas e indo em passos largos para a porta. Fiquei encolhida no canto, observando ele passar pelo policial e olhar diretamente em seus olhos.
- Okaa-san, algum problema aqui? - perguntou de forma autoritária.
- Naruto, volte para dentro. - a ruiva ordenou. Sua voz indicava o quanto parecia nervosa também.
- O senhor responde por ela? - disse o policial.
- Não, senhor. Esta mulher é minha mãe e esta é minha casa. No que eu posso ajudá-lo? - Naruto perguntou, levemente irritadiço pela voz irônica do homem grisalho.
- Muito bem. - murmurou, mostrando para o garoto uma papelada que de longe não pude entender. - Este é um mandato que me permite revistar esta casa tijolo por tijolo se sua mãe não colaborar com a polícia.
- Do que está falando? Quem enviou você? - Naruto perguntou, confuso.
- Naruto, querido, por favor entre e vá ficar com...
- Com a garota que procuro? - o policial interrompeu ironicamente.
- Mas que porra está acontecendo? - o loiro explodiu, fazendo o policial olhar para ele de forma ameaçadora.
- Pense antes de falar, moleque. Nós recebemos uma denúncia contra Uzumaki Kushina pelo sequestro de Hyuuga Hinata. De acordo com a última pessoa que viu a jovem, ela parecia transtornada e estava com um rapaz que presumo ser você, Uzumaki Naruto, filho desta mulher com Namizake Minato. A menos que vocês não queiram ser levados à delegacia imediatamente, acho melhor deixarem eu e meu companheiro procurarmos pela residência. O que acha disso, hm? - inquiriu o policial. Arregalei os olhos, a culpa caindo terrivelmente em meus ombros.
Eu havia me esquecido de avisar Hiashi sobre mim e agora ele teria aproveitado meu sumiço para denunciar a família Uzumaki? Eu já sabia que ele não aprovava minha amizade com Naruto, mas aquilo já era um absurdo. Como ele podia enviar a polícia daquele modo agressivo para a casa deles? O que fazia Hiashi os detestar tanto? Independente da resposta e da encrenca em que estava metida, precisava aliviar o lado de Kushina em primeiro lugar. Mesmo com medo de piorar a situação, andei até a porta e passei pelo meio dos dois, sentindo-me subitamente menor do que já era.
- Eu não fui sequestrada! - exclamei, corada e nervosa.
- Hinata! - Naruto exclamou atrás de mim, surpreso pela atitude.
- Ora, ora. Parece que encontramos mais fácil do que imaginava. - o homem murmurou, colocando a mão na cintura e roçando os dedos propositalmente no cinto que abrigava sua arma e cacetete.
- Eu não fui sequestrada, senhor. Estou nesta casa por livre e espontânea vontade. - repeti.
- Bom, isso é o que vocês três terão de explicar na delegacia. O delegado está aguardando por um retorno. - respondeu, apontando para a viatura onde outro policial aguardava.
- O quê? - perguntei, deixando a voz morrer. Ser levada numa viatura policial com Naruto e Kushina me parecia uma ideia terrível. Depois de fazê-los passar por esse constrangimento, a senhora Uzumaki não conseguiria confiar em mim. O pensamento de perdê-los começou a me fazer suar frio, como se houvesse uma corda em meu pescoço prester a ser puxada.
- Para a viatura, por favor. - o policial pediu, suspirando. O homem parecia estressado por algo maior do que o motivo que o levara ali, mas eu não podia prever o quanto teria encrencado Naruto e sua família.
- Tudo bem, o senhor pode me acompanhar, se quiser. Vou pegar minha bolsa. Naruto, pegue seus documentos e as coisas de Hinata, ligarei pro seu pai no caminho. - disse Kushina com a voz abalada. Ela passou por nós e foi seguida pelo policial, enquanto Naruto apenas entrou em casa e subiu as escadas outras vez. O vazio que se instalou em mim ao vê-los tão encurralados fez com que minhas pernas parecessem duras e pesadas. Logo os três estavam de volta e o loiro entregou minha bolsa esquecida, um casaco gigante e um par de chinelos.
- O casaco é meu, mas espero que ajude com o vento gelado. Os chinelos são da minha mãe, devem servir. - murmurou.
- Arigatou... eu acho que perdi meus sapatos ontem. - sussurrei, envergonhada. Calcei os chinelos e vesti o casaco, desejando poder me esconder nele. O policial nos levou até a viatura e nós fomos levados à delegacia. Naruto estava entre mim e Kushina e parecia imerso em pensamentos. Talvez ele estivesse revendo o que nossa amizade poderia fazer em sua vida ou talvez estivesse preocupado com os negócios da família se o nome fosse sujado por esse incidente. Mas nas duas opções a culpa me cobria como um manto de ferro.
- Minato-kun - disse Kushina, quebrando o silêncio do veículo. Ela estava com o telefone grudado à orelha, prestes a contar para o marido que haviam sido culpados por um sequestro que nunca aconteceu. - Houve um pequeno problema, mas não se preocupe, está tudo bem. Só... por favor, encontre-me na estação de polícia do bairro. - Houve um tempo de silêncio e então ela suspirou e continuou:
- Hai, hai. Estou com os dois, nos vemos lá.
Assim que Kushina desligou o celular, ouvi Naruto suspirar baixinho ao meu lado. Queria que ele olhasse pra mim, que desse um sorriso de canto ou qualquer coisa que pudesse signifcar que ele não estava lamentando ser meu amigo. Seu corpo estava tenso, os braços estavam cruzados no peito, apertados em músculos e no tecido da camiseta. Eu puxei a longa manga do casaco e busquei seus dedos com minha mão gelada. A mão grande do loiro estava solta abaixo do braço e ao sentir a minha lhe tocar, ele rapidamente pareceu ficar mais tenso.
- Gomennasai. - sussurrei, encolhendo os ombros. Naruto olhou para mim e fechou os olhos, apenas balançando a cabeça e segurando minha mão de volta. Ele desfez sua posição para segurá-la de forma terna em cima de sua coxa esquerda, fazendo o mesmo com Kushina do outro lado. A matriarca olhou para nós e sorriu de canto ligeiramente, voltando a olhar para a janela logo em seguida.
- Não precisa se desculpar. Não é sua culpa estarmos nessa situação. - O loiro sussurrou de volta, olhando-me. Franzi os lábios, incerta sobre o que ele de fato estava pensando. - Eu só temo pelo o que esse seu... pai quer com tudo isso. Eu não quero que, depois de tudo, nós tenhamos que ser cuidadosos em nossa amizade. Não é justo que paguemos pelas brigas de outras pessoas, baixinha. Eu não quero perder você.
O alívio me invadiu instantaneamente, afinal eu também não queria perdê-lo. Hiashi daria um jeito de me afastar de Naruto se não conseguisse entender a importância do garoto em minha nova vida. Eu podia tentar lutar por esse laço, assim como ele lutava para quebrar as correntes que me prendiam. Mas ainda havia a chance de Hiashi não ligar para o que eu sentia. Se o ódio entre as duas famílias era tão antigo, não seria a filha bastarda que mudaria o fato. Suspirei, encostando a cabeça no ombro de meu amigo. Alguns minutos depois nós chegamos à estação e o policial nos levou pelo edifício. Naruto deu o braço para sua mãe de forma respeitosa e com sua outra mão apoiou a base de minhas costas. Ao entrarmos em uma sala, avistei Hiashi de costas conversando com o delegado. Ele estava curvado para a mesa do senhor e parecia tenso. Assim que todos passamos pela porta, o policial que nos acompanhava soltou um pigarro para chamar a atenção.
- Com licença, nós encontramos a senhorita Hyuuga. - anunciou. Hiashi virou às pressas e seus olhos caíram sobre mim com urgência, depois fitaram Kushina de forma séria.
- Então as acusações eram verdadeiras! - o Sasaki exclamou.
Kushina estancou no lugar, olhando para Hiashi como se não acreditasse no que via. Naruto não havia dito à ela que eu era filha dele? Será por isso que seus pais nunca me rejeitaram como Hiashi fizera? O nervosismo que pairava sobre mim parecia deixar o ar denso demais para respirar. Olhei para a ruiva, que tinha os olhos azuis tremulando, como se estivesse tentando ligar peças de um quebra-cabeça. Estaria ela pensando que estivesse sendo traída?
- Hiashi?! - perguntou, confusa. A matriarca olhou para mim e depois para ele, parecendo achar a resposta ali de uma forma nada agradável.
- Por que tanta surpresa, Kushina? Pelas denúncias que recebi, achei que já conhecesse minha filha. - meu pai respondeu, arqueando uma sobrancelha. Eles pareciam se provocar como se conhecessem muito um do outro e isso podia ser mesmo ruim. Kushina havia me recebido como se eu fosse da família e agora estava descobrindo que eu vinha de seu maior inimigo.
- Você...? - ela balbuciou, mas de repente se interrompeu, balançando a cabeça e tentando reformular sua frase. - Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas não sou responsável por nenhum sequestro.
- Ah, não? Então por que os policiais encontraram minha filha em sua casa? - Hiashi cobrou. Kushina respirou fundo.
- Senhor delegado, eu não quero passar pelo interrogatório deste homem. Se quiser verificar a menina, verá que está perfeitamente bem. Na noite passada, meu filho a encontrou passando mal e a trouxe para nossa casa. Os dois são colegas de classe, estavam em um baile da escola. Não sequestramos esta jovem, eu a abriguei e cuidei para que ficasse melhor. Algum engano aconteceu e este homem que alega ser seu pai não ficou sabendo de seu paradeiro. - Kushina se interrompeu, estava abalada. Olhou para Hiashi uma vez e então voltou-se para o delegado atrás da mesa. - Se precisar de alguma prova para isso, qualquer pergunta, faça o trabalho e questione à mim. Não tenho absolutamente nada para justificar.
O homem expirou pesadamente e se levantou de seu assento, rodeando a mesa.
- A senhorita Hyuuga confirma o que foi relatado pela senhora Uzumaki? - inquiriu. Dei um passo à frente, olhando para meu pai.
- Eu não fui sequestrada, senhor. Pelo contrário, eu fui ajudada pela família Uzumaki. Acordei pela manhã e durante o dia fui atendida pela senhora Kushina. Fui culpa minha, única e exclusiva, ter esquecido o celular e não ter avisado onde estava. Sinto muito pelo transtorno gerado, mas o senhor não tem motivo nenhum para deixar essas pessoas nesta delegacia. - respondi.
- O que aconteceu com você, Hinata? - perguntou Hiashi com o tom de voz bravo. Suspirei.
- Eu fiquei bêbada, desmaiei. Fui encontrada por Naruto e ele me ajudou. - murmurei, encolhendo os ombros. Não queria me expor, mas precisava manter a ira de Hiashi sobre mim e não sobre os Uzumaki.
- Bêbada? - cuspiu. Assenti, o coração materlando em meus ouvidos. - Você abusou dela? - perguntou de repente, dando um passo à frente na direção de Naruto.
- Como é? Não ouviu? Eu salvei a Hinata! - o loiro defendeu-se, inflando o peito e andando para frente também. Entrei no meio dos dois, apartando o que poderia se tornar uma confusão.
- Hiashi! - exclamei, olhando-o. Ele me lançou um olhar irritado. Engoli em seco. - Otoo-san... - reformulei, abaixando a cabeça. O patriarca segurou meu braço, puxando-me para o seu lado.
- Não quero saber desta história. Acho bom que não tenha tocado na minha filha, entendeu, moleque? E quanto à você, Kushina, siga o exemplo e fique longe de minha família. Eu não confio em nenhum de vocês e Hinata não é garota para andar com esse tipo de gente. - ralhou o Sasaki.
- Otoo-san, onegai. - murmurei, sentindo meus olhos arderem.
- Não quero ouvir nada agora, Hinata. - ele interrompeu.
- Onegai, retire a acusação, eles não fizeram nada. - supliquei.
Os olhares de Naruto e Kushina me espetavam como agulhas. Meu amigo parecia ter levado em soco e parecia furioso por isso, enquanto sua mãe ainda parecia transtornada pela surpresa. Hiashi soltou um suspiro estressado.
- Mas que droga, Hinata. Eu retiro esta acusação, posso me resolver em casa com minha família. Agradeço pelo trabalho de seus homens, senhor delegado. - disse ele. O homem na mesa deu de ombros e começou a pegar alguns papéis.
- Certo, os responsáveis Sasaki Hiashi e Uzumaki Kushina devem assinar aqui para que este caso possa ser encerrado com o concentimento de ambos os lados. Ao fazê-lo, estarão concordando com os termos de que a acusação foi cancelada pelo acusador por motivos devidamente esclarecidos e que nenhum dado negativo será transferido para a ficha da acusada.
Hiashi assinou a papelada de forma nervosa e depois Kushina o fez, de ombros tensos e lábios apertados. Olhei para Naruto, nossos olhos se encontrando e transmitindo o mesmo sentimento de medo.
- Vamos embora, Hinata. Satisfeita? - perguntou o Sasaki, endireitando-se.
- Eu... gostaria de agradecer a família...
- Não é necessário, vamos embora agora. - cortou-me.
- Vou devolver o casaco emprestado à ele. - insisti, olhando-o em súplica. Hiashi surpreendeu à todos ao arrancar a vestimenta de forma grotesta de meu corpo e o entregar para Naruto.
- Está devolvido. Agora mexa essas pernas para fora desta delegacia agora, Hinata. Eu movi a polícia atrás de você, acho que está me devendo o mínimo de consideração. - esbravejou. As lágrimas vieram ardentes e teimosas, descendo sem minha autorização pelas bochechas. Lancei um olhar de desculpas para Kushina, que apenas me devolveu com suas íris tristes, depois olhei para Naruto e tive o coração murchado pela expressão enfurecida do garoto. Era uma fúria que doía, que o queimava por dentro, justamente por não poder expô-la. Hiashi me puxou impacientemente de volta para fora da sala. Passamos por Minato, que andava nervoso até o fim do corredor onde estávamos. O homem loiro arregalou os olhos diante da cena e eu só pude lhe lançar o mesmo pedido silencioso de desculpas. A vergonha e medo que sentia superavam a dor que os dedos firmes de Hiashi causavam em meus pulso.
Eu entrei no carro luxuoso com o corpo trêmulo e frio. O Sasaki bateu a porta ao sentar no banco do motorista e começou a dirigir de imediato.
- Existe uma coisa que você precisa aprender, Hinata. - começou a dizer, trançando os carros pela rua. - Eu sou seu pai. Posso não ter sido durante toda a sua vida, mas eu fui até você, eu te tirei daquele lixo e te coloquei dentro de uma mansão, te dei uma família nova e uma chance de recomeçar. Não é fácil ser alguém como eu e de repente aparecer com uma filha mais velha. Mas assumi todos os compromissos e o que ganho em troca? Um dia inteiro de preocupação e um showzinho na delegacia? - falava cada vez mais nervoso. Não respondi, sentindo-me apavorada. - Não quero você com os Uzumaki, entendeu? Eu já lhe disse uma vez e agora é uma ordem. Sou seu tutor, seu pai. Tem que me obedecer.
- Eu já sou uma mulher...
- Mulher? Você não viveu nada, Hinata. Não sabe nem ter a responsabilidade de fazer uma maldita ligação? Sai de casa sabendo que sua família é contra às suas novas amizades como se fosse uma adolescente rebelde e quer ser tratada como mulher?
- Eu precisava de ajuda! - exclamei, nervosa.
- Claro, porque a mulher estava bêbada?! - gritou, batendo no volante.
- O que há de errado com você? Por que eu não posso ser amiga deles? - perguntei, olhando-o. Hiashi virou o carro violentamente na rua da mansão, entrando na garagem com os pneus cantando. Sua parada abrupta fez com que meu corpo pendesse para frente e batesse de novo contra o banco.
- Porque não pode. Não sou eu quem devo dar explicações aqui! - gritou outra vez.
- Isso não faz o menor sentido! Não sabe como eles são gentis, não precisa desse ódio todo! - tentei argumentar. Hiashi riu de modo sarcástico.
- Hinata, você mal os conhece.
- E quanto à nós? A gente se conhece? - soltei sem pensar.
O olhar dele caiu como uma tempestade de gelo sobre mim.
- Você está passando dos limites.
- Não! Você é quem está! Não pode fazer isso comigo, não depois de tudo! - gritei, tremendo.
- Depois de tudo o que, Hinata? Mas do que diabos está falando?
Tranquei a respiração, vendo a enrascada em que me pusera. Meu coração batia audivelmente, mas agora devia uma resposta e ao mesmo tempo em que sentia medo, sentia também a necessidade de lutar por isso.
- Depois de toda a dor, eu... eu finalmente sorri. - sussurrei, deixando que as lágrimas me banhassem. Hiashi se calou, parecendo confuso. - Depois de tudo, eu finalmente fiz um amigo e agora eu me sinto mais forte. Eu sinto que finalmente posso encarar a vida de verdade. Pode ser da forma mais tímida, mas ainda assim será real.
- Por que essa força não pode vir da sua família? - perguntou Hiashi, abaixando o tom de voz.
- Porque eu não construo isso sozinha e agora, graças ao Naruto, tive a oportunidade de conhecer pessoas, de fazer amigos. Eu finalmente posso rir com os outros também. Gostaria que não menosprezasse isso. - pedi, fechando os olhos molhados.
- Infelizmente não é uma discussão que possamos ter neste momento, Hinata. Se quer ser uma mulher de verdade, busque sua própria força. Agora vá para dentro, eu não queria lhe castigar por isso, mas não posso ignorar o que aconteceu. Você precisa aprender. Talvez não consiga te controlar 24h por dia, mas por um tempo seu celular será confiscado e não poderá sair de casa. Te deixarei na porta do colégio e assim será na volta. Nem mais um choro sobre essa conversa. - decretou Hiashi, saindo do carro e batendo a porta.
Soltei um suspiro pesado e saí do veículo também. Ao menos poderia ver o loiro no dia seguinte e tentar conversar. Hiashi poderia me roubar todo o tempo restante, mas enquanto eu estivesse na escola, não poderia me afastar de Naruto. Entrei em casa sob os olhares de Aiko e Mayumi. A mais nova tinha um semblante meio risonho e isso já entregava que a culpada por todo o alarde havia sido ela. Apenas ignorei e subi a escada, vendo Hiashi na porta de meu quarto à espera. Sem olhá-lo, entreguei o telefone e entrei no cômodo, deixando-o do lado de fora sem qualquer resposta. Sentia o peso da solidão solidificar o sangue em minhas pernas, dificultando minha ida ao banheiro. Meus joelhos ecoaram um baque contra o chão e os efeitos da ressaca finalmente vieram à tona.
Talvez fossem as sensações de impotência e tristeza que tivessem bagunçado todo o meu emocional e físico. Um provável motivo para que rajadas de vômito me fizessem apoiar os braços contra a privada por alguns minutos, expelindo tudo o que meu corpo não podia mais manter. A dor de cabeça fincou agulhas em meu cérebro e após meus lábios secarem, deitei as costas nos chão úmido e desejei que pudesse me refrescar desse ardor no peito. Estava totalmente encurralada e suja, pela dor e pelo velho litro de whiskey. Era como retroceder ao passado, mas trocando o filme de terror por um conto frustrado e moderno da Cinderela. Balancei a cabeça, expulsando o pensamento melancolicamente cômico. Embora desejasse que as coisas fossem mais simples pelo menos uma vez, não conseguia me sentir arrependida por ter chegado até ali, por ter dado meus primeiros passos na vida e por ter encontrado pessoas que pudessem me mostrar sentimentos reais, que sofrem e sorriem, que ganham e perdem, sensações humanas e comuns, que podem ser compartilhadas e que não significam o peso do universo sempre que forem expostas. Havia ganhado o mundo de Akemi e agora estava aprendendo o significado social dele.
Levantei do chão frio e liguei o chuveiro para lavar o corpo de toda aquele pó físico e mental. Sentia o coração mais sereno do que esperava e isso significava uma nova porta aberta dentro de mim, esperando para ser explorada e aprendida. Eu era como um labirinto cheio de passagens secretas. Sempre entre acasos, esquinas, becos e muralhas. Uma busca infinita pelo final, mas ironicamente intacta na linha de partida.
Assim que saí de baixo da água morna, vesti-me e encarei o quarto. Abri a janela, o vento gélido de encontro ao meu cabelo molhado fez meu corpo estremecer, mas era bom. Observei as estrelas do céu, pouco visíveis naquela noite púrpura, imaginando qual caminho elas podiam trilhar além do que se podia enxergar. Tal como as pinturas astronômicas que Akemi gostava de pesquisar, mapas das estrelas, constelações e planetas. Ela gostava de acreditar que a vida podia ser real fora dos muros padronizados que foram moldados na Terra. Eu ainda podia imaginar o modo como ela andava à noite até a janela em seu kimono roxo, observava o céu e depois fechava as cortinas. Era como se desejasse boa noite ao mundo, mesmo se fosse apenas uma cidadã desconhecida do interior.
Sorri, nostálgica ao fazer o mesmo. Voltei para a cama e minha cabeça descansou sobre o travesseiro, jogando todo o peso dos pensamentos despertos em plumas. O sono me embalou devagar, estrategicamente em ondas suaves e num balanço sutil. Os sonhos pintaram minhas pálpebras, um espelho que refletia o céu e a água num horizonte eterno. Os peixes nadavam nas correntes da vida que crescia e acontecia, lutavam por um lugar. Uma casa, um lar. Aquele olhar.
Tão azul feito o mar.