E eu corri. Corri até mais não conseguir. Minha respiração ofegante era tudo o que se ouvia na rua. Nada mais nada menos do que a respiração ofegante de uma jovem francesa de cabelos ruivos e de olhos castanhos a vaguear pelas ruas de Paris. Cada vez que passava por uma tropa de soldados alemães, me encostava à parede e poisava minhas mãos em meus joelhos, tentando esconder meu rosto e respirar melhor. Quando os via afastarem-se de mim, voltava a correr.
Finalmente, cheguei à farmácia do senhor Leclerc e abri a porta de rompante. Assim que o fiz, um velhote que estava sentado numa pequena cadeira feita de madeira a dormir, caiu para trás, despertando de imediato e levantando-se num pulo.
- Mon Dieu! - exclamou ele, caindo da pequena cadeirinha - O que é que vem a ser isto?!
- Pardon, seigneur Leclerc. - eu me desculpei, vendo-o tentar levantar-te - Está bem? Precisa de ajuda?
- Oh, non, non, non. - disse o homem crocunda, sorridente - Então, o que é que a menina deseja?
- Nada demais, seigneur Leclerc. - respondi-lhe - Tem algo para a febre muito alta, senhor?
- E ainda me dizes que não é nada demais?! - espantou-se o homem, levantando as pápebras, enquanto subia à cadeira para procurar o tal remédio nas preteleiras - Quem é o pobre coitado?
- É minha irmãzinha, a Marrie, está cheia de febre e minha mãe me mandou vir buscar um medicamento. - eu disse, colocando as mãos dentro do pequeno avental que tinha à cintura e poisando um pequeno saquinho com francos na bancada - Se il vous plaît, ajude a pequena Marrie.
O homem, voltou-se para mim e suspirou. Virou-se para a prateleira e tirou dois pequenos frascos vermelhos. Colocou-os dentro de um pequeno saquinho feito de pano bege e deu-mo, que logo os coloquei dentro da minha algibeira.
- Tome, leva-os contigo. - disse o velhote, esticando-me o saquinho cheio de francos - Vocês precisam muito mais deles do que um velho farmacêutico.
- Merci, seigneur Leclerc. Merci, merci, merci. - agradeci-lhe, fazendo muitas vénias - Muito obrigada, mesmo.
Rapidamente, saí da farmácia e apertei o pequeno saco contra o meu peito. "Agora a minha irmãzinha vai ficar melhor" disse para mim mesmo, com uma pontinha de orgulho em mim mesma, enquanto cantarolava uma cantiguinha qualquer. Os meus sapatinhos batiam nas perdras do passeio e eu me sentia muito feliz... mas de repente toda aquela felicidade se desvaneceu.
Aquele símbolo do seu uniforme, aqueles olhos verdes, aqueles cabelos loiros e aquele sorrisinho trocista... Era o mesmo homem que aparecera naquele mesmo dia, no pub.
Dei um passo para trás, sem saber se gritar ou começar a correr na direcção oposta a ele. O meu coração voltou a bater muito depressa e naquele breu que era aquela noite de Primavera.... ninguém me viria ajudar, por muito alto que eu gritasse e por muito que eu suplicasse por ajuda.
- Gutten Nacht, mon cher. - ele me cumprimentou, retiando a boina da cabeça.
Eu nunca tive alemão na escola mas não me foi difícil perceber que aquilo era um cumprimento.
- Gutten Nacht, mon seigneur. - cumprimentei-o por minha vez.
- O que faz uma chéri tão bonitinha numa viela escura como a senhora a meio da noite, hein? - ele me perguntou, sem parar de sorrir, enquanto caminhava na minha direcção e o meu corpo não se movia.
- Mon seigneur, eu estava prestes a voltar da farmácia. - disse-lhe, mostrando-lhe o pequeno saco que eu carregava nas mãos.
O alemão aproximou-se de mim até ficarmos a apenas uns centímetros um do outro. Ele cheirava a água de colónia, o que nem era nada desagradável, mas aquele "clima" entre nós não estava "rolando".
- E o que é que a chéri trouxe da farmácia? - ele colocou a mão dentro do saco, retirando o pequeno frasquinho do seu interior - Deixe cá ver... É um xarope.
- É sim, mon seigneur, para a minha pequena irmã. - disse eu, abraçando-me ao saco - Por favor, deixe-me passar.
- Calma, garota. Onde é que você pensa que vai assim, sem mais nem menos? - ele me perguntou, me segurando o punho com força.
- Por favor, me solte! - eu lhe implorei, tentando pontapeá-lo.
- O que é isso, meu amor? - ele me perguntou, rindo, pegando em mim ao colo - Está escuro e garotinhas como você não deciam andar na rua a estas horas da noite.
- Me solte! - bradava eu, esperneando - Maman, papa! Aidez-Moi!
- Esteja calada, garota irritante! - ele me ordenou, irritado, começando a correr.
Então, ele se aproximou de uma porta e eu já tinha deixado de gritar. Eu sabia que já não havia nada a fazer.
Reparei que estava sendo difícil para o soldado segurar em mim enquanto procurava as chaves, pelo que comecei a controcer-me, tentando que ele me largasse.
- Esteja quieta, für die Liebe Gottes! - ele disse, pegando as chaves e destrancando a porta, entrando comigo para dentro daquela pequena e sombria casa.
Me atirou ao chão e eu encolhi-me, tentando não bater com a cabeça e nenhum lado enquanto o olhava de cima a baixo, assustada. Eu queria começar a chorar, mas sabia que isso só demonstraria que eu era uma garotinha fraca e que chamava pelos seus papais por tudo e por nada.
Eu olhava-o com desprezo. Ódio não, mas sim desprezo.
Ele se baixou até ficar, praticamente, à minha altura e segurou meu rosto com a mão direita.
- Você até tem um face bonitinha para uma francesinha, garota. - ele comentou, sorrindo - Como se chama mesmo? Não decorei seu nome...
- Valentina.
- Que lindo nome... Valentina. - disse o homem loiro, aproximando seus lábios dos meus... e me beijando.