O dia seguinte: Caras de enterro e flashbacks (Parte 1)
- Vocês querem mais biscoitos? ? a Sra. Briefs perguntou. ? Acabaram de sair do forno.
A voz da Sra. Briefs foi a única a ser ouvida na enorme sala. O silêncio era tão denso, que quase podia ser tocado com a mão. Vegeta estava em pé, de braços cruzados, diante da janela. Fitava o lado de fora, iluminado pela luz do sol poente, que entrava na sala. O Sr. Briefs estava sentado numa poltrona e parecia imerso em suas reflexões. Bulma estava bastante abatida, com os olhos um pouco inchados. O pequeno Trunks estava dormindo no colo da mãe.
Dificilmente a Sra. Briefs conseguiria quebrar um clima tão triste e carregado, principalmente após chegarem de um enterro.
- Foi uma grande perda... ? comentou o Sr. Briefs.
- Oh, é verdade. ? a esposa concordou. ? Ele era um amor de pessoa... Gentil, simpático, bem-humorado, apesar de guloso...
O cientista assentiu. O gatinho de estimação deu um miado.
- Tem razão, querida...
- Acho que todos vamos sentir falta dele... Ele era tão querido...
Olhou para Bulma, que estava cabisbaixa. Sabia que ela foi quem mais sentiu o impacto da morte de Goku. Não queria vê-la chorando novamente, então decidiu não tocar mais no assunto dessa maneira.
Vegeta saiu de dentro da casa. Tudo aquilo o sufocava e o aborrecia. Já estava cheio de ouvir tantas coisas sobre Goku durante todo o tempo. Tirou o blazer preto que Bulma o obrigou a usar sobre uma camisa branca. Estava farto de Goku pra cá, Goku pra lá. Durante todo o dia, só ouviu os amigos dele mencionarem incansavelmente o nome de Kakarotto, o ?queridinho? da turma.
Bulma praticamente o havia arrastado para esse enterro. Pelo menos, teve a certeza de que Kakarotto estava mesmo morto. Agora, era ele quem passava a ser o guerreiro mais forte de todos.
Deveria estar dando pulos de alegria, deveria comemorar, deveria se sentir bem, afinal, seu rival estava morto. Mas não conseguia comemorar a sua condição de saiyajin mais poderoso do universo. Na verdade, não se sentia tão poderoso assim. Preferia ter conseguido isso numa luta, derrotando Goku.
Preferia ter essa condição após a sua revanche, que não aconteceu... E que jamais iria acontecer...
Olhou para o seu reflexo em um dos vidros de uma janela. Além do aborrecimento, seu rosto demonstrava certo cansaço. Definitivamente, uma luta era bem menos cansativa do que um enterro.
Bulma levou Trunks ao quarto e o pôs no berço, com cuidado para não acordá-lo. Voltou à sala e seu olhar se deteve numa fotografia. Era a primeira em que Goku ? com onze anos ? aparecia com ela. Foi algum tempo depois de conhecê-lo nas montanhas. Nisso, ela era uma adolescente de quinze anos.
O tempo foi passando, eles viveram juntos várias aventuras e conheceram muitas pessoas e lugares diferentes. Para ela, ele era muito mais que um amigo, mas não sentia outra coisa a não ser um amor fraternal. Ele estava mais para um irmão. Talvez...
Sentia falta dele. Já sentia falta de suas gulodices, dos risos, das trapalhadas e do jeitão inocente, por vezes, infantil. Às vezes, parecia que Goku tinha apenas o tamanho de um adulto.
Lembrou-se do quanto ele ficou surpreso ao ver Trunks pela primeira vez. Goku resolveu aparecer para visitá-la, depois de um bom tempo (leia-se um pouco mais de um ano depois da última visita).
- Bulma, que garotinho é esse no seu colo?
- Ah, é o meu filho Trunks.
- Seu filho? Quer dizer que você e o Yamcha se acertaram?
- Não, Goku. ? Yamcha disse. ? Eu não sou o pai desse garoto.
- Não? Então, quem é?
- O Vegeta.
Goku ficou surpreso:
- O VEGETA?! Vo... Você acabou ficando com o Vegeta? ? perguntou a Bulma.
Ela confirmou, sinalizando que sim com a cabeça. Goku aproximou-se e olhou mais atentamente para o bebê. Comentou:
- Puxa... Esse garoto é mesmo a cara dele!
E acrescentou:
- Caramba... Eu pensava que você ficaria com o Yamcha, mas... no final das contas, acabou ficando mesmo com o resmungão do Vegeta...
?Goku, você era tão divertido...?, pensou, dando um sorriso. ?Vou sentir a sua falta.?
*
Sentado na areia, olhava para o horizonte. Seu olhar estava perdido em algum lugar no passado. Mais precisamente, quando era um garoto de doze anos. Abaixou a cabeça e suspirou. Deu um sorriso. Lembrava-se do tempo em que sacaneava Goku e se aproveitava de sua ingenuidade. Ouviu a voz de Yamcha:
- Vocês foram grandes amigos, Kulilin... Creio que não vai ser fácil superar isso... Mas acredito que você consegue.
- Será que consigo? ? Kulilin perguntou.
Suspirou. Ele e Goku eram grandes amigos. Mas o melhor pupilo do Mestre Kame, o guerreiro mais forte do universo, o sujeito mais atrapalhado que já tinha conhecido, o cara mais bondoso que já havia visto e o seu melhor amigo estavam em uma pessoa só. E essa pessoa havia morrido.
?Goku... Vou sentir saudade de você, amigo...?, pensou.
- Eu pensei que ele sairia dessa... ? Yamcha comentou.
O comentário dele fez com que Kulilin se lembrasse de um acontecimento ocorrido há alguns dias. A sensação que essa recordação lhe dava era a de uma ?crônica da morte anunciada?.
- Você está bem, Goku?
- Estou, sim, Kulilin.
Goku e Piccolo estavam se enfrentando em mais um treinamento, observados por Gohan e Kulilin. No momento, eles haviam dado uma pausa no combate. Goku parecia cansado, estava ofegante. O carequinha estranhou, pois ele não deveria estar daquele jeito. Não estavam fazendo uma luta tão longa.
Logo eles retomaram o combate. Goku estava se esgotando rapidamente, mas mesmo assim transformou-se em Super Saiyajin. Enfraquecia cada vez mais rápido, estava cada vez mais cansado. Até que pôs a mão no peito e o rosto se contraiu, como se sentisse uma forte dor. Piccolo o surpreendeu com um golpe potente e o fez cair no chão.
Nisso, Goku perdeu a transformação. Sentia dores cada vez mais fortes no peito. O rosto estava banhado de suor, o que indicava que estava com uma febre muito alta.
- O que... O que está acontecendo comigo?!
Não tinha forças para se levantar. Ficou estirado no chão. Faltava-lhe o ar, o peito doía cada vez mais. Ficava cada vez mais difícil de respirar.
Gohan e Kulilin foram acudi-lo. Estava muito pálido.
- O que houve, Goku? ? Kulilin perguntou.
- Eu... Não sei... ? respondeu com muita dificuldade.
Os dois o ajudaram a pelo menos ficar sentado. Piccolo desceu e foi ver o que ocorria.
- O que está acontecendo? ? perguntou.
Goku empalideceu ainda mais e segurou o peito com muita força, com a respiração entrecortada.
- Papai! ? Gohan disse. ? O que foi?!
- Vamos levá-lo pra casa, Gohan. ? o namek disse. ? Parece que seu pai não está nada bem. Temo que não seja um simples cansaço.
Nisso, ele o pegou e o levou para casa, seguido por Gohan e Kulilin. O carequinha teve uma sensação muito ruim. Parecia um mau pressentimento.
Um mau pressentimento que se confirmou. ?Nem mesmo as sementes dos deuses resolveram?, pensou. Ninguém descobriu o que era aquela misteriosa doença. Quando se pensou que ele havia se recuperado, seu estado acabou se agravando. Depois disso, não houve mais volta e assim aconteceu a fatalidade, por mais que a turma não quisesse.
Deu um sorriso irônico:
- Acho que o Vegeta, a essa altura, deve estar comemorando...
- Você acha, Kulilin? ? Yamcha questionou.
- Tenho quase certeza... Bem, ele queria ser o saiyajin mais forte do universo...
- Pode ser, mas você mesmo disse uma vez que, para isso, ele queria enfrentar e vencer o Goku.
- E...?
- Raciocina comigo, Kulilin... Ele é um saiyajin, e saiyajins gostam de lutar, não é isso?
- É, e daí?
- Você não percebeu? Ele não deve estar comemorando coisa nenhuma. Ele deve ter é ficado frustrado com a morte de Goku!
- É... Pode ser...
?Será??, ele pensou.
*
Gohan, após chegar em casa, foi logo à beira do riacho onde costumava ir com o pai. Lembrava-se das inúmeras vezes em que estiveram ali pescando peixes enormes. Sempre se divertia com ele.
- Muito bom, Gohan! Sua mãe vai ficar orgulhosa!
Goku o elogiou por ter conseguido pegar um peixe bem grande, igual aos que ele costumava pescar. Pareceu se lembrar de algo:
- Mas eu acho que pro jantar não vai ser suficiente...
- Não? ? Gohan perguntou.
- Eu acho que não. Além disso, eu tô morrendo de fome...
Nisso, ele riu, levando uma mão pra trás da cabeça, como de costume. Já tinham se passado alguns dias, desde que ele havia vencido Freeza pela segunda vez. Desde então, eles ficavam mais tempo juntos.
Goku mergulhou no rio. As águas se agitaram, até ele surgir com outro peixe.
- Que tal, Gohan?
- Uau! ? o garoto disse, admirado.
- Agora, sim! Esses dois vão dar pro jantar. Pegue o outro peixe e vamos pra casa. A sua mãe deve estar esperando.
- Tá!
Lembrava o quanto a mãe tinha ficado orgulhosa ao saber que ele havia pescado um daqueles peixes naquele dia. O jantar tinha sido delicioso. Difícil de esquecer o quanto que o pai havia comido daquela refeição.
Mas, saber que ele não estaria mais ali o pôs ainda mais para baixo...
Assim, abraçou os joelhos e apoiou a testa sobre eles. Começou a soluçar.
- Papai...
Lembrou-se de quando chegou em casa, às pressas. Tinha sentido que o ki de seu pai estava desaparecendo aos poucos. Quando chegou ao quarto em que ele estava, já era tarde.
- Papai...
As lágrimas invadiam seus olhos. Segurava-se para não chorar. Chi Chi o abraçou com força e começou a chorar. Parecia arrasada. Gohan só deixou as lágrimas escaparem. Mãe e filho ficaram assim por algum tempo, observados por Mestre Kame e o Rei Cutelo.
Gohan continuava na mesma posição, soluçando. Sentiu uma mão tocar-lhe o ombro. Levantou a cabeça e olhou para trás.
- Senhor Piccolo?
- Está tudo bem, Gohan? ? ele perguntou.
O garoto se levantou. Enxugou os olhos com a mão e olhou para seu mestre. Logo, ele abaixou a cabeça:
- Mais ou menos...
Piccolo, após um breve instante de silêncio, disse:
- Você já passou por isso uma vez, Gohan. Sabe como agir.
- Sim, mas... Mas desta vez ele não volta... As esferas do dragão não podem revivê-lo...
Goku havia morrido de uma forma que nem as esferas do dragão poderiam revivê-lo. Nem as esferas de Namekusei podiam fazer o mesmo. Era uma morte por causas naturais. Não havia como fazê-lo voltar.
- Vou proteger a mamãe, como ele fez... Quero ser tão forte como ele foi!
O namek não pôde evitar um sorriso. Percebeu o quanto o garoto amadureceu.
- Seu pai ficaria orgulhoso se ouvisse isso.