Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 10

    Na Direção do Sol

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    Ohayo, minna! Antes de qualquer coisa, peço desculpas pelo sumiço. Não vou me prolongar muitos nos motivos, mas quero que saibam que escrevi este capítulo um milhão de vezes. Escrevia, apagava, reescrevia e assim por diante. Isso tudo porque, além dos problemas que me fizeram demorar, este capítulo tem uma carga emocional muito forte e eu precisava sentir essa emoção na intensidade certa, por isso tanto perfeccionismo. Mas é claro, não sei se consegui passar tudo do modo que queria. Estou muito feliz pelos comentários e pelo apoio de vocês, às vezes eu demoro, mas não desisti, ta? Obrigada por vocês serem tão queridos! Bom, hoje temos duas soundtracks especiais vindas diretamente de The Last. Eu AMO instrumental, como já disse, não só de Naruto (porque as soudtracks japonesas são demais), mas também vários tipos, até mesmo Clair de Lune. Enfim, músicas assim vão estar bem presentes por aqui, então espero que vocês escutem e se deixem levar por elas. A primeira se chama Destiny e a segunda The Day. Estará escrito o título da música no meio do capítulo quando for a hora certa. Os links, como sempre, nas notas finais. Boa leitura e até lá embaixo! :)

        Hinata

                  Abri os olhos devagar no dia seguinte. Após outro dos meus insistentes pesadelos sobre lembranças antigas, vi-me despertando aos poucos do torpor em que me encontrava. Minha cabeça protestou com avidez e eu logo senti o quarto girar ligeiramente. Mas espere... que quarto era aquele, afinal? Ainda deitada, rodei os orbes  pelo recinto, a fim de me lembrar dele. Mas nada fazia sentido. Estava sozinha na baía, então como havia parado ali? Por falar nisso, nem me recordava do que havia feito após apagar sobre a areia gélida. O que era meu intuito desde o começo, mas de fato, não esperava acordar em um local desconhecido. 

                  Com cuidado, ergui o tronco. A cama tinha um cheiro familiar, mas minha cabeça doía demais para lembrar. O quarto em que estava era claramente masculino. Não era desordenado, era comum, indicava que uma pessoa normal vivia ali. Nada impecável, mas também nada sujo. As paredes eram pintadas em um tom de azul familiar tal como o cheiro, mas a parede atrás da cama sem dossel era laranja. Havia estantes, troféus de algum esporte, pilhas de livros, uma bola de futebol americano e alguns porta-retratos longe demais da minha visão. No canto ao lado da porta havia uma escrivaninha com notebook e alguns papeis, além de livros e canetas em porta-lápis que mais pareciam mini tigelas de ramen. Muitos detalhes do lugar me faziam pensar que eu conhecia aquilo tudo. Não exatamente o local, mas o que as coisas que abrigava descreviam. Balancei a cabeça, querendo despertar da névoa do sono e da ressaca. Botei meus pés no chão e pela primeira vez notei as vestimentas que caíam sobre meu corpo. Eram levemente largas para mim, mas serviam. Um shorts fino da cor verde e uma regata branca de algodão. Não pertenciam à mim e isso desencadeou uma curiosidade gigantesca.

                   Onde eu estava? Por que eu estava? Como havia chegado até ali?

                 Suspirei. Devia manter a calma. Nada no meu corpo doía, com exceção da cabeça, então eu estivera em segurança. Quem quer que tivesse me colocado ali tivera uma boa intenção, a princípio. Então eu apenas deveria me certificar em reconhecê-lo e agradecer. Não era um desejo meu ser acolhida, mas de fato teria sido muito arriscado permanecer na baía sozinha e desacordada. Estremeci, querendo não pensar nas consequências do meu ato impensado. Não que eu tivesse medo da morte, mas não arriscar a vida por atitudes premeditadas era uma regra absoluta.

                  Olhei para o criado-mudo que havia ao lado cama. Um pequeno relógio digital indicava que eram onze horas da manhã. Surpresa - e ao mesmo tempo envergonhada -, levantei num salto. Arrependi-me um segundo depois, mas finalmente consegui chegar até uma porta que havia no cômodo. Pensei que fosse levar à um corredor, mas era um banheiro. Fiquei grata, mesmo assim, porque deveria estar horrível. Olhei-me no espelho e constatei a maquiagem de Ino desconfigurada e fora do lugar de onde deveria estar. Toda a máscara para cílios estava seca em minhas bochechas e as pinturas das pálpebras estavam borradas para os lados. Procurei por sabonete, ansiosa para me livrar de tudo aquilo, e comecei a lavar o rosto. A sensação instantaneamente me fez sentir melhor e mais acordada. Usei um creme dental para fazer gargarejos e após terminar a higiene matinal, decidi seguir para a porta que provavelmente me levaria para fora dali.

                 Andei hesitante pelo corredor. Definitivamente nunca estivera andando por ali antes, mas ao chegar na escadaria, uma onda nostálgica me tomou. Eu reconhecia aquilo, nunca me esqueceria daquele hall. Com um pavor gigantesco, constatei finalmente a verdade sobre onde estava: aquela era a casa dos Uzumaki. Mas então se eu estava realmente ali, a pessoa que me encontrou só poderia ser...

    - Naruto? Acho que ela acordou. - ouvi a voz da senhora Kushina interromper meus devaneios, confirmando-os. Vinha da sala de televisão, então desci os degraus tentando não fazer barulho e caminhei devagar até lá. Vi a ruiva tocar o ombro do filho que estava debruçado sobre a grande janela. Ele vestia uma bermuda de algodão vermelha e tinha as costas curvadas, evidenciando que sua cabeça pendia para baixo. Algo parecia errado ali. Naruto não costumava estar desanimado, se estava era um mal sinal. Mas então me dei conta de um possível motivo: ele havia me visto na baía. 

               Meus músculos se retesaram. Sabia que muitas perguntas viriam se fosse o caso, mas não queria respondê-las. Na noite anterior, tudo o que desejava era esquecer toda a dor do passado e ser obrigada a revivê-las me deixava amedrontada. Porém, assim como fora desde que esbarrei no Uzumaki, devia muito à ele e o mínimo que poderia fazer era atender aos pedidos que me fizesse. Suspirei baixo e resolvi encarar logo o que me aguardava. Afinal, eu estava sã e salva graças àquela família. Assim, pigarreei para chamar a atenção. Kushina se virou rapidamente, mas seu filho se manteve do mesmo jeito, o que me preocupou de verdade.

    - Bom dia, querida! Você está bem? - perguntou a matriarca. Ela sempre era doce ao falar comigo e mesmo agora, diante de uma possível má influência, ela parecia querer cuidar de mim como se eu costumasse acordar por ali muitas vezes. Corei, envergonhada por estar diante dela numa situação tão ridícula.

    - B-Bom dia, Kushina-san. Eu... - murmurei, sentindo as orelhas esquentarem. Não se podia medir o tamanho do meu constrangimento, mas talvez ela tenha percebido a confusão que se instalara dentro de mim.

    - Está tudo bem, querida. Acho que você quer conversar um pouco com o meu filho, certo? Eu estou terminando o almoço, espero que você também goste de ramen. - disse ela. Sorriu ao finalizar a frase e isso me fez lembrar do quarto em que acordara. Como não havia lembrado? Todas aquelas características só deviam pertencer à Naruto. E finalmente, lembrando com coerência, podia reconhecer o cheiro dele também.

              Botei uma mecha atrás da orelha e assenti timidamente. A ruiva passou por mim, deixando um afago em meu ombro e então me vi sozinha com um grande loiro parecendo assustadoramente negativo. Mordi o lábio, indecisa sobre o que falar. Até então, conviver com ele deixara de ser difícil. Havia aprendido a ser amiga do garoto e gostava disso, a ponto de começar a imaginar que era minha melhor decisão. Mas naquele instante, me sentia com medo. O que deveria falar? Por que sentia que magoá-lo doía tanto? Meu coração estava tão agitado que me fez sentir uma falta de ar passageira. Sabia que precisava tomar uma iniciativa, devia isso à ele, então procurei respirar fundo e obter as rédeas de minhas atitudes. Afinal de contas, eu deixava coisas demais em suas mãos.

    - Naruto? - chamei, temerosa. Fora baixo e estava nítido a insegurança que revestia minha voz. Ele não respondeu, apenas pareceu arriar mais os ombros bronzeados. Eu senti meu estômago apertar diante daquela reação. Andei alguns passos em falsos até ficar próxima dele. Levantei os dedos trêmulos e toquei a pele nua de suas costas. O corpo emanava calor e me fez ficar nervosa. Ele emitiu um som gutural que petrificou meus membros e então, segundos depois, ele se virou bruscamente, agarrando meus braços com as mãos grandes e me fazendo girar para bater as costas contra a janela aberta. Não havia me machucado, apesar do aperto forte. Mas havia me aterrorizado, definitivamente. 

             Arfei, sentindo o coração entalar na garganta. Meus olhos estavam arregalados e minhas pernas pareciam moles demais. Mas Naruto, ele parecia ainda pior do que eu. Seu maxilar travado evidenciava que estava irritado e impaciente, mas mais do que isso, o garoto parecia triste, como jamais havia visto. As mãos antes fortes, tornaram-se ligeiramente trêmulas no aperto, seu peito subia e descia rápido como o meu e seus olhos pareciam me devorar. Os orbes azuis alternavam entre sólido e líquido, uma confusão entre tristeza, irritação e alguma coisa que eu não sabia definir. Talvez ele estivesse realmente frustrado entre escolhas que não conseguia tomar. Mas apesar de toda a linguagem corporal me assustar, me fez sentir algo que se sobressaía ao medo.

             Eu estava com dor por vê-lo assim. 

            A sensação ainda era estranha por pertencer à mim, mas era muito real. Meu coração falhou batidas por vê-lo triste daquele jeito, confuso e atormentado. O garoto sempre fora como um sol particular na Terra. Iluminava o dia com seu sorriso e sua alegria, o bom humor engraçado que fazia lembrar sua mãe, a leve bipolaridade que possuía, mas acima de tudo, o carinho e devoção que tinha ao cuidar das pessoas. Naruto não combinava com aquelas feições duras e magoadas, ele não deveria estar sob sombras escuras, porque era evidente o quanto brilhava. E presenciar sua tristeza fez meu subconsciente se agitar. Deveria falar com ele? Fazer algo para ajudar? Esperar que agisse primeiro? Como eu podia suprir o que ele necessitava se nem conseguia entender e administrar minhas próprias dúvidas e emoções? Cultivar laços era uma tarefa árdua demais.

           Abri a boca, querendo dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Só desejava lhe arrancar daquela névoa de tristeza. Acho que reconhecia a compaixão que crescia em mim. Era como ver Akemi se chatear por ver os cigarros no chão do meu quarto ou a dor nos olhos dela quando eu não estava bem. Mas pensar sobre isso me fez sentir um medo crescente. Era impossível que ele despertasse sensações parecidas com as que ela despertava. Sabia que jamais podia amar um desconhecido como amava minha mãe, pois era um relacionamento único e familiar. Mas então por que aquilo estava acontecendo? Por que eu sentia o mesmo desespero subir-me à garganta ao ver a expressão triste manchar o riso daquele rosto? 

          Talvez pela minha demora, as mãos dele afrouxaram e enfim soltaram meus braços. Seu olhar entristecera ainda mais e isso fez minha garganta fechar. Não! Não podia deixá-lo pensar que eu não me importava com ele, porque... porque não era verdade. Mas que droga, Uzumaki, eu me importo. Não podia botar a frase em palavras, mas cada letra parecia estar gravada em meu cérebro e eram reais. Suspirei internamente. Sentia-me tola por não conseguir expressar nada, por ser tão ridiculamente mundana. Havia perdido minha vida, afundara-me mais do que podia aguentar e agora só restavam sobras do que eu poderia ser. O loiro merecia que eu fosse diferente por ele, por ter sua amizade. Era uma pessoa boa demais para meu círculo social extinto. Em tantos anos, Naruto era a segunda pessoa por quem eu admitia querer cuidar. Aos poucos, o garoto fora encontrando maneiras de reviver coisas adormecidas em mim e isso fizera com que eu mantivesse um respeito por ele. Sentimento esse que contribuíra para vários outros nascerem, como por exemplo, a confiança. E sabia, então, que estava quebrando as regras idiotas. 

            Eu, Hyuuga Hinata, tinha um melhor amigo por quem zelava, de modo torto, mas verdadeiro.

           Certo, seria mesmo possível? Eu responderia que não, se fosse uma pergunta de um mês atrás. Mas agora era inegável. Estava tão perto de mudar as linhas já sempre tão premeditadas da minha vida que não podia acreditar. Até a noite anterior, tudo parecia irreal demais. Bom demais. Mas as coisas nunca podiam funcionar de verdade. De algum modo, o destino conseguia me tirar o sorriso, me derrubar e derrotar. Sempre que estivesse escalando os tijolos de meu próprio poço, a vida me afundava novamente, impedindo-me de seguir, de realmente viver. Por tanto tempo que nem podia contar, havia apenas existido como uma carcaça vagando por aí. Agora eu tinha momentos em que sentia que não era falso, não, não era. Eu tinha... amigos. Eu podia sorrir. E acima de tudo, eu podia amar. Uma forma diferente de amor, talvez o tipo de sentimento que eu teria nutrido no passado, se tivesse outros amigos. 

         Mas estar sob as garras do destino outra vez me fez retroceder. Havia enterrado à mim mesma por conta própria e apesar de isso ser extremamente difícil, sabia que para alguém como Naruto, a escuridão não podia ser suportada. E ele havia me visto, afinal de contas. O que teria passado pela cabeça do garoto ao ver a melancolia emanar de sua suposta amiga? É claro que eu  não havia contado nada sobre mim para ele. Tudo o que sabia era o que eu mesma havia descoberto ao lado dele. Talvez a mágoa que rondava os olhos e o coração do loiro tivesse fundação em minha falta de sinceridade. Bom, não era uma deslealdade, entretanto. Eu só queria protegê-lo. Mas este fato jogava sobre mim um peso que não podia deixar de lado. Se a tristeza que possuía aquele homem foi gerada por minha culpa, então era meu dever retirá-la. 

         Acima do medo e da insegurança que sentia, resolvi respirar fundo e me lembrar de como era cuidar de uma pessoa. Era o que ele fazia comigo e com todos. Não devia ser difícil. Se o garoto cultuava esse jeito de ser de forma tão nobre, então deveria ser algo bom. Cuidar poderia pesar muito, mas algo me dizia que era o fardo mais gratificante que se pode carregar. Enfim clareando um pouco a mente, decidi honrar o amigo que tinha. 

         A amizade é como um cabo de guerra, em que ambos devem puxar com forças iguais, sem nunca deixar que o outro enfraqueça e se perca dos laços que os unem.

         E bom, pensando sobre isso, era claro que eu estava para trás. Procurando agir logo antes que ele pensasse mais errado ainda de minha pessoa, levantei uma mão até sua direção e toquei o peito dele. Era quente, transmitia segurança, como se tentasse me dizer que não devia sentir medo. Por que o faria, afinal? Senti-me tola outra vez e isso me fez abrir um meio sorriso. Algo dentro de mim se agitou. Uma vontade que ia além dos muros do meu egoísmo. Pela primeira vez depois de Akemi, eu realmente queria cuidar de alguém.

            Baseada nesses sentimentos, o abracei impetuosamente, deitando o rosto em seu peito e enlaçando suas costas. Expirei, finalmente contente por ter conseguido fazer algo. Naruto estava tão surpreso que demorou um minuto para reagir. O loiro voltou a respirar devagar e uma de suas mãos subiu para minha face, tocando meu queixo e puxando-o para cima. Olhei em seus olhos, vendo a confusão explícita ali.  

    - Você está me abraçando. - ele murmurou rouco, soando como uma pergunta. Entreabriu os lábios, parecendo processar aquilo. E de fato, mais uma vez, senti-me tola. O que ele devia pensar sobre mim? Aprendera com Akemi que abraços não eram avanços muito grandes em relacionamentos sociais por serem contatos naturais, mas que podiam significar muito em certas ocasiões. Se era um contato natural, a surpresa que o congelava me fez sentir culpada.

    - H-Hai... eu... - sorri amarelo, tentando disfarçar o constrangimento. - Gomennasai, Naruto-kun.

           Havia dado tudo de mim ao dizer aquilo. Estava sendo tão sincera que sentia dor. Queria demasiadamente que isso chegasse até ele, para que a tristeza sumisse de suas feições. Mas seus olhos pareceram ficar nostálgicos de um jeito profundamente sentido. 

    - O que você tinha na cabeça, Hinata? - ele sussurrou angustiado. Por um minuto, pensei que ele fosse estourar, mas não. Fechei os olhos, sentindo que perguntas viriam atrás daquela. Eu não queria magoá-lo, mas era uma decisão sem saída. Se contasse mentiras, o faria, mas se contasse algumas das obscuridades do passado que me levavam a optar por meios de esquecimento, o resultado não seria diferente. Suspirei.

    - Por que você não me diz? - ele continuou sussurrando. 

    - Porque dói. - respondi no mesmo tom, deixando a verdade fluir por minhas palavras. 

    - Eu sei que você esconde algo, Hinata... Por que você não confia em mim? - acusou dolorosamente. De olhos fechados, deixei uma lágrima escapar. Ergui uma mão e toquei no rosto dele, tentando não fugir do plano inicial de cuidar das feridas que havia aberto naquele coração puro. 

    - Eu confio... Eu...

    - Você não me contou. E eu tive que te seguir como um louco para te achar naquele estado. Tive que ir atrás da verdade sozinho, porque você simplesmente se excluiu. Você... - ele parou de falar tão ligeiro e arfou baixinho. E eu senti, ele estava prestes a chorar. - Você está me deixando para trás agora ou sempre deixou? 

        A acusação me fez abrir os olhos e eu vi a mágoa latente nos olhos azuis molhados. Recuei, sentindo o choro subir para minha garganta. O nó se firmou e eu sabia que não conseguiria aguentar. Virei para a janela, deixando que minha expressão se desmanchasse. Solucei uma vez, sentindo o peito vibrar com outros à caminho. Minha cabeça protestou por estar chorando novamente, mais tarde sofreria com enxaqueca durante o restante do dia.

    - Eu...

    - Você pede desculpas e me evita como se não quisesse admitir. Então é isso que está fazendo, está tentado me dizer que está me deixando? - ele perguntou. Inspirei o ar, evitando que o próximo soluço viesse. 

    - Eu não estou te evitando. - sussurrei entrecortado.

    - Então olhe para mim, Hinata! - ele aumentou o tom de voz, a angústia que suas palavras transmitiam fazia meu coração se agitar. Mordi o lábio ao me virar de volta, obrigando-me a ficar em seu campo de visão.

    - É difícil. - tentei dizer, apertando os olhos fechados. Estava fazendo errado, eu sabia, não estava cuidando como deveria. - Eu nunca conversei assim com ninguém antes... e eu estou tentando...

    - Está tentando?

    - Tentando cuidar de você. - completei, setindo-me sem ar. Ele ficou em silêncio e eu abri os olhos para vê-lo. Sua expressão denotava surpresa e comoção. Com certeza não esperava por aquilo e eu não sabia dizer se este fato só aumentava minha carga de culpa ou me deixava envergonhada. 

    - Cuidar de mim? - ecoou, soando fraco e pensativo. 

    - Não estava tentando me afastar... não mais. - sussurrei, abaixando o rosto para encarar meus pés minúsculos e descalços. Inspirei o ar, tomando-o como se fosse minha coragem. - Eu tentei antes, cogitei muitas vezes, mas você ficou. E agora é diferente, eu confio em você, Naruto. Eu não quero estar sozinha e isso machuca tanto! Porque eu não possuía nada disso e as pessoas me magoaram, elas... elas foram matando o que eu era assim como... eu... - busquei por palavras, mas não podia fazê-lo. Havia falado rápido demais, mas fora o mais verdadeiro que consegui. Me abrir nunca fora uma tarefa fácil, aliás, eu nunca a praticara realmente. 

         Senti um suspiro vir dele e então suas mãos começaram a me tocar, dando a entender que me abraçaria. Mas não, ele não tinha que tomar conta de mim como sempre fazia. Era minha vez, eu havia sido fraca e o expus àquela atitude podre. Eu havia feito a tristeza se estampar em seu rosto. Nunca pensava muito se machucava as pessoas, porque as evitava, mas eu cuidaria do meu estrago. Tirei rapidamente suas mãos de cima de mim e neguei com a cabeça, soltando o ar antes de voltar a olhá-lo.

    - Eu vou cuidar de você. - murmurei tímida, enfatizando a palavra "eu". 

    - Mas parece que é você quem precisa de cuidados. - respondeu, tristonho. Dei outro meio sorriso e segurei firme suas duas mãos.

    - Naruto, eu estivesse assim por tempo demais. Já faz parte de mim. Mas você não. E eu não quero ver essa tristeza nos seus olhos, eu não posso. - respondi, sentindo o quanto a realidade de minhas palavras modificava algo dentro de mim. Subi meus dedos para sua face e a toquei suavemente, deslizando-os pela pele um tanto áspera devido à barba recém tirada. Com a outra mão, levei-a da mesma forma e tomei o rosto, abraçando-o com os dedos enroscados nos fios louros. Ergui-me na ponta do pé e o abracei com o corpo também, imitando o modo como dançamos pela última vez. Naruto suspirou e deixou os braços se fecharem em minha cintura. - Gomennasai. Não queria ter fugido ontem, eu não queria ter soado tão rude. Eu estava assustada porque sentia coisas estranhas. - sussurrei, sentindo-me aliviada por poder dizer. Comecei a sentir as pernas cansadas e meus lábios se projetaram para cima. - Eu quebrei o salto idiota e agora você é absurdamente alto outra vez. 

         E finalmente seu riso preencheu meus ouvidos. Fora baixo, mas eu ouvi e isso me encheu de esperança. Talvez eu estivesse certa em querer cuidar dele. Não havia muitos risos que me despertavam aquele prazer, mas o dele era um. Me fazia sentir bem, contagiada, inspirada a querer ter um riso para chamar de meu. 

    - Sem problemas. - ele murmurou, reforçando o aperto ao redor da minha cintura para me levantar e deixar meus pés suspensos. - Está bom agora?

    - Você sempre tem que esbanjar sua altura, não é? - sussurrei, suspirando. Senti o peito dele vibrar em outra risada baixa e sorri também.

    - E você sempre tem que sustentar essa parede entre você e o mundo? - perguntou. 

    - Akemi e eu achávamos bom até um tempo. Mas depois ela tentou mudar isso. - murmurei, suspirando pesadamente. - Acho que não sei tentar sem ela. 

    - Então você precisa aprender agora. Não está sozinha, Hina. Eu acho que sou grandinho o suficiente pra você notar o quanto eu estou o tempo todo diante de você. - respondeu, num humor sutil ao fazer analogia à sua altura. Afastei o rosto, roçando nossas bochechas. Ele estava perto, muito perto, mas procurei administrar meu receio. Sorri, fechando os olhos e encostando minha testa na dele. 

    - Eu não estou mais sozinha, é... - disse, talvez baixo demais. Naruto expirou, banhando meu rosto com seu hálito quente. Abri os olhos novamente e vi a resposta naquelas duas piscinas azuis. 

           Não, eu não estava sozinha. O fato de ele estar sempre encontrando o jeito certo de lidar comigo evidenciava isso. Mesmo estando angustiado para encontrar respostas, ainda tentava amenizar a tensão de alguma forma. Como se entendesse a magnitude e o peso das palavras que me pedia para proferir. 

    - Estou aqui. Me deixe entrar, Hinata, me deixe conhecer seu mundo. Eu prometo que não soltarei sua mão. - sussurrou. 

    - Não é um universo muito bom. - avisei com um sorriso tristonho. 

    - É o seu universo. E gora você não tem ideia de como faz parte do meu. - o loiro interrompeu, parecendo agitar-se um pouco. Sustentei seus olhos e ele entreabriu os lábios. Parecia querer dizer algo, mas não o fez. Aproximou seu rosto ainda mais, fazendo com que milímetros separassem nossas bocas. Eu congelei, estranhando o motivo de ele estar subitamente tão perto. Era uma atitude importante, eu lembrava de poucas conversas com Akemi sobre o toque de dois pares de lábios. Sempre que víamos na televisão ou das vezes em que eu avistava um casal na escola, dúvidas me cercavam, mas minha mãe apenas tinha compartilhado sua crença de que um beijo só deveria significar um tipo de amor especial. Nunca havia tocado os meus em outro, mas imaginara algumas coisas, tentando medir o que o sentimento carregava. Mas ali, parecia diferente de tudo o que pensei. Entretanto, eu sabia a resposta.

             Eu era vazia. E agora eu estava cheia. Cheia de alguma coisa forte, poderosa, que me transformava em alguém que jamais havia sido. 

             Mas nossos lábios não se tocaram. 

          Naruto afastou o rosto, piscando como se estivesse em transe. Ele me desceu ao chão devagar, sem desfazer o abraço e expirou o ar como se lhe estivesse sobrando aos pulmões. Mantive os olhos fixos nele, intrigada pela descoberta daquilo.

    - I-Isso era para ser um...? - perguntei baixinho de forma sugestiva, estranhamente ansiosa pela resposta. Naruto sorriu de canto.

    - Era, mas não agora. - respondeu. Arqueei as sobrancelhas.

    - O que você quer dizer? 

         Uma de suas mãos afagou meu cabelo e então ele se afastou, dando um passo para trás.

    - Um dia, talvez, eu lhe dê isso. Se você quiser. - murmurou, coçando a parte de trás da cabeça. Pisquei, atônita.

    - E-Eu...

    - Ei, ei. Shhh... Não, não precisa, ok? Eu sou seu melhor amigo e hoje eu quero te ouvir. Vem comigo, Hina, e me mostra o seu universo? - pediu, pegando minha mão. 

        Avaliei seus olhos sinceros e naquele momento tentei entender o que aquele garoto era. Alguém que cuidava, me apresentava a vida, insistia em ser meu amigo e me ensinava o que era ter uma amizade. Mas ao mesmo tempo, olhava-me como se não tivesse pressa em fazê-lo, tocava-me como se eu fosse uma boneca frágil e quebradiça e há um segundo atrás quisera fundir seus lábios aos meus como se isso o consumisse de verdade. Por que? Por que ele parecia confuso, mas nunca me deixava ser afetada por isso? 

        Balancei a cabeça discretamente. Independente do que eu fizesse, nunca saberia cuidar como ele. E ainda havia a ansiedade que me tomara. Em partes, eu queria matar a charada e entender por que era tão importante consumar aquele ato. Mas eu não sabia nada sobre os sentimentos que o envolvia e não queria perder a honestidade daquilo. Parecia uma atitude sem volta - e era -, de modo que escolher Naruto para realizá-la talvez não fosse seguro. 

        Porque o Uzumaki era inegavelmente demais em tudo. E de certo modo, algo me dizia para sentir medo do que o selar de nossos lábios poderia significar. Ao invés de deixá-lo esperando outra vez, eu apenas tomei um gole de coragem e apertei seus dedos. Cederia um pouco de minha teimosia e lhe daria as marretas para destruir a muralha que com tanta insistência eu levantara para esconder o que havia por trás das grandes pérolas. E assim aceitei que o passado viesse à tona.

    - Tudo começou há uns onze anos atrás... 

                                                                                              ***

                      Estávamos sentados no sofá branco da sala de televisão já fazia quase uma hora. Naruto esperava saber o máximo que podia sobre mim, mas eu hesitava em revelar. É claro que não diria tudo, não podia e, na verdade, não era minha obrigação. Pensava que podia manter o mínimo de individualidade também, mesmo que ele merecesse respostas. Comecei falando sobre a infância e acho que isso o assustou. O Uzumaki tinha a consciência de que eu não era uma pessoa normal, mas ele não imaginara que eu tivesse visto seres especiais desde tão cedo. Enxergar o fantasma de alguém muito próximo pode ser considerado uma coisa aceitável para uma alma frágil. Mas esse não era o meu caso, infelizmente. Entretanto, já fazia muitos dias que este "bônus" não aparecia para mim. Tinha visto Akemi no campus da escola na minha primeira aula de educação física, mas depois ela parecera adormecer em minhas memórias. Ao mesmo tempo em que isso me dava medo, me aliviava. Era bom poder pensar que não era uma aberração, afinal, isso havia me destruído no passado.

                      Mas sobre esse assunto, Naruto não reagiu negativo como pensei que fosse. Ele me lançou um olhar profundo, talvez tentando acreditar como uma pequena criança passara por tantas coisas traumáticas. Seus olhos solidários caíram sobre mim como se me dessem um abraço e eu gostei disso. Quando estava diante daquelas águas cristalinas, de alguma forma, era como estar em casa outra vez. 

    - E essas pessoas que você via... Como era isso? Você se comunicava com elas? - perguntou. Suspirei. 

                 Contei-lhe sobre o episódio em que machucara Jake, o intercambista. Aproveitei para justificar meus devaneios da mesa do almoço e ele pareceu compreender. Meu medo sobre bailes sendo entendido como não pudera ter sido antes. Naruto assentiu pensativamente, mas então ficou tenso.

    - Você induziu aquela imagem à atender aos seus pedidos. - murmurou para si mesmo.

    - Eu nunca tinha feito isso e nem sei se era de verdade. Talvez ela tivesse ficado brava por Jake ter permitido aquela estupidez... - defendi-me, sentindo as mãos suarem. Não podia admitir que eu possuísse culpa por algo que, na verdade, só destruía à mim. Não queria que fosse real, porque acabar comigo mesma era ainda pior do que ver os outros tentando fazê-lo. 

                     Isso me fazia lembrar dos olhares amedrontados de Aiko e Mayumi para mim desde que me mudei para Tokyo. A mãe de minha meia-irmã tinha convicção de que eu era uma má pessoa, uma garota perturbada que deve manter distância de sua filha perfeita. O que, para falar a verdade, não era ao todo ruim. Eu não tinha simpatia por Mayumi, nem ela por mim, mas ser excluída sempre doía de alguma forma. Suspirei internamente, cansada de pensar sobre isso. 

    - Ei. - o loiro chamou baixinho. Ergui o rosto, olhando-o. - Eu não vou pensar que você é um monstro, nem que seja louca ou o que for. Continuo vendo a mesma menina, a baixinha Hinata por quem eu adoro disponibilizar meu precioso tempo. - brincou, sorrindo de leve. Fechei os olhos, encostando-me no sofá. 

    - Não tenho tanta certeza. - respondi. 

    - O que você está pensando? Não vou te deixar sozinha, Hina. - assegurou. Neguei com a cabeça.

    - Não é assim, Uzumaki. As pessoas rejeitam o que não podem compreender. O que desafia a ciência não é bem visto pelo mundo. 

    - Eu não sou um cientista e tampouco me sinto reprimido por estar diante de algo que não entendo. Pelo contrário, eu me sinto motivado. Quero descobrir isso junto com você, Hinata, eu quero te ajudar. - insistiu. Abri um dos olhos, fitando-o de canto. A expressão do garoto transmitia que aquilo não era um blefe de sua parte, mas eu ainda não confiava totalmente. Embora soubesse que ele não me faria mal como os outros, talvez não pudesse carregar todos os fardos só por se dizer meu amigo de verdade. Não podia lhe deixar à mercê de tudo e me basear em minha confiança, porque não se resumia apenas à mim. Afinal, havia decidido cuidar dele e sua opinião estava na linha de frente também. 

    - Você pode tentar agora, mas não sabe se conseguirá administrar isso futuramente. - murmurei, fechando os olhos novamente. 

    - Ninguém sabe sobre o futuro, Hinata, nem mesmo você. Por que se importa tanto com o que nem existe ainda? Estou me dispondo à te ajudar por escolha própria, não é um juramento de vida ou morte, é apenas um amigo querendo estar ao lado de sua amiga. 

                   Pensei sobre o que ele falou e me senti cansada. Naruto não estava fazendo pouco caso de minha situação, mas conseguia simplificar as dificuldades que apresentava. Ele realmente acreditava que conversarmos não era complicado e queria me transmitir isso. Não era apenas interesse, só por curiosidade mórbida, e eu devia tentar corresponder-lhe por estar certa disso. Já tinha iniciado o assunto e não poderia fugir. O cansaço que sentia tomou um significado diferente: eu estava cansada de me esconder. 

                  Endireitei-me no sofá e balancei a cabeça, expulsando a negatividade de dentro de mim. 

    - Tudo bem. - concluí, olhando-o. Naruto abriu um sorriso amigável e eu assenti. - Depois de descobrir sobre as pessoas especiais, ou seja lá o que forem, eu comecei a me sentir diferente. Desde cedo não era muito agitada e Akemi percebera isso. Ela tentou suprir o que achava que eu precisava sozinha, mas não podia me proteger do mundo. Com o tempo, a solidão foi se tornando sólida em minha vida e eu já não conversava com os outros. Não participava de grupos estudantis, nem de aniversários, não brinquei com vizinhos, nem dividi o lanche da escola. Porque toda vez que eu tentava me aproximar, não conseguia fluir nada. Tinha medo de tentar ser normal, porque sabia que não era e sabia que nunca poderia ter algo verdadeiro, teria de manter meu segredo para não ser tachada de louca. - suspirei, sentindo o peso do sentimento que guardava há tanto tempo. - Isso se confirmou mais tarde, quando a inocência que tinha começou a se perder. Algumas meninas viram eu conversar com uma das miragens que via e então o pesadelo se tornou pior. Ouvi Akemi dizer para uma professora que o que faziam comigo era bullying, mas pouco me importava qual nome aquilo tinha. As mudanças já ocorriam dentro de mim, aos poucos fui congelando e aguentando, ano após ano, todos os tipos de piadas, brincadeiras idiotas e a quase palpável exclusão. Mas no dia em que a mulher que seguia Jake o machucou, foi como tirar o pino de uma granada. É claro que a explosão era iminente e as pessoas passaram a sentir medo de mim. Passei de aberração à monstro. Talvez poderia ter sido diferente se eu fosse forte, mas eu estava convencida de que era exatamente aquilo que diziam. E então... - parei de falar, sentindo os olhos arderem por lágrimas que viriam. 

    - Você conversava com sua mãe? - Naruto perguntou baixinho. 

    - No começo sim, mas depois não conseguia. Não podia porque ela... Ela dava tudo de si para me ver melhor e eu não queria decepcioná-la. - murmurei, engolindo em seco. O choro veio silencioso, banhou minhas bochechas e escorreu até o queixo. 

    - Não sou sua mãe, nem posso suprir a ausência dela. Seria estranho se eu o fizesse. Mas talvez isso tenha uma vantagem, sabe?  Você não precisa ter medo de me decepcionar. - disse ele. Seu tom de voz era cauteloso, media as palavras de modo suave e carinhoso. 

    - Eu não quero lhe fazer pensar que deve suprir a ausência dela. - sussurrei, fungando. Ergui as pernas no sofá e as abracei, escondendo o rosto entre os joelhos. - Vocês dois são únicos, não podem ofuscar a importância um do outro. Desculpe se não lhe deixei certo sobre o que penso. 

    - Não! Não é isso. Nunca pensei que estivesse tentando encontrar sua mãe em mim. E-eu... - ele se interrompeu, parecendo confuso sobre o que dizer. Suspirou e senti sua mão tocar meu cabelo. - Só talvez você possa buscar o mesmo conforto.  

               Ergui a cabeça para fitá-lo. O loiro abriu os braços e sorriu com o canto dos lábios. Seus olhos pareciam as termais que eu sempre pensava encontrar na tonalidade azul límpida e suave. O sorriso foi brotando entre as lágrimas espontaneamente assim que compreendi o que ele queria dizer. O abracei impetuosamente como outrora, ajoelhada no sofá. Descansei o queixo em seu ombro quente e senti aquele gesto me invadir. O abraço preencheu meu ser como se alcançasse minha alma. Como podia explicar o nascimento de sensações como aquela em um coração tão obsoleto? Talvez pudesse usar a metáfora de um peixe fora d'água finalmente sendo posto no mar. E bom, de certa forma, fazia o sentido. Talvez eu pudesse ser uma ostra pequenininha bem no fundo do oceano dos olhos dele. Sei que ele guardaria bem as minhas pérolas e o que elas me faziam lembrar. Íris que antes representavam uma maldição por me fazerem lembrar tanto dela, hoje parecem mais como uma espécie de epitáfio para uma heroína digna de orgulho. Milagrosamente, não me sentia mais triste por reconhecer a morte de Akemi. Não justificava minha vida de agora com a perda de minha mãe, mas se não fosse por essa lástima, jamais teria, de fato, vivido. Não estaria aqui, destruindo tantos cadeados de mim mesma e não teria conhecido o Uzumaki. Não sabia dizer se ele era um presente para me 

    ajudar a superar a morte de minha mãe ou a minha própria morte. Mas independente do que fosse, a magnitude de tê-lo como meu amigo se sobressaía a qualquer tranca e qualquer medo que tentasse obstruir meu caminho. 

    - Agora você abraça, é? - ele brincou, sua voz sendo abafada pelo meu cabelo. Eu ri, ainda chorosa. 

    - Parece que sim. - respondi. 

    - Como isso foi acontecer? - perguntou, fingindo incredulidade.

    - Você aconteceu. - respondi, suspirando. - Você está fazendo um milagre acontecer, então considere-se orgulhoso deste feito. 

                 Naruto se afastou, encostando-se no sofá. Olhou bem no fundo dos meus olhos como se estivesse absorvendo minhas palavras diretamente dali. Ele abriu um sorriso aos poucos, tal como o sol ao amanhecer e então eu me dei conta do quanto ele era, de fato, lindo. Mas não me referia à uma beleza simples e meramente externa, não. O Uzumaki transcendia a pureza que partia de sua essência com cada laço afetivo. Era como acreditar em uma concepção exclusivamente benéfica de Nárnia, em que seu portal fosse o quadro mais bonito de todos. Convidativo, surpreendente, inesquecível. O loiro segurou uma de minhas mãos e a apertou gentilmente, dando a entender de que queria dizer alguma coisa.

    - Um dia você vai lembrar disso tudo e vai rir. Eu espero estar por perto para poder gargalhar contigo e celebrar a sua vitória. Não estou caminhando nessa sozinho, embora eu esteja tentando te ajudar, você só está progredindo porque está se permitindo progredir. Eu acredito nisso, de verdade. Talvez seja por gostar tanto de te ver sorrindo que queira parar de vê-la chorar, Hinata. Não combina contigo, uma pérola precisa brilhar, não é? 

              Assenti de cabeça baixa, olhando sua mão grande cobrindo a minha. Queria acreditar nas palavras tanto quanto ele, porque sua insistência deveria significar alguma coisa. Na verdade, ela podia significar que ele está certo, que eu vou passar por todos os anos sem me agarrar ao torpor de meu limbo e que um dia até poderei rir de todo esse sofrimento. O que, olhando para nossas mãos naquele momento, fazia-me pensar que essa hipótese não estava tão longe. Ele segurou meu queixo, erguendo meu rosto para que eu o olhasse.

    - Não perca quem você é dentro de toda essa dor, Hinata. Não tenha medo ou vergonha de mostrar as cicatrizes que adquiriu em sua jornada, porque isso não é errado. As pessoas se machucam e também ferem umas as outras, ninguém nunca garantiu que a vida seria isenta de coisas ruins. Não posso e nem desejo medir essa dor, mas eu posso tentar amenizá-la. Eu preciso te dizer uma coisa também, talvez assim você se sinta melhor. 

             Olhei em seus olhos, estimulando-o a continuar. O loiro suspirou, não me encarando de volta. 

    - Perceber essa dor em você ontem foi muito difícil. Eu meio que a senti também e isso me deixou ferido, acuado, com medo do que poderia significar. Mas ai você me fez ver que o que precisava era de cuidado, de proteção, mais do que eu já acreditava precisar. E eu te coloquei nos meus braços, te trouxe para cá e pedi para minha mãe te emprestar outras roupas. Deitei aqui nesse sofá e eu soube que teria que lhe dar o que estava faltando. De algum jeito eu teria de fazê-lo. Serei o que você quiser, o que você precisar que eu seja, Hinata, até que eu possa ver a luz voltar aos seus olhos. Porque eu não posso te ver sofrer, nem por coisas do passado e nem por coisas novas. - ele engoliu em seco e finalmente botou os olhos nos meus. Eram olhos angustiados, mas esse sentimento transmitia o quanto era importante para ele cumprir com suas palavras. O Uzumaki não sabia o quanto eu desejava que ele realmente fosse o que demonstrava. Talvez fosse certo egoísmo de minha parte, mas não queria perdê-lo. Apertei a mão que ainda repousava junto à minha e encarei os orbes azuis de volta.

    - Só seja você... e fique. - murmurei. Ele sorriu de leve e assentiu, puxando-me para perto. 

            Nossas testas se tocaram novamente e nos encaramos, como se estivéssemos sintonizados numa mesma frequência. Naruto afagou meu cabelo um tanto desgrenhado e abriu mais o sorriso.

    - Eu não vou sair daqui, baixinha. Seu guia, lembra? - sussurrou. Eu lembrava e para falar a verdade, nunca havia esquecido de nada que partisse dele desde o primeiro momento em que nos esbarramos. - E por falar nisso, nesse momento eu te guiarei para a uma tigela bem reforçada de ramen, senhorita. 

            Eu ri, deixando o som correr livre pela minha garganta. Nós nos distanciamos e percebi que estar próxima já não me incomodava tanto. Eu havia associado aquele garoto à minha nova personificação de lar. O loiro se levantou e me ofereceu a mão para me ajudar a fazê-lo também. Pelo horário, Kushina deveria ter nos chamado, então ele apenas estava adiantando as coisas. Deixei que me levasse até a mesa de refeições e ao chegarmos na cozinha, vi os pais dele dançando uma música que tocava em um rádio vermelho acima do microondas. O patriarca girou sua ruiva em um círculo enquanto ela ficava corada e ria, ainda segurando uma colher de pau na mão. Eu abri um sorriso involuntário e ao olhar para cima, vi que Naruto tinha o mesmo tipo de riso direcionado à mim. Fora como combinar o ato sem saber e nós apenas nos olhamos, ligeiramente enrubescidos. E só então que o casal apaixonado notou a presença de nós dois no cômodo. 

          Kushina abriu os lábios em um O e suas bochechas tornaram-se mais rosadas. Mas Minato apenas deu de ombros e beijou o topo da cabeça ruiva. Tão doce! Aqueles três eram a melhor representação que eu tinha de uma família feliz e isso era reconfortante, se pensando pelo lado acolhedor dos Uzumaki ao se tratar de "agregações". E lisonja era o mínimo a se sentir uma vez aceita naquela casa. 

    - Crianças, eu já iria chamar para o almoço. - disse a mulher. Corei por ela, assentindo. Ainda valia ressaltar que estava de pijama, embora não soubesse qual opção disponível de vestimentas para mim fosse menos constrangedora naquele momento. Naruto direcionou sua atenção para a grande panela que repousava sobre o fogão e inspirou o aroma como se fosse sua colônia favorita. 

    - Eu pressenti. - respondeu, andando até seu lugar à mesa. Ele sentou-se e eu o segui, ocupando o assento ao seu lado para que pudéssemos enfim tomarmos a refeição que tanto ouvíamos o loiro tagarelar sobre. 

          Contive um sorriso ao pensar nisso e peguei os hashis. Olhei para o grupo que se formou ao redor das tigelas e, admirada, senti-me grata por ter tido tal oportunidade. Talvez o destino fosse mesmo uma questão de escolha e não necessariamente apenas karma, afinal. Pois se este fosse o caso, eu sabia: jamais escolheria outro lado, se não os Uzumaki. 

                                                           ***

                    *FLASHBACK*

               Saí pela grande porta ávida para chegar em casa. O céu nebuloso quase abraçava o sentimento que se apossava de mim. A raiva poderia ser palpável, tanto quanto o medo, todos os dias. Era uma parte difícil de entender, porque teoricamente deveria me acostumar a isso, mas quanto mais eu obtinha o entendimento e maturidade sobre o assunto, mais conseguia senti-lo. E isso definitivamente crescia junto comigo. Ouvi algumas risadas ao longo do estacionamento e apenas apertei a mandíbula, tentando ignorar. Passei por um grupo de jovens próximos aos portões, pensando que seria a última risada a ser ouvida naquele dia, mas um dos garotos me deu um empurrão, fazendo-me oscilar os passos. 

    - Ei - gritou, ganhando risos de seus amigos. Ele se inclinou sobre mim com as mãos acima da cabeça, fazendo uma cara de idiota. - Uuuuuuuh. - foi sua tentativa de imitar um fantasma. A milésima que eu recebia em uma semana. Suspirei e me virei para continuar a caminhar, mas o garoto agarrou meu braço e me fez girar. 

    - Vai sair assim, é? - perguntou em tom ameaçador, inclinando-se sobre meu rosto outra vez. Ele lambeu o lábio inferior e abriu um sorriso frio e faminto. - Para uma bruxa, você até que é bem gostosinha. 

              Arregalei os olhos. Não tinha ouvido coisas como aquela até então, embora o apelido "bruxa" fosse comum. O garoto riu diretamente sobre meus olhos para em seguida me largar com grosseria, fazendo com que eu caísse no chão molhado e lamacento. Seu grupo de imbecis começou a rir como se aquele gesto fosse extremamente engraçado. Mas não tinha graça alguma, pois dentro de mim a raiva se alastrava como um veneno. O sentimento crescente fazia-me almejar apenas duas coisas: matar ou morrer. Desejos animalescos que me faziam sentir vergonha, em momentos mais lúcidos, mas que me confundiam em 95% do tempo. Não havia muita diferença entre um e outro, o que era preocupante. O que poderia ser pior? Desejar a morte de alguém ou a minha própria? 

             Em inúmeras vezes momentos como aquele faziam-me querer sumir, mas só o que eu fazia era levantar e sair correndo como um cãozinho assustado, o que aumentava ainda mais a diversão de meus perseguidores. A verdade era que assim como possuía raiva por passar por tudo isso, eu também sentia medo. Olhar nos olhos hostis das pessoas me deixava encurralada entre os dois sentimentos, de modo que tomar qualquer atitude nunca dava certo. Era como estar em mar aberto sem saber nadar, tentando fugir de tubarões, mas com medo de tentar vencê-los. Frustrada, levantei trêmula e disparei uma corrida para longe deles. Naquele dia Akemi estava ocupada com o trabalho e não podia me buscar, então fiquei esperando o ônibus passar. Vários outros adolescentes embarcavam comigo e enquanto esperava com o corpo trêmulo de raiva, frio e medo, vi seus olhares de canto sobre mim e cochichos desgostosos. Apertei os olhos, tentando impedir que lágrimas 

    escorressem. 

            Quando a condução chegou, apressei-me para dentro e sentei no primeiro banco de apenas um lugar. O máximo que podia ficar distante era sempre bem-vindo e acho que todos concordavam comigo. Os jovens passaram me olhando e ocuparam seus assentos ainda com cochichos. A chuva começou a cair e batia contra as janelas como se tentasse entrar e chorar junto à mim. Minhas memórias insistiam em vir à tona enquanto a melancolia me envolvia. A hostilidade, as zombarias e agressões, tudo contribuía para abrir um buraco em meu peito. Estremeci, sentindo aquele abismo dentro de mim mesma, convidando-me à queda. Abracei meu próprio corpo, sentindo um calafrio. Com os olhos fixos no chão, comecei a contar mentalmente quantas vezes havia sido vítima de tantas lástimas. O burburinho dentro do ônibus incomodava meus tímpanos, que pediam socorro tal como meu coração e mente. Já não aguentava mais, já não queria mais ter que me sentir daquela forma. Por que... por que eu apenas não podia pular do abismo? 

    - Ela parece uma maluca, não é? - cochichou alguém atrás. 

    - Sim, minha mãe disse pra eu não olhar nos olhos dela. - comentou outra.

    - O Hiroki disse que ela é uma bruxa. 

    - E você acredita nisso?

    - Não sei. 

              Suspirei. Havia perdido a conta. Irritada pela interrupção, levantei do assento e olhei para trás, vendo duas garotas com olhos assustados. Senti a raiva pulsante, ao mesmo tempo em que sentia medo de cultivá-la. Eu queria fazê-las engolir as palavras, eu queria destruir cada cínico sorrisinho. Eu queria esquecer que todos eles existiam, eu queria esquecer meu nome. Eu queria morrer. Estremeci mais uma vez, precisando satisfazer o que me envenenava. Meus lábios tremiam e uma voz em minha cabeça parecia sussurrar que eu merecia esquecer. Uma das garotas ao lado se levantou e caminhou cautelosamente até as outras duas à minha frente.

    - Ei, o que você quer? - perguntou ríspida. A encarei com os olhos ardendo, enquanto todo o meu corpo começou a tremer. Por que tantos olhares? Tanta raiva, tanto medo, tanto desprezo. Por que não havia ninguém que conseguia me olhar com outros olhos? Apertei as mãos em punho, o paradoxo me apertava como correntes, minha mente estava turva como o céu chuvoso. O primeiro soluço veio entrecortado, machucado e tímido como um gatinho abandonado. Apertei as unhas contra a palma da mão, tentando controlar a vontade de condená-los ao meu karma junto comigo. Mas isso só o aumentaria, no fim das contas. Emboscada naquela situação, senti náuseas me deixarem tonta e meu corpo parecia mole demais. Olhei para todos os lados, procurando uma saída, mas eu só enxergava rostos de medo e desprezo, além de vidraças embaçadas por lágrimas do céu. Eu estava presa e sem ar. 

             Desesperada, comecei a bater contra o vidro, gritando para que ele me desse a passagem. Mas ninguém me ouvia. Ninguém segurou meus braços, nem enxugou minhas lágrimas ou se importou em abrir a janela para mim, mesmo que fosse para eu me atirar de lá. O motorista ouviu a bagunça e parou o ônibus bruscamente, fazendo alguns jovens caírem e eu escorregar até o vidro, batendo a testa. O sangue desceu pegajoso no canto esquerdo do rosto, banhando meus cílios e fazendo meu olho queimar. O homem tentou perguntou o que estava acontecendo, mas o choque pairava sobre todos os alunos. Olhei para o lado de fora e avistei o ponto de ônibus mais perto de minha casa, então me apressei para tentar sair, empurrando o motorista contra o banco contrário e correndo para fora do veículo. Tropecei várias vezes e em questão de segundos estava encharcada. Mas não importava, eu conseguia respirar agora. 

                                                                           Destiny

             Em passos trôpegos e agitados, cheguei à entrada de minha casa pequena e simples e me atirei contra a porta, escancarando-a. Dentro do cômodo vi Akemi e seu marido Toshi conversando com um homem vestido todo de branco. Minha mãe tinha uma feição preocupada e quando botou os olhos sobre mim, quase deu um pulo de susto. Cambaleei para dentro, confusa com aquela visita. 

    - Hinata! O que aconteceu? - ela perguntou, correndo até mim e segurando meus ombros.

    - E-eu... - gaguejei, sentindo frio ao mesmo tempo em que não desejava recordar para explicar. Mas meu cérebro estava focado no olhar analisador do homem de branco. Ele vestia um jaleco que tinha o nome Dr. Yokota Naoto bordado. Já possuía evidências de que ele era algum tipo de médico, mas por que? Por que estava ali? 

    - Esta é a paciente? - o homem perguntou com um tom frio. Arregalei os olhos, afastando-me das mãos de Akemi. Minha visão oscilava entre os três adultos presentes no cômodo, procurando respostas para o que significava aquela reunião. 

    - Paciente? - ecooei, ofendida. Eu não estava doente, então por que deveria ser paciente de alguém? Akemi se aproximou com calma, os olhos temeroros.

    - Querida, o doutor Naoto quer cuidar de você um pouquinho. - murmurou carinhosamente. Recuei até o hall novamente, balançando a cabeça.

    - Do que você está falando?

    - Você precisa de uma atenção especial, querida. - disse minha mãe. Senti as lágrimas se formarem em meus olhos outra vez, deslizando suavemente pela bochecha suja de vestígios de sangue. 

    - Não se preocupe, menina, o tratamento irá ajudar. - disse o médico. Olhei dele para minha mãe, assustada.

    - Okaa-san... - sussurrei. 

    - Minha pérola, o doutor só quer cuidar de você. - ela se interrompeu, suspirando. - O que houve contigo? 

    - Do que estão falando? - repeti, sentindo um nó subir em minha garganta.

    - Sua mãe requisitou uma visita domiciliar. Preciso te examinar, mas pelos indícios e relatos eu já posso imaginar o resultado do diagnóstico. - continuou o médico. Eu não entendia nada do que eles estavam falando, mas sabia que não se tratava de nada bom. Será que minha mãe havia se cansado de se manter presa em casa comigo? Ela tinha medo de sair para jantar com Toshi porque não gostava de me deixar sozinha em casa e os dois não me levavam junto porque sabiam que eu tinha medo de sair. Será que os dois estavam tentando se livrar de mim? Mas como? Por quê? 

    - Que diagnóstico? - cuspi, sentindo meu corpo voltar a tremer desenfreadamente. A dor se alastrou por mim só de imaginar em perder a única coisa que tinha. 

    - Sua esquizofrenia, é claro. - o doutor disse, alto e certeiro, como se isso fosse óbvio. E nesse momento, o mundo parou para mim.

    - E-esqui... zofrenia? - murmurei, deixando a voz morrer aos poucos. 

             Akemi achava que eu era louca também? A sensação de ser traída obstruiu todas as minhas vias de racionalidade e algo dentro de mim se agitou como uma fera. Meu cérebro me mandou ondas de memórias em que ouvia os risos soando livres e maldosos, atingindo-me como flechas flamejantes. De forma alguma conseguia imaginar o riso infantil e alegre de Akemi tornando-se uma das flechas a disparar contra mim. Parecia irreal, parecia um pesadelo. Juntei minhas mãos ao peito, tentando suturar a dor que queimava ali. 

    - Querida, nós apenas queremos ajudar você a lidar com tudo isso. - murmurou Akemi, soava chorosa. Ela tentou tocar em meu ombro, mas seu toque doía, sua voz doía, olhar para ela doía. Empurrei suas mãos para longe e corri para fora, dando a volta na casa. Toshi revendia bebidas e artigos de festas e em seu estoque, sempre havia alguma coisa do tipo. Pensei me me refugir ali, mas ao abrir a porta do depósito, deparei-me com outra possível solução. 

           Em questão de segundos, eu corria contra a chuva gelada, segurando um litro de alguma bebida marrom. Adentrei um campo nos fundos do quintal e deixei que a mata me abrigasse e a chuva apagasse os rastros de meus pés. Me joguei no chão empoçado e olhei para a garrafa através da cortina de lágrimas. Minhas mãos tremiam tanto que a única coisa que consegui fazer foi quebrar o bico de vidro em um tronco e derrabar em minhas roupas um pouco do líquido quente. O cheiro subiu forte até minhas narinas e sem pensar, apoiei a garrafa na boca, cortando alguns cantos dos lábios, enquanto o álcool limpava os ferimentos, ao mesmo tempo em que me sucumbia ao torpor da embriaguez. 

          E essa foi a primeira vez em meses que consegui apagar sem ser atormentava pelos pesadelos e memórias.

                                                                                 ***

               - E assim você começou a beber para esquecer o que te acontecia? - Naruto perguntou, encostado em uma árvore nos fundos da casa. Nós aproveitávamos a sombra, enquanto eu contava as teias de meu passado complexo. Assenti, segurado a grama entre os dedos.

    - É. - respondi simplesmente, tristonha. 

    - Isso era verdade, Hina? Você... você desenvolveu esquizofrenia? - seu tom de voz era tão sentido que me fez encolher os ombros. Era triste lhe contar coisas como essa, uma vez que pertencia às minhas memórias mais sombrias. 

    - Eu fui encontrada horas depois e levada para uma clínica psiquiátrica. Não acordei por um dia inteiro e depois não falei por três dias. Nem uma só palavra. O doutor Naoto tentou me interrogar várias vezes, mas eu estava vazia. Foi o tempo em que fiquei mais longe de Akemi. As enfermeiras pareciam ler as perguntas em meus olhos e diziam que o hospital não permitira visitas até que eu ficasse em condições melhores. Mas tudo o que eu entendia era que, na verdade, ninguém queria me visitar. - suspirei, fechando os olhos. - No quinto dia, vi a porta se abrir. Eu estava um tanto zonza pelos anti-depressivos, mas reconheci o rosto de minha mãe. Acho que no fundo eu queria vê-la de verdade, mesmo magoada. E só então que proferi, involuntariamente, as primeiras palavras. Eu a chamei, confusa e lembro-me de tê-la visto sorrir. Fui diagnosticava como esquizofrênica, naturalmente, mas de alguma forma eu possuía mais momentos lúcidos do que outros pacientes. E por esse motivo não ficava presa em uma maca por tanto tempo. Comecei a fumar, além de beber sempre que começava a sentir "sintomas", mas isso só agrava o quadro. Ao menos era uma boa forma de apagar o cérebro. Preferia mil vezes a embriaguez do que a morfina. Parecia mais digno de minha podridão. - parei de falar, emitindo uma única risada gutural melancólica. - Depois disso, recebi professores particulares por uns meses, mas Akemi tinha dificuldades em pagar. Voltei para a escola para poder ajudá-la, mas estar cercada de tanto ódio começou a me deixar pior. Tentei me matar várias vezes, a ideia parecia tão tentadora... como se pudesse ouvir uma voz interna me incentivando. Eu cheguei a pensar que a morte me queria mais do que eu a queria. 

    - Como... como você conseguiu mudar isso? - Naruto perguntou baixinho. 

    - Ela se foi. - disse, engolindo o nó em minha garganta. - E não sobrou mais nada. Achei que ela tivesse levado tudo consigo e por isso fiquei tão indiferente. Apenas deitei sobre esse vazio e esperei que ele me consumisse também. Mas o Conselho Tutelar bateu em minha porta alguns dias depois e disse que eu seria mandada para um novo tutor. E bom, cá estou. 

    - Como foi que ela morreu? - ele perguntou inocente. Apertei o maxilar, fechando os olhos com força. - Hina?

    - Assunto encerrado. - interrompi, brusca. Senti-me mal de imediato, mas não poderia continuar. Aquele era um assunto proibido. Ouvi um suspirar pesado vindo dele.

    - Gomennasai. - sussurrou. Abri os olhos para olhá-lo. Ele parecia  realmente triste, ainda mais do que antes, e isso fez meu coração protestar. Estiquei a mão para tocá-lo no joelho. 

    - Está tudo bem, grandalhão. - murmurei, querendo fazê-lo sorrir. Seus lábios se inclinaram para cima bem de leve e ele se virou, ajoelhando-se à minha frente. 

    - Agora você tem papel e caneta para mudar sua história, Hinata. Eu não vou deixar que sua tinta acabe. - murmurou, encostando sua testa na minha outra vez. Afagou minhas bochechas ligeiramente coradas com uma das mãos e sorriu.

    - Acho que não sei como escrever... - sussurrei.

    - Por que não saberia? 

    - Porque eu não mereço. 

                                     The Day

              Minhas palavras o deixaram confuso, mas o loiro apenas balançou a cabeça e emitiu um "tsc" como reprovação à elas.

    - É claro que você merece. 

    - Por que tem tanta convicção disso? - interroguei, sentindo os olhos marejarem.

    - Porque embora todos nós erramos, poucas pessoas conseguem admitir seu erro. Poucos sabem o valor da verdade, poucos compreendem o que é o amor, poucos o valorizam como deveriam. Poucas pessoas pedem desculpas, poucas pessoas acham que devem fazê-lo, aliás. Poucas pessoas aceitam diferenças ou até mesmo as reconhecem. E isso importa muito mais do que conseguir acertar todas as vezes. O que seria da luz se não houvesse um pouco de sombra? Quando você me conta todas as atrocidades por que já passou, não tenho vontade de correr, mas sim de me inspirar na sua força, na sua superação. Você pode até pensar que está aqui apenas por não merecer ficar em paz, mas isso não é verdade. Você está aqui porque você trilhou o caminho sozinha e conseguiu. Você não é um monstro, você não é louca, você não é uma bruxa. Sabe o que você é, baixinha? 

            Neguei com a cabeça, olhando-o nos olhos enquanto ouvia seu discurso. Naruto sorriu amplamente, sendo iluminado pela luz do sol e evidenciando o ser iluminado que era.

    - Você é uma jóia rara, minha pequena pérola. - murmurou docemente.

            Arregalei os olhos diante de sua resposta, sentindo meu corpo se aquecer, as mãos trêmulas seguraram com confiança os ombros bronzeados e meus lábios se inclinaram em um sorriso suave e espontâneo que preencheu minha alma com a luz que ele transmitia. Era como se Akemi estivesse ali iluminando-o e isso fazia total sentido. Não conseguia pensar nela se não como apenas a estrela mais brilhante de todas, fazendo jus ao próprio signifcado de seu nome. Uma sensação de paz se alastrou por mim e me fez descansar a bochecha no ombro de Naruto, abraçando-o com suavidade, como se não precisasse ter pressa em fazê-lo, nem medo de que fosse abrir os olhos e ver que tudo não passava de um sonho. 

    - Sabe o que Hyuuga significa? - sussurrei. Ele negou com a cabeça. - Quer dizer em direção à luz do sol. Como um girassol. Acho que agora eu encontrei um sentido para possuir tal nome. 

    - Como assim? - ele perguntou, desfazendo o abraço para me olhar. Sorri, segurando suas mãos.

    - Eu não sabia qual lado confiar, qual lado seguir e qual estava certo. Mas agora eu sei. Não tem outra direção que eu queria seguir que não seja a sua Uzumaki. Você é o meu sol agora. - respondi, sendo tomada pela verdade. Seus olhos tornaram-se um azul líquido e suave, quase choroso, mas ao mesmo tempo feliz. Parecia incrédulo de que eu estivesse mesmo dizendo aquilo. 

    - Seu guia, lembra? - sussurrou, rouco. Eu assenti, certa de todas as memórias que o envolviam. Porque depois daquele dia, não havia como negar, ele era meu melhor amigo, aquele que me devolveu a vida que Akemi me dera há 18 anos atrás. E cada pedacinho que passara ao lado de Uzumaki Naruto jamais seria jogado em uma caixa no fundo do armário, porque essas lembranças...

    - Eu jamais vou esquecer. 


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