- Como é que é? Primeiro você pede para esperar, depois diz que todos esses acidentes que têm conspirado contra nós estão sendo um aviso para não casarmos?! O que você está querendo dizer afinal?!
Respirei fundo. Em parte por não querer respondê-lo com a mesma grosseria que me falava, em parte porque eu mal tinha algo para responder.
- Guilherme, por favor... - mas antes mesmo que eu pudesse pensar em algo, ele havia virado as costas e batido a porta com força.
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Cap. 16
Segunda, pela manhã, tive que enfim dar as caras no hospital. Meu breve recesso de duas semanas me revigoraram fisicamente, porém, toda vez que eu lembrava da briga de ontem com Guilherme, minha paz interior ia por água a baixo. Principalmente quando eu lembrava que durante todos esses dias eu não havia pensado em Guilherme. E sim em David.
- Eu quero saber tudo! Tudinho! - Laura veio atrás de mim assim que entrei no hospital. - E nem adianta mentir pra mim. Sei que você e o doutor brigaram. Ontem ele chegou aqui pra dar plantão com a cara mais fechada que já vi na vida! - disse, com seus olhos curiosos me espreitando.
- Laura, não. Agora não! Vou tentar falar com ele. Acho que fiz besteira, mas nem sei o que realmente quero agora...
- O quê? Como assim não sabe... peraí, você tá dizendo que não...
- Laura – disse, repreendendo-a – deixe-me cuidar disso.
Laura respirou fundo e deu espaço para que eu fosse até a enfermaria encontrar Guilherme. Mas no momento em que pus as mãos na porta para abri-la, alguém segurou meu braço.
Quando virei e olhei em seus olhos, eu mal sabia mais onde estava e o porque estava. Apenas o que sentia era aquela sensação de uma corrente elétrica invadindo o meu corpo, frio e calor ao olhar dentro daquele imenso mar azul.
- Dra. Rebecca, lembra de mim? - ele me perguntou.
- Sim. - foi a única coisa que consegui responder, mas pensava em dizer “como eu não iria lembrar?” ou “é claro que me lembro, jamais esqueceria alguém como você.” - David, não é? - completei, sem conseguir evitar o sorriso em meus lábios quando ele sorriu também.
- Isso! - disse ele, ainda com o sorriso. - Eu espero não estar a incomodando, porque eu gostaria de... ahm... te convidar para... um almoço, se você puder é claro. - ele tremia um pouco as mãos, recentemente desprendidas do meu braço.
- Hum, acho que... seria ótimo.
- Ouça, não pense que é loucura, mas... gostaria de conversar com você sobre o assalto, e sobre tudo... A verdade é que eu não tenho dormido direito durante essas duas semanas, e realmente preciso desabafar com alguém. - David falou, e seus olhos cansados partiram meu coração. E ao mesmo tempo o fizera acelerar.
- Tudo bem, eu acho que realmente precisamos disso. Então... às 12h, no restaurante Central?
- Combinado. Estarei lá, te esperando.
Dei um último sorriso que me foi retribuído com um igualmente aberto e feliz. Girei a maçaneta e entrei na sala para enfrentar mais uma batalha.
Guilherme estava debruçado sobre a mesa da enfermaria, lendo e assinando papéis que pareciam intermináveis. Num instante pude ver que realmente estava de mal humor, coluna reta, ombros rígidos, maxilar cerrado. Eu conhecia essa postura. E não era nada boa.
- Eu preciso falar com você. - disse, tocando-lhe o braço.
- Preciso calcular o meu nível de estresse para saber se ainda sobrevivo a mais uma decepção. - disse ele, ainda sem olhar para mim.
- Guilherme, por favor, somos adultos. - sussurrei perto dele, indicando com o olhar sua sala, e também mostrando que eu não queria show nenhum, muito menos com dezenas de pacientes como plateia.
Andamos até a pequena sala. Guilherme, calado, fechou a porta e abaixou a persiana. Depois, pegou um envelope marrom e o jogou em minhas mãos.
- O que é isso? - disse, e quando abri o envelope e observei o primeiro papel, li em negrito as palavras “Permissão de transferência hospitalar”. - Você vai embora?
- O que você esperava que eu fizesse?
- Mas, Guilherme...
- Nunca pensei que isso iria acontecer com a gente, Rebecca. - ele suspirou – Mas não sou o tipo de homem que se ilude com um amor que não existe.
- Guilherme, por favor, você precisa...
- Não, Rebecca! Não! Eu não vou te ouvir! Não vou voltar atrás com isso. Já tomei minha decisão, e espero que você tenha respeito comigo a ponto de me dizer na cara que está tudo terminado! Porque eu não aguento mais isso! - disse, quase gritando.
Quando percebi, eu estava chorando. Mas não era de tristeza por estarmos terminado. Era de angústia por perceber até que ponto eu havia deixado esse relacionamento de fachada acabar com nós dois.
Respirei fundo. Toquei minha aliança, que brilhava em meio a todo aquele desastre. Retirei-a do dedo, e pus em cima do envelope em sua mesa, negando-me a olhar em seus olhos, mas sabendo que sua expressão deveria ser a pior possível.
- Me perdoe por ter feito com que você perdesse seu tempo comigo. Espero que seja feliz. De verdade. - disse, dando as costas a ele e caminhando em direção à porta.
- Desejo o mesmo a você. - ele rebateu.