A imagem de Lysandre e Rosalya velando o corpo de Peggy aparecia nitidamente na grande tela do esconderijo. O local era escuro e silencioso, a única criatura presente tinha olhos escarlates. Sentado confortavelmente em sua poltrona ele assistia a tudo o que acontecia no bosque, mas sua expressão diante da cena permanecia fria.
Não demorou muito e passos ecoaram. O homem não moveu nenhum músculo, nem mesmo quando uma segunda figura encapuzada apareceu.
- Parece que temos novidades no bosque. – Comentou ao aproximar-se.
- Eu diria. – Começou a brincar com o seu anel – Que minha verdadeira presa não aparecerá ainda.
- Se sabe disso por que continua a ver coisas desinteressantes?
- Paciência Ren-chan.
- Não me chame assim. – Vociferou retirando seu manto e revelando o belo rosto por trás. Um rapaz jovem de olhos levemente puxados e pele clara. Seus olhos azuis escuros se estreitaram e o lábio se repuxou com mau humor.
-É incrível Ciaran. – Exclamou uma nova figura que apareceu entre as sombras. – Nem mesmo eu consigo irritar o Koji tão rápido.
- É bom que tenha vindo Kara.
- Sempre será um prazer. – Falou a garota. Seus olhos castanhos brilhando de excitação. – Sei que quando me chama é para coisa boa.
A menina deu saltinhos fazendo seus longos e finos cabelos cor de palha balançarem. Sua franja rosa Pink cobria o lado esquerdo do rosto e o comprimento dos fios era totalmente irregular. Kara possuía olhos grandes e brilhantes, uma boca muito semelhante a um coração e as faces coradas.
Ciaran tocou o alto da cabeça da garota com sua mão enluvada - Não se anime tanto pequena. Hoje eu só quero que busque aquele corpo para mim. – Apontou para Peggy no telão. - Tenho certeza que será muito útil.
********
As pernas de Selena tremiam de ansiedade. Não sabia o que era pior: O ruivo mal humorado e a namorada a encarando, a luta prestes a começar ou Rosalya e Lysandre atrás de Peggy.
- E a próxima dupla. – Anunciou Boris. – Ambre e Kentin.
A loira foi na direção da sala de vidro com presunção. O rapaz, porém se encolheu e caminhou de cabeça baixa.
- Essa não. O Ken não luta, é covardia forçá-lo ainda mais com a Ambre. – Colocou a mão na boca com pavor.
- É melhor se concentrar, eu e você seremos os próximos.
A garota fuzilou Nathaniel com os olhos e se voltou para a sala de vidro.
O pai de Ken roía as unhas até o sabugo e assim que começou a luta Selena jurou que o homem iria enfartar.
Ambre sorriu debochada ao ver que o garoto de óculos fundo de garrafa nem se movia de medo. Seus miúdos bracinhos tremiam e os gritos do pai não ajudavam em nada.
A loira caminhou como se estivesse em uma passarela e então falou. – Contra você eu não preciso nem me esforçar. – Analisou as unhas enquanto a armadura de diamantes cobria seu corpo.
Kentin ficou de boca aberta diante dos diamantes multicoloridos e cada passo que a garota dava servia para afastá-lo ainda mais contra a parede.
Vários herdeiros que assistiam davam risadas do garoto e usavam nomes depreciativos.
- Vai lá Ken! – A ruiva gritou. Não abandonaria um amigo assim, por mais medroso que fosse.
Todos a olharam com curiosidade, provavelmente lembrando-se do artigo de mais cedo. As bochechas da herdeira coraram, mas ela se manteve firme. Ambre estreitou os olhos para Selena e fechou os punhos, algo que só piorou com a chegada de Viktor gritando junto.
- Kentin!Kentin!Kentin!
Nathaniel girou os olhos e os acompanhou. Logo muitos outros fizeram o mesmo e isso enfureceu a patricinha contra Ken. O garoto que quase chorava de emoção ao ver a amada torcer por ele nem percebeu quando um pedaço de diamante veio em sua direção e quase arrancou metade do seu braço.
- Desgraçada! – Selena praguejou.
O menino rolou no chão com o braço ensanguentado e cheio de fragmentos de diamante. Ambre ainda insatisfeita formou uma grande espada de diamante negro. Sua intenção era cravá-la no peito do rapaz, mas ela não foi rápida o suficiente e deixou sua presa escapar rolando para o outro lado.
Leigh se movimentou para tirar Ken da luta, mas Dimitry o segurou. – Ainda não.
O garoto já sangrava horrores, mas não havia maneira de estancar o ferimento, duvidava que até mesmo conseguisse sair vivo dali.
Ambre arrastava a ponta afiada da espada contra o chão e sorria ameaçadoramente. A caça e o caçador.
Selena se levantou e foi até o supervisor mestre. – Tire-o dali antes que morra.
Dimitry permaneceu imóvel e ignorou a garota.
- Me coloque no lugar dele então. – Gritou com lágrimas nos olhos. Nathaniel se levantou de olhos arregalados fitando as costas da ruiva como se ela estivesse louca. Viktor, por outro lado nem se moveu. Conhecia Selena o suficiente para saber que nada a impediria se quisesse salvar um amigo.
Dimitry curvou ligeiramente os lábios ao ver a determinação da menina.
Ambre ciente de tudo que acontecia lá fora foi mais rápida e atacou o garoto no chão.
- Kentin! – Gritou em desespero a ruiva.
Todos que assistiam ficaram confusos ao observar que em uma fração de segundos Ambre estava presa em uma gaiola de ferro com a longa espada para fora da grade e a milímetros do garoto no chão. Ele, porém nem mesmo se locomoveu para se proteger, estava com os olhos apertados esperando a morte.
Giles saiu de perto do painel que enjaulara a loira e entrou na sala de vidro. O silêncio era absoluto do lado de fora e todos o acompanhavam com os olhos. O pai de Ken se virou para a patricinha com olhos mortais e a ela se encolheu involuntariamente. Kentin abriu os olhos e seu espanto foi evidente, mas sem dar nenhuma resposta ao garoto Giles o carregou sujando todo o seu uniforme de sangue.
Leigh foi o primeiro a se mover para levar o herdeiro que gritava a enfermaria. Quando saíram Dimitry falou com a expressão mais fria que o normal. – Teve sorte dessa vez Selena. – Se afastou logo então.
- Agora temos... Hum... – Boris já se sentia perdido. – Alguém pode soltar à senhorita Ambre para que eu anuncie os próximos?
Um inquisitor moreno de uniforme verde e azul tocou alguns comandos no painel e soltou à loira.
- Parece irritada. – Comentou outra ruiva de cabelo mais claro que Selena. A mesma que desmaiou na primeira sessão de Dimitry.
- Essa aí vai destruir alguma coisa assim que puder. – Respondeu.
A herdeira fez uma expressão assustada. – Espero que não, meu quarto fica ao lado do dela.
A garota de cabelos escarlates riu. – Boa sorte então. Só espero que não fique igual ao meu. - A outra inclinou a cabeça confusa.
– Sou Selena.
- Iris. – Suas faces coraram levemente. – Sinto muito por seu namorado.
- Era meu amigo.
Iris soltou um – Desculpe. – Visivelmente constrangida.
- Tudo bem, nós...
- Os próximos são Castiel contra Nathaniel.
Iris sentou no seu lugar e Selena se despediu. – Nos vemos depois.
Viktor a puxou para sentar. – Faça uma loucura dessas novamente e as coisas podem ficar muito piores.
- Sei... Desculpe, mas deu tudo certo. O Leigh vai curar o braço do Ken.
- Você teve muita sorte agora, se o Giles não fosse tão influente graças ao exército, ambos estariam em maus lençóis.
Ela ficou séria. – Esqueça isso!
- Você é a próxima, se prepare.
- A vantagem é que essa luta vai demorar.
Viktor ergueu uma sobrancelha de modo inquisitivo.
Selena sorriu. – Água e fogo. A pior escolha de luta, os dois são do mesmo nível e não se suportam. Basicamente vai ser questão de resistência e determinação.
- E qual é seu veredicto? - Deu um sorriso de canto.
- O ruivo é resistente e o loiro determinado. Eu diria que ambos cairão de cansaço.
Viktor riu.
Nathaniel e Castiel caminharam até a sala de vidro, ao entrar o ultimo disse ríspido. – Acho bom controlar a sua namoradinha.
- Ela não é minha namorada.
- Disso eu não tenho dúvidas. – Respondeu. – Só uma imbecil o namoraria.
- Me pergunto o que a Debrah é para namorar um delinquente.
Os olhos do ruivo se encheram de ódio e ele nem esperou o sinal para atacar. Com o corpo inteiro flamejante Castiel se dirigiu ao loiro. Lançou bolas de fogo que foram desviadas facilmente e sem piedade deu socos escaldantes em Nathaniel que tiveram um destino mais certeiro.
- Ui! – Exclamaram alguns da platéia.
- Essa doeu até em mim. – Viktor comentou.
- Na verdade queimou a virilha do Nathaniel.
O moreno ergueu a sobrancelha. - Virilha?! Sei. – Ironizou.
Nathaniel se curvou com a dor e formou água no local para aliviar. Nervoso e dolorido o loiro jogou água nas mãos de Castiel e as fez congelar.
O ruivo ficou ainda mais irritado e começou a fazer o gelo derreter, mas Nathaniel foi rápido ao lançar água em suas pernas e imediatamente congelá-las causando cortes nas panturrilhas.
Selena bocejou diante da cena. A luta ridícula de Nathaniel e Castiel a fazia rir e Ken estava sendo curado. Essas coisas a deixavam melhor, contudo ainda havia o que pensar. Rosa e Lysandre tinham que encontrar Peggy, se eles tivessem sucesso em salvá-la ou não, só descobriria quando todas as lutas acabassem. Isso levava a outra questão problemática: Debrah, a garota era perigosa e não sabia se podia vencê-la, mas também não sabia se queria. Caso lutasse sério poderia estar revelando demais para o governo e os outros. Definitivamente a ruiva não sabia ainda em quem confiar.
Uma hora e alguns minutos depois de tentarem se matar tanto Nathaniel quanto Castiel caíram exaustos. Até mesmo Dimitry se entediou e ordenou que os dois fossem retirados da sala. Os ferimentos não eram graves, mas a dupla dinâmica teria de ser levada à enfermaria já que estavam quase desmaiados.
- Acho que vou lutar com o do cabelinho. – Concluiu Viktor.
A garota ao seu lado riu. – O do “cabelinho”?
- É. O ruivo da caveira.
- Acho que o Nathaniel também tem cabelo.
O moreno virou os olhos. – Boba! Não é o cabelo, se não eu escolheria o seu. – Pegou uma mecha flamejante entre os dedos e a aproximou da boca.
Selena sentiu seu rosto queimar e instintivamente afastou-se. – Se não é o cabelo. – Gaguejou um pouco. – É o que?
O rapaz ficou sério por alguns segundos e então voltou a sorrir. – Acho que gostei da maneira que ele luta.
- Ou seja, usando golpe baixo.
Viktor sorriu e deu de ombros. Na mesma hora os inquisitores levaram os dois garotos e Boris chamou as próximas.
- Debrah e Selena.
O frio na barriga foi incontrolável e o silêncio que se fez tornou-se mortal. A namorada de Castiel parecia nem se importar. Andava com o queixo erguido e o corpo ereto, tinha a mania irritante de se fazer de inocente. E foi esse rostinho de donzela em perigo que impulsionou a decisão de Selena lutar sério.
As duas entraram no grande cubo de vidro sem falar nada. Boris não demorou em dar o sinal e elas começaram.
A ruiva não esperou para atacar. Criou uma grande quantidade de raízes que perseguiram Debrah, mas esta foi mais rápida e com sua força esmagou todas. Selena lançou então chamas no chão cercando a adversária. A garota pulou com rapidez se aproximando da ruiva e a jogando contra a parede com apenas um soco.
- Desculpe por isso. – Fingiu estar arrependida, mas seus pensamentos diziam exatamente o contrário na cabeça de Selena.- “Isso é tudo? Cadê a garota que todos falavam?”
- Cale a boca! – Disse enfurecida.
Mas todos do lado de fora apenas escutavam os pedidos de desculpas da garota e não seus pensamentos provocativos.
- Como entrou na minha cabeça?
- “Você já deveria saber”
Selena se enfureceu e formou uma forte nevasca dentro do local. Nem mesmo a outra conseguiu se desviar disso.
- Eu sei que você bloqueia a minha prevencia.
- Não é ótimo?! – Sorriu com malicia. Seu corpo envolto na nevasca.
- Agora que ninguém nos escuta você fala.
Debrah se aproximou com dificuldade graças à neve e estendeu a mão. – Seu maior erro foi ter feito essa tempestade, agora que ninguém nos escuta lá fora, vai ser rápido o final da luta.
- Posso não conseguir prever tudo o que você faz, mas sei qual é a sua maior habilidade e não vai usá-la em mim.
A garota sorriu e em segundos a ruiva estava presa em um grande iceberg tremendo de frio. Em desespero Selena ficou em chamas para derreter o que estava em volta, mas tudo parecia cada vez mais frio foi então que as coisas apagaram e surgiu apenas o rosto de Debrah beijando um garoto. Gritou e se ajoelhou no chão. Seus pais dilacerados por feras de olhos vermelhos e sua tia sendo torturada por Dimitry apareceram a sua volta. Como um filme ela começou a ver e sentir tudo de ruim novamente, a água que a fez quase se afogar quando tinha seis anos e não sabia usar seus poderes, o seu peito que queimava toda vez que respirava aos dez e tantas outras ocasiões que ela só queria esquecer.
Pareciam ter passado horas quando, por fim, tudo voltou ao normal e com espanto percebeu que estava de pé ao lado do corpo de Debrah na sala de vidro sem nevasca.
Leigh entrou no local todo cheio de fumaça e arrastou a namorada de Castiel que parecia estar desmaiada. Todos os herdeiros demonstraram abertamente seu medo quando Selena saiu desnorteada da sala de vidro.
- Viktor – Chamou o garoto com a voz baixa. – O que aconteceu?
O moreno permaneceu sério e a puxou para longe dos outros alunos.
- Eu que pergunto. O que houve depois que você fez aquela nevasca? Ninguém escutou ou viu mais nada. Desde quando você faz isso?
A ruiva olhou para os outros alunos que tinham expressões amedrontadas. Até mesmo Iris evitava o olhar de Selena. Dimitry saiu do local extremamente irritado antes que a garota se voltasse para Viktor.
-Vik. – Chamou medindo cuidadosamente as palavras. – Eu preciso saber exatamente o que você e todos os outros viram.
O moreno assentiu e começou a falar sem questionamentos. – Acho que estava tudo bem até o momento que você fez uma nevasca dentro da sala, o pessoal daqui de fora ficou assustado porque a neve cobriu tudo e não se via ou ouvia absolutamente nada, até o painel foi danificado. – Fez uma pausa para mirar o rosto apreensivo da garota. – E então escutamos um barulho abafado de gritos femininos e o fogo dentro da sala começou a derreter tudo, a luz foi muito forte para ver direito. Só sei que os gritos aumentaram e eu não sabia se eram seus ou da Debrah, então você jogou água para todo o lado e nós vimos o corpo da namorada do Castiel caído aos seus pés
- E pensaram que eu tinha matado a Debrah. – Concluiu.
- Não pensei que tivesse sido de propósito – Disse arrependido. – Achei que pudesse ser um acidente.
Selena se afastou revoltada. – Você como todo mundo pensou que eu queria matá-la e quando a viram desmaiada pensaram que... – As lágrimas rolaram. Ela nem conseguia falar.
- Não... – Se aproximou para tocá-la, mas foi rechaçado. – Só achei que... Não sei. Você se protegeu, sei que não queria matá-la e foi erro meu pensar que o tivesse feito, mas não muda o fato de que a deixou desacordada e os outros estão com medo.
A ruiva se virou para Viktor com os olhos vermelhos. – Você não me conhece mesmo. Eu nem mesmo fiz aquilo.
- Como não? Explica-me. – Gritou arrependido ao ver a garota se afastar.
*****
Dimitry saiu irritado andando a passos largos. Seu humor já não era bom normalmente, mas depois de assistir a luta das duas garotas ele estava com vontade de matar alguém e sabia exatamente quem seria primeira pessoa.
Sua capa negra voava com o vento do fim da tarde, a grama úmida e o barro sujavam suas botas. Alguns herdeiros já caminhavam de volta para as suas alas, mas o movimento estava escasso ainda, algo vantajoso naquele momento.
Apressando o passo o supervisor passou pela central de treinamento dos inquisitores, isso o recordou que provavelmente teria que fazer uma análise profunda da mente de Peggy, o que o enfurecia mais já que teria uma bela dor de cabeça.
Alguns inquisitores abaixaram as cabeças quando ele passou. Algo completamente comum, contudo a expressão deles mostrava que havia algo mais. Dimitry não demoraria em descobrir.
Caminhando um pouco mais sentiu pensamentos estranhos vindos do bosque, nada de palavras ou frases, apenas sentimentos que ele não tinha tempo nem interesse em analisar.
Entrando um pouco mais afastado do bosque e na parte mais central da ilha ele se encaminhou para um grande prédio branco com médicos e enfermeiros uniformizados para todos os lados. Era ali que coletavam informações clinicas dos herdeiros e cuidavam dos feridos. No primeiro andar ficava a coleta, no segundo a enfermaria e o terceiro o laboratório. Dimitry caminhou pelo grande pátio azul claro e foi até a escada. Os degraus ficavam parados quando ninguém pisava em cima, mas quando os pés humanos tocavam a base ele se movia até o próximo andar. Ao chegar à enfermaria o supervisor se dirigiu até o quarto de Debrah e com surpresa encontrou Leigh no local.
- Supervisor. – Exclamou surpreso. – Pensei que estivesse na sala de treinamento.
- Os herdeiros estão sendo liberados já que o painel quebrou.
- Entendo. – Tirou a mão da testa da garota. – Não sei por que não acorda já que eu curei seja lá o que for que ela tem.
- Deixe comigo.
- Mas se ela está debilitada...
- Apenas faça! – Ordenou. – Estão lhe chamando na direção.
- Certo. – Saiu rapidamente.
O supervisor permaneceu olhando para a garota que abriu os olhos pouco depois e se sentou. – Até que enfim ele saiu. – Sorriu sedutora e segurou o braço do homem.
Dimitry afastou-se com violência e agarrou o pescoço de Debrah. – O que você pensa que esta fazendo?
A garota arregalou os olhos com espanto e só conseguiu falar quando ele liberou sua garganta.
- Eu. – Tossiu com desespero. – Não sei o que fiz. – Disse com a voz rouca.
- O problema é o que não fez. Disse-te claramente para fazer a sobrinha da Agatha mostrar todo o poder e não brincar de casinha com ela.
- Ah! – Exclamou. – Você fala disso. Não se preocupe que aquilo é tudo o que ela tem. A prevencia é tão pouco utilizada que vou conseguir bloqueá-la por um bom tempo.
- Não brinque comigo. – Ameaçou. – Seu bloqueio de prevencia só vai funcionar enquanto aquela estúpida não treinar seu poder e continuar fazendo neve e água como se fosse uma criança.
- Eu sou mais forte do que pensa Dimitry. – Levantou-se da cama e colocou ambas as mãos no peito do supervisor. – Posso fazer coisas inimagináveis. – Molhou os lábios.
Ele segurou a cintura da morena - E eu posso contar tudo para o seu namoradinho.
Ela sorriu. – Você o tortura com nossas imagens toda vez e o Castiel é tão estúpido que não acredita nem vendo. – Aproximou sua boca do seu pescoço.
Dimitry a jogou na cama. – Apenas faça o que eu ordenei.
A garota sentou emburrada. – Você sempre me recusa quando mencionamos assuntos que tenham ligação com a Agatha.
- Não vou falar novamente Debrah. Da próxima vez você vai lutar de verdade com a Selena e não fazer que nem um cachorrinho treinado e se fingir de morto.
Ela se recostou na cama com desagrado. – Não sei o que aquela velha de cabelo rosa tem que eu não tenho.
Dimitry sorriu e agarrou o decote de Debrah. A garota se entusiasmou, mas o homem apenas cochichou em seu ouvido. – Peitos grandes. – Se afastou da herdeira que ficou ainda mais emburrada.
- Devem ser caídos. – Resmungou, mas foi ignorada.
- Seu namorado está recuperando a consciência, assim que souber que veio parar aqui vai vir correndo.
Ela deu um salto e se aproximou do supervisor. – Castiel é ridículo! Quando souber que aquele projeto de herdeira supostamente me feriu vai fazer uma confusão nessa ilha.
- Logo, logo sua manipulação vai resultar em sua própria queda.
- Nesse caso ainda terei você. – Sussurrou encostando-se nele.
Dimitry novamente a afastou de modo frio. – Não brinque comigo garota. Se continuar com esse joguinho besta, farei com que se arrependa amargamente. - Pausou cuidadosamente as palavras para que ela entendesse a ameaça e poucos segundos depois se retirou.
Debrah sorriu presunçosamente e tirou de dentro do sutiã um comunicador.
- O que foi?
- Odeio quando você atende. – Resmungou. - Me passe para o Ci.
- Esqueceu a palavra mágica gracinha. – Ironizou a voz feminina.
Debrah respirou fundo para não se irritar. – Não tenho muito tempo, rápido!
Um riso sarcástico se ouviu do outro lado e logo uma voz serena atendeu. – Quais são as informações?
- Ele ficou louco exatamente como falou. – Sorriu satisfeita sentando-se na beirada da cama.
- Isso eu já esperava, mas tudo correu como o planejado?
- Sim. Os herdeiros estão com medo daquela ruiva, foi muito fácil enganar a todos e ainda torturá-la.
- Ótimo trabalho.
- É bom que eu seja bem recompensada pelo meu esforço. O idiota do Dimitry quase arrancou meu belo pescoço.
- Hum. – Fez uma breve pausa. – Acha que ele suspeita?
- Não. Tenho certeza que fica incomodado com o fato de não poder ler minha mente, mas nem imagina que sei o seu segredo.
- Ele não pode descobrir em hipótese alguma.
- Não se preocupe Ci, tenho tudo sob controle. Esse supervisor metido a besta nem imagina.
- Já sabe o procedimento em caso de emergência, não é?
Ela girou os olhos. – Sei,sei.
- Então continue o bom trabalho. Assim que possível farei o primeiro contato com minha presa.
- Certo. Eu te mantenho informado.
- Boa garota. Até logo.
- Até. – Despediu-se.
A morena colocou o comunicador novamente entre os seios e se deitou revoltada. – Não sei qual é o interesse nessa garota, mas assim que puder vou fazê-la em pedacinhos.
*****
- Então foi isso que aconteceu. – Refletiu com pesar.
- Não acredito, ontem mesmo vi a Peggy e agora ela está... – Nathaniel cerrou o punho.
Rosa ainda tinha lágrimas em seus olhos e Lysandre se ocupava em contar tudo. Eles estavam no quarto destroçado da ruiva. Era o único local completamente seguro que sabiam que não haveria chances de ser vigiada, afinal nenhuma escuta sobreviveria àquela destruição.
- Vocês têm certeza que não foram vistos? – Questionou Selena que já estava ansiosa para esquecer aquele assunto.
- Temos. O perigo maior foram as câmeras, mas acho que não fomos pegos. – Rosalya olhou para suas mãos. Mesmo tendo se lavado ainda via o sangue de Peggy.
- Ela nos deixou isto. – Lysandre estendeu a caixinha aveludada para os dois que abriram imediatamente.
Selena tirou uma pequena chave de ferro grande e antiga. – Isso?
Os dois assentiram. – Não sabemos o que é. – Respondeu o garoto. – Mas a Peggy se esforçou muito para guardá-lo e nos entregou nos últimos momentos.
- O que é exatamente? Já vi em algum lugar, mas não me recordo. – A garota de cabelos flamejantes analisou cuidadosamente o objeto enferrujado.
- Uma chave. – Respondeu o loiro. – Bem antiga. Do tipo que nossos tataravôs usavam.
- Como sabe disso?
Nathaniel deu dê ombros diante da pergunta de Lysandre. – Eu leio bastante.
- E como posso ter visto algo assim antes?
- Não sei. Ainda existem alguns baús antigos que usam esse tipo de coisa.
- Baú! – Selena exclamou. – É isso! Agora eu lembro.
Todos a fitaram de modo curioso, mas a garota apenas começou a dar ordens confusas.
- Lysandre eu preciso de um grande favor seu.
- Sim?
- Acha que as câmeras ainda estão sem funcionar?
- Não sei. Acho difícil.
Selena suspirou pensativa. – Certo. Então vocês vão ter que ajudar o Lysandre a dar um curto circuito para tudo apagar.
- Você ficou maluca? – Exclamou Nathaniel.
Até mesmo Rosa surpreendida arregalou os olhos.
- Eu não posso explicar o motivo agora, mas preciso que me ajudem. – A ansiedade em sua voz era quase incontrolável.
Eles se entreolharam e por fim assentiram.
Minutos depois estava tudo organizado. Nathaniel e Lysandre fingiriam brigar perto do bloco seis, onde ficava o controle técnico e com a água e a eletricidade não seria difícil tudo entrar em curto circuito. Depois disso eles resolveriam, mas por agora a única ocupação de Selena seria ir até a torre. E foi o que ela fez.
Quando chegou a torre de pedras bem em frente à quadra de basquete, palavras ecoaram em sua mente.
- “Enquanto isso eu deixo você com um baú onde está tudo o que precisará. Poderá encontrá-lo na torre.”.
Essas haviam sido palavras de Agatha. Até aquele momento Selena não tinha tido oportunidade de pegar o baú, mas com a distração dos garotos isso seria possível.
A torre era feita de pedras, tinha uma porta de madeira bem pesada, diferente das portas dos prédios de Sweet Amoris que sempre eram trancas digitais ou simplesmente sem fechaduras.
A garota tentou abrir a porta, mas estava trancada. Retirou a chave de Peggy e colocou na fechadura se batendo para descobrir uma maneira de fazê-la abrir, entretanto tudo foi em vão. Revoltada e com pressa a ruiva entrou em desespero. Só havia uma maneira de fazer a porta abrir e ela não gostava nada disso. Respirou fundo e deixou sua mente esvaziar, tinha que abrir algo complicado só com o poder da mente. Se fosse alguém que treinasse seus poderes telecinéticos seria fácil, contudo Selena não era esse tipo de pessoa.
O som das coisas aos poucos foi sumindo. Fechou os olhos e ritmou sua respiração tentando ver com a mente. Tudo escuro, depois tudo claro. O cinza do céu apareceu em sua cabeça e então as partículas de poeira, aos poucos o cenário inteiro. A torre, as pedras, os pássaros. Ao longe os pensamentos começavam a aumentar seu som, algo insuportável. A respiração acelerou e a concentração foi se perdendo.
- “Não!” – Pensou. – “Concentre-se” – Repetiu inúmeras vezes até se acalmar. – “Vamos Selena!”
Pensamentos se esvaziaram aos poucos e fogo começou a faiscar dos seus cabelos graças ao esforço. Era difícil pensar em uma só coisa. Se errasse poderia queimar ou matar alguém. Gelo, água, terra, ar, e todos os elementos que ela via e sentia faziam parte do que a ruiva era e no final não queria nenhum deles.
- “Não se rejeite” – Sussurrou na mente. – “Eu sei quem sou” – Respirou de forma irregular. – “Monstro!” – Lembranças surgiram e a irritação foi tão forte que a fechadura estourou junto com um bom pedaço da porta. A garota foi lançada um pouco mais longe e então abriu os olhos assustada e com a cabeça latejando.
- Droga! – Praguejou. – Agora não tem conserto.
Desesperada que alguém pudesse ter ouvido o barulho correu para dentro da torre. Precisava pegar o baú e voltar para o quarto o mais rápido possível. As escadas em forma de caracol pareciam não ter fim até que finalmente chegou ao topo. O piso era de madeira e as únicas coisas identificáveis no cubículo eram as grandes janelas cobertas de pó.
- “Poderá encontrá-lo na torre, debaixo da terceira tábua do piso. Da esquerda para a direita”. – Lembrou mais uma vez das coordenadas de Agatha e começou a contar as tábuas da esquerda para a direita. Chegou à escolhida e abaixou-se para levantá-la. O piso de madeira era gasto e oco, algo que foi revelado quando a garota ergueu a tábua e viu um grande buraco ocupado por um velho baú marrom. Retirou o objeto cuidadosamente quase não aguentando a curiosidade. A grande caixa tinha fechadura, mas era pequena e não estava trancada. Aquilo era familiar.
Selena viu um clarão vindo da janela da torre e se ergueu assustada para olhar. Dali era possível ver todo o território da ilha e em uma determinada parte raios e clarões brilhavam no terreno do bloco seis, causando um grande curto circuito por toda a região.
A garota suspirou de alívio. O plano estava funcionando até ali, mas precisava ser rápida. Aproximou-se novamente do baú e analisou o interior. Tinha uma caixa escura retangular, um envelope grosso e uma arca um pouco menor e funda. Pegou primeiro o envelope e o abriu tirando um livro de dentro. Depois iniciou a leitura na primeira página.
Querida e adorada sobrinha,
Espero que esteja bem, apesar das circunstâncias. Deve ser muito difícil para você chegar até o baú e fico preocupada que nunca o encontre, mas sei que é inteligente e se está lendo isso significa que a sua tia sempre tem razão.
Selena sorriu emocionada.
Existem muitas coisas que eu gostaria de lhe dizer por aqui, mas temo que o tempo seja curto demais para nós.
Entretanto preciso esclarecer algumas coisas de suma importância. Para começar vou lhe contar o que aconteceu na noite que seus pais morreram. Eu fiz de tudo para não te levarem a Sweet Amoris, sabia que você resistiria e seus pais também. Então prometi um determinado serviço ao governador em troca da sua liberdade, como esperado daquele velho traiçoeiro o acordou foi aceito de imediato, mas eu só cumpriria com a minha palavra se depois do lunasolis você e sua família estivessem livres. Meu plano era levar você para um local onde eles nunca te encontrariam, por isso eu precisava só daquele dia em especial. Estava tudo resolvido, só você não sabia ainda, mas seu pai e mãe sim. Deve imaginar a minha surpresa quando recebi uma chamada da minha irmã e quem estava na linha era o assassino dos dois. O que ele me disse nessa noite eu não esquecerei nunca: “Os dois já foram. Sua sobrinha é a próxima”. Aquilo me gelou o sangue e eu corri para te salvar. Foi assim que encontrei você e o maldito chamado Ciaran. Bem, até o momento que você desmaiou eu não preciso contar, a lembrança deve estar bem viva na sua mente.
Depois que essas coisas aconteceram o governador me ligou avisando que seria necessário que você fosse para lá, já que agora está órfã, mas ele desejava meus serviços e prometeu que organizaria uma caça ao assassino. Eu não sou estúpida e você bem sabe disso, no mesmo momento desconfiei e deixei claro ao governador minha oposição. Ele aceitou o que eu disse da mesma maneira que aceita qualquer oposição, ou seja, eles vão tentar me matar. É por isso que estou te escrevendo agora, meu amor. Sinto muito por deixá-la nesse lugar maldito, mas não tenho opções. Aí estará protegida de Ciaran que tem um interesse muito suspeito por você. Também devo te dizer que meu outro motivo para deixar que fique encarcerada nesse inferno é que se estiver aí o governador não mandará te matar. Ele sabe muito bem que seu poder é grande e se conseguir convencê-la a se juntar a ele será uma arma poderosa. Sei que vai passar muitos momentos ruins, mas vou voltar logo.
Preciso da sua ajuda Selena. Algo grande está acontecendo e eu posso sentir. Já faz um tempo que tenho organizado isso e esse é o momento apropriado para agir. Antes, porém, estarei juntando informações sobre Ciaran, pois tenho sérias desconfianças sobre o envolvimento dele com o governador. Mesmo sendo um herdeiro tenho suspeitas de que ele matou seus pais em troca de algo a mando do governo, apesar de que acho estranho ele ter tentado te matar e me avisar disso. Ainda tem muitas incógnitas para eu decifrar, por isso peço que colabore.
A sua parte nisso tudo é mostrar que está ao lado do governo, ou pelo menos não arrumar confusão. E eu sei que você acabará arrumando de uma maneira ou outra. Afinal estamos falando da garotinha que incendiou a peruca do carteiro quando tinha onze anos de idade e fez tantas outras coisas que eu prefiro nem mencionar. Contudo, eu peço a você pequena flor do campo que siga as minhas instruções e as principais são as de escolher cuidadosamente suas amizades. Existem pessoas nesse local que almejam ter um grande cargo com o governo e farão o que for preciso para isso, existem outras que querem acabar com a injustiça na primeira oportunidade que tiverem mesmo que isso signifique perder a vida e alguns fingem estar em determinado lado quando estão em outro. Nesse lugar você nunca sabe quem é bom ou ruim, quem é falso ou verdadeiro. Mas eu confio no seu julgamento e sei que vai analisar bem. Lembre-se que qualquer um que se arrisque por você é digno da sua confiança. Não se esqueça de que todos nós precisamos de aliados, até mesmo os mais fortes.
Treine bem os seus poderes, sei que não gosta de ser uma herdeira e que se pudesse fugir disso o faria, mas não pense assim. Você é uma herdeira, uma híbrida. Isso faz parte de quem você é e enquanto não se aceitar não será feliz.
Cuidado com o Dimitry, já deve ter percebido, mas o anel que eu te dei vai protegê-la dos seus ataques as suas lembranças. Contudo não vai impedir que ele te torture e machuque.
Maior cuidado ainda com os inquisitores, principalmente aqueles que são como o Dylan. Mostre a todos somente a metade do seu poder. Não assuste ninguém e nem se mostre muito fraca. Treine tudo o que puder em segredo e só mostre o necessário.
Fique atenta a todas as informações sobre seus colegas, os pais deles e tudo que puder absorver. Observe até mesmo os monitores e etc.
Não seja consumida pela vingança e nem a deixe cegá-la. O ódio não levará você a nada. Em hipótese alguma tente ir atrás do Ciaran. Eu falo sério Selena!
Cuidado com seu coração, meu amor. Ele pode ser muito enganoso quando não utiliza a razão. Também não seja fria com todos, as pessoas precisam ver que você confia nelas para confiar em você.
Cuide com as palavras e informações que deixa escapar. As paredes têm ouvidos e só existem alguns lugares que não são vigiados. Lembre-se que a diretora é uma víbora capaz de sugar qualquer informação. Não entre em conflito com ela e cuidado com os seus olhos. Alguns acreditam que ela exerce controle através do toque, mas é no olhar que está o seu segredo. Treine bem para que consiga fingir perto dela. Nem mesmo bloqueio mental pode proteger sua vontade se olhá-la.
Por último, quero que faça bom uso das coisas que te deixei. A caixa contém braceletes de titânio criados por alguém muito especial que vão proteger todo aquele que usá-los de qualquer um que tente vasculhar as lembranças. A arca contém um comunicador que servirá para você falar comigo quando eu voltar, um mapa com todas as informações sobre Sweet Amoris que eu coletei e um dispositivo capaz de desativar determinada câmera e escuta da direção. Use principalmente esse ultimo com muito cuidado, se o governo desconfiar que você é uma ameaça irão matá-la sem pensar duas vezes.
Lembre-se que te amo muito minha sobrinha e assim que possível estaremos juntas.
Agatha.
Um bolo se formou na garganta da ruiva. Havia muitas coisas para pensar, mas não agora. Rapidamente Selena pegou os objetos dentro do baú e enfiou dentro do casaco.
Agora ela teria que aprender e descobrir como confiar nas pessoas.