Rosalya alisava os cabelos com nervosismo. O tempo estava correndo para eles e ninguém sabia o que fazer. Peggy era insuportável às vezes, quer dizer, todas às vezes. Não, ela devia ser sincera consigo mesma, Peggy era a pessoa mais irritante e enxerida que conhecia, mas não justificava deixar que fosse assassinada.
Observou Selena que andava de um lado ao outro mordendo o lábio, os garotos, por sua vez, discutiam idéias cada vez menos produtivas. O barulho no refeitório e tudo o que acontecia estava mais e mais distante de Rosalya. Ela precisava se acalmar, em uma situação assim todos se sentiam pressionados e não conseguiam pensar, mas a garota de cabelos prateados era diferente. Sabia que era.
Ok. – Respirou fundo.
Todos a olharam com expressões de esperança.
- Só temos uma solução. Selena... – Chamou a ruiva que ainda estava com o lábio entre os dentes. – Você e o Nath precisam lutar.
Ambos tentaram protestar, mas Rosa os calou. – É a única maneira. Não podem faltar à luta, se não vão piorar as coisas.
- E a Peggy? Vai deixar que morra? – O loiro demonstrou uma atitude revoltada.
- Claro que não! – Se alterou. – Só não podemos chamar mais atenção do que já chamamos. – A garota apontou discretamente para os alunos que observavam o grupo.
- A Rosa está dizendo. – Explicou Lysandre que já recuperava sua atitude calma. – Que se vocês não aparecerem todos vão notar, mas se nós dois formos atrás da Peggy ninguém vai se importar.
- Até que enfim alguém usou os miolos.
- Certo. – Selena respirou fundo. – Vamos fazer do seu jeito, mas não se envolvam com os inquisitores desnecessariamente. A última coisa que eu quero enfrentar é mais pessoas que me são próximas sendo mortas.
Ambos assentiram.
Nathaniel examinou a ruiva com interesse. Seus olhos rosáceos eram grandes com cílios grossos e longos, talvez fosse o mais bonito nela, mas sempre estavam tão tristes, pareciam esconder ódio e amargura. Na verdade, até aquele momento o rapaz não tinha conseguido notar nenhuma característica da personalidade de Selena. Sempre via o que todos viam: Uma garota de cabelos escarlates escondida em seu próprio mundo. Mas vê-la ali, se preocupando com pessoas que conhecia há tão pouco tempo revelava que na verdade por trás de tantos muros havia o medo de perder alguém querido.
- É melhor vocês irem agora. – Lysandre cutucou o loiro.
Selena saiu na frente.
O representante suspirou. – Ela definitivamente não confia em mim.
Rosa deu de ombros. – Demora em conquistar a confiança dela, o coração é mais difícil ainda. – Lançou um olhar sugestivo para os dois rapazes.
Ambos coraram levemente, mas o único a se pronunciar foi Nathaniel.
- Não é como se eu estivesse tentando.
- Não é o que Peggy escreveu. – A garota provocou.
O loiro bufou mal humorado e saiu com passos apressados para alcançar outros herdeiros e Selena.
Lysandre se virou para Rosalya. – E então? Temos que fazer algo logo, todos já estão saindo do refeitório.
- Eu sei. – Respondeu irritada. – Me deixe pensar. O bloco três tem uma saída lateral que dá para o jardim, é melhor sairmos por lá. Todos irão ver a luta, e se tivermos sorte a câmera da diretora não vai nos focar saindo, ao menos eu espero.
Os dois passaram rapidamente pelas mesas na direção contrária aos outros herdeiros, chegaram à frente da porta e ela soltou rangidos ao ser arrastada.
- Faz tempo que não é usada. – Explicou a garota. – Parece que eles planejavam fazer uma sala de mantimentos, mas desistiram.
- Como sabe?
- É o que dizem.
Lysandre deu um sorriso de canto e eles saíram direto para o jardim. O clima permanecia quase o mesmo, apenas poucos raios de sol se infiltravam entre as nuvens e o vento cantava balançando as folhas verdes esmeralda. Árvores de porte médio e grande espalhavam suas flores pelo gramado. Os bancos de nogueira estavam habitados por pequenos pássaros que voavam assim que alguém se aproximava.
- Esse tempo me cansa. – Abraçou seu próprio tronco. – Às vezes frio congelante e às vezes calor escaldante.
- É que você não viu o tempo na casa dos meus pais.
- O Leigh me contou alguma coisa, mas parece que vocês dois não gostam muito de lembrar-se da família.
- Não é bem isso. – Explicou. – É que nossos pais não têm os mesmos gostos que nós.
- Gostaria de conhecê-los. – Continuou esfregando os braços na esperança de se aquecer.
- Quem sabe um dia. – Entregou para Rosalya seu longo casaco com botões prateados. – Usa a minha blusa, senão vai congelar de frio.
- Nem pensar Lys. – Estendeu a vestimenta para o rapaz. – Não combina com minha roupa o estilo vitoriano.
Lysandre diminuiu o passo e abaixou a voz ao falar com Rosa. – Veste mesmo assim e fale baixo, vamos passar pelo bloco quatro.
A garota colocou o casaco a contragosto e caminhou em meio a algumas árvores maiores e juntas. Com cautela ambos contornaram um prédio extremamente imponente em tons de vermelho e dourado. Era o dormitório e central de treinamento dos inquisitores, todo herdeiro que passasse por ali deveria ser muito cuidadoso.
- Como vamos procurar a Peggy? Nem sei por onde começar. – Cochichou Rosalya.
- Acho que podíamos dar uma espiada aqui, se já encontraram alguma pista de onde ela está com certeza vamos saber.
Ela o fitou como se estivesse ficado louco, mas antes que pudesse dizer algo, Lysandre a puxou para parte lateral do prédio, onde apenas algumas árvores os separavam de um grupo de inquisitores diante da porta de vidro.
- Já esvaziaram o refeitório? – Perguntou um inquisitor alto de pele chocolate e cabelo raspado. Seus olhos demonstravam autoridade e a sua voz firme fazia com que os outros se sentissem ainda mais inferiores.
Um rapaz do grupo “E” de olhos esmeralda e de sardas se manifestou com audácia. – Claro superior Gregor. Não somos tão estúpidos como vocês do grupo “B” pensam. Lidar com herdeiros idiotas já faz parte da rotina.
Rosalya cerrou os punhos, seu desejo era pular no pescoço do inquisitor. Ah, se ela pudesse!
Gregor manteve sua expressão firme e impassível, conseguia ver a malícia nos olhos esverdeados do outro, mas não se importava. Sua postura imponente irritava ainda mais o grupo “E”, mas poucos tinham coragem suficiente para enfrentá-lo. O contraste entre eles não era só na roupa esmeralda e azul marinho ou nos equipamentos de alta qualidade e armas mais mortais. O verdadeiro motivo para odiarem o grupo “B” era suas responsabilidades, eles matavam com mais frieza ainda que o normal e torturavam todos que eram traidores, além de escolher a dedo os inquisitores que mereciam subir de cargo ou descer deste.
- Então esse é o grupo “B”. – Cochichou Lysandre. – Isso não parece bom, eles só aparecem quando precisam rastrear alguém que põe em risco algo importante ou espionar.
- Tem alguma coisa muito estranha nessa história toda Lys.
- Dêem mais uma olhada no refeitório, eu não quero mais nenhum herdeiro metido nisso.
Três homens saíram rapidamente. O rapaz se encolheu com a garota entre as plantas. O coração dos dois disparou quando os inquisitores passaram e por um verdadeiro milagre não os viram.
- Eu não me importo se vocês são idiotas ou não. – Continuou o moreno. – Desde que façam o trabalho direito inquisitor Tyler. - O Ruivo de olhos verdes se manteve calado, mas com os punhos e a mandíbula cerrada. Gregor continuou. – Prestem bem atenção, pois a última coisa que eu quero é envolver inocentes.
- Inocentes? – Cuspiu indignado. – São monstros que podem arrancar nossas cabeças e usá-las para jogar vôlei. Eles têm sorte do governador ser misericordioso e deixá-los viver.
- Não vou discutir isso com você.
- Claro! Nossa inferioridade não nos permite nem mesmo falar, o que dirá...
- Apenas siga minhas ordens Tyler! – A voz de Gregor foi mais firme e autoritária que o normal.
Todos, exceto o ruivo, abaixaram as cabeças.
Um som de apito soou no mesmo momento. O moreno apertou um pequeno dispositivo no peito e a voz de outros inquisitores se fez ouvir.
- Tudo está checado senhor. Nenhum herdeiro no refeitório ou nos jardins.
- Certo. Apenas vá até a sala de treinamento, quero que fiquem de guarda e não deixem ninguém sair até as lutas acabarem.
- Sim, senhor.
Apertou o botão novamente e um holograma surgiu. – Gregor Martinez Grupo “B” esquadrão cinco, senha 778.
– Reconhecimento concluído. – Disse a voz robótica.
- Ligue-me com o chefe do escalão de ouro.
- Ligando para Dylan Crow Sky. – Uns pequenos segundos se passaram e então a voz repugnante do inquisitor se fez ouvir. – Dylan na escuta.
- O grupo “E” está em posição, conseguiram a localização?
- Afirmativo. Os rastreadores indicam que ela está a caminho do bosque, vamos interceptá-la na clareira. Só estou esperando que o grupo “D” chegue com seu esquadrão.
- Pelo amor de Deus! – Trovejou o rapaz. – Não precisamos da defesa aqui para uma garota que só fica invisível.
A risada debochada de Dylan ecoou. – Esse seu excesso de confiança ainda vai matá-lo. Estamos falando de aberrações, monstros e não de humanos. Se não for cauteloso podem fazer como nossa antiga agente. Quer ficar como o seu irmão? Morto por balas de titânio?
Gregor controlou sua expressão para não prolongar aquela discussão. Odiava perder as estribeiras e Dylan Crow Sky parecia ter total prazer em fazer isso com os outros.
- Quanto tempo até eles chegarem?
- Estamos chegando em 30 segundos, mande o grupo “E” ficar preparado. Quero você na sala de treinamento, sua namorada vai começar a luta e as distrações nessa operação são proibidas.
- Não tenho namorada. – Falou. Sua voz soava controlada, mas seus nervos quase explodiam por dentro.
-O transportador está programado, quero chegar aí e não ver a sua cara. Apenas siga minhas ordens. Desligando.
Gregor manteve sua expressão. – Ouviram as ordens. – Disse aos outros e sem esperar mais nenhuma resposta saiu na direção ordenada.
Rosalya e Lysandre se entreolharam. – O que faremos? Eles já sabem onde ela está.
- Vamos seguir e ver o que acontece. – Respondeu o garoto.
- Mas nós precisávamos salvá-la e não assistir a captura ou o assassinato.
- Shh. – Disse o garoto com o indicador nos lábios.
Ambos olharam para os inquisitores. Dylan acabara de chegar com sua vestimenta preta e dourada, as garras perfeitamente polidas reluziam. Logo atrás dele um grupo de seis homens com uniformes cinza claro, capacetes metálicos e escudos anti impacto marchavam. Ao total uns quinze inquisitores estavam presentes, entre eles o grupo E, D e os rastreadores do B.
- Segundo a diretora estamos com problemas nas câmeras, por isso quero todos atentos e qualquer um que se intrometer na operação vai ser morto sem piedade, entendido?
- Sim, senhor! – Responderam em coro. E saíram na direção do bosque.
Assim que se afastaram Rosalya e Lysandre se sentiram inseguros.
- O que fazemos? Se nos pegarem vamos ser mortos.
- Fique aqui que eu vou atrás deles.
- Nem pensar! – Exasperou a garota. – Não vou te deixar ir sozinho.
O rapaz apoiou um braço por cima do outro e segurou o próprio queixo numa expressão pensativa. – Acho que devemos ir atrás deles, talvez possamos encontrar a Peggy antes ou descobrir alguma coisa. Onde fica esse bosque?
- É arriscado, pois fica depois do bloco seis e antes da pista de pouso. É a parte da ilha ainda não desmatada, os alunos dificilmente vão lá porque tem muitos insetos e roedores.
- E por que a Peggy iria para um lugar assim?
Rosalya deu de ombros. – Não sei, mas vamos descobrir.
***
Em meio às úmidas folhagens do bosque uma garota corria. Seus passos invisíveis faziam estalos ao partir galhos secos e seus olhos perspicazes e curiosos já não tinham lugar na expressão de horror e medo. Peggy precisava correr e se esconder, dificilmente conseguiria, mas tinha que tentar. Quase não acreditava em como tudo aconteceu tão rápido, foram apenas algumas palavras no papel, o suficiente para ser perseguida.
Claro que a garota sabia onde havia se metido, entregar informações que o governo nem sabia que ela possuía era perigoso, mas também não imaginava que pudesse ser sua sentença de morte.
Abraçou seu corpo e encostou-se em uma árvore arfando. Sua invisibilidade já quase não funcionava, aparecia uma parte do seu corpo ou outra cada vez mais.
- “Preciso chegar à praia” – Pensou, mas no fundo não sabia para que lado seguir.
A paisagem a sua frente era feita apenas de árvores e flores amarelas, o caminho tinha galhos e terra úmida, mas areia ou água salgada parecia não existir. A morena sabia, contudo que se atravessasse todo o bosque chegaria à ponta da ilha, onde o mar jogaria seu manto espumoso sobre a terra. Se conseguisse isso poderia descansar e talvez se esconder.
Ela se levantou depressa. Não podia perder tempo, segurou uma caixinha aveludada contra o peito, nela continha o que o governo tanto queria, mas a garota não daria. Podia ser enxerida e o que quisessem pensar dela, mas era graças a esse seu lado que podia ter a chave para o destino de todos os herdeiros.
***
Rosalya e Lysandre caminharam por um bom tempo. Sempre com cautela para não serem percebidos pelos inquisitores. As maiores partes do caminho tiveram que acompanhar Dylan em meio às sombras das árvores.
Os rastreadores já estavam impacientes com seus óculos metálicos captadores de DNA que não localizavam a herdeira com a precisão devida. As árvores eram o maior problema quando se tratava de tecnologia.
Crow Sky tinha olhos ferozes, estava na cara que não gostava da natureza e ter que sujar suas botas de couro com terra molhada fazia sua impaciência aumentar ainda mais.
Os únicos que mantinham o foco eram os inquisitores do grupo “E”. Suas experiências em perseguição estavam claras nos seus movimentos silenciosos e na respiração controlada.
Tyler parou repentinamente e fez sinal para que todos fizessem silencio. Dylan não gostou nem um pouco da atitude, mas deixou passar.
Lysandre e Rosalya seguraram a respiração, temerosos de que tivessem sido descobertos, mas estavam errados.
Logo que o silêncio reinou todos escutaram um arfar e estalidos de alguém correndo.
- Atrás dela! – Gritou para os outros inquisitores.
O movimento foi imediato. Todos correram com suas armas até a clareira no coração do bosque. Os dois garotos acompanharam os inquisitores e pararam assim que viram Peggy ser emboscada.
- Por aqui. – Chamou Lysandre, apontando para uma árvore cercada de mato alto. A garota de cabelos perolados o seguiu e eles observaram de longe a cena.
Tyler deu um soco na costela de Peggy para fazê-la cair, mas a garota era forte e tentava escapar. Ficava invisível, mas era inútil com tantos inquisitores a espancando.
- Dêem a injeção para imobilizar. – Ordenou Dylan Crow Sky.
Dois rapazes baixos tiraram seringas afiadas com um líquido azul claro e espetaram nos dois braços da herdeira. Imediatamente suas pernas cederam e ela caiu ao chão.
- Ora, ora. – O inquisitor deu voltas na garota tentando parecer ameaçador, mas chegava a ser ridículo fazê-lo enquanto mancava. – Temos uma rebelde em nosso meio.
Peggy respirava ruidosamente com sua cabeça baixa. Folhas molhadas grudavam em suas pernas e suas roupas rasgadas colavam ao corpo devido à umidade.
Dylan e todos os outros a observavam com expressões enojadas, mas ela parecia não se importar. Rosalya sentia um forte desejo de tirá-la dali, mas não sabia como. Seu coração doía de ver Peggy como uma boneca ajoelhada no chão. Se não fosse sua respiração pensaria que já estava morta.
- Mais um monstro que não sabe o seu lugar. – O inquisitor deu um chute na perna da morena. – Se eu pudesse exterminaria toda a sua maldita espécie. – Os lábios de Dylan até tremiam de ódio.
- Você é tão covarde que não conseguiria. – Retrucou de modo fraco e arfante.
-Como é? – Agarrou a roupa de Peggy e deixou seus pés no ar. Com olhos cintilando de raiva gritou – Repita! – Chacoalhou seu corpo fortemente.
Com os músculos dormentes a garota teve dificuldades, mas ergueu um pouco a cabeça para mirar os olhos do inquisitor.
- Eu disse... – Arfou. – Que você é covard... – Antes que terminasse de falar foi jogada contra um tronco de árvore e um gemido saiu de seus lábios.
- Vou matá-la! – Exclamou furioso. – Segurem na para que fique em pé. Vou mostrar o que acontece com essa escória quando enfrentam seus superiores.
Dois homens a agarraram para que se levantasse, mas como seus pés não tinham firmeza tiveram que apoiá-la na árvore. Dylan se aproximou como um leão que vai alcançar sua presa. Peggy, entretanto não demonstrava medo, seus olhos eram desafiadores, apesar do corpo todo demonstrar fraqueza.
Rosalya estava quase no seu limite, não podia suportar ver alguém passar por aquilo. Lysandre segurou a mão dela nesse momento, mas não disse nada.
- Senhor. – Chamou um inquisitor. Seu jeito retraído ao se aproximar fez com que outros que observavam dessem risadas de deboche. Provavelmente sofria muito com isso, estava claramente acima do peso e seus olhos miúdos tinham uma cor apagada. O cabelo liso e escorrido cobria boa parte da testa e virava suas mechas para o lado de fora quando encontrava a metade da nuca. Parecia o tipo de rapaz pouco confiante.
Crow Sky se virou para o garoto com o olhar frio. A coisa que mais odiava era ser interrompido. - O que foi poço de banha?
Várias gargalhadas foram ouvidas, mas o homem tentou não se intimidar. – As ordens do senhor Dimitry foram para não matá-la ainda.
Uma adaga passou riscando o rosto do inquisitor e ele caiu com o susto.
Dylan se abaixou e aproximou-se do rosto do homem de cabelo escorrido. Seu sussurro foi ameaçador como uma serpente. – Com ou sem Dimitry essa adaga vai te cortar feito um porco se não calar essa porcaria de boca. – O outro engoliu em seco. – E que isso valha para todos vocês. – Disse, já em pé com a voz alta e forte, olhando cada um dos seus subordinados. – Se alguém abrir a boca para o Dimitry vocês podem considerá-lo como um homem morto. Estamos entendidos? – Todos assentiram.
Rosalya olhou para Lysandre com grande desespero. – Vão matá-la. Precisamos fazer algo.
- Não dá. – Comentou entristecido. – Se nos verem seremos mortos.
- Que seja! Mas, pelo menos não deixaremos a Peggy morrer assim.
O garoto segurou Rosa pelos ombros e a fez olhar para ele. – Não dá Rosa, não dá. Somos as únicas testemunhas do que aconteceu, se nos matarem perderemos tudo o que descobrimos e então a morte da Peggy será em vão.
- Lys. – Choramingou enterrando seu rosto no peito do rapaz.
Lysandre ia responder algo, mas foi interrompido pela visão de Dylan com Peggy.
- Agora você vai aprender seu monstrinho. – Abriu a jaqueta e tirou do seu bolso uma lâmina prateada bem fina. Brincou com o objeto entre os dedos e puxou o rosto da garota para que o visse. – Você vai adorar o meu brinquedinho. – Comentou com humor sádico. – Se eu fizer um corte todo o seu corpo vai arder como se estivesse no inferno e cá entre nós, estará lá logo, logo.
- Não quer perguntar para o governador antes de usá-lo? Soube que não faz nada sem a autorização dele. – Deu um sorriso fraco.
O inquisitor ficou sério e então sem piedade nenhuma cortou a bochecha da garota. Seu grito foi tão alto que os pássaros voaram de suas árvores assustados.
- Acha que pode comigo aberração? – Disse enraivecido. Passando a lâmina devagar pela pele do braço de Peggy. O sangue escorria rapidamente manchando todo o chão do bosque. Os músculos da garota foram cortados com precisão até chegar ao osso. Ela gritava e se debatia com a dor, mas não desmaiava devido ao veneno da lâmina e isso fazia da tortura algo muito pior. – Seu lindo rostinho vai ser dilacerado pelos animais do bosque quando eu acabar com você. – Apertou seu queixo com força e deu um soco no estômago.
A garota dos cabelos prateados enterrou as unhas na palma das mãos até formar fundos vincos. – Não posso ficar aqui vendo isso acontecer. Ela está sofrendo. – Lysandre segurou firmemente o pulso da amiga.
Peggy já não tinha forças devido à grande quantidade de sangue perdido. Tudo ao seu redor girava e o som era abafado.
- Ela vai morrer logo senhor. – Comentou o inquisitor Tyler que não demonstrava nenhuma piedade no rosto.
- Sei disso, mas antes quero dar o golpe que a fará sofrer por mais algum tempo. – Nesse instante Dylan pegou a lâmina e Rosalya sabia exatamente o que faria. Com pavor ela abraçou Lysandre e deixou que as lágrimas corressem em seu colete. O rapaz, entretanto presenciou a cena quando o inquisitor se aproximou de Peggy e enterrou em sua costela a adaga envenenada. O gemido foi fraco só porque a garota perdeu a voz, mas estava claro que a dor que sentia era insuportável.
- Vamos. – Resmungou ele. – Essa maldita vai morrer logo, nem o veneno vai conseguir fazer com que ela fique apreciando a dor por muito tempo. O que aconteceu aqui hoje será esquecido, para qualquer um que perguntar esse monstro foi aniquilado pelo mesmo motivo de sempre: Rebeldia. Rebelou-se contra nós e em defesa atacamos. – Com passos pesados eles saíram da clareira.
O choro de Rosa foi gradativamente aumentando e assim que ambos tiveram certeza que todos os inquisitores já haviam ido, correram até o corpo ensanguentado de Peggy.
A garota respirava com grande dificuldade e cada tentativa de mover-se resultava em uma dor insuportável. Seu maior desejo era morrer logo para aquele sofrimento acabar. Perguntava-se se alguém sentiria sua falta, talvez nem se lembrassem dela. Era completamente deprimente que estivesse pensando em coisas assim nos seus últimos instantes de vida, nem parecia mais ser ela mesma. No entanto, sentia um grande vazio ao olhar para trás, agora que estava morrendo ninguém a amava para estar ao lado do seu corpo, sua família já havia sido assassinada tanto tempo antes e não possuía amigos de verdade. Nunca tinha sido alguém que pudesse guardar segredos e fazia tudo para aparecer, mas tinha qualidades e só não sabia onde estavam.
Os pensamentos de Peggy foram interrompidos quando duas figuras conhecidas se aproximaram.
- Meu Deus! O que fizeram com você? – Rosalya tremia diante dela. Peggy imaginava que estava horrível, mas não tinha idéia que seu braço estava todo aberto, dilacerado e o sangue ao seu redor era uma grande poça escarlate.
- Temos que tirá-la daqui Lys. Precisamos. – Continuou aos prantos.
- Não dá para fazer nada Rosa. – Cochichou o garoto.
A garota de cabelos prateados soluçou e chorou sem controle. – Chame o Leigh, Ele pode salvá-la.
O rapaz apenas abaixou a cabeça. Sabia que não daria tempo, a Peggy que todos conheciam estava morrendo e nada que fizessem mudaria isso.
A garota, no entanto sentiu um pouco de felicidade em seus últimos momentos, nunca imaginou que Rosalya choraria por ela. Sua curiosidade era grande para saber como havia sido encontrada, mas naquele momento tinha algo muito mais importante que sua insaciável curiosidade.
- Prec... – Tentou falar, mas sua voz saia cada vez mais fraca. Não tinha forças.
- Ela esta querendo nos dizer algo. – Lysandre se aproximou para entender, mas a voz de Peggy não saía.
- O que ela esta dizendo? – Rosa quis saber.
Com muita dificuldade a morena usou seu braço ainda inteiro para mexer a bolsa. Lysandre a ajudou e abriu o objeto, com muita cautela pegou uma caixinha aveludada dentro.
- Um colar? – Perguntou Rosalya.
- A caixinha parece ser de uma jóia, mas não sei se é isso que tem aqui.
- Abra.
O rapaz olhou para Peggy e ela não tentou dizer mais nada, apenas via seu mundo escurecer aos poucos.
Com desespero Rosa se jogou em cima da colega. Suas lágrimas não paravam de cair e só conseguia dizer entre soluços. – Não morra, por favor, não vá. Sinto muito... Eu sinto muito por tantas vezes...
A voz da garota foi desaparecendo, mas o último pensamente de Peggy ficou gravado quando deu seu ultimo suspiro. – Não, eu que sinto.