O primeiro dia em Sweet Amoris foi o mais tranquilo, os demais se tornaram um verdadeiro inferno. Já pela manhã o alarme ecoava de modo ensurdecedor, ninguém conseguia se acostumar. Boris já não vinha acordar todas da ala de Selena e quem não comparecesse pontualmente ao bloco três para o café da manhã seria severamente punido - assim como Ambre foi por atacar Boris.
Havia coisas na ilha que eram assustadoramente boas, como a comida, quartos e banheiros. Na mente de Selena, Sweet Amoris seria tão confortável quanto um calabouço, mas a realidade era outra, mesmo sendo prisioneiros eles tinham um tratamento de conforto e aquilo era muito suspeito.
A garota só compreendeu o verdadeiro motivo por de trás quando conversou com Rosalya sobre suas suspeitas.
Rosa se surpreendeu por Selena não adivinhar, mas mesmo assim respondeu. - O governador é inteligente, sabe que se estivermos confortáveis vamos esquecer que estamos sendo vigiados e baixaremos a guarda.
Depois dessa declaração a garota reconheceu como Rosalya tinha razão, muitos herdeiros ali pareciam confiantes nos seus quartos a ponto de até mesmo dizer que o governador não era tão ruim quanto seus pais e que ali ao menos tinham privacidade. Era assustador ver aquilo.
Além disso, ainda havia a rotina cansativa de todos os dias, pela manhã vinha uma série de exames médicos, tiravam sangue, faziam provas de raciocínio e como se não bastasse, Dimitry estava presente quase todos os dias para fazer uma dolorosa "varredura mental". Graças ao anel Selena não entregava todos seus segredos, mas tinha que ver Rosalya e tantos outros fazê-lo. Ele até tentou retirar o anel dela, mas qualquer um que tentasse era impelido por um campo magnético.
– Não tem problema, queridinha - Desdenhou o supervisor uma das vezes. - Você vai se descuidar e falar com seus amigos e quando isso acontecer estarei pronto.
Graças a essa declaração ela se sentia sozinha e com medo de dizer qualquer coisa, mas Rosa a acalmou por prometer que não ficaria ressentida se algumas de suas perguntas não fossem respondidas.
Entretanto agora havia outros problemas, primeiro ela teria que desistir das tentativas de fazer todos acreditarem que o governo a tinha sob controle, estava claro para eles que isso ainda não havia acontecido. Segundo, precisava ir à torre buscar o que sua tia tinha deixado, mas não sabia como o faria se todos ali a vigiavam cada vez mais, principalmente porque Agatha não havia sido encontrada e pior ainda, tinha matado três inquisitores e hospitalizado cinco - Infelizmente Dylan sobreviveu.
Por último ainda tinham os treinamentos de campo, cada semana ela passaria por testes mais e mais perigosos e logo lutaria com diversos outros herdeiros. Para seu horror os primeiros testes começariam logo pela manhã.
Com esses pensamentos ainda a atormentando ela se levantou. Toda vez o alarme soava quando já estava acordada, mas não impedia de assustá-la todos os dias.
Caminhou até a janela e puxou a pesada cortina. O céu estava nublado e o vento cantava de tão forte, mas, pelo menos, ela não sentiria tanto frio com o treinamento.
Olhou o relógio da estante com apreensão, tinha apenas dez minutos para sair, a não ser que quisesse ficar como Ambre. Depois da punição a loira nunca mais se atrasava e não falava para ninguém o que havia acontecido. Apesar disso, os gritos da patricinha ainda ecoavam na sua mente.
Com arrepios ela tentou espantar os pensamentos, não queria ficar lembrando-se de coisas ruins, já tinha problemas suficientes para enfrentar.
Então, respirou fundo e foi ao banheiro, mas não demorou a voltar para arrumar a cama. Tentou lançar lufadas de ar para os cobertores se arrumarem com mais facilidade, mas por duas vezes os barulhos no corredor a distraíram e como resultado o quarto ficou encharcado. Sua habilidade com a água ainda era muito limitada e sempre aparecia nos momentos menos propícios. Sem esperanças, terminou de arrumar a cama com as mãos e lançou correntes de ar para secar um pouco da umidade. Quando olhou para o relógio sentiu um frio na barriga e correu em disparada para a porta, mas ao abri-la surpreendeu-se ao ver uma grossa camada de diamante negro impedia-la de sair.
– Aquela maldita! - Gritou com ódio.
Sua raiva foi tão grande que jogou fogo nos diamantes. O negro virou vermelho por alguns segundos, mas então absorveu as chamas e voltou ao normal, completamente intacto. Selena tentou se acalmar para analisar a habilidade de Ambre. Ao menos para alguma coisa os seus poderes deveriam servir.
Tocou a pedra fria e escura, era completamente resistente e tinha uma energia estranha, muito diferente dos diamantes coloridos que a loira normalmente usava.
Foi então que Selena entendeu. A patricinha era mais perigosa do que imaginava, mesmo que não fosse tanto quanto Debrah, ainda assim, tinha algo que Selena negligenciou e graças a isso estava presa e provavelmente sem saída.
Seus poderes mentais até poderiam ser usados para tirá-la dali, mas para isso teria que ter muita concentração e isso estava quase impossível naquele momento.
– Aí meu Deus! Que coisa é essa? - A voz de Rosalya soou como musica aos ouvidos da garota.
– Rosa! Aqui dentro.
– O que houve? Você precisa sair, estamos atrasadas demais.
– Se eu pudesse já tinha saído, foi a Ambre que me prendeu aqui.
– Aquela vadiazinha oxigenada, juro que quando eu botar minhas mãos nela...
– Esquece isso agora. Ela precisa ser tirada daí. - Selena não reconheceu a voz masculina, mas o dono dela devia ser extremamente calmo, pois seu autocontrole era evidente.
– Quem mais está aí Rosa?
– Eu te apresento depois. - Falou com impaciência. - Agora espera só um pouquinho que vou absorver esse diamante.
– Não! Não faz isso! - O desespero foi tanto que faíscas saíram dos seus cabelos e queimaram o tapete.
Rosalya deu um passo para trás assustada. - Por que não? Selena nós não temos tempo.
– Diamantes normais são resistentes somente a arranhões e riscos, mas esse diamante da Ambre é muito mais poderoso, nem o fogo conseguiu derreter. Se você absorve-lo pode ser muito e eu não acho que a consequência seja boa.
– Eu já absorvi coisas muito piores, não sou tão fraca assim.
– Rosa, você não entende. Essa coisa tem vida própria, se o absorve seu corpo pode não aguentar. Ele é muito forte.
– E qual sua sugestão? Sentar e esperar que Ambre vença?
– Não!
– Ótimo. - Resmungou Rosalya - Apenas me deixe fazer o que sei.
Ela ergueu a mão para tocar o diamante, mas o garoto ao seu lado impediu. -Me deixa tentar.
– Eletricidade não vai adiantar. - Sibilou de dentro do quarto.
Lysandre olhou de modo inquisidor para Rosalya que apenas deu de ombros. - É uma das habilidades dela saber o poder que temos.
Selena se recordou brevemente do garoto que estava quase eletrocutando todo mundo na primeira noite em Sweet Amoris, tinha a leve impressão que este era ele.
A discussão dos dois fez a garota voltar sua atenção ao verdadeiro problema do momento.
– Certo Rosa. – Falou. - você vai absorvê-lo, mas primeiro preciso enfraquecer o diamante.
– Como assim?
– Para absorver qualquer ataque a pedra utiliza uma fonte de energia ou núcleo, mas essa fonte precisa de muito poder para proteger algo desse tamanho. Se não estou errada a própria origem dessa fonte é a Ambre e ela está concentrada no seu café da manhã, a não ser que se esforce muito, vai ser quase impossível enviar tanta energia ao núcleo, consequentemente se atacarmos em ambos os lados a pedra não vai conseguir absorver um deles.
– Certo, mas qual deles? - Lysandre começava a se interessar.
– O diamante não conduz eletricidade, mas é mais sensível ao calor, se eu lançar chamas na pedra e você eletricidade, o núcleo vai tentar proteger o meu lado e é inevitável que a sua parte do diamante fique vulnerável.
–E a Rosa vai poder absorver esse lado da pedra. - Concluiu Lysandre.
– Isso mesmo! - Rosalya brilhou de animação.
– Mas tudo deve ser feito no momento certo, primeiro você tem que lançar os raios junto comigo, só deve parar quando eu disser e a Rosa não pode demorar em absorver o diamante.
– Quando você quiser. - Respondeu o garoto.
Selena respirou profundamente e deu um passo para trás. - Em três... - Estendeu as mãos. - Dois... - Sentiu o calor correr pelas pontas dos dedos. - Um. - As chamas foram direcionadas para o centro do diamante na mesma hora que raios luminosos crepitaram do outro lado. A pedra se aqueceu em tons escarlates e azuis esbranquiçados, as cores pareciam estar em guerra com o negro que lutava para aparecer.
– Precisa de mais raios desse lado. - Exclamou a garota com as mãos em chamas.
O garoto acelerou os batimentos cardíacos descarregando eletricidade por todo o corpo, o corredor brilhou e Lysandre podia jurar que seu coração explodiria. - Assim está bom? - Sua voz saiu engasgada de tanto esforço.
A ruiva lutava contra o calor que a consumia, precisava aguentar mais, quase podia sentir o núcleo do diamante começar a morrer, mas não podia fraquejar. Ambre estava concentrada na pedra passando energia, era a única explicação para ser tão difícil acabar com aquilo.
– Está quase, mais um pouco... Rosa se prepare.
A garota de cabelos pérola se colocou em posição com nervosismo, dava para escutar os gemidos de dor de Selena do outro lado. Ela nunca tinha visto coisa igual, mesmo com os raios de Lysandre podia se enxergar o brilho dourado das chamas.
– Agora Rosa!
No mesmo instante o garoto parou com seus raios e liberou espaço para Rosalya. Com um formigamento correndo pela pele ela tocou a pedra fria e não conseguiu conter um grito agonizante ao sentir um gélido frio por todo o corpo.
– Rosalya! - Gritou Lysandre, mas não obteve resposta.
A pedra se desintegrava lentamente, se Selena não fizesse algo a amiga poderia morrer. Com muito esforço ela se conectou mentalmente ao núcleo e conseguiu infiltrar magma por dentro da pedra, mas graças a isso o diamante de estilhaçou jogando todos para longe e fazendo inúmeros cortes que só não foram piores graças ao escudo de alguém.
– Mas o que aconteceu aqui?
– Professor Faraize!
Selena estava atordoada, mas podia enxergar um homem de óculos e cabelos escuros. Seu jeito um pouco desengonçado e magro escondia um grande poder e graças a ele estavam todos vivos.
– Podemos explicar, foi tudo por causa da Ambre. - Reclamou Rosalya ainda no chão.
Lysandre ajudou as garotas a se levantarem. Não havia muito para falar, Rosa já fazia todo o trabalho e Faraize entenderia que eles não seriam capazes de uma destruição daquelas sem um bom motivo. Na verdade, ainda era assustador pensar que a garota de cabelos escarlates possuía habilidades tão poderosas, mesmo que não tivesse feito tudo sozinha era intimidador.
– Por isso as coisas ficaram nesse estado. - Conclui Rosalya, quase com orgulho de si mesma.
Faraize não sabia o que dizer. Seu trabalho era apenas buscar os três antes que a diretora ou alguém como Dimitry percebesse e os punisse, mas no final ele teve que usar seu campo de proteção para que todos ali não morressem. Apesar de que os danos ao quarto de Selena seriam irremediáveis e no corredor demoraria um pouco para retirar os pedaços gigantescos de diamante que perfuravam paredes e teto, sem mencionar tudo que estava chamuscado e queimado - Principalmente o quarto.
– Bem, acho que não há muito que fazer, a diretora vai ser informada sobre isso e vocês vão descer para o café enquanto eu resolvo a situação com Ambre.
– Mas o café terminou.
–Tem razão Rosalya. - O professor encaixou os óculos na ponte do nariz. - Terão que treinar sem comer mesmo.
Todos se entreolharam com tristeza e alguns estômagos roncaram.
O professor suspirou, não sabia que decisão tomar. A diretora iria matá-lo quando soubesse da confusão que se meteu. -Está bem, vocês vão até o bloco seis, achem a Chinomimi e expliquem tudo. Ela vai saber o que fazer.
– Achar quem?
Faraize nem pareceu escutar a pergunta de Selena, apenas andava pelo corredor roendo as unhas.
Rosalya a puxou pelo braço. - Vamos Selena, se a Chino estiver de bom humor as coisas vão se resolver melhor do que a loira azeda pensa.
***
Cautelosamente o professor percorreu o hall e depois o pátio central. Suas unhas estavam completamente roídas, mas ainda assim o nervosismo não havia passado. Aproximando-se da Direção sentiu um frio na espinha. A porta era de aço, mas por dentro havia diversos microchips que impediam qualquer aluno de atacar a sala. Caso algum deles tentasse, mecanismos de defesa seriam acionados e venenos mortíferos injetados antes que ele ou ela pudesse ao menos respirar.
O professor pisou em cima de uma placa de vidro e em quinze segundos uma luz brilhante já havia analisado todo o seu DNA. A porta se abriu e quatro inquisitores o olharam de modo carrancudo, dois deles tinham olhos caramelos e cabelos pretos, os outros eram morenos de olhos castanhos, seus uniformes consistiam em capas azuis escuras, luvas e botas de couro, camisa preta colada, calças cinza e diversos compartimentos para armas e injeções. Aqueles eram chamados de grupo "E", considerados os mais baixos dos inquisitores. Suas obrigações consistiam em proteger salas e controlar herdeiros com injeções. Eram os que mais morriam, mas não tinham valor para o governo, no entanto o ódio estava sempre direcionado aos herdeiros e não ao governador.
Faraize passou olhando para o chão, odiava ter que entrar ali. O corredor era revestido de aço e frio como o Alaska, as paredes pareciam nuas, mas por todos os lados as câmeras acompanhavam os visitantes.
Ele passou pela segunda porta da mesma maneira e entrou numa espaçosa sala com telas gigantescas.
A diretora estava sentada em uma mesa central equipada com teclas sensíveis ao toque e diversos hologramas da ilha inteira.
Vários inquisitores vestidos de preto e bordô o olharam com desdém. Suas luvas tinham pontas afiadas nos dedos e carregavam bastões de eletricidade. Era o grupo "C", responsáveis pela segurança da diretora e pessoas nobres, mas apesar de não gostarem, ali era ela quem mandava.
Ele pigarreou de modo fraco. A senhora apenas ergueu os olhos por cima dos óculos.
– Espero que tenha uma boa explicação para o ocorrido na ala 20.
– Ah! Ele tem sim... Com certeza. - Dylan, o inquisitor do mais alto escalão o fitou com olhos maliciosos. Sua expressão era sempre de superioridade quando se tratava dos herdeiros, mas Faraize sentiu uma leve satisfação ao notar que ele mancava e tinha grande dificuldade para caminhar por trás da diretora.
– E então Faraize? Estamos esperando.
– Erm. - Engoliu em seco. - Os alunos usaram suas habilidades para se defender e se atrasaram...
– Isso tudo eu já sei. - Exclamou a diretora fingindo conter o mau humor. - Quero saber onde estão aqueles três e por que não foram punidos.
– Bem. - Forçou a voz para sair mais alta, mas resultou ser inútil. - Não achei que eles devessem ser punidos...
– Você não achou?- O sarcasmo escorria afiado pelas palavras da senhora. - Vejo que sua opinião é tão importante nesse assunto que nem foi necessário me consultar.
– Não pretendia passar por cima da sua autoridade - Gaguejou - Não pensei...
– E quando é que você pensa? - Dylan soltou uma gargalhada maldosa.
A diretora apenas lançou um olhar de censura aos demais inquisitores que gargalhavam. Faraize se encolheu involuntariamente.
– A única coisa que me importa é que essas aberrações devem ser castigadas.
– Mas foi a senhorita Ambre que usou seu poder.
– A torture também. – Berrou enraivecida.
Dylan bateu as garras douradas e metálicas na mesa de modo ameaçador. - Pensei ter deixado bem claro que a senhorita Ambre será castigada apenas quando for meu desejo.
– Uma pena que a autoridade aqui seja eu. - Sibilou a senhora.
O inquisitor deu uma risada que gelou o sangue do professor. - Não se esqueça velha bruxa que minha posição é bem maior que a sua e se alguém tem autoridade aqui não é você.
– Pois eu lhe digo senhor Dylan. - Levantou furiosa. - Que não me importa se é o queridinho do governo, eu farei o que quiser nessa maldita ilha e pronto!
O inquisitor segurou uma adaga de raios e brincou com ela sem tirar os olhos da diretora. - Pois eu lhe garanto aberração que se for contra mim farei com que seu destino seja pior que a morte.
A mulher cerrou a mandíbula enquanto Faraize respirava com dificuldade, algo que só piorou com a chegada sombria de Dimitry.
– Ora, ora o que temos aqui. - Seus olhos brilharam com malícia. - Parece que estão medindo forças, não é Faraize? - Ele se colocou ao lado do professor. - Parece extremamente interessante, talvez queiram que eu entre na partida? - Analisou a feição de cada um dos presentes que não fizeram nada mais que respirar. - Acho que isso é um não, uma pena devo dizer. - Caminhou de um lado ao outro. - Eu estou muito animado para participar, vejam bem minha situação, estava meditando para acalmar meus nervos quando sou interrompido por seus pensamentos e emoções odioso. - Lançou frios olhares para a diretora e o inquisitor. - Entretanto, meu humor está um pouco mortal hoje graças aquele maldito anel da Agatha, então sugiro que não me irritem. - Sorriu ameaçador.
A diretora limpou a garganta antes de falar. - Estava apenas resolvendo um problema com alunos rebeldes.
– Se pudesse eu os torturaria agora mesmo. - Massageou as têmporas. - Sua estupidez me irrita Dylan e nem vou falar sobre vocês dois. - Apontou para a diretora e Faraize. - A solução é simples, ninguém será castigado.
Ambos abriram a boca para protestar, mas Dimitry os silenciou com um gesto.
– Até onde eu sei a nossa pequena aluna rebelde usou seus poderes e quase destruiu a ala.
– Havia outros com ela. - Resmungou a diretora.
O supervisor a ignorou. - Quero toda a gravação da garota na minha mesa imediatamente.
Faraize prontamente obedeceu, queria mais que tudo sair dali.
– Essa decisão não cabe a você.
Dimitry se virou para ela. - Cuidado com as palavras sua velha amarga ou podem ser as últimas.
Dylan sorriu ao ver a diretora se encolher.
– E quanto a você. - Olhou para o inquisitor. - Acho bom me contar tudo o que sabe sobre a senhorita Ambre, algo me diz que ela será muito útil.
***
Eu vou matar aquela maldita! – Gritava a plenos pulmões.
– Acho que meus tímpanos morrem antes. – Resmungou a outra.
Lysandre soltou uma risada abafada, mas ninguém percebeu.
– Você devia estar mais brava que isso Selena. – Continuou Rosa, gesticulando furiosamente. – Se não fosse por ela nós não teríamos nos metido nessa encrenca.
A ruiva girou os olhos. – Eu sei Rosalya, mas não adianta nada ficar se estressando agora.
– Pelo menos não fomos punidos. – Acrescentou o garoto.
Os olhos dourados de Rosa se estreitaram. – E você que só ficou com essa cara de paisagem enquanto eu tinha que explicar tudo ao professor Faraize, nem teve coragem de colaborar com um insulto decente.
– Me pergunto o que seria um insulto decente – Sussurrou Selena, mais para si mesma que qualquer outro.
– Não teve a capacidade de eletrocutar a cozinheira que apenas nos deu sobras. – Continuou sem se importar com o comentário da amiga. – E como se não bastasse ainda me segurou para não bater naquela baleia orca.
– Grande crime o meu. – Ironizou.
– Digno de prisão perpétua. – Completou Selena.
Rosalya nem se importava com os dois. – Pior que isso foi a Chinomimi, quem ela pensa que é para ficar se teletransportando para lá e para cá quando tinha que estar no bloco seis? – Lysandre e Selena apenas suspiraram, mas Rosalya não deu sossego. - Se não fosse por ela nós teríamos tomado um café da manhã decente.
– Você esta revoltada só porque não tinha mais cupcakes. – Selena riu com a expressão emburrada da amiga. – Não se preocupe com isso Rosa, no fim a gente ganhou da Ambre.
– Isso se não formos todos punidos. – A expressão do garoto permanecia indecifrável, era quase interessante olhá-lo.
– Se depender da defesa do professor Faraize seremos todos cortados em pedaços.
– Agora temos coisas maiores para nos preocupar. – A garota de cabelos flamejantes tentou ignorar a imagem mental que Rosalya deixou.
– Já te disse que os treinamentos são ridículos e não tem que se preocupar. – Balançou a cabeça em reprovação enquanto passavam pela torre.
Selena decidiu não discutir, a sensação de que algo ruim estava para acontecer continuava ali, mas não adiantava nada ficar ansiosa. Os três caminharam em silêncio pela quadra de esportes e alguns metros à frente subiram várias escadas enferrujadas. Pararam diante de um grande prédio em forma de arca, todo revestido de metal. Não havia janelas, o teto era extremamente alto e o silêncio absoluto. Não havia árvores e nem qualquer paisagem convidativa, até mesmo as quadras mais ao longe e a torre pareciam desertas dali, a grama baixa e seca balançava suavemente com o vento frio e cortante, aquilo era o mais próximo de qualquer coisa viva no ambiente.
– Estranho. – Refletiu Selena. – Parece que nem os inquisitores estão fazendo rondas por aqui.
Os outros dois ficaram sérios, mas balançaram a cabeça em concordância depois de analisar novamente o local.
Lysandre foi o primeiro a tomar a iniciativa de abrir a porta, mas ela era tão pesada de puxar que até mesmo ele teve dificuldades.
– já veio aqui? – Perguntou Selena a Rosalya.
A garota de cabelos prateados demorou alguns segundos para absorver as palavras da amiga.
– Sim, ou ao menos eu pensava que sim.
– Como assim?
Seus olhos dourados percorreram o interior do prédio com espanto. A única maneira de descrever aquilo era “vazio”, apenas uma palavra. Tudo era frio e de metal, mas tirando isso não havia absolutamente nada. Até a iluminação era tenebrosa, um branco acinzentado e fraco em volta de grandes placas no teto.
– Está tudo muito diferente. – Respondeu. – Antes de vocês virem para cá esse lugar tinha máquinas e câmeras para todo o lado, uma semana antes dos novos herdeiros chegarem eles disseram que os treinamentos iriam ser suspensos até formatarem o sistema.
– Ou seja, alguém invadiu os dados do governo.
As garotas se viraram para Lysandre com grande curiosidade, mas antes que ele pudesse falar mais alguma coisa passos foram ouvidos. Eles olharam para os lados, mas ninguém sabia dizer de que direção vinha o som porque ele se espalhava em ecos.
Selena se virou para um ponto escuro do outro lado da sala. Foi apenas uma rápida olhada e ela podia jurar ter visto olhos vermelhos, mas antes que pudesse captar melhor a imagem, as fracas luzes se apagaram e Rosalya deixou escapar um grito. Sua reação automática foi acender seu corpo em chamas enquanto os passos pareciam ficar mais e mais altos, dava para sentir a adrenalina e o medo em seu corpo. Era ele... Tinha que ser o assassino atrás dela... Hoje seria o dia da sua vingança.
– Mas que porcaria que vocês fizeram? – Alguém apontou um clarão para o rosto dos três.
A ruiva fechou os punhos com raiva e frustração. Rosa e Lysandre perceberam claramente a tensão em Selena, mas resolveram ignorar, ou pelo menos o garoto faria isso.
– Ei! – Gritou colocando a mão em frente aos olhos. – Não jogue essa luz na nossa cara.
A pessoa apontou a luz diretamente para Rosalya. – Eu perguntei o que vocês fizeram? – A voz fina e melodiosa soou firme.
Lysandre segurou Rosa que estava prestes a saltar no pescoço de alguém, apesar de ser uma pessoa maravilhosa ela também se irritava facilmente e o seu limite havia sido atingido naquele dia.
– A culpa é sua por não estar no bloco seis. – Resmungou novamente enraivecida.
Nesse momento a luz voltou e mesmo que não fosse tão claro como deveria, aos olhos dos três a iluminação estava perfeita até demais.
Uma mulher de cabelos curtos e negros estreitou os olhos verdes para os garotos. Ela era sem sombra de dúvida uma herdeira. Suas asas e chifres comprovavam isso, mas parecia jovem e vestia roupas descoladas como uma blusa preta bem justa e corrente na calça. Um estilo que Selena aprovou de imediato.
– Aonde eu vou ou não só diz respeito a mim. – Se dirigiu a Rosalya. – Quanto a você senhorita Selena, pode apagar esse fogo.
Só nesse momento a garota percebeu que estava envolta em chamas. Respirou fundo e sentiu o calor se esvair aos poucos.
– Assim está melhor. - Comentou Chino em um tom mais calmo. – Agora quero saber o que fazem aqui e por que ainda não acompanharam os outros?
Com paciência e ainda segurando Rosalya, Lysandre explicou os acontecimentos até aquele momento. Assim que terminou Chinomimi fez um biquinho e moveu seus lábios de um lado ao outro. Sua expressão era uma mistura de dúvida e preocupação.
– Quer dizer que vocês não fizeram nada para ocasionar a queda de energia? – Ainda demonstrou desconfiança.
Os três apenas absorveram suas palavras com expressões confusas e curiosas. Foi o suficiente para Chino relaxar.
– Ótimo! – Suspirou cansada. – Agora vamos ter que lidar com isso também, me acompanhem. – Ela saiu com os garotos em seus calcanhares.
– Com o que vocês vão ter que lidar? – Rosa já demonstrava um temperamento mais brando.
A morena nem se preocupou em virar-se para responder enquanto batia suavemente suas asas. – Para sua segurança é melhor nem saber. De preferência ignorem o que viram agora pouco e não contem para ninguém.
– Uma queda de energia é tão séria assim? – Especulou Selena.
Nesse momento Chino parou e encarou a ruiva. – Em Sweet Amoris até mesmo um pequeno roedor pode ser perigoso, principalmente se você estiver envolvida.
– E eu estou envolvida nessa queda? – Seus olhos rosáceos nem mesmo piscaram.
– Eu diria... – Retribuiu o olhar com a mesma intensidade que Selena. – Que qualquer coisa que saia da normalidade aqui na ilha e que aconteça enquanto você esta aqui, pode ser considerado culpa sua e mais trabalho para mim.
Ela abriu a boca para falar, mas Chino se adiantou. – Nem me pergunte mais nada, já falei demais e não estou a fim de levar bronca da velha rabugenta. – Assoprou uma mecha do seu cabelo como uma criança faria. – Agora se vocês puderem me acompanhar.
Eles caminharam ouvindo o eco de seus passos, até a morena parar e tocar uma grande porta de ferro. Pequenas luzes azuis fizeram um caminho pela porta e ela se abriu com um som agudo.
– Entrem.
– Não me lembrava de ter um elevador aqui. – Refletiu Rosa.
– É por que não tinha. – Chino entrou junto com eles e tocou a porta novamente. Com um ranger a pequena caixa desceu para as profundezas de algum local desconhecido.
– Para onde estamos indo? – Questionou com veemência.
– Já disse para vocês Rosalya, nada de perguntas.
A garota de cabelos prateados bufou frustrada.
O silêncio não durou o suficiente, pois o elevador parou e abriu as portas. Chino flutuou na frente e um grande salão iluminado pôde ser visto.
Imensas placas de luzes pendiam do teto. Canos grossos e fios formavam um grande emaranhado na parte superior das paredes. A temperatura estava bem alta ali, somente devido a alguns aquecedores que estavam no subterrâneo. O chão era recoberto por placas de reconhecimento, onde micro analisadores de DNA ficavam escondidos debaixo de uma camada de vidro super resistente. Telas e equipamentos que ninguém sabia dizer exatamente com qual finalidade estavam ali, espalhavam-se por todo o local.
Boris chegou com seu ar galanteador. – Chino, minha bela donzela. – A morena revirou os olhos. – Onde estavam esses três?
– Melhor deixar as explicações para outra hora. Eu tenho que ir até o bloco seis...
– Agora você vai para lá. – Resmungou ironicamente Rosalya, mas foi ignorada.
–... Preciso comer alguma coisa, essa correria esta me matando. – Assoprou sua franja. – Vou atacar uns cupcakes que a cozinheira guardou para mim.
Rosalya lançou um olhar mortal para Chino. – Sua...
A morena apenas mostrou a língua para ela e saiu com um gracioso giro se teletransportando para outro lugar.
– Maldita, traiçoeira, galinha...
–Pronto Rosa, ela já foi. – Selena deu tapinhas de consolo na amiga.
Boris sentiu que havia perdido algum fato, mas não tinha muita curiosidade. – Vamos ver quais são suas tarefas hoje. – Abriu um dispositivo pequeno e retangular. Todos se aproximaram ao aparecer hologramas com grades e listas. – Lysandre vai à sala três, treinamento de nível um. Rosalya é na sala oito, treinamento também e Selena... – Ele ficou tenso por um instante. – Parece que hoje você vai enfrentar seus colegas.
– O que? – Lutou contra a vontade de gritar mais alto. – Pensei que ninguém lutaria ainda.
Boris limpou a garganta com desconforto. – Parece que alguns foram selecionados para hoje depois do almoço, foi uma decisão de ultima hora e acho melhor você ir logo treinar. Temos alunos muito fortes naquela sala e se não estou enganado faz uma hora que eles estão demonstrando suas habilidades.
A garota não soube o que falar.
– Depois do almoço todos estão liberados para assistir...
– Quem tomou essa decisão? – Rosalya não conteve a rispidez na voz.
– Não tenho permissão para falar. – O monitor abaixou a cabeça.
– Sem dúvida alguém que tem muito interesse em ver até onde vai seu poder Selena. – Lysandre a encarou com intensidade. – Você vai ter que tomar uma decisão hoje.
Ela assentiu. Se lutasse de modo sério poderia mostrar coisas demais ao governo e se não o fizesse apanharia do seu adversário.
– Algo me diz que não foi uma única pessoa que tomou essa decisão.
– Nunca é amiga, nunca é.
Com essa frase Rosalya disse aquilo que todos sabiam, o poder em Sweet Amoris estava concentrado na mão de três pessoas. O único acima delas era o governador e mais ninguém.