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Foi chocante. Me contou que os pais não podiam localizá-la, o celular estava desligado, já haviam ido até a casa de todas as amigas, o local da festa, mesmo assim todos diziam que não sabiam onde ela estava. Já haviam chamado a polícia mas ainda não podiam fazer nada. Tiago estava desesperado, tentei raciocinar, não podia entrar em pânico também, meu amigo precisava de mim e acima de tudo; Rose precisava. Me troquei rápido, expliquei a situação a minha mãe e sai de casa sem olhar para trás. Tiago surgiu do nada naquela rua escura, pude me recompor e o abracei. Estava tão pálido que achei que desmaiaria a qualquer momento. Tentei tranquilizá-lo, disse que deveria ter uma explicação, alguma amiga que os pais dela não conheciam, alguém deveria saber dela.
Sugeri que nós dois fôssemos até a casa de Luana, os pais de Rose já haviam passado por lá, mas poderíamos descobrir talvez quem tinha visto ela pela última vez, afinal o pessoal havia dito que ela teria permanecido na festa por um bom tempo, antes de desaparecer sem se despedir de ninguém. Ao chegar lá, percebemos que a festa ainda continuava. Muitos já não se aguentavam em pé, devido a bebida, ou qualquer outra coisinha que estivessem consumindo. Os que pareciam estar sãos, deviam saber que Rose estava desaparecida, pois logo que nos viram se mexiam nas poltronas como se aguardassem novas notícias à respeito. Tiago e eu os interrogamos, mas não tinham visto Rose já faziam várias horas, e ninguém a tinha visto sair, nem sozinha ou acompanhada. Tiago parecia começar a pensar em bobagens, como se Rose o tivesse traído. Logo lhe repreendi, Rose era incapaz disso e eu sabia, a conhecia à muito mais tempo.
Saímos de lá mais vazios de respostas do que quando entramos, então tive uma idéia. Liguei para Nanda. Era tarde, mas era importante demais, e assim que ouviu minha voz e o que tinha a dizer pareceu ficar apavorada. Disse que havia ficado muito pouco na festa, mas que tinha visto Rose sim, e que esta havia passado a maior parte do tempo conversando com as amigas de sempre, mas que notou não apenas por uma vez Charles e seus colegas olhando para ela durante a festa.
Nanda achou que a festa estava tomando um rumo incerto, alguns destes mesmos garotos começaram a provocá-la então decidiu ir embora junto com algumas amigas. Por sorte o namorado de uma delas tinha carro e levou todas, mas disse que alguns do grupo de Charles chegou a oferecer carona a elas antes disso, todas recusaram e eles teriam então ficado decepcionados. Agradeci a Nanda, e prometi que ligaria se soubesse de mais alguma coisa. Antes de desligar, ela me disse algo que não assimilei naquele momento, mas que deveria ter levado em consideração.
- Tome cuidado Lê! - ela desligou. Senti um frio correr pelo corpo. Tinha me esquecido de Charles, ele já havia feito contato desde cedo com Rose. Talvez já estivesse tentando algo, e sabia que ela iria a festa. Pensei em Luana, a dona da festa. Me lembrei que ela não dizia na cara de Rose, mas todos sabiam que gostava de Tiago também. E se ela estivesse envolvida em algo? Vi que nos olhava da janela, num impulso, voltei rápido para a porta.
- O que houve Luana? - minha voz era firme. - O que aconteceu de verdade com Rose? Foi o Charles, que levou ela daqui? Onde ele está?-
Tiago me alcançou a tempo de ouvir a voz dela. Seus olhos fixos nos de Luana, inertes e quase que vidrados, esperando uma resposta.
- Eu... Não sei do que está falando... Não vejo nem a Rose nem o Charles faz tempo... - ela gaguejava, então Tiago a segurou pelos ombros e numa expressão de pura dor, lhe perguntou ele mesmo.
- O que aconteceu Luana? - Tiago tinha lágrimas nos olhos, então Luana começou a chorar antes dele. Em meio aos soluços, disse que realmente não sabia onde estavam. Mas que temia que Rose tivesse sido levada por Charles. Confessou que viu Charles drogando a bebida de Rose quando esta se descuidou do copo por alguns instantes. Naquela hora acreditou que o garoto estivesse apenas tentando deixá-la embriagada para que pudesse talvez tirá-la para dançar, já que Rose o rejeitava desde que chegara.
- Queria que ela acabasse cedendo, queria que ela beijasse ele, mesmo que bêbada. Assim você não iria mais querer ficar com ela... Então não me importei, mas eles sumiram e comecei a me preocupar... Não percebi quando foram embora... Mas o carro do amigo de Charles era um Pálio preto, e não está mais aqui já faz quase quatro horas... Tiago me perdoe!
A garota voltou a desabar em choro, mas Tiago já havia jogado ela no chão. Começou a correr antes que eu pudesse acompanhá-lo. Provavelmente estaria indo atrás de Charles e os amigos deles. Deixei Luana ali mesmo no chão, imaginando como alguém podia ser tão estúpida, senti nojo e raiva, mas sai dali rapidamente. Não sabia mais para que lado Tiago havia seguido, só ele sabia onde Charles morava, mas talvez não tenha lhe passado pela cabeça o fato de que poderiam estar em qualquer lugar agora. Pensei em Rose, impotente, com ''seja lá o que for'' que a tivessem drogado. Deviam estar em quatro ou cinco, o grupo de Charles. Em geral, eram playboyzinhos, mas ninguém sabia do que eram capazes. A fama deles não era nada boa. Respirei fundo, tentei reorganizar as idéias. Liguei para os pais de Rose, devagar expliquei tudo que tinha descoberto. O pai de Rose gritava, nunca tinha ido com a cara de Charles, disse que o mataria se algo acontecesse à sua filha. Tentei tranquilizá-lo, mas já havia passado o telefone para a esposa, pelo que entendi teria pego o carro e saído procurar ele mesmo pela filha ou pelo moleque que supostamente a havia levado.
Caminhei triste, preocupado e apavorado naquela noite fria, mas principalmente triste. Era como se já enxergasse o que viria a seguir, como se já tivesse aceitado que era tarde demais para Rose. Então vi algo que me roubou a atenção por um instante. Tive a impressão de ver um homem em pé em cima de um pequeno prédio comercial ali perto. Escuro como estava, não vi para onde seu vulto seguiu quando saltou para outro prédio menor, me pareceu ter desaparecido assim que seus pés leves tocaram o terraço. Imaginei que estava cansado e apavorado o suficiente para ver esse tipo de coisa, deixei para lá. Sacudi minha cabeça e continuei caminhando.
Andei naquela madrugada por uma hora e meia, sozinho, esperando ver qualquer coisa. Então encontrei o que jamais pensei que veria em minha vida.
Era uma rua isolada, uma saída da estrada principal, que levava para um local pouco habitado, repleta de chácaras, por sinal situadas longe umas das outras, poucas pessoas entravam ali. Entrei por ter a impressão de que nada mais pudesse me assustar, estava errado.