Colega de quarto temporária

Naquela mesma tarde, voltei para o meu dormitório um tanto pensativa sobre tudo o que Kanade havia me dito e percebi da janela que o Sol iria se por em poucos minutos. Havia um terraço sobre o prédio e eu aproveitei para pegar a minha guitarra que a muito não tocava e resolvi subir com a partitura e letras em mãos. Sentei do lado oposto para ver o Sol assim que cheguei lá, estava vazio e o vento levemente frio resolvia mexer com os meus cabelos presos em um rabo de cavalo simples. Ao deitar a guitarra sobre o meu colo, comecei a reler as notas e a letra da música tão recente que Iwasawa havia escrito.

As primeiras notas não eram difíceis e sem perceber direito, eu estava solando minha guitarra sentindo o meu corpo ressoar com aquela melodia tão bem trabalhada. Era certo que não ficaria igual quanto Iwasawa tocaria, mas eu sentia a magia, o sentimento que ela havia colocado ali. E olhando o Sol descendo por detrás do horizonte, eu lembrava todas as vezes em que tocávamos juntas e fazíamos shows incríveis para aqueles alunos que mesmo sem esperança alguma por conta da vida sofrida que levaram no passado, sorriam e se encorajavam com nossas músicas.

Por mais que a saudade aumentasse, eu sentia o sentimento de nostalgia e paixão voltar com toda a força para dentro de mim. Como se todas as lembranças e momentos viessem todos de uma vez como um filme pela minha cabeça nos mesmos sessenta segundos que o Sol havia levado para desaparecer completamente e apenas seus raios aparecessem, dando uma beleza tão visível no céu que eu não conseguia tirar meus olhos.

E esse foi o momento que eu dei as últimas palhetadas nas cordas da minha guitarra, senti meus joelhos cederem e sorri, com algumas gotas descendo pela lateral do meu rosto. Não era novidade que eu havia usado toda a minha força e inspiração para realizar essa performance. Eu me sentia tão mais aliviada, feliz e esperançosa. Era como se ela voltasse com toda a força para o meu coração, meu ser, minhas lembranças estavam todas completas e encaixadas de volta com Iwasawa Masami. Por favor, aonde quer que você esteja, tenha ouvido essa melodia... O que eu faço hoje em diante é tudo por você...

As estrelas logo surgiram pelo céu límpido que já não era tão claro, um azul mais escuro se fez presente, suspirei ao admirar algo tão belo... Como o Deus que acreditávamos poderia nos deixar sofrer tanto assim para depois criar uma coisa tão magnífica? Era quase contraditório... Mas, eu nunca pensei nas verdadeiras intenções de Deus... Será que ele planeja que nossas vidas continuem sendo felizes assim, mesmo que busquemos algo?

Um sinal interrompeu minha linha de pensamentos em segundos. Provavelmente era o aviso do toque de recolher que nos mandava voltar para os dormitórios, assim Yuri poderia contar os estudantes que estavam seguindo as regras impostas corretamente. Voltei um tanto apressada, correndo as escadas, mas enfim cheguei logo e me deitei na cama. Acho que depois de tanto tempo sem comer nada, eu estava ficando com fome.

Ouvi algumas batidas na porta e levei um breve susto, logo tratei de arrumar os lençóis espalhados e o travesseiro jogado no chão.

— Quem é? – Eu quase gritei meio atrapalhada com as meias escorregando no piso liso e fui calçando os sapatos.

— É a Yuri, preciso falar com você um estante! – Um alívio logo veio por ser a voz de Yurippe, ela era inofensiva pelo menos pra mim. Larguei o travesseiro na cama e abri a porta, logo vi que minha amiga não estava sozinha. Uma garota dos cabelos loiros e longos lhe acompanhava, com um pequeno sorriso no rosto.

— Konbanwa, Yurippe-san. – Ela acenou e colocou as mãos na cintura numa posição de liderança que só ela mesma tinha.

— Konbanwa! Eu vim aqui para lhe avisar que você tem uma colega de quarto temporariamente.

— Olá, eu sou Shiori Sekine. Fico feliz em te ver de novo, Hisako-san... – Ela se aproximou quase que timidamente, mas parecia um tanto animada... Espera, ela não era a nossa baixista?

— Sekine-chan! Oh meu Deus, é você... – Ela me abraçou e eu sorri. A mesma sensação de ter encontrado a Yui, era como se eu estivesse juntando esse quebra-cabeça e às vezes o destino me enviava algumas peças muito valiosas.

— Vejo que vão se dar muito bem, Sekine só vai ficar aqui algum tempo até a verdadeira colega de quarto dela mudar pra cidade. – Yuri sorriu, senti que ela queria abençoar aquele momento com um abraço também, mas seu senso de líder lhe fazia estufar um pouco de orgulho no peito. – Até amanhã, oyasumi!

— Oyasuminasai, Yurippe-san! – Acenamos e a loira entrou no quarto, ela sorriu ao olhar em volta e ver a minha guitarra elétrica.

—Você ainda toca? Não estou perdida! – Sentou-se animada na outra cama e revelou o baixo branco que ela costumava usar em todos os shows.

— Sim, você não sabe o quanto eu estou feliz em lhe ver. Eu estou numa busca louca pela Iwasawa e toda a banda... A cada vez que encontro algum membro, eu fico mais esperançosa. É tão bom te ver.

— Que bom Hisako-san. Eu estava totalmente sem esperanças de encontrar alguém da banda até que encontro você aqui, no dormitório que me pediram pra ficar. É muita sorte ou destino?

— Não sei se devo acreditar em coincidências para essa hipótese, mas eu posso dizer que as coisas tem que dar certo... – Ela juntou as mãos, olhando para fora de um jeito distante. Parecia um tanto pensativa, mesmo assim transparecia felicidade.

— Eu preciso encontrar a Irie-chan... Preciso saber se ela está bem e se ela ainda quer tocar comigo... Tocar conosco... – Acho que ela estava num tipo de busca parecida com a minha.

— Há quanto tempo está procurando por ela? – Soei um tanto curiosa demais. Não gostava desse tipo de impulso, talvez eu estivesse sendo um pouco inconveniente.

— Eu cheguei aqui faz poucos dias, mas já parece tanto tempo, sabe? A saudade dela me traz essa sensação.

— Sei como se sente... A sensação que eu tenho é a mesma... Quase o tempo todo... – Sorri um pouco fraca, acho que eu estava ficando pálida assim como Iwasawa havia ficado naquele dia.

— Você me disse que havia encontrado outro membro da banda, qual foi? Não me diga que... – Ela retirou dois tayakis da bolsa e me deu um, acho que ela percebeu que eu estava com fome. – Pode me dizer tudo enquanto come, parece que você não está muito bem.

— Muito obrigada... – Eu sorri com saliva na boca ao ver a comida e dei uma mordida faminta, sentindo meu estômago implorar para que chegasse logo o alimento. – Então... Eu encontrei a Yui-chan no hospital faz pouco tempo... Ela ainda está com as pernas... Você sabe... – Sekine suspirou junto comigo.

— Eu também quero vê-la, sei que talvez ela possa estar se sentindo só...

— O mais estranho é que Yuri visita ela com frequência e não me contou isso. – A loira riu baixinho e se levantou, falando de um jeito bastante decidido.

— Vamos falar com ela agora!