Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 4

    A Exceção

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    Ohayo! Gomen pela demora, mas no último final de semana fiz o Enem e, bom, sabem como é, foi bem cansativo e corrido. Durante a semana fui escrevendo esse capítulo, que não ficou muito grande, mas foi importante terminá-lo no momento certo. Hoje temos uma música também, é a The Only Exception da banda Paramore. Vou deixar o link nas notas finais e seria muito legal se vocês ouvissem, para que a cena inspire vocês também. Bom, quero agradecer aos leitores pelos comentários, me deixou muito feliz e espero poder vê-los sempre por aqui. Não demorarei a postar, mas durante a semana que vem será difícil. Mas, depois dos próximos longos sete dias, tudo se acalmará. Enfim, boa leitura e até as notas finais!

    Hinata

      No dia seguinte, Hiashi me pediu para ficar no carro, assim que Mayumi seguiu rumo aos portões do colégio. A garotinha tinha uma expressão tão enfezada que nem se importou ou percebeu que eu não estava logo atrás. Mas aquela atitude repentina me deixou nervosa. Não sabia o que acontecera na mansão Sasaki após minha saída, então não podia imaginar o rumo da conversa que Hiashi queria ter. Apesar disso, me mantive com a mão na maçaneta, aguardando pelo que viria. O patriarca suspirou baixo e apoiou as mãos no voltante, parecendo ponderar sobre o que dizer.

    - Onde você foi ontem, Hinata? - perguntou, olhando para o vidro. 

    - Saí para dar uma volta. - usei a mesma desculpa anterior. Ele suspirou outra vez, porém, pesadamente.

    - De novo? - questionou. Dei de ombros.

    - Não posso dar voltas pela cidade? - desviei. 

    - Você pode, só que... Olha, Hinata, o que Mayumi disse ontem...

    - Vou me atrasar, Hiashi. - cortei. Ele finalmente se virou para me encarar. Minha expressão talvez fosse dura demais, mas o fez desistir do que pretendia dizer, apenas assentiu e voltou o olhar para frente. 

      Saí apressadamente daquele carro, amaldiçoando aquela vida. Corri para os portões e pelos corredores até chegar na sala, chegando de encontro com uma mulher morena de grandes olhos rubis. Esbarrei em alguém na segunda fila e quando ergui os olhos para ver e me desculpar, dei de cara com o grande loiro e seu habitual sorriso de canto. Ele colocou uma mão na carteira vazia 

    atrás da sua, com um olhar sugestivo. Aquela linguagem corporal me fez prestar atenção no ponto indicado de forma sutil. 

    - Guardei um lugar para você, baixinha. Que tal? - disse, indicando com o queixo o assento reservado para mim. Mordi o lábio inferior, ponderando. O lugar que ele guardara me deixaria no meio de todos os seus amigos, cercada por um grupo hiperativo e no campo de visão de qualquer um. Mas pela esperança brilhante nos olhos azuis do garoto, imaginei que a proximidade constante fosse algo realmente importante quando se é amigo de alguém. Assim, me dei por vencida e sentei na cadeira, sentindo olhares fuziladores em mim. 

      A professora estava sentada à sua mesa, na ponta, enquanto folheava seu livro. Um breve cantarolar soava de seus lábios, até que ela levantou os rubis, analisando a turma com um sorriso gentil. 

    - Bom dia, queridos. Vamos abrir na página 102 outra vez, quero corrigir os exercícios que ficaram como dever de casa. - disse. A voz soava alegre, pacífica e juvenil. Deveria ter seus 32 anos, aparentemente. 

    - Gosto dela, todos gostam. É a professora Kurenai. - disse o loiro, sentado à minha frente. Inclinei-me para ouvir melhor.  - Ela leciona Japonês. 

    - Kurenai-sensei é sempre assim... tão kawaii? - perguntei. Ele riu baixo.

    - Ah, em sua maioria, sim. Mas tem um motivo especial: ela está grávida. - cochichou. Sorri, involuntária. Não tive a oportunidade de conhecer muitas grávidas, mas lembrava-me de como 

    Akemi parecia estar sempre alegre por carregar o bebê em seu ventre. Era uma coisa hormonal, se apenas explicada biologicamente, mas não se resumia à isso. Akemi dizia que o fenômeno ultrapassava barreiras espirituais, julgava-o sagrado. E eu acreditava nela, mesmo sob toda a podridão que via no mundo. 

      Com aquele sentimento, resolvi participar da aula, abrindo o livro na página pedida. Não tinha me aberto ainda para aprender alguma coisa por ali, mas especialmente naquele dia, decidi que de alguma coisa valeria a pena no final em ser contagiada pelo fenômeno sagrado outra vez. E assim, seguiu-se mais uma cronologia de aulas, até o horário do almoço chegar. Em relação aos dias anteriores, estava cansada. Era a primeira vez que usava o cérebro para estudar durante as aulas e a sensação não era, de fato, ruim. Sentei-me à mesa com minha bandeja de comida e o Uzumaki logo sentou-se ao meu lado.

    - Yo, finalmente o almoço - exclamou, apontando um hashi para mim. Sorri minimamente, observando Gaara com fones de ouvido, fazendo seus hashis de baquetas de bateria. 

    - Sabaku, baka, sua comida vai esfriar. - reclamou Sai, revirando os olhos para o amigo. O ruivo lhe mostrou a língua, brincalhão. 

     Eu apenas balancei a cabeça, comendo em silêncio. O grupo continuava animado e Gaara convocou uma banda na mesa. O Uzumaki ria, enquanto fingia dedilhar uma guitarra e Sasuke, um baixo. As garotas achavam graça e Sai apenas revirara os olhos, entediado. 

    - São um bando de malucos, não acha? - perguntou um dos amigos, assustando-me. Chamava-se Kiba, pelo o que lembrava.

    - É... - murmurei, olhando-os enquanto se divertiam como crianças, tão próximos como irmãos. - São felizes.

      O garoto ficou me analisando, devido à minha colocação. Fiquei constrangida, havia falado sem pensar. Não costumava apontar a felicidade, pois já não a conhecia mais. Mas ali era inegável. 

    Perguntava-me se meus pais tivessem ficado juntos, se Hiashi não desse motivos para a fuga de Akemi ou se a tal sociedade não existisse, estaria eu ali agora como parte íntegra daquele grupo? Teria... melhores amigas, irmãos, um namorado? Se não fosse destinada àquela trajetória infernal, será que estaria exatamente ali, desde sempre? Eram questões que eu não podia responder, mas desejava intimamente que a resposta fosse sim.  E agora, apesar de estar ali, não era a mesma coisa. Não poderia ser parte íntegra de algo quando nem em mim há integridade.

    - Você não é muito de falar, não é? - perguntou Kiba. Sorri minimamente como desculpa.

    - Não, gomen. - murmurei, encolhendo os ombros. Ele sorriu de uma forma diferente do loiro. Suas características se diferenciavam, Kiba não era desafiador ou presunçoso, ele parecia muito mais passivo e reservado.

    - Eu notei. O Uzumaki fica tagarelando nos seus ouvidos quando parece que tudo o que quer é apenas silêncio. - disse. Levantei o rosto para olhá-lo.

    - Somos diferentes, mas isso não quer dizer que ele me incomode. - defendi involuntariamente. Talvez minha dívida estivesse pesando demais. O moreno riu baixo e me lançou um olhar de canto sugestivo.

    - Hai, hai... então vocês já estão bem próximos. - afirmou.

      Virei-me outra vez, encarando-o. Que sugestiva era aquela? Desde quando a conversa se tornara uma avaliação?

    - Irritando minha amiga, Inuzuka? - disse Naruto. Mal havia percebido que a banda improvisada deixara de estrelar e voltara para o almoço. O moreno lhe lançou um olhar sarcástico e bufou.

    - Ora, como se você não fizesse isso o suficiente. - disse - Amiga, hm? 

      As sobrancelhas do Uzumaki se inclinaram para baixo, marcando linhas de expressão em sua testa. 

    - Não irrito ninguém, baka! - resmungou. - Irrito, Hinata-chan? 

     Suspirei. Desde quando aquilo virara um joguinho de pingue-pongue?

    - Vocês dois estão me irritando. - respondi. Isso arrancou risadas de Sakura e Ino, que prestavam atenção na conversa dos dois colegas.

    - Ah-rá! Pegos pela esquiva feminina! - disse Ino, divertindo-se. Os dois meninos bufaram, cada um de um lado, me fazendo sentir como uma trincheira entre inimigos.

    - Ela é só educada demais para decepcionar um de nós. - disse Naruto, cruzando os braços no peito largo.

      As duas garotas riram outra vez. Eu avaliei a expressão do loiro e então a do moreno. Acompanhei a risada de forma amena. Era até engraçado ver minha opinião ser disputada. O Uzumaki reparou naquele riso e suavizou a expressão, pondo-se a acompanhar.

    - Espertinha - ouvi-o sussurrar, enquanto balançava a cabeça. Reprimi um sorriso e continuei a comer. Logo o sinal nos interromperia e ordenaria que voltássemos aos estudos, afinal, era para isso que estávamos ali. E mesmo que fosse contra minha vontade, era a única coisa que restava.  

                                                    ***

        O próximo período era, assustadoramente, educação física. E eu, claro, era péssima. Não tinha preparo físico para jogar vôlei, nem coordenação motora para o futebol. A única manifestação esportiva que podia realizar era natação. A água me deixava livre dos sentidos e me podia me proporcionar a escuridão. Era... pacífico e fácil, mas impuro e, infelizmente, fora de cogitação. Havia feito uma promessa e esta em especial deveria ser impreterivelmente cumprida. 

      O sensei da disciplina também era o Gai. O que, na minha opinião, combinava muito mais com ele do que ética e moral. Ao chegar, encaminhou toda a turma para a quadra e ordenou que nos trocássemos nos respectivos vestiários feminino e masculino. Eu seguia Sakura, enquanto ela sorria admirando o anel brilhante no dedo anelar de Ino. Nós fomos para os armários que já abrigavam todo o uniforme necessário para aula. Eu peguei o shorts preto e justo de malha, junto com a camiseta vermelha e o par de tênis brancos, sentindo-me instantaneamente exposta. Ino pegava seu conjunto de forma natural, ainda sorrindo, nada incomodada com a vestimenta. Ela olhou para meu jeito estático e parou à minha frente.

    - Algum problema, Hinata-san? - perguntou docemente, os olhos brilhantes sobre mim.

    - Temos mesmo que usar isso? - murmurei. Ela abriu um sorriso solidário.

    - Hai - encolheu os ombros - Mas relaxe, Hinata, saia um pouco desses panos enormes! 

      A loira começou a se despir ali mesmo e eu corei, virando-me e indo até o banheiro para me trocar. A contra gosto, vesti o uniforme de educação física, que tinha o símbolo da escola estampado em uma das mangas da camiseta: uma espiral ligada à um triângulo deitado. O mesmo símbolo podia ser encontrado nas bandanas, que não era parte obrigatória do uniforme, mas que a maioria dos alunos usava (ou como bandana, tiara ou uma espécie de colar). Parecia que por ali, tais acessórios eram fortes indicadores de qual colégio frequentava. 

      Na quadra, todas as meninas já se aglomeravam ao redor das bolas de vôlei e os meninos se juntavam em times de futebol. Mantive distância, procurando arquitetar um plano para ficar de fora daquilo. Eu era um desastre em qualquer manifestação corpórea. Varri o local com os olhos, vendo animação em todos os rostos. Parei em um, observando os olhos tão azuis brilharem, os cabelos livres e dourados balançando ao redor da face e os lábios repuxados em um sorriso amplo. Tão... feliz. Naruto era tão infinitamente diferente de mim. Sua atenção se voltou para minha direção e as orbes cristalinas me fitaram, mas o sorriso só pareceu aumentar. Arqueou as sobrancelhas, fazendo uma expressão maliciosa. Eu revirei os olhos, dando de ombros. Sabia que ele se referia ao modo como estava vestida, fazendo graça daquilo. Nossa conversa silenciosa chamou a atenção de Kiba e ele seguiu o olhar do Uzumaki. Pareceu dizer algo que o loiro não gostou e isso fez o outro rir. 

      Desviei os olhos, ouvindo alguém chamar meu nome. Era Sakura, que corria com seus cabelos róseos balançando. A pele levemente rosada parecia corar pelo esforço. Vestida com aquele uniforme bobo, a garota parecia literalmente uma cereja. Imaginava o quanto ela devia ter sido uma criança bela, destacando-se dentre as outras. Principalmente sendo tão alegre (embora todos os cidadãos de Tokyo parecem ser irritantemente hospitaleiros), se continuasse assim tornaria-se uma mulher imponente. Passou por mim sem desacelerar, seguida por todas as outras meninas da classe.

    - Aquecimento! - gritou. Notei o olhar de Gai-sensei sobre mim, avaliando-me, então pensei que deveria correr logo também. Já podia imaginar as formas de castigo do mestre: "Para renovar sua juventude, 100 flexões!" ou coisas do tipo. 

      Segui o grupo, correndo de forma amena e ficando por último. Teríamos que dar voltas no campus da quadra, ao redor dos dois espaços disponíveis para esportes e depois voltar à cesta de bolas de vôlei. Por estar em último lugar, algumas meninas me ultrapassaram, até que alguém me atropelou. O chão tomou forma sob meu corpo dolorido e as risadas soaram em meus ouvidos como zumbidos de abelhas. Um líquido quente começou a escorrer pela minha perna esquerda e notei que o chão de concreto da "calçada" de aquecimento era muito mais áspero do que parecia.

    - Que desajeitada! - gritou uma menina, seguida dos risos crueis. Levantei os olhos, vendo a loira de olhos arroxeados dos dias anteriores me encarando como antes, só que agora de modo vitorioso. Tentei dizer algo, mas Sakura tampou minha visão, pondo-se à frente da garota.

    - Ficou maluca, Shion? - sibilou. Ino se pôs ao meu lado e me ajudou a levantar, apoiando-me em seu braço.

    - Ora, essa ai não sabe correr e a culpa é minha? - defendeu-se a loira. Sakura aperteu tão forte o maxilar que o ranger de seus dentes foi quase audível. 

    - Urusai! - gritou. Ao que parecia, a garota a incomodava desde muito tempo. 

    - Como é? - Shion se esticou sobre Sakura, sendo alguns centímetros mais alta. O olhar de superioridade não detinha a raiva da rosada. A discussão chamara a atenção de todas as outras meninas , fazendo com que mais risadas soasssem ao redor. Meus olhos arderam. Senti o aperto de Ino se firmar sobre minha cintura. 

    - Saky, não vale a pena. - disse Ino, suspirando. A loira parecia mais serena quanto à Shion, mas chateada pelo aborrecimento, como se fosse um problema frequente que ela já não aguentasse mais tentar solucionar.

    - Are, jovens! O que está acontecendo? - disse Gai-sensei. Sua voz calou os risos e diminuiu a pose da garota sobre Sakura. O homem tinha suas mãos cruzadas sobre o peito, parecendo sério, mas ao mesmo tempo engraçado com seu uniforme verde e meias laranjas. Olhou de mim e meu novo machucado para Shion e sua expressão enfezada, arqueou as sobrancelhas e repetiu o ato outra vez. 

    - Essa garota estava atrapalhando o aquecimento, caiu feito uma banana podre e agora a Haruno está botando a culpa em mim! - exclamou a garota, mostrando-se tão inocente como se realmente fosse. Sakura arfou.

    - Falsa! Ela derrubou a Hinata de propósito, Gai-sensei! - a rosada quase berrou nos ouvidos do mestre. Ele suspirou pesadamente. 

      Aquilo era estranho, não o fato de eu estar sendo reprimida ou zombada, mas por estar sendo defendida. Havia a possibilidade de Sakura estar daquele jeito por implicações velhas e corriqueiras, sem estar exatamente brava por simpatizar comigo. Mas ainda podia ser a segunda opção. E se o fosse, não sabia como reagir. Não me lembrava da sensação de fazer parte de algo, de possuir uma turma, sair com pessoas, socializar, gargalhar à vontade ou qualquer coisa do tipo. Privei-me de todas essas coisas há tanto tempo que talvez nem tivesse tido a oportunidade de vivê-las. No meu pequeno mundo, que agora eu sabia ser moldado por Akemi, só havia uma certeza: o amor de minha mãe. E enfim, mais nada além do vazio. Pensando sobre aquilo, me desprendi do abraço de Ino e suspirei. Não deveria aceitar que essa mudança fosse real. Eu não merecia. Ao apoiar-me no chão duro, senti a perna doer. O líquido vermelho já manchava minha meia branca, colorindo-a tal como a camiseta do uniforme de Educação Física.

    - Tudo bem, não foi nada de...

    - Hinata-chan! - a voz do Uzumaki irrompeu de algum lugar, cortando-me. Seu chamado, alto e exclamativo, chamou a atenção de todas as meninas. Ele tinha parte dos cabelos dourados colados ao rosto e nuca suados. Seus olhos pousaram em mim com urgência. Apesar de todos os olhares estarem sobre ele, o de Shion se destacava. Olhos violetas cravados em águas cristalinas.

    - O que houve? - perguntou.

    - Caí. - respondi simplesmente. O loiro olhou para minha perna ferida e balançou a cabeça.

    - Você é um imã para encrencas, baixinha. - brincou, exibindo seu sorriso de canto que arrancou suspiros femininos nada discretos.

    - Uzumaki, já que conhece a srta Hyuuga, leve-a até a enfermaria para tratar deste ferimento. O restante, voltem às atividades, sem confusões. - ordenou Gai-sensei.

      Antes que eu pudesse protestar, o loiro me ergueu nos braços. Parecia tão orgulhoso por fazê-lo que me fez querer revirar os olhos. Suspirei, não queria nada daquilo. Nada de escola, nada de atenção, zombarias ou qualquer coisa. Não desejava nada além de o nada, o silêncio, o vazio. Afinal, o que poderia encontrar nessas condições que desafiassem meu limbo? Mas ao que parecia, o destino decidira brincar mais comigo. O incidente com Shion, na verdade, não tinha nada de inocente ou inesperado. A garota, por alguma razão, seja ela boa ou ruim, queria estar ali fazendo exatamente aquilo. Shion queria me humilhar. Por quê? Não sabia, mas não importava realmente. Independente do motivo, ela não precisaria se preocupar. 

    - Está doendo muito? - o loiro perguntou, quebrano o silêncio. Dei de ombros. De fato, doía, mas esse não era o problema.

    - Tudo bem - murmurei.

    - Algo aconteceu lá, não foi? - continuou.

    - Isso é óbvio, eu caí. - resmunguei. Ele riu, o ato me fez sentir o vibrar de seu peito contra minha bochecha.

    - Eu sei, mas não deve ter caído de repente. O que foi que te distraiu? 

      Ergui os olhos, encarando-o. Sua expressão serena denotava que me carregar não era esforço algum para ele.

    - Só me leve logo limpar esse sangue, ok? - murmurei. Ele assentiu, o sorriso de canto jamais deixando seu rosto.

    - Hai, Hinata-sama. - zombou. Dessa vez, revirei os olhos.

      A enfermaria tomou forma a nossa frente e eu fui posta em uma maca fria. As paredes brancas davam um ar doentio ao lugar. O cheio de remédio e desinfetante comprovava isso. Eu não gostava de hospitais. Me lembravam ambulâncias. E eu as odiava. Uma senhora se aproximou com uma caixa de primeiros socorros, tinha um sorriso gentil e uma expressão solidária.

    - Outra vez, querida? - perguntou com doçura. O Uzumaki riu, tampando a boca com a mão. Lancei-lhe um olhar enfezado. - Como conseguiu este corte, srta? - a senhora tornou a perguntar.

    - Caí na quadra durante a aula. - respondi. Ela abaixou minha meia longa e levantou um pouco do short. O olhar do Uzumaki se apurou sobre a pele nua que fora exposta, com seu sorriso exibido intensificado no rosto. Aquilo me fez corar.

    - Ora, pare de olhar, baka! - exclamei. Ele gargalhou, pendendo a cabeça para trás como uma criança.

    - Branquela - zombou. Bufei.

    - Não me importo! - murmurei, desviando o rosto malditamente corado.

      A enfermeira terminou de limpar meus ferimentos e começou a fazer um curativo. Ardeu um pouco, mas sabia que era necessário. O loiro prestava atenção nas mãos habilidosas da senhora, como se tentasse memorizar o processo. Talvez por perceber, ela riu.

    - Cofia esta jovem à mim, Sr? - perguntou, os lábios enrugados reprimidos numa tentativa de esconder o sorriso.

      O garoto sorriu constrangido. Fiquei surpresa por tê-lo visto perder sua pose. Dessa vez, o sorriso zombeteiro pertencia à mim.

    - É claro, claro. - disse ele. Coçou a cabeça com uma das mãos, ainda se mostrando acanhado.

    - Ora, veja só, Uzumaki Naruto doi desmontado de seu enorme pedestal! - zombei. Ele bufou, lançou-me um olhar repreendedor, mas não se conteve e riu.

    - Mas que milagre fez surgir esse bom humor? - devolveu. Fechei a cara, cruzando os braços.

    - Não tem nada disso, baka! Eu só não pude perder a oportunidade de vencer. - resmunguei. 

    - Mas perdeu. Olha só você, toda nervosinha! - continuou a zombar. Corei, irritada. 

    - Não perdi nada! - exclamei. O loiro riu alto.

    - Ah, baixinha, para de ser tão mal agradecida. Meu time está perdendo sem mim, sabia? - disse ele. Bufei.

    - Metido, suma logo então! - murmurei, desviando os olhos. A enfermeira se retirou com as gazes e algodões sujos com um sorriso breve nos lábios. 

    - Hinata - chamou o Uzumaki. A contra gosto, olhei para ele. 

      Sua mão estava estendida e tentou tocar a minha, mas, assustada, recolhi o braço, corando logo em seguida. O suspiro que veio dele, seguido de um riso baixo, me fez voltar a encará-lo. 

    - Só queria dizer que... bom, se cuide, está bem? Você parece ser do tipo desastrada e eu sinto que devo te proteger. Então me ajude nessa tarefa árdua, certo? - disse. Arregalei os olhos. Me 

    proteger? De onde ele tirara aquela ideia?

    - Proteger à mim? Mas... por quê? - sussurrei, quase que para mim mesma. Ele deu de ombros, olhando para os próprios pés.

    - Sensação minha, apenas. Não é um fardo. Eu gosto da sua companhia, preservá-la não é errado. - respondeu.

    - Mas isso não é necessário.

    - Sim, é. - ele cortou, olhando-me. Estava sério, a testa franzida e os olhos azuis um tanto aflitos. - Senão, você se afasta. Dá pra perceber, nessas nossas briguinhas de mentira, você sempre se esquiva, nunca parte pra ofensiva. Eu sei, Hinata, você quer se excluir. - murmurou. Senti meu coração pesar com suas palavras. 

    - Uzumaki... i-isso...

    - Por favor, Hinata, fique. - sussurrou. Aquela frase parecia ter o peso do mundo para ele. Seus olhos não encaravam à mim, apenas o chão outra vez. Seus ombros arriados e toda a linguagem corporal dele intensificavam o pedido de uma forma até suplicante. Não entendi a urgência daquilo, nem o quanto poderia significar. Mas de certa forma, me amolecia. Tinha uma grande dívida com aquele garoto e aceitara sua amizade, assim como tinha avisado que seria por sua conta e risco. Magoá-lo não era uma opção, seria injusto e só aumentaria o meu carma. E além disso, não girava apenas em torno do egoísmo. Magoá-lo não era opção porque ele não merecia.

       A senhora voltou dessa vez sem nada nas mãos além de um comprimido e um copo de água. Nós dois olhamos para ela, assustados com a entrada repentina. A aura estava tensa devido a conversa do loiro. Com um sorriso doce, ela me entregou o remédio. Tomei, bebendo a água com vontade. Minha garganta tinha secado de repente.

    - Vai ajudar com a dor. Se estiver se sentindo bem, pode voltar à aula. Apenas fique sentada. - disse.

    - Arigatou - respondi, fazendo uma reverência com a cabeça. Ela assentiu de volta e saiu. Senti o olhar do Uzumaki sobre mim.

      Me sentei na cama, colocando as pernas para baixo. Ele se levantou e ficou plantado à minha frente, como se eu não fosse capaz de andar sozinha. Pisei no chão, sentindo uma fisgada, mas era suportável. Assenti para mim mesma e levantei os olhos. O loiro me fitava diretamente.

    - Precisa de ajuda? - murmurou, pigarreando. Desde quando ele ficara tão tenso?

    - Não, eu estou bem. - respondi. 

    - Olha, Hinata...

    - Uzumaki, está tudo bem - repeti, cortando-o. - Não se preocupe, vamos voltar pra aula, amigo. 

      Os olhos dele pareceram suavizar e um sorriso pequeno surgiu em seus lábios. A tensão pareceu se dissolver apenas com aquela singela palavrinha. Eu sorri minimamente. O garoto era tão amigável, tão emotivo. Era até cômico o quanto nossas diferenças gritavam por seus ideais. Nós caminhamos para fora daquela enfermaria deprimente e voltamos às quadras. A aula de Gai estava quase chegando ao fim, então todos os jogos já estavam acabando também. As meninas olharam para mim brevemente, mas Shion não desgrudara os olhos por um segundo. Ao invés de se juntar aos rapazes, o loiro se sentou ao meu lado nos bancos e acenou para Sasuke quando o moreno o fez para ele.

            "E eu sempre vivi assim

            Mantendo uma distância confortável

            Até agora

           Eu tinha jurado a mim mesma que eu estava contente com a solidão

           Porque nada disso algum dia valeu o risco, mas

           Você é a única exceção."

    - Você acreditaria se eu dissesse que sonhei contigo nos últimos dias? - disse o loiro, de repente. Olhei para ele.

    - Acho que sim, mas por que o faria? - interroguei. Recebi um dar de ombros.

    - Eu não sei, parece um sinal. Eu dificilmente simpatizo assim com as pessoas, mas você... você é a única exceção, baixinha. Tem uma tristeza ai dentro que eu definitivamente quero arrancar. - respondeu, as orbes azuis fixas nas minhas. Termais cristalinas outra vez, era tudo o que pude pensar. Nos encaramos por um minuto, até que eu me senti estranhamente tocada. Sempre me considerava como um livro fechado e lacrado, mas ele parecia sempre conseguir ler todo o segredo contido. Quem era aquele garoto, afinal? Por que mexia tanto com minhas regras? Não sabia como explicar a sensação de tê-lo como amigo, mas deveria ser boa, não? Seu olhar acolhedor, o sorriso sempre me forçando a sentir coisas positivas, a insistência em me manter próxima, a preocupação com minha segurança... droga, o Uzumaki era exatamente como ela. Mas ele não era minha mãe, então o que poderia ser? Depois de tanto vagar sozinha, por assim decidir, seria ele a minha única exceção? Sorri, mínimo, mas verdadeiro. Voltei meus olhos para os dele e o vi com uma expressão tão serena como se soubesse o que se passava em mim. E pela primeira vez em tanto tempo, me senti bem. 

    - Acho que você pode tentar, Uzumaki. - sussurrei. Termais outra vez e então ele fechou os olhos, sentindo o vento passar pelos seus cabelos claros. Suas covinhas surgiram entre as marcas de expressão em suas bochechas, recheando seu sorriso amplo de uma forma bonita. Segui com os olhos algumas flores de cerejera que voaram de uma árvore no campus, elas passaram pelos ombros do garoto e seguiram rumo à saída das quadras. E bem ali, entre as portas, pensei tê-la visto outra vez. O sorriso nos lábios era tal qual ao do Uzumaki, os olhos feito jóias brilharam puramente em alegria, acalmando meu coração. Em um piscar de olhos, a imagem sumira. "Arigatou", sua voz soou suave em minha mente, tão leve quanto o vento, tão fraca quanto o cheiro doce que vinha das flores. Mas tão importante que me aquecera por dentro e me fizera sentir segura ao esticar o dedo mínimo para o garoto. Ele me olhou curioso, mas repetiu o gesto e nós entrelaçamos os pequenos dedos, num sinal de pacto.

    - Eu fico - murmurei. O sorriso que partira dele fez o sol parecer fraco diante daquele brilho. Olhei em seus olhos cálidos, buscando entender a magnitude de minhas palavras para ele, mas só o que pude ver foi minha própria imagem refletida como em um espelho. E nela, eu sorria. A voz dele se misturou com a nostalgia que me invadiu e eu fechei meus olhos, suspirando, pensando ao mesmo tempo que ele na única palavra que podia definir o que sentia.

    - Arigatou. 


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