Ohayo, minna! Demorei? Bom, este capítulo foi muito bom de escrever, porque nossos queridos personagens estão muito mais fragilizados e... abertos para serem desvendados. A personalidade de cada um está mais explícita e acho (acho) que vocês vão gostar. Bom, assim espero, de coração. Neste capítulo também terá uma música, não como inspiração, mas será mencionado. Vou deixar o link nas notas finais para que vocês escutem durante a cena, caso quiserem. E ah, vocês saberão a hora de dar o play ;)
PS.: Lembrando que esta fanfic também está disponibilizada no SOCIAL SPIRIT (AS) e vocês podem me encontrar por lá pelo usuário "heloliveira".
Sem mais delongas, boa leitura!
Hinata
Permaneci olhando para a rua onde o Altima havia partido. O frio da noite não me incomodava, mas resolvi entrar. Guardei os papeis no bolso do casaco e entrei em casa, mal lembrando de que havia saído pela janela sem avisar. Estava distraída demais com as palavras do Uzumaki ecoando em minha mente.
- Hinata? - chamou Hiashi, confuso. Tirei minha chave extra da fechadura e lastimei minha distração. Virei-me e o encontrei sentado num sofá da pequena salinha, lendo um livro velho. Sua expressão tornou-se desconfiada ao me ver com vestígios de lágrimas no rosto e as roupas levemente sujas.
- O que estava fazendo fora de casa à essa hora? - cobrou.
- Estava dando uma volta, precisava de ar. - menti. Ele me olhou de cima a baixo.
- São quase duas horas da madrugada, Hinata, não deve sair assim. Apesar de não ser mais uma menininha, ainda precisa informar à mim ou à Aiko que está saindo. Agora vá dormir, você tem escola logo cedo. - disse ele, autoritário, mas ao mesmo tempo podia-se ver em seus olhos uma hesitação contida. Acho que Hiashi não sabia como ser um pai para mim, era como descobrir uma filha adulta da noite para o dia e querer impor limites e regras paternas. Girei nos calcanhares.
- Hai, otoosan. - respondi, tentando provocar alguma reação nele. Quase nunca o chamava de pai, aliás, tampouco o chamava, mas às vezes no comunicávamos no olhar. Mas, ao que parecia, ser chamado de pai pela primogênita não fora visto como algo anormal e ele apenas me encarou curioso. Talvez, no fundo, Hiashi nutrisse a vontade de que eu realmente fosse sua filha, já que agora eu sabia que ele não tinha este conhecimento. A questão era: seria essa vontade nutrida por amor ou ganância?
Passei por ele e subi para meu quarto, ansiando por um banho. Guardei os papeis num compartimento do caderno escolar, não seria seguro deixar na casa, tinha a leve impressão de que Aiko mexia nas minhas coisas. Tomei um banho quente e, depois de vestir uma camisola azul, sentei na cama e abracei as pernas, encostando o queixo no joelho. As lembranças me invadiram, colorindo meus pensamentos de tons oceânicos e solares. "Quero ser seu amigo, baixinha", ele havia dito, tão convicto que fizera minha vontade de afastá-lo evaporar. Por que aquela garoto, em um único dia, abalara todas as estruturas? Parecia loucura que o loiro quisesse ser meu amigo, mas não era pior do que a coincidência de se encontrarem por duas vezes seguidas. Que tipo de pessoa teria um destino tão traiçoeiro?
Em se tratando do Uzumaki, imaginava uma razão para a sua gentileza, era um garoto muito sociável, afinal. Talvez só estivesse sendo amigável por costume, por inocência, achando que eu só era uma garotinha tímida e deprimida. Durante todo o dia, não dera sinais de que escondia uma grande dor, mas naquele momento sim. Demonstrara todo o buraco que assolava meu peito. "Shhh... eu sei, deve estar doendo, baixinha", dissera, acolhendo-me em seus braços calorosos. Fazia-me lembrar do último abraço que recebi, também embalado por palavras de consolo, embora tampouco as merecesse. Balancei a cabeça, expulsando aquelas imagens e deitei na cama, fechando os olhos. Esperava que o sono viesse logo e então mergulhei em um sonho antigo, uma lembrança de infância em que eu me imaginava nadando em águas cristalinas.
***
Ao chegar no colégio pela manhã, notei a agitação. Murmúrios soavam por todo o pátio, acompanhados por expressões ansiosas.
- Mas o que houve aqui? - resmungou Mayumi. Fiquei tensa, mas não demonstrei. Ela me olhou com aspereza, como se estivesse se perguntando o que ainda fazia perto de mim. Comprovando minhas suposições, ela logo saiu marchando à frente com o rosto esnobe erguido.
Andei em direção à entrada com os ouvidos atentos às conversas, mas ao que parecia, ninguém entendia o que havia acontecido. Quando entrei na sala, todos os olhares caíram sobre mim e risadinhas baixas imediatamente soaram.
- Ohayo, Hinata-san! - disse uma voz fina e alegre. Baixei os olhos para a carteira e avistei a dona daquela voz, a garota que o Uzumaki apresentara como Sakura, fazendo jus à coloração de seu cabelo. Estava surpresa por ela se lembrar de mim e por ter sorrido verdadeiramente gentil. Retribuí sorrindo minimamente.
- Ohayo! - murmurei de volta. Sentei em meu lugar afastado e ignorei as zombarias próximas à mim. A aula iria começar e o professor entrou rindo de algo com Naruto. O loiro lançou um olhar para mim antes de ir para seu lugar, abrindo um sorriso enorme. Suspirei, não me lembrava de que as pessoas de Tokyo eram tão amigáveis.
O sensei era alto e de cabelos grisalhos, mas não devia ter nem quarenta anos. Parecia ter algum problema com o rosto, pois mascarava parte dele, mas apesar da aparência exótica, tinha uma expressão simpática. No canto da lousa, escrevendo que lecionada a disciplina de História e enfim se sentou na ponta de sua mesa, parando de sorrir. Mas antes que a aula pudesse prosseguir, a diretora Tsunade entrou na sala com o rosto preocupado. Congelei e meus olhos cravaram nas costas do Uzumaki.
- Com licença, Kakashi, vim dar um recado importante aos alunos - disse a mulher, esperando pelo assentir do sensei - Atenção para o que vou avisar! Ontem à noite, por volta das onze horas, nossa escola foi invadida. A equipe de segurança já está investigando a ocorrência, mas a princípio nada foi depredado, com exceção... - pigarreou, parando pensar no que dizer - Com exceção da porta da despensa. Apesar disso, garanto a segurança de todos e, por favor, se alguém souber de algo, avise imediatamente. - concluiu, nem esperando qualquer comentário da turma. Saiu deixando os alunos estarrecidos em seus lugares.
- Ela parecia tão apreensiva! - cochichou uma garota ao lado da minha carteira.
Foquei minha atenção no loiro, mas ele agia naturalmente e percebi que deveria fazer o mesmo. Suspirei, baixando os olhos para o meu livro de história. A aula seguiu tensa, mas passou ligeira. Eu imergi em pensamento e durante todos os outros períodos, assim permaneci, tanto que me surpreendi ao ouvir o soar estridente do sino que indicava a hora do almoço. Levantei-me, dura por ficar muito tempo na mesma posição. Quando passei pela porta, senti uma mão tocar o meu ombro e uma voz levemente rouca pronunciar ao pé de meu ouvido.
- E aí, baixinha.
Assustei-me, sentindo o coração bater desenfreadamente. O salto que havia dado o fez rir alto.
- Que susto, baka! - resmunguei. Ele apertou os lábios, tentando conter o riso.
- Gomen! - murmurou. Revirei os olhos.
- Perdoado. - respondi.
O loiro sorriu e começou a andar ao meu lado.
- Como você está? - interrogou. Dei de ombros.
- Por que a pergunta? - desviei. Ele riu baixo.
- Por que tão evasiva? - brincou. Levantei o rosto lhe lançar um olhar sarcástico. O garoto soltou uma gargalhada.
- Ok, ok! - disse, em sinal de rendição - Bom, já que você se importa tanto, eu estou bem. Tive uma ótima noite de sono e sonhei com um final de semana na praia...
- Claro, eu estava tão preocupada com o seu bem estar! - interrompi, irônica.
Chegamos ao refeitório e seguimos para a fila do buffet. O loiro tagarelava sobre o quanto adorava ramén e como conseguiria comer quatro de uma vez, mas eu não prestei atenção. Notava alguns olhares sobre mim, as mesmas garotas da sala, uma loira e outra ruiva. Eram expressões raivosas e desconfiadas que tanto me atormentaram no passado. Perdida em pensamentos, acabei tropeçando, mas o Uzumaki segurou meu braço, ajudando-me a me equilibrar.
- Ei, você tá legal? - perguntou. As meninas riram e eu assenti, ajeitando-me e procurando ignorar aquelas duas.
- Me distraí - respondi.
Nos servimos e o loiro mais uma vez me levou até a mesa abarrotada com seus amigos. Sakura sorriu pra mim e eu retribuí, enquanto o Uzumaki se sentou ao meu lado e iniciou uma conversa com Sasuke e Gaara.
- Está gostando da escola? - perguntou uma garota loira, Ino, pelo o que eu meu lembrava. Ela tinha grandes olhos azuis levemente esverdeados.
- Eu acho que sim. - respondi tímida.
- Ah, você vai se acostumar! É só o segundo dia, não é? - tagarelou. Assenti - Adorei seu cabelo, que cor maravilhosa! Eu queria pintar o meu, porque assim não ficaria tão parecida com o Deidara e...
Desliguei sua voz empolgada. Minha atenção se voltou para a diretora que entrara no refeitório e vasculhou com os olhos. A hipótese do Uzumaki sobre o possível conhecimento da Senju sobre a sala secreta ecoou em minha mente. Queria perguntar à ela, mas não podia fazê-lo agora, não sem uma estratégia. Havia a possibilidade de ela até ter feito parte daquela sociedade e se fosse o caso, não tinha como saber se ela era do lado de Hiashi ou de Akemi. E além disso, ainda havia um fato que não saía da minha cabeça: se Hiashi não tinha boas intenções, estaria eu vivendo na casa do inimigo?
- Está fazendo aquilo outra vez. - o loiro sussurrou em meu ouvido, arrancando-me do transe. Um arrepio desceu pelas minhas costas e eu lhe lancei um olhar reprovador.
- Não estou fazendo nada! - ralhei baixinho. Ele exibiu seu habitual sorriso de canto.
- Você parece estagnar por fora, mas viajar tão longe por dentro. Diga-me, o que estava pensando? - disse ele. Coloquei o cabelo para a trás da orelha, um pouco constrangida.
- Tenho muitas pendências para serem resolvidas. - expliquei. Ele assentiu, deixando um uma torrada de lado e suspirando.
- Vai sair dessa, baixinha, eu acredito. - murmurou.
- Sair?
- É, superar, sabe? Quando as pessoas morrem, elas não querem que seus entes queridos cultuem o ódio por esse fato. Deve-se honrar aquela vida que se foi, perpetuá-la através do legado que deixou, porque os que ficam não podem estagnar, Hinata. Você, eu, Sakura, Sasuke, todos temos o dom de viver, mas com um prazo de tempo indefinido. Desperdiçá-lo está fora de cogitação. E sabe de uma coisa? No futuro, todos nós estaremos diante da morte e neste momento, todas as coisas que vivemos passarão em nossas mentes. Eu já sei sobre mim, mas e você, que filme quer assistir? - discursou. Encarei o garoto, sem ter o que falar. Parecia uma fala cheia de coragem, de sabedoria e pureza, mas também de imaturidade. Naruto não podia saber como eu me sentia, e isso era aceitável, afinal, ele nunca teria um destino como o meu.
- Não é fácil como pensa, Naruto. - murmurei, olhando para baixo.
- Eu nunca disse que é fácil. Mas eu s...
- Onegai. - interrompi, apertando os dedos nas mangas de meu moletom. Ele pareceu ficar tenso e suspirou outra vez.
- Tudo bem, nada dessa assunto. - respondeu.
O sinal soou pelo refeitório e nós nos levantamos ao mesmo tempo. Segui em silêncio para a sala, desejando que aquele dia acabasse logo, mas em contrapartida, detestando a ideia de ir para a mansão Sasaki. Durante as próximas aulas, permaneci em silêncio, rabiscando no canto da folha, até que enfim todos os horários acabaram. Levantei-me para guardar meu material e o Uzumaki veio até mim, junto com Sakura, enquanto Sasuke esperava na porta.
- Ei, Hinata-san, diz pra gente o seu número de celular. Assim, vamos sempre poder conversar. - disse Sakura, sorrindo.
- Ela não vai passar, ela me odeia. - brincou Naruto. Revirei os olhos para ele.
- Baka! Pare de se intrometer e só anote! - brigou a rosada, ameaçando lhe dar um cascudo. Isso me fez rir baixinho. Informei o número e o loiro pegou meu aparelho para digitar o seu, aproveitando para salvar o da amiga também. Assim, segui para fora e entrei no carro de Hiashi, com Mayumi logo atrás. Ela entrou no banco da frente já bufando e seu pai lhe lançou um olhar interrogativo.
- O que foi? - perguntou.
- Nada, só tive uma pequena discussão boba com minha amiga Shion. - respondeu, dando a entender que não falaria nada sobre o assunto. Hiashi deu a partida e ficamos os três em silêncio. Quando chegamos em casa, vi Aiko mexendo com as flores no jardim. Mayumi saiu do carro às pressas e correu em sua direção, enlaçando os braços em seu pescoço.
- Okaasan! - exclamou, feliz. Eu estava olhando para a cena com a testa franzida e Hiashi percebeu isso. Balancei a cabeça e caminhei para dentro.
- Hinata. - chamou meu pai. Virei o corpo em sua direção, já no hall de entrada. Ele olhou para a filha e a mulher uma vez e então para mim. - Não vai dizer oi para Aiko?
As duas pararam de se abraçar e encararam-no. A mulher apertou os lábios e olhou então para mim. Meus olhos encontraram os seus, mas minha frieza a fez desviá-los. Hiashi não entendia nada, não podia me obrigar a fingir que ela era minha mãe. Eu não mais possuía uma e tampouco me restava um pai.
- Ela não diz oi nunca, por que diria hoje, otoosan? - disse Mayumi com a voz revestida de desdém. Decidi fazê-la engolir sua palavras.
- Ohayo, Aiko. Tudo certo com as plantas? - fingi cordialidade. Mayumi deixou o queixo cair e sua mãe arqueou as sobrancelhas.
- Tudo ótimo, Hinata, quer vê-las? - perguntou Aiko. Neguei com a cabeça.
- Agradeço o convite, mas necessito de um banho e um analgésico. - respondi. Mayumi riu, irônica.
- Já era de se esperar da srta Hyuuga, a frígida. Será que todos os Hyuugas são assim, okaasan? Aliás, até que não foi uma má ideia sua, sabe que ela nunca será sua mãe, não é? - disse a caçula com um sorriso perverso no rosto.
- Mayumi! Não seja estúpida, não sabe nada sobre os Hyuugas! Não faça ironia da perda de Hinata, está me ouvindo? - gritou Hiashi, inesperadamente furioso. Mayumi congelou, olhando-o assustada. Aiko se levantou, limpando as mãos sujas de terra em seu avental verde.
- Hiashi! Tenha calma...
- Por que está defendendo tanto essa garota? Não deveria ficar do meu lado? Já estou cansada desse fingimento, por que temos que aguentá-la em nossa casa? Ela nem é sua filha! - gritou Mayumi. Arregalei os olhos diante da informação. Como aquela pentelha sabia? Aiko me lançou um olhar apreensivo e depois outro culpado à Hiashi. Então fora ela a fonte da notícia. O patriarca pareceu arroxear, de tão nervoso que ficara. Marchou até sua família e apontou o dedo para a caçula.
- Não. Grite. Comigo - sibilou pausadamente. Seus olhos pousaram em mim - E não repita essa atrocidade.
Me virei, entrando em casa e procurando ignorar os chamados de Hiashi. Subi para meu quarto e tranquei a porta. Estava ofegante e amedrontada, sabia que logo ele viria até mim e tentaria dizer algo, mas os gritos lá embaixo só intensificavam minha certeza: Hiashi não sabia lidar com aquilo. Abracei os joelhos, permitindo lágrimas caírem pelo meu rosto. Mayumi era mais perversa do que imaginava, mas acabou sendo, de certa forma, útil. Revelando aquilo, acabou por sanar a dúvida que tinha. Estava ali por algum motivo, mas Hiashi ainda não sabia da verdade e acreditava na suposta traição de Akemi. Ao mesmo tempo, a fúria com que gritou com sua filha quando falara mal dos Hyuugas me deixou pasma. Seria possível que ele realmente sentisse alguma coisa por minha mãe?
Queria entender aquilo tudo, mas estava cada vez mais difícil decifrar as intenções do Sasaki. Suspirei. Quando aquele pesadelo iria acabar? Os dias pareciam rastejar sem ela, sem chegar em casa, na minha verdadeira casa, e dizer "Tadaima!" e ela me responder com seu sorriso caloroso e o familiar cheiro de zenzai. Apesar de todas as dificuldades, de todos os conflitos que vivíamos, Akemi sempre se mantivera positiva e firme. Mesmo em seu último suspiro, ela sorriu. Sorrira como se estivesse no momento mais feliz. "Você é uma jóia... minha pérola", havia sussurrado e enfim, fechado seus belos olhos para sempre. Apertei os dedos em volta de minhas pernas e o soluço saiu rompendo meu peito, soando alto no silêncio do quarto. Meu corpo tremia, minha saia de pregas ficava molhada a cada lágrima que caía. O frio que entrava pela janela aberta envolvia as partes que estavam despidas de minha pele e tornava tudo aquilo mais gelado e apavorante.
- Hinata! - gritou Hiashi lá embaixo outra vez. Encolhi-me, deixando escapar outro soluço. E então meu celular disparou a tocar, assustando-me e me fazendo entalar o choro na garganta. Peguei o aparelho com as mãos trêmulas, surpresa por estar recebendo uma ligação. Isso nunca acontecia e sempre que recebia, era do Conselho. Mas naquele fim de tarde, era o número salvo como Grandalhão que chamava insistentemente por mim. Não sabia explicar o sentimento que me tomou, mas as lágrimas pareciam ficar quentes de repente. Apertei o botão verde e colei o aparelho ao ouvido.
- Alô? - disse, rouca.
- Yo, Hinata-chan! - ele exclamou do outro lado. Funguei, tentando controlar os soluços.
- Uzumaki? - sussurrei, falhando a voz.
- Baixinha? Você está bem? - perguntou, preocupado. Sequei os olhos com as costas da mão e pigarreei.
- Estou - menti.
- Ei, isso ai não soou convincente. - falou. Estava prestes a respondê-lo quando as batidas bruscas de Hiashi me assustaram. Eu solucei outra vez, sem poder reprimir. A voz nervosa do outro lado da porta chamou meu nome.
- Hinata? O que está acontecendo ai? - perguntou o loiro, a voz séria.
- Hiashi... - choraminguei.
- Você está chorando? - ele quase berrou ao telefone - Saia pela janela, chego em um minuto.
O garoto desligou e eu tive que acatar a sua ordem. Enfrentar Hiashi era tudo o que menos queria, não estava preparada para ouvir ele dizer coisas sobre Akemi. E além disso, não aguentaria vê-lo desmoralizar a verdade que minha mãe sempre manteve. Suspirei, observando a cortina dançar com o vento frio que vinha da janela.
- Hinata! Abra essa porta, temos que conversar! - insistia Hiashi. Balancei a cabeça e me levantei, descendo pela trepadeira novamente. O Altima de Naruto já estava estacionado lá na frente, então eu apenas saí pelo portão, tentando ser discreta, mas Mayumi enxergara-me através da janela e pude ouvi-la gritando "Ela está saindo!". Antes que fosse pega, me apressei para entrar no carro. O Uzumaki me avaliou preocupadamente enquanto eu colocava o sinto com a respiração um tanto acelerada.
- Dirija. - murmurei e ele o fez de imediato. Logo, os gritos e as más lembranças se foram. Me concentrei na música que tocava baixinho, eu reconhecia, era Passenger. Fazia tempo que não parava para ouvir música, tinha me habituado ao silêncio. Mas o fato de ele estar ouvindo aquele tipo de música realmente era surpreendente.
- Alguém te machucou, Hinata? - o loiro finalmente perguntou. Parecia estar hesitante em interrogar-me sobre aquilo.
- Não. - suspirei.
Amaldiçoei-me em silêncio por estar naquela situação. Passava tempo demais com o Uzumaki e desse jeito, afastá-lo seria cada vez mais difícil. Mas, ironicamente, tudo o que eu tinha agora que pudesse ajudar era o vínculo com aquele garoto atrevido. As ruas estavam abarrotadas naquele anoitecer gelado, o céu era uma mistura de laranja escuro com roxo, tornando-se preto em alguns pontos. Era bonito, muito, mas eu não costumava me apegar àquilo. A sequência cronológica da vida sempre me fazia retomar à tese inicial dos nasceres. Eu sempre encontraria um novo dia, a cada vez que o despertador tocasse ou que abrisse os olhos, o que ao invés de me aproximar do futuro, apenas me afundava mais no passado. Mas apesar de carregar este fardo, não podia me tornar a justiceira da minha própria existência, mesmo sob a culpa. Porque era exatamente pela minha vida que Akemi lutara. E antes mesmo de saber de todo o ocorrido da sala secreta, minha mãe fora a única que estivera no mundo por mim. Então eu aguentaria tudo em silêncio até o fim.
- Hinata. - disse o loiro, arrancando-me dos pensamentos. Ele tinha uma expressão pensativa.
- Hm?
- Quando você fica distante assim, você... você pensa nela, não é? - perguntou hesitante. Fiquei surpresa com a pergunta dele.
- N-não fico distante. - gaguejei. Ele se limitou a dar um sorriso de canto.
- Are, Hinata, você precisa dar um jeito nisso, sabe. - disse, olhando-me. Sustentei o olhar interrogativamente. - Nessa sua mania evasiva e fria de ser.
Surpreendi-me outra vez, arregalando levemente os olhos, tentando disfarçar. Encarei a janela, expirando. O loiro parou o carro e pude ver que estávamos em frente à um restaurante pequeno.
- Sei que não confia em mim, baixinha. Mas esse de longe é o pior problema. Você não confia em si mesma. - afirmou ele. Virei o rosto para encará-lo.
- Do que está falando?
- Seus olhos. São tão claros e... translúcidos. É como se você tentasse erguer uma barreira, mas não consegue se esconder de verdade. Eu posso ler você e sei que ai dentro não é uma escuridão tão intensa quanto você tenta transmitir. Você já brilhou, Hinata. E quando eu olho pra você, eu sinto que... há uma preciosidade em ti. - ele falou. Continuei encarando-o, o coração acelerando involuntariamente. - Uma preciosidade que se transmite muito clara em seus olhos. Porque eles... são como pérolas.
Arfei. As imagens infiltraram minha mente. O som da voz de Akemi, referindo-se às minhas íris do mesmo modo como ele. Aquilo fez meu coração falhar uma batida e eu... inesperadamente, corei. O calor que ele implantara em mim na noite anterior pareceu se esparramar por toda a minha pele. Que sensação era aquela? Seria... não. Não poderia. O Uzumaki nunca teria alguma ligação com Akemi, como poderia, afinal? Só podia ser uma coincidência. Abri a boca, pensando no que dizer. Mas, assim como antes, o loiro havia conseguido me calar.
- Viu, só? - ele exibiu um sorriso de lado - Eu li suas entrelinhas. Você não é um livro muito fácil, mas eu realmente gostaria de ler.
Meus olhos, que o encaravam sem piscar, deixaram lágrimas o inundarem. A saudade que sentia de Akemi se transferiu para aquela pessoinha à minha frente e eu senti como se não o via há tanto tempo que doía. Lembranças eram sempre dolorosas, mas aquela em especial, me fez lembrar-se diretamente de Akemi, só que em outro corpo. Talvez o Uzumaki não fosse o dono das águas cristalinas que minha mãe jurava que eu conheceria, mas com certeza ele me fazia lembrar dela. Um sorriso brotou em meus lábios e eu olhei para frente, querendo que ele não visse aquela expressão. Era como sol e chuva ao mesmo tempo. Confuso e indeciso. Uma lágrima solitária escorreu e eu olhou pelo canto do olho. O garoto me encarava com um sorriso doce, brando, as orbes azuis eram calorosas e brilhantes, transformando aquele rosto numa expressão de... admiração? Eu ri baixo, balançando a cabeça. Há tanto tempo não me sentia daquele jeito! Não estava... feliz. Não, eu estava emocionada e agradecida pela forma como o Uzumaki me inundara com a sensação acolhedora que eu só conhecia vindo de Akemi. E eu já havia me esquecido que era possível receber de outra pessoa. E também havia a sinceridade, que os dois tinham em comum também. Akemi sempre sabia me decifrar, como se tivesse meu manual de instruções. Eu suspirei, deixando o meu sorriso se desfazer. Ao mesmo tempo que aquilo era reconfortante, era assustador. Quem era aquele garoto? Eu não sabia, mas aceitaria, por hora, a amizade que ele insistia em oferecer. Era minha tentativa, vã, mas ainda insistente, de manter algo semelhante à ela perto de mim.
- Você é mais do que eu pensava, Uzumaki. Vou aceitar sua amizade, mas é por sua conta e risco. - murmurei. Ele riu.
- Poxa vida! Ganhei o dia! - brincou. - Vamos, baixinha, você parece um fantasma branca desse jeito. Acho melhor colocar alguma comida ai dentro pra ver se fica mais saudável.
Eu lhe lancei um olhar sascástico e ele deu de ombros, rindo outra vez. Ele tinha os olhos brilhando e... covinhas, quase camufladas por algumas curiosas linhas de expressão nas maçãs de seu rosto. Nós saímos do carro e eu me deixei ser levada para dentro do restaurante. O loiro escolheu uma mesa, com bancos de couro vermelho como opção de assento. Logo uma garçonete - que ficava encarando o garoto como se só ele existisse na mesa - perguntou o cardápio e se afastou, relutante, após ser feito o pedido. Tocava uma música suave no ambiente, baixinha, que mais servia como uma terapia relaxante do que realmente para ser interpretada. O que era bom, confortável, acolhedor. Eu estava estranhamente me rendendo à esses novos prazeres.
- Agora, sem evasão, o que foi que aconteceu, srta Hyuuga? - perguntou, apoiando um dos braços no encosto do banco. Suspirei.
- Longa história. - resmunguei.
- E daí? Estou ao seu dispor e o tempo à favor. - respondeu. Sorri minimamente. A garçonete voltou com dois chás gelados e eu tomei um gole antes de falar.
- Quando eu cheguei do colégio, acabei por prestar a atenção em Mayumi abraçando Aiko, sua mãe, e acho que Hiashi notou que aquilo era perturbador pra mim. Logo, ele quis se intrometer e me questionou por não cumprimentar a esposa. Mayumi, por sua vez, teve que se manisfestar e eu tive a infeliz ideia de desafiá-la, dizendo um "oi" mais animado do que necessário. É claro que isso causou um alvoroço por parte de Mayumi e ela acabou por me insultar, referindo-se aos Hyuugas de modo ruim. Hiashi ficou furioso com ela e eles todos acabaram brigando. Eu fiquei estatelada na porta, mas foi aí que a menina soltou sem pensar que eu não era filha de Hiashi. Aiko fez uma cara de culpada na mesma hora e o Sasaki ficou mais furioso ainda. Eu me certifiquei de sair dali logo, mas ele foi atrás de mim e ficou esmurrando a porta dizendo que queria conversar. - tagarelei. Ao terminar, bebi outro gole de chá. Naruto fez um breve "tsc" e bebeu de seu copo também.
- Que saco. Agora o Sasaki vai querer "te alugar" para falar um monte de besteiras. - resmungou.
- Ele realmente acha que não sou filha dele. Não quero ter que ouvir ele dizer que Akemi o traiu, isso não é verdade.
- Mas isso tudo serviu para confirmar o que ele sabe, pelo menos. O que quer dizer que o conteúdo da carta ainda se faz real. - suspirei.
- E por falar em carta... Se Hiashi pensa que não sou filha dele, por que me mantém em sua casa, brincando te papai e filhinha? - perguntei, pensativa. O loiro bebeu o chá e então a garçonete voltou com a comida.
- Mais alguma coisa, loirinho? - ela perguntou, manhosa. O Uzumaki a olhou brevemente.
- Não, obrigado. - respondeu. Ela ficou parada, olhando-o. Eu revirei os olhos.
- Mais tarde ele te passa o número. Licença? - falei, irritada. A garota piscou, surpresa, mas se afastou. O Uzumaki me fuzilou com os olhos e... espera, ele corou?
- Ta maluca, garota? - exclamou baixo. Bufei.
- Ela foi embora, não foi? Relaxe! - respondi.
- Engraçadinha. - resmungou, arqueando uma sobrancelha - Quanto à esse fato, é realmente estranho. Olha, não me leve a mal, mas fui criado com o ensinamento de que Sasakis não são boa gente, então tenho a sensação de que esse seu pai não tem boas intenções, não.
- Alguma ideia? - perguntei, experimentando a comida quentinha. Meu estômago roncou, estava realmente com fome.
- Talvez. O que você cogitou?
- Que ele no funda esteja nutrindo a vontade de que eu seja filha dele. Você sabe, para ter o que queria quando Akemi anunciou a gravidez. - respondi.
- E se for, vai fazer o quê? - perguntou, bebericando o chá. - Isso seria tipo... estar no campo inimigo.
- Eu não sei. Ainda tenho que descobrir o porquê disso tudo. O que Hiashi pretendia deveria ser muito ruim para Akemi ter se disposto a tamanho sacrifício. - murmurei, expirando.
- Caramba, baixinha, que confusão. - o loiro reclamou. Passou uma mão pelo cabelo liso e bagunçado, suspirando. - Não gosto disso.
- Não gosta de quê? - perguntei, sem entender. Seus olhos azuis caíram sobre os meus.
- Desse perigo todo em volta de você, dessa energia ruim e essa... melancolia! - exclamou, cuspindo a última palavra. Encolhi os ombros, desviando o olhar.
- Uzumaki...
- Não, não, não. Nada de "Uzumaki isso, Uzumaki aquilo", eu estou certo e você sabe muito bem disso. No fundo, mas sabe. Você é jovem, Hinata... e linda! Poderia ter uma vida brilhante e está ai, às sombras de uma sequência de tragédias das quais não é merecedora. - cortou. Fechei os olhos, apertando os lábios. Ele não sabia nada sobre mim, não tinha culpa por pensar assim. Era só um garoto gentil e feliz com a vida, inexperiente do caos e da perda profunda. Não deveria ter tão rígida com ele, afinal, ainda devia muito por seus últimos feitos. Suspirei, reprimindo aqueles sentimentos ruins que queriam me induzir à sair dali correndo e me encolher num canto escuro. Abri os olhos e ele me encarava com os olhos semicerrados.
- Coma, loirinho, vai esfriar. - desviei, irônica. Ele riu, rendendo-se. Balançou a cabeça, seus cabelos dançando ao seu redor, o sorriso branco amplo no rosto emoldurado por covinhas.
- Sua boba - disse, surpreendo-me - Se você não fosse tão reprimida, eu seria um pouco mais malvado contigo. - comeu com vontade, olhando-me vitorioso, com uma expressão presunçosa.
Arqueei uma sobrancelha, cruzando os braços.
- Tipo? - desafiei sem pensar. Ele bebeu o chá e se inclinou sobre o prato de comida, olhando diretamente em meus olhos. Eu podia me enxergar naqueles olhos claros e azuis, mas minha expressão foi cedendo à insegurança por aquela proximidade repentina.
- Acho que a garçonete sabe do que estou falando - sussurrou, rouco. Corei, desviando os olhos.
- Baka! - exclamei, emburrada. Ele se encostou novamente no banco e gargalhou.
- Ah, Hinata-chan, relaxa esses ombrinhos brancos, vai. - brincou. Suspirei.
- A sua sorte é que eu te devo muito, senão já teria te dado um chute. - resmunguei. Ele bufou.
- Que iludida. Você gosta de mim, admita. - disse. O encarei, tentando desvendar suas palavras. Ele ergueu as mão em sinal de rendição. - Como amigo, Hinata, amigo.
Eu ri, constrangida.
- Convencido. E... - pigarreei, controlando a nova mania do meu corpo de corar na frente dele - Talvez, eu disse, TALVEZ, eu goste de você. Porque TALVEZ você seja um bom garoto. - disse. Ele sorriu, dando-se por convencido.
- Hai, hai. Você já evoluiu bastante, vamos economizar esse bom humor. Não quero ferir meu coraçãozinho, não é? - disse, em tom alegre. O encarei outra vez, surpresa com o rumo da conversa.
- Ferir seu coraçãozinho? - ecoei. Ele deu de ombros.
- É, baixinha, você é do mal, não sabia? - brincou. Desviei os olhos, baixando-os para o chá. - Que foi? Ah, já acabou o bom humor?
- Acho que já escapei de casa por tempo suficiente. - murmurei. Ele suspirou.
- Gomen, Hinata. Era brincadeira, você não é do mal. É uma menina linda e educada, uma pérola de pessoa. - falou. Relutante, o olhei outra vez.
- Esqueça, eu sei. Só... acho melhor irmos, ok? - falei baixinho. Ele assentiu, o sorriso sumiu de sua face. Terminei meu chá em silêncio e ele acenou para a garçonete, pagando a conta e se levantando. O segui para fora do restaurante e entrei em seu Altima. Passenger invadiu o silêncio do carro com "Caravan" e as ruas tomaram movimento sob as rodas.
"Porque você procura por anos
Mas você perde tudo o que você encontra
Há braille para surdos
E uma placa de sinalização para cegos
Não há céu para os cruéis
Mas o diabo aguarda por eles"
O loiro cantou com a música, surpreendendo-me. Sua voz preencheu o carro perfeitamente, fazendo minhas bochechas aquecerem. Era como um anjo cantando, tão livre e suave. Assoviou alegre logo em seguida, juntamente com o som. Não imaginava que ele tinha aquele dom, mas de certa forma, me fez esquecer toda a tensão anterior. Ele me olhou pelo canto do olho, sorriu divertido e enfim estacionou diante da mansão Sasaki.
- Entregue. - murmurou, acenando com a cabeça para o portão. Tirei o cinto de segurança e hesitei com a mão na maçaneta. Olhei para ele outra vez. O Uzumaki tinha o seu sorriso radiante novamente exposto.
- Arigatou. - respondi, sorrindo minimamente. Assentiu. Me virei para sair do carro, abrindo a porta.
- Hey, Hinata - chamou. Virei-me para ele - Fico feliz por ser seu amigo.
Sorri, colocando o cabelo para trás da orelha.
- Boa noite, pérola. - ele disse, sorrindo mais brandamente. A luz da lua deixou seus cabelos e olhos com um brilho prateado. O azul daquelas íris se transformou em uma termal outra vez.
- Boa noite... amigo. - sussurrei, saindo do carro. Pude ouvir sua risada, mas apenas me apressei para dentro de casa. O Altima outra vez partiu e eu fui diretamente para o quarto, dessa vez não esbarrando em ninguém.
Entrei debaixo do chuveiro e fechei os olhos, pensando em uma das canções de ninar que Akemi costumava cantar para mim durante o banho. Mas, inesperadamente, naquela noite estranha e fria, não foi a voz de minha mãe que preencheu minha mente. Ao invés do bom e velho costume, foi a melodia do loiro que me embalou. E eu suspirei, rendida. Não à ele, mas à vontade de viver outra vez. Viver por alguém.
- Viver, mamãe... Será que eu ainda tenho esse direito?