Prefácio
Kaname Madoka salvou o destino de milhares de Mahou Shoujos, em troca da sua existência como ser humano, tornando-se uma divindade capaz de proporcionar o mínimo de felicidade e evitando o desespero e ódio que pudesse transforma-las em criaturas malignas destruidoras do mundo. No entanto, a consequência pelos seus atos filantrópicos fora a extinção total da própria existência de qualquer tempo e espaço físico e, o mais importante, da memória das pessoas.
Akemi Homura foi a única que a deusa permitiu lembrar-se de sua existência, e mesmo depois de 17 anos, sua mente ainda visualizava claramente os momentos de felicidade e tristeza com sua amiga, concretizando-se um laço inquebrável e até maldito entre as duas.
Capítulo 1 – Akemi Homura
A porta da sala de reuniões se abre dando passagem para o pessoal que a ocupava. Notava-se feições jubilosas em cada participante da reunião, principalmente, no rosto de uma mulher com longos cabelos negros. Akemi Homura mal conseguia controlar a felicidade e excitação que sentia naquele momento. Atingiu a meta de vendas do mês com um ótimo aumento comparado aos anteriores. O fator decisivo para alavancar as vendas foi o evento de modas apresentando os novos modelos de sapatos da “Magica Quartet”, sugerido, planejado e executado pela própria Homura. Com esse feito, a administradora geral, que já tinha uma confiança dentro da empresa, iria alçar voo na credibilidade com os investidores.
Dentro de seu escritório, Homura segue direto para mesa de marfim e puxa a cadeira de rodinhas. Soltando o corpo em cima do macio assento, aproveita o conforto e privacidade do local. A mão direita, que segurava a pasta com os documentos da reunião, apertava com força a superfície de plástico juntamente de um sorriso vitorioso comemorado discretamente com um “Isso!” bem firme.
Iria completar dez anos que Homura trabalhava na famosa e poderosa fabricante e distribuidora de sapatos, “Magica Quartet”. Logo que se formou na faculdade de administração, passou em primeiro lugar nos testes de admissão da empresa, e como qualquer novata com um estágio e alguns “trampos” em lojas de conveniência no currículo, começou trabalhando muito para ganhar pouco. No entanto, a jovem dos cabelos negros foi se mostrando mais eficiente que seus próprios chefes, salvando por diversas vezes os incompetentes de passar vexame na frente dos investidores e de proporcionar à empresa um prejuízo catastrófico. A promoção para administradora geral veio depois de sete anos, quando pensava em abandonar a empresa com seus superiores vagabundos que, achavam que já não tinha mais nada com que se preocupar na vida além de manter seus traseiros enormes na cadeira de chefia. Agora, com trinta anos de idade, enfim conseguiu mostrar para os vagabundos dos “ex” chefes quem pode e mandava neles. A maior felicidade para Homura com esse ultimo projeto foi marcar seu nome na história de uma das maiores empresas do país, algo que os outros não foram capazes de fazer.
Depois de aproveitar o momento de glória, começa juntar os documentos em cima da mesa e colocar dentro da pasta, em seguida, junto com o notebook, enfia tudo dentro da bolça bege e, antes de seguir em direção à saída, pega o capacete preto no chão ao lado da mesa. Em frente ao escritório, Homura pega do bolso do terno uma chave e introduz na fechadura da porta, onde estava pendurada uma plaquinha de aço encravado o nome, “Akemi Homura”, e gira para tranca-la tentando esconder o sorriso orgulhoso pela conquista do dia.
O suave deslizar da porta do elevador dava passagem para Homura seguir seu caminho pelo estacionamento subterrâneo. Variados tipos de carros de diversos funcionários da empresa ladeavam o percurso de Homura até o seu hyper sport preto, brilhando como um diamante negro. Enfiando o capacete na cabeça, ajeita os longos cabelos jogando-os para trás, em seguida, monta na moto e liga a máquina, onde o motor enfim pôde mostrar seu potencial. Com um movimento do pé coloca na 1º marcha e, antes de seguir em frente, posiciona sua bolça no ombro de forma que ela não caia, para em seguida, acelerar em direção à saída do prédio.
Com olhar fixo na estrada, não prestava atenção em nada na paisagem além dos movimentos dos veículos ao seu redor e dos pedestres atravessando a rua. Sempre pegava o mesmo caminho para retornar ao seu apartamento, consequentemente, o cenário da cidade de Akiyuki, com milhares de janelas dos prédios refletindo o sol vermelho de fim de tarde e os comércios visando o público jovem, oferecia a cor da alegria naquela cidade cinzenta. Os carros em movimento formavam um ritmo com seus motores, e misturavam-se com a correria dos cidadãos. Era uma música incompreensível para os ouvidos, tornando o cotidiano sem graça, assustador de tão idêntico que era todos os dias. Mesmo assim, o bom humor de Homura naquela tarde, fez com que ela olhasse as pessoas na calçada quando parou no semáforo vermelho, algo quase impossível, já que, os pedestres que a rodeavam mais pareciam manequins em movimento do que pessoas normais, sem potencial nenhum para chamar atenção de alguém.
Vários homens e mulheres, de diversas idades e tamanhos, passavam ao lado de Homura além da barra para pedestres. Indivíduos vestidos de terno pareciam com pressa, talvez para chegar logo em casa e descaçar o corpo na velha poltrona do papai. Outros caminhavam devagar, apreciando as vitrines das lojas do centro comercial pensando no que comprar para filha, namorado, esposa, ou para si mesmo. Mulheres, que pareciam donas de casa, carregavam nas mãos sacolas de supermercado, arrependidas de não ter tirado carteira de motorista para não precisar passar por aquele sufoco cansativo. Dentre esse pessoal, Homura repara em um bando de meninas adolescentes na frente da loja de roupas femininas. Elas usavam o uniforme do ginásio Akiyuki, famoso pelo seu blazer escuro com lista branca na manga e saia bege com cruzamento de faixas vermelhas e azuis, que encurtados acima dos joelhos, perdia totalmente o refino que a roupagem proporcionava, juntamente da bolsa escolar pendurada no ombro de qualquer jeito. Mesmo com o barulho dos motores e pés batendo o chão era possível ouvir a conversa fútil das garotas, de forma que chamassem a atenção para suas existências vulgares e sem graça. Comportamento normal para os jovens da idade delas. Algo que normalmente Homura olharia com desprezo, voltando a concentrar-se na estrada pela frente, dessa vez, a menina que só ouvia e dava risada da conversa das outras, acabou chamando-lhe à atenção.
Dentro do grupo, ela era a mais baixinha e franzina, dando a impressão de ser a mais nova entre as garotas. O rosto arredondado com os enormes olhos rosa brilhantes, juntamente dos pômulos levemente avermelhados, colocava para fora a personalidade dócil e tímida, chegando a parecer uma estudante do primário por causa do cabelo escuro separado em dois como Marina Chiquinha, presos com duas fitas vermelhas.
Olhar fixo na garota de Maria Chiquinha, Homura lembra-se da amiga de aparência semelhante. As lembranças dos tempos antigos correm pela mente dela, sobrepondo a imagem das velhas amigas no grupo de meninas, e um pouco afastada, ela e Kaname Madoka conversavam sobre algo que não era possível ouvir. Envolvidas no uniforme do ginásio Mitakihara, os sorrisos delas pareciam emitir a felicidade por estarem vivendo e aproveitando a juventude e a única adolescência da vida. Porém, Homura sabia que aquilo não bastava de uma fantasia misturada com suas lembranças. Aquele momento com Madoka nunca ocorreu e jamais teve chance de ocorrer, independentemente do tempo ou espaço.
Uma buzina estrondosa fez com que Homura voltasse à realidade. Com um olhar feroz, vira a cabeça para trás e verifica, dentro de um Gol velho, um motorista de meia idade rechonchudo fazendo uma careta, que Homura interpretou como expressão de nervosismo. Voltando a cabeça para frente, percebe a luz verde do semáforo indicando a permissão da passagem. Antes de acelerar para partir, olha outra vez o grupo de garotas e percebe que elas observavam-na intrigadas. A garota de Maria Chiquinha, no entanto, parecia surpresa com Homura, provavelmente percebera que ela a encarava fixamente atrás da viseira do capacete. Uma sensação de vergonha se forma dentro do peito. Homura acelera e segue pela estrada de betume como se quisesse fugir daquele local o mais rápido possível.
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Lentamente, Homura despe-se da roupa do trabalho e entra no box do banheiro fechando a porta transparente. A água do chuveiro que espirra na superfície da cabeça e desliza pelos longos fios de cabelo, entra em contato com a macia pele branca de Homura, fornecendo a morna água para todo o corpo nu. Durante alguns minutos, ela fica de pé, imóvel, observando a água escorrer pelo ralo, e em seguida, fecha os olhos para lembrar da garota de Marina Chiquinha que vira hoje atarde. Novamente, sobrepõe a imagem de Madoka na garota e imagina-se caminhando ao lado dela, em uma situação onde as duas voltavam da escola para casa. Com um sorriso triste nos lábios, ela abre os olhos e vê na sua frente somente o piso frio e acinzentado do seu banheiro em seu apartamento.
Vestida em um pijama rosa cheio de bolinhas da mesma cor, saí do banheiro direto para cama e deita na colcha preta com o cabelo todo molhado. O centro do quarto de Homura era ocupado por uma cama de casal que dava a impressão de ser de uma princesa por seu posicionamento central. Cada lado do leito podia ser visto dois criados mudos, com a parede do lado esquerdo oculta por um enorme guarda roupa de madeira, e direito preenchido por uma cortina bege escondendo a varanda no nono andar com visão para cidade de Akiyuki. De frente para cama, uma cômoda larga com seis gavetas e bem ao lado, a porta que dava acesso ao banheiro.
Após um longo tempo observando o teto branco de seu quarto, Homura vira-se para o lado direito e puxa a gaveta do criado retirando de dentro duas fitas vermelhas. Na hora, uma sensação de nostalgia preenche seu peito. Lembra-se do primeiro encontro com Kaname Madoka na escola depois de um longo tempo de internação hospitalar. Descobrir que ela era uma Mahou Shoujo foi uma das sensações mais estranhas que já conhecera, mas ao mesmo tempo uma experiência única por Madoka ter lutado e salvo sua vida de criaturas assustadoras e horrendas denominadas Majo. Tornar-se amiga de uma pessoa como Madoka, talvez, tenha sido a melhor coisa que já ocorrera na vida de Homura, tornando, assim, algo doloroso e desesperador as diversas mortes da amiga, vista e revistas centenas e milhares de vezes. Perder alguém excepcional em sua vida não era algo que Homura conseguiria aguentar ou aceitar.
Lágrimas começam a acumular-se no canto dos olhos de Homura. A lembrança dos últimos momentos com a amiga surge em sua mente como se fossem acontecimentos recentes, ou como se estivesse acontecendo naquele exato instante. O enorme espaço expandia-se na sua frente com Madoka desenlaçando os laços de seu cabelo e entregando-as para Homura. Com as mãos trêmulas, ela guarda na palma da mão as últimas provas da existência de sua amiga. Uma gota de lágrima resvala pelo rosto de Homura, sucedido por vários rastros de molhado, ecoando por todo o quarto o choro discreto e solitário.
“- Por que você me deixou sozinha, Madoka?” Em meio aos soluços, Homura suplica para sua amiga.
A noite foi se intensificando junto com os choros de Homura, e quando finalmente conseguiu pegar no sono, todo acontecimento daquele dia tinha sido sobreposta pelas memórias de Kaname Madoka.
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Na frente do notebook preto, Homura lê os e-mails dos fornecedores e clientes, respondendo quando julgava necessário, que no geral, era a maioria. Por um instante, desvia o olhar da tela para pegar a xícara de café ao lado e dar um rápido gole, sem perder a linha que estava acompanhando. Repetindo o processo, dessa vez, estica a mão em cima do croissant e, da mesma forma, abocanha um pedaço da massa. Durante alguns minutos, ela repete o mesmo movimento várias vezes até terminar com o café da manhã que já virara rotina.
A mesa ocupada era da cafeteria “Magica”. Em vez de ter o trabalho de preparar o café da manhã, ela vinha ao estabelecimento, perto da sua empresa, para servir-se da primeira refeição do dia. Por ser uma figura conhecida de lá, era só chegar e ocupar uma mesa que as garçonetes traziam a refeição, sem mesmo precisar fazer o pedido no balcão. Tratamento vip, diga-se de passagem.
Homura avista o estabelecimento comercial com intuito de mover o pescoço, relaxando-o da posição tomada na frente do computador. O interior da loja não era tão grande, pintado com um marrom que lembrava madeira brilhante, várias mesas arredondadas e cadeiras com o apoio circular preenchiam o espaço da cafeteria. O fundo era decorado com janelas que iam do chão ao teto, fazendo do interior da loja uma vitrine, mostrando o seu ar descontraído, mas ao mesmo tempo chique que a cafeteria “Magica” podia proporcionar.
Esfregando os olhos com a mão, tenta impedir que as pálpebras cobrissem suas pupilas. O acontecimento da noite passado em seu quarto fez com que Homura dormisse menos que o acostumado, deixando-a sonolenta e um pouco irritada. Quando baixa a mão, vê na entrada, do outro lado do estabelecimento, um rapaz atravessando a porta transparente. Era um jovem de estatura normal, um pouco mais alto que Homura, onde com a blusa azul justa juntamente com a calça jeans preta, enfatizava seu corpo esbelto. O rosto com traços infantis passava a imagem de um moço bondoso e ingênuo, mas másculo por causa do cabelo curto castanho. Depois de ajustar a mochila nas costas, vai até o balcão fazer o pedido.
“Bonitinho”, foi o primeiro pensamento de Homura ao ver o rapaz. Talvez, os sentimentos que afloraram ontem à noite tenham sido por causa da solidão. Já fazia algum tempo que não tinha um relacionamento amoroso com alguém, também não sentia tanta falta. Geralmente separava por motivos bobos, e somente depois da separação percebia que aquela paixão não era nada demais, podendo viver sem aquela pessoa. Tornava-se totalmente descartável e desnecessário.
Após efetuar o pedido, olhando o estabelecimento, o rapaz procura um lugar para sentar, quando, ele parece reparar em algo e segue na direção com um rosto levemente surpreso. Somente depois de alguns passos dele Homura percebe que ele vinha em direção a sua mesa. Olha para trás verificando se não tinha alguém, porém atrás dela havia somente a enorme janela, de onde podia ser visto o prédio do outro lado da esquina. Ela volta o rosto para frente e encara o rapaz. Ele para na frente da mesa circular, e ainda com o semblante surpreso, pergunta.
“- Homura-san?”
Mesmo desconfiada, ela responde com um simples “Sim”, encarando mais ainda a fuça do rapaz. De repente, uma lembrança percorre o cérebro de Homura: um menino de três anos sorrindo para ela com olhos ingênuos, marca registrada do garoto. Não conseguindo acreditar, ela devolve a pergunta.
“- Tatsuya-kun?”
Com o mesmo sorriso Kaname Tatsuya, irmão mais novo de Kaname Madoka, balança a cabeça positivamente.