Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 2

    Zona Proibida

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    Ohayo! Desculpem pela demora, na verdade, já havia terminado o capítulo há dias, mas estava sem tempo para postar. Bom, sem mais delongas, boa leitura! Lembrando que eu TAMBÉM posto esta mesma fanfic no site SocialSpirit e vocês podem me encontrar pelo usuário "heloliveira".

    Hinata

    - Ei! - dizia alguém ao longe. Abri os olhos devagar, recobrando a consciência. Eu estava deitada em uma cama de lençol branco, rodeada por paredes em tons pasteís de azul e verde. Meus olhos arderam pela luz que vinha de lâmpadas fluerescentes e eu senti meu corpo estranhamente pesado. Olhei para meu braço direito, sentindo uma picadinha. Estava conectada a uma agulha que distribuía pelo meu corpo um líquido transparente, pendurado acima de minha cabeça em uma bolsa de plástico. 

    - Mas o que...? - sussurrei, tentando levantar.

    - Não, não se mexa. - disse alguém. Procurei pelo dono da voz, até que o enxerguei a alguns metros de mim, olhando-me com aqueles olhos claros. O lugar onde eu estava parecia uma enfermaria. A dúvida atravessava meu rosto, mas estão as memórias vieram como uma avalanche e eu senti todos os meus músmuros se retesarem. 

    - Onde está? - perguntei, irritada.

    - Onde está o quê? - ele perguntou de volta.

    - A câmera, o celular... ou seja lá por onde tirou fotos ou gravou vídeos. Onde está? -  repeti. Ele franziu a testa.

    - Do que você está falando, moça? - perguntou, parecendo verdadeiramente confuso.

      Expirei, nervosa.

    - Eu... eu não sou maluca, ok? Não espalhe fotos por ai ou vídeos... eu apenas tive um ataque de... pânico e ansiedade. - menti. 

    - Mas que porra! - ele exclamou, surpreendendo-me. - Eu não filmei você, ta legal? - completou, exasperado.

    - N-Não? - guaguejei. Ele suspirou.

    - Mas é claro que não. - respondeu impaciente. Fiquei aliviada e abaixei a cabeça.

    - Certo...

    - Minha vez. - ele interrompeu. Ergui a cabeça e pisquei, atônita.

    - Hm?

    - Minha vez de fazer perguntas. O que você viu lá? - disse, indo direto ao ponto. Arregalei os olhos, pensando numa maneira de fugir de sua interrogação.

    - E-Eu não vi nada... Foi um ataque de p...

    - Não me venha com essa, eu vi nos seus olhos com nitidez que encarava alguma coisa. - interrompeu. Engoli em seco.

    - O... ataque de pânico nos faz ter alucinações. - inventei, a frase quase soando como uma pergunta. Ele inclinou a cabeça para o lado e arqueoou uma sobrancelha loura, olhando-me intensamente, com os braços fortes cruzados no peito.

    - Certo, ataque de pânico. Tudo bem, vou pedir para a Tsunade-sama avisar seus pais que você teve um terrível ataque de pânico e que está esperando para voltar para casa. - disse ele despreocupadamente, dando de ombros e arqueando o rosto para cima, num ar de soberania. Arregalei os olhos, tentando ver se ele estava blefando.

    - Não é necessário, eu já estou bem. - respondi. Ele arqueou as sobrancelhas e começou a mexer em seu celular.

    - Bom, você está alegando que teve um ataque de pânico, o que, segundo este confiável site de saúde, quer dizer que os sintomas são bem diferentes daqueles que você apresentou. Então a menos que esteja mentindo, eu acho que deveria me explicar como se curou tão rápido. - disse ele. Suspirei, irritada.

    - Por que você quer saber? O que você tem com isso? - questionei, frustrada. O loiro se aproximou devagar e então apoiou as duas mãos no colchão da maca, inclinando-se para frente e aproximando o rosto.

    - Porque você estava numa zona, digamos "proibida" e se não fosse por mim, você seria pega desmaiada por um monitor, senão a própria Tsunade. Opa! Acho que tem alguém aqui devendo alguma coisa, o que me diz? - murmurou o garoto. Minha respiração acelerou. Olhei nos olhos dele, procurando luz naquelas águas cristalinas. Aquelas íris pressionaram as minhas, sem nenhum medo ou blefe. Ao que parecia, o loiro estava decidido a vencer aquela batalha. Tentei me acalmar, fazia tempo que não me sentia apavorada ou com qualquer sentimento forte me dominando, então por que logo agora? Precisava agir com inteligência e se juntasse todas as peças daquele quebra-cabeça, talvez conseguisse virar o jogo. 

    - Você me seguiu. - afirmei. A confiança dele oscilou tão ligeiro que quase não pude notar.

    - Não fuja, espertinha. - disse. Sorri, cínica.

    - E quem está fugindo agora? - questionei. Ele me olhou nos olhos por uns segundos e então se endireitou, suspirando.

    - Gai-sensei me pediu para vir atrás de você. Ele não poderia interromper a aula e deixar todos os alunos embasbacados pela situação. - respondeu. 

    - Você se sentiu... comovido. - insisti, querendo vencer. Ele abriu um sorriso de canto, irônico.

    - Eu sei o que está fazendo, mas isso não vai me impedir de perguntar... 

    - Certo - interrompi, arrancando aquela agulha de meu braço e levantando. Coloquei o dedo no furo para estancar o sangue e o olhei, com o semblante sério. Ele era alto, muito mais alto do que eu. - Você me tira dessa enfermaria estúpida e eu, talvez, te conto o que houve.

     Ele olhou para meu braço, que já começava a ficar roxo. Sua testa se franziu e ele procurou com os olhos por alguma coisa, até que encontrou e foi pegar. Voltou com uma caixinha de primeiro socorros e retirou de dentro um pedaço de algodão, gaze e fita adesiva. Fiquei olhando-o, sem entender aquela atitude. O loiro se aproximou e pegou meu braço, com a aparente intenção de cuidar do leve ferimento provocado pelo modo abrupto como retirei a agulha.

    - Você não devia ter sido tão brusca com isso aqui. Vai ficar um hematoma, com esse pele tão branca. - murmurou distaidamente enquanto limpava o sangue e fazia um simples curativo. Permaneci encarando-o, tentando ver por trás de suas atitudes. Os olhos dele encontraram os meus e havia doçura ali, afetividade e bondade reais. Estranhei os picos de personalidade do garoto, embora talvez ele no fundo seja apenas um jovem bom e atencioso. Suspirei, detestando o modo como ele me deixava com a guarda baixa. Mal havia trocado palavras e já me sentia tão atolada de sensações que era vertiginoso. 

    - Você é... imprevisível, garoto. - murmurei. Ele terminou o curativo e suas mãos grandes soltaram meu braço. Um sorriso amplo brotou em seu rosto, enquanto seus olhos ainda se mantinham fixos na gaze com a fita adesiva.

    - Não mais do que você. - respondeu, finalmente olhando em meus olhos. Me limitei a dar-lhe um sorriso mínino.

    - Então, que tal cumprir sua parte do trato? - falei, sustentando seu olhar.

     Ele assentiu e gesticulou teatralmente para a porta, inclinando-se como se me reverenciasse. Revirei os olhos e segui na frente, embora não soubesse muito como me localizar naquele colégio. O campus era muito vasto e repleto de portas e corredores iguais, como um labirinto. Ainda pouco conhecia daquele lugar, e o que sabia não havia sido desvendado. Ao pensar nisso, percebi o quanto havia sido descuidada por revelar à ele o lugar onde estava e deixar aquelas fixas jogadas no chão. Deveria ter sido mais forte, mais fria. Mas o que li representou muito mais do que apenas um documento antigo, foi a minha vida toda revirada e o único conhecimento que tinha sobre qualquer coisa, foi distorcido e apagado. Agora eu era uma estranha, não só para mim, mas para meu próprio pai. Uma pergunta pairava sobre minha mente e não sabia se conseguiria segurá-la por muito tempo.

     O garoto loiro me guiava por entre a escola, agora abarrotada de pessoas. Talvez fosse o horário do almoço, não tinha certeza. Ele não tinha dito muita coisa enquanto passávamos por entre os alunos, mas eu podia perceber que ele procurava por alguma coisa. Paramos perto de uma grande porta, com uma placa escrito "Refeitório" no mesmo estilo de todas as outras espalhadas por ali. 

    - Você está no refeitório, como pode ver. Eu vou almoçar com meus amigos... - disse o loiro. Assenti, espiando pela vidraça.

    - Hm... ta legal. - respondi. 

    - Quer vi comigo? Acho que está precisando comer um pouco. - continuou. O encarei, diretamente naquelas esferas azuis brilhantes. Eram lindas, mas misteriosas. 

    - Não estou com fome. - murmurei. Ele abriu um sorriso de canto, meio presunçoso.

    - Ah, olha só, talvez ajude com isso. - disse, apontando para mim. Arqueei uma sobrancelha.

    - Isso o quê?

    - No seu crescimento, baixinha. - respondeu com orgulho. Minhas bochechas coraram e eu franzi a testa. O comentário fora desnecessário, não tinha culpa por ser tão minúscula. Bufei, irritada.

    - Você é que é grande demais. - resmunguei, cruzando os braços. Isso o fez gargalhar, um som que não me passou despercebido pelos ouvidos. Me fez sentir um leve arrepio e uma inquietação estranha. Aquele garoto conversara mais comigo do que qualquer um desde o Conselho. Mas não... não era exatamente só por isso. Ele era a primeira pessoa que exibia sentimentos e sensações como alguém livre e de forma espontânea, sem compromisso e conhecimento das obscuridades que rondavam minha vida.

    - Ah, fala sério! Quanto você deve medir, hm? - desafiou. Continuei corada, desviando o olhar do dele.

    - 1,53. - resmunguei baixo. Ele riu.

    - Como? Não ouvi, estou muito acima das suas ondas sonoras. - disse, divertindo-se. Ergui o rosto, encarando-o novamente.

    - 1,53! Satisfeito, grandalhão? - respondi, alto e claro dessa vez. Ele se divertia com minha expressão enfezada, mas parou de rir e balançou a cabeça.

    - Era só brincadeira, não vou exibir meu 1,86. - respondeu.

    - Já exibindo... - murmurei. Ele riu mais uma vez.

    - Ei, vou ser seu guia de agora em diante. Muito prazer, sua primeira aventura será: o almoço! - ele exclamou, abrindo a porta do refeitório. Sorri, sentindo-me entranhamente amigável. 

    - Posso saber o nome do meu guia? - questionei, percebendo que embora tenhamos conversado muito, éramos estranhos um para o outro. Ele virou a cabeça de lado, de costas para mim, com um sorriso enorme nos lábios.

    - Seja bem-vinda, baixinha, meu nome é Uzumaki Naruto. 

                       ***

      A mesa onde os amigos dele se sentavam estava abarrotada de pessoas de todos os tipos de fisionomia. Todos riam de alguma coisa que um garoto ruivo dizia. Naruto se aproximou e deu dois tapinhas nas costas de um garoto moreno, sorrindo em cumprimento. 

    - Ohayo, minna! - exclamou. 

    - Uzumaki! Você sumiu depois que foi atrás daquela... - exclamava um garoto de cabelos longos e loiros, sendo cortado por um tapa de uma menina de cabelos rosados. Toda a turma olhou para mim, que me escondia atrás do grande loiro.

    - Ah, eu estava ajudando ela aqui. Pessoal, está é a... - disse Naruto, gesticulando para mim, equanto dava-se conta de que não sabia meu nome. 

    - Hyuuga Hinata... Ohayo. - murmurei, tímida. A garota de cabelos róseos sorriu.

    - Oi, você está melhor? - perguntou temerosa. Franzi os lábios, incerta do que responder, mas assenti.

    - Você é aquela menina que saiu correndo da sala igual uma maluca? - perguntou uma garota morena com dois coques na cabeça. A rosada deu uma cotovelada nela.

    - Tenten! Não ligue pra isso, ela s...

    - Are, are, seus putos! Deixa que eu faço isso, Sakura-chan, eu sou o novo guia dela, sabiam? - disse Naruto, orgulhoso. Os amigos o olharam de forma cética.

    - Guia? Você está blefando. - disse um garoto moreno e muito pálido, sem tirar os olhos de um gibi da Marvel.

    - Baka! Não me subestime, seu geek azedo. - resmungou Naruto, fazendo alguns rirem e o garoto lhe mostrar a língua. - Continuando, deixe-me apresentar o meu grupo de animais! Este são Kiba, Tenten e Sai (o geek), aqueles são os gêmeos Ino e Deidara, a rosinha é a Sakura-chan (minha melhor amiga) e seu namorado não assumido chato e melodramático, Sasuke (meu melhor amigo), Shikamaru é aquele cara-de-abacaki, Chouji é o nosso amigo "Big Mac", Gaara é o ruivinho e mais novo paquerador da Ino-chan, Shino é aquele todo "empacotado" que está lendo um livro sobre insetos (ele coleciona) e por fim, Temari e Rock Lee. 

      Todos os rostos se identificavam e exibiam alguma expressão engraçada quando Naruto os chamava, alguns apenas acenavam com a cabeça, outros sorriam, mas de um certo modo dava para compreender a natureza de todos. Foram gentis, apesar de eu não aparentar uma expressão muito amigável. Não parecia normal para mim estar entre tantas pessoas, tantas perguntas a serem respondidas, tantos sentimentos, tantas vidas misturadas. Havia muito tempo que eu não agia como uma adolescente normal, estava sempre me restringindo de todos os prazeres e direitos, cumprindo apenas os deveres extremamente necessários e me limitando à solidão entre quatro paredes. As horas que passara naquela escola tinham desobedecido à todas as minhas leis, bagunçado meus hábitos e me atirado numa roda que girava rápido demais para eu acompanhar. 

      Percebi olhares sobre mim naquele grupo, mas não conseguia decifrá-los. Talvez estissem esperando que eu fosse amistosa, participativa e espontânea, talvez estivessem se perguntando por que o loiro me trouxera com ele ou talvez estivessem relembrando o ocorrido na primeira aula. É, definitivamente era a terceira opção. Naruto pousou delicadamente a mão na base de minhas costas, despertando-me de meus devaneios. Notei que ele queria que eu prosseguisse, que descongelasse e me sentasse como uma pessoa normal. O fiz, ainda com receio, mas ocupei um lugar ao lado de Rock Lee, enquanto Naruto se sentou ao lado de Sasuke. Suspirei, prevendo que nada daquilo acabaria bem. Enquanto todos voltaram a conversar e a comer, voltei aos meus próprios pensamentos. Tinha que averiguar o que o loiro sabia sobre aquela "área proibida", como dissera, e se o fato de vê-la sair de lá o despertara mas do que a atenção comum. Mas, acima de todas essas questões, sabia que deveria voltar lá. Ainda havia muita coisa que passara despercebido pelos meus olhos, minha euforia me prejudicara nesse ponto. E a carta... eu definitivamente precisava pegá-la. 

      O problema é que, infelizmente, não me lembrava mais de como chegar até aquela porta de novo. Mais cedo havia seguido as visões, mas nem sequer notara o caminho até estar diante do lugar. Suspirei outra vez. Dois erros que talvez me levariam a cometer outros. E ainda havia o terceiro fato, que eu ainda não sabia como julgar: 1,86 de pura vida social ativa + um bando de amigos. Não conseguia calcular a somatória sem obter respostas positivas. Simplesmente não conseguia e sabia que era melhor afastá-los logo antes que seja tarde demais.

    - Hinata-chan! - chamou Naruto, arrancando-me bruscamente de meus pensamentos. 

    - Sim? 

     As sobrancelhas loiras se curvaram, fazendo a testa franzir.

    - Te chamei mil vezes, aconteceu alguma coisa? - perguntou. Dei de ombros.

    - Hm, não. E desculpe, eu não escutei. - respondi indiferente. Ele assentiu para si mesmo e abriu um sorriso mínimo de canto.

    - Você não vai comer nada? Não quero repetir a conversa de antes, né, baix...

    - Claro, grandalhão. - cortei, irônica. Ele sorriu abertamente desta vez. Notei alguns olhares sobre nossa conversa discreta, embora todos do grupo estivessem envolvidos em conversas. Mas o olhar mais insistente era o de Kiba, que estava sentado bem à minha frente, de outro lado da mesa. 

    - Você pode se servir ali, está vendo? - disse o loiro, apontando para o lado direito da porta por onde entramos. Assenti - Quer que eu vá com você? 

    - Não precisa. - respondi simplesmente, levantando-me. Segui naquela direção e observei o buffet. Havia yakisoba, sushis, algumas verduras cozidas, peixe grelhado e purê de batatas. Não estava com fome, mas me servi com um pouco de tudo. Deveria mesmo comer e recuperar as energias se quisesse suportar o restante do dia até estar sob a pseudo-paz do meu quarto. Comi em silêncio, enquanto voltava aos meus pensamentos. Precisava encontrar um meio de voltar àquela sala, mas sabia que nõ poderia fazê-lo durante o horário de aulas. Já havia chamado atenção demais para um primeiro dia e se ausentar novamente da classe estava fora de cogitação. O que só me deixava uma opção: entrar na escola quando fechar. Seria uma tarefa nada simples, com uma margem de erro do tamanho do litoral japonês, mas era mais seguro do que deixar aquela sala visível para as pessoas erradas. E além disso, não poderia perder a chance de desvendar aquele mistério. Saíra de casa sentindo-se totalmente filha de Hiashi e voltaria sabendo que talvez ele não se sentisse assim. Mas... por quê? 

      Terminei de comer e encostei a cabeça no punho, frustrada. Queria ter privacidade para entender tudo, mas tinha que ter paciência. Estava cercada por pessoas tão desconhecidas quanto minha vida agora e, definitivamente, não sabia o que era pior enfrentar. O sino soou estridente pelo refeitório, indicando o término do almoço. Me levantei, pensando em seguir o fluxo, mas não fazia ideia de onde ficava minha sala. Amaldiçoei o campus daquele colégio e minha terrível falta de atenção. Esperei a turma de Naruto se adiantar à minha frente, planejando segui-los discretamente, mas o loiro se pôs ao meu lado, com uma expressão serena no rosto.

    - Agora teremos aula de matemática. - disse simplesmente. O segui até chegarmos na sala, dessa vez me prendendo à pontos de referência para memorizar o caminho. O loiro se sentava bem à frente e longe de mim, mas me direcionou um sorriso de canto antes de nos separarmos. Enfim "só", desabei em minha cadeira, escondendo o rosto nas mãos. A sala foi lotando aos poucos e as conversas zumbiam em meus ouvidos cansados. Desejava que o professor chegasse logo e acabasse com aquilo. O som dos sapatos dele calou a turma de imediato e então eu levantei a cabeça. Corri os olhos pela turma, notando alguns olhares realmente fuzilantes sobre mim, principalmente uma garota de cabelos longos e loiros de um tom claro e íris arroxeadas.

    - Onegai, abram na página 86. - disse. Ele se parecia com o garoto que o Uzumaki apresentara, um tal de Shikamaru.

     E a aula transcorreu infinitamente longa, arrastando-me numa tortura. Até que enfim todos os períodos tinham sido cumpridos e eu me apressei para fora, dessa vez sabendo que poderia seguir o fluxo sem me perder. Ao sair do prédio, lembrei-me que dependia de carona para casa e comecei a procurar por Mayumi. Não me lembrara de sua existência durante todo o dia e vê-la correndo em direção aos portões de saída fora estranho. "Que gentil", pensei, ao vê-la sumir sem nem recordar que deveria me esperar. Segui naquela direção e enxerguei o carro preto de Hiashi estacionado. Havia muitos alunos ali e muitos carros, muito movimento naquele trânsito caótico. Entrei no banco de trás e expirei, percebendo que estava tensa demais. Hiashi me lançou um olhar pelo espelho retrovisor, mas logo deu a partida.

    - Como foi o dia? - perguntou. Não sabia se estava falando com Mayumi ou com ambas, mas imaginei que fosse somente com a caçula.

    - Foi muito tedioso, otoosan! E almoçamos yakisoba outra vez. - resmungou a menina. Percebi outro olhar pelo espelho, mas apenas apertei os lábios e olhei para a janela.

    - Are, Mayumi, não é ruim comer yakisoba. - ele respondeu indiferente.

    - Hai, hai... mas ainda assim foi um té... Espera! Não contei o que ouvi pelos corredores hoje. - disse ela, mudando o assunto. Voltei minha atenção imediatamente, escarando o encosto do banco da frente, tensa.

    - O que é? - interrogou Hiashi, um tanto sem paciência pelas erolações da filha.

    - Ouvi disser que Hinata surtou! É verdade, oneesan? - disse Mayumi, virando-se para me encarar. O tom de ironia dela me dava nojo. Apertei os dedos na alça da mochila. Hiashi freiou forte demais o carro, assustando a garota e recebendo algumas buzinas alheias.

    - Surtou? - ecoou, sério. Pigarreei.

    - Não, eu não surtei. Apenas tive um mal estar passageiro, mas procurei a enfermaria e logo me senti melhor. - menti. O olhar de Mayumi se estreitou, mas eu o sustentei, de forma que a fiz desviar os olhos.

    - Mal estar, hm? - comentou, emburrada.

    - Apenas uma queda de pressão. - sustentei a mentira. Hiashi assentiu e então não perguntou mais nada até chegarmos em casa.

      

       ***

     

      Andei pelo quarto, pensando em como poderia chegar até a escola. Já havia escurecido e o lugar estaria totalmente vazio. Mas apesar de estar decidida, sentia medo. Não queria que as coisas se tornassem um inferno pior do que o já existente e se fosse pega perambulando pelos corredores do colégio secretamente, com certeza enfrentaria consequências lastimáveis. Mas lástimas eram comuns para mim, afinal. Suspirei, se não tomasse coragem logo, nunca daria o primeiro passo. Tranquei a porta do quarto e abri a janela, descendo por uma trepadeira. Sabia que se batessem à porta e eu não atendesse, pensariam que estava dormindo. Não sabia nenhum número de táxi, então apenas caminhei pelas ruas, lembrando que havia um ponto não muito distante dali. A noite estava fria e nebulosa, apesar de ser maio. O clima ultimamente estava estranho demais para a temporada. Passei por um grupo de jovens, já há duas quadras de casa. A rua era bem povoada, ao que parecia, repleta de casas grandes e bonitas. Mas devido o horário, não havia muito movimento. Suspirei, mentalizando que o perigo maior não eram as pessoas nas ruas. Foi então que parei de ouvir a conversa dos garotos por que passara e ao me virar, constatei que eles não estavam mais lá. Expirei, virando-me, mas dando de cara com os quatro garotos. O vento passou gélido pela minha pele, arrepiando-me, enquanto quatro pares de olhos me encaravam presunçosos.

    - Uma moça não deveria andar por ai sozinha, né, Inari-san? - disse um deles, os cabelos negros como aquela noite. 

    - Com certeza, Yasuko. Me diga, já que ela teve este azar, o que podemos fazer com ela? - respondeu Inari. Os outros três riram.

    - Vamos ensiná-la as regras de sobrevivência, minna. - disse um ruivo, quase loiro. 

     Olhei para todos os cantos da rua, tentando buscar uma saída, mas nada que não os fizesse vir atrás de mim. "Mantenha a calma, Hinata", ordenei para mim mesma, na esperança de que funcionasse. Não podia perder tempo com quatro trombadinhas, tinha poucas horas para estar em casa novamente, com o objetivo cumprido. A situação me deixou irritada. Os quatro se aproximaram e eu fechei os olhos, buscando algum sinal de força interior.

    - Are, que presa fácil. - reclamou Yasuko. Apertei os nós dos dedos, as mãos em punhos. Senti um toque rude em meu cabelo e então um empurrão, que me fez cair no chão. O baque me fez abrir os olhos. Os quatro garotos me olhavam de cima, prontos para me dar o primeiro golpe, quando uma voz soou estridente, impedindo-os.

    - Oe! Seus fedelhos! 

    - Mas o q...

     Inari tentou dizer, mas um soco lhe atingira a face, fazendo-o girar e cair de joelhos. Os outros três se assustaram com o olhar do grande loiro que pairava sobre eles. Nunca havia ficado tão feliz por vê-lo em toda minha vida. Inari se levantou e tentou agredir o Uzumaki, mas ele o acertou outra vez e avançou para seus comparsas, distribuindo socos e chutes.

    - O que pensam que estavam fazendo, hein? Não podem tocar nela, ouviram? Sumam daqui! - gritou furioso. Descontroladamente furioso. Os garotos partiram em questão de segundos e então eu me vi sozinha diante de 1,86 de ódio puro. Ele ofegava, virou-se para mim e esticou uma mão para ajudar-me a levantar. 

    - Arigatou, Uzumaki. - murmurei, limpando as mãos sujas na calça. Ele expirou pelo nariz e coçou a cabeça.

    - O que está fazendo por aqui sozinha à essa hora, baixinha? - interrogou sem delongas.

    - Eu... estava indo até um ponto de táxi. - disse. Ele arqueou as sobrancelhas.

    - Por que não pediu para um ir até sua casa? 

    - Porque eu não sabia o número. - respondi.  

    - Ta... e onde diabos você quer ir, garota? - perguntou irritado. 

    - Não te interessa, hm? - respondi, marchando para longe dele. Sua mão agarrou meu braço, fazendo-me girar. Naruto me olhou de cima, as íris azuis me encarando como se eu fosse maluca.

    - Você tem noção do que poderia ter acontecido? Sorte a sua eu morar aqui em frente, Hinata. Não pense que pode sair por ai cometendo burrices e fingir que não se importa. - ralhou.

    - Não me importo. - murmurei, encarando aqueles olhos tão próximos.

    - Por que você se esconde tanto? Qual é o seu problema? - questionou. 

    - Qual é o seu problema, Uzumaki? Me deixe em paz! - ordenei. As íris azuis perderam o brilho e ficaram subitamente mais intensas. Os lábios dele se repuxaram para baixo e sua testa se franziu. O aperto em meu braço se firmou.

    - Quanta petulância. Salvei você duas vezes hoje, mas ainda não é o suficiente? - disse ele. Suspirei. Era mesmo petulância, mas afastá-lo era a melhor opção, não queria machucar ninguém e, depois de tanto tempo solitária, não queria machucar especialmente ele. Mas o que poderia fazer?

    - Gomen, Naruto. Preciso fazer uma coisa importante e estou um pouco apressada. - disse com sinceridade. Era o mínimo que podia dizer. Ele soltou meu braço e esticou-se. A diferença entre nossas alturas o fazia ser tão... sufocadoramente grande.

    - Eu posso levar você, só me diga o endereço. - ofereceu.

    - Você não...

    - Eu insisto, Hinata. - cortou. Diante daquilo, fiquei estranhamente sem ação. Tinha certeza de que não poderia envolvê-lo em algo tão arriscado, mas ao mesmo tempo, sentia-me confortável perto dele. Aquele garoto, tão alheio à tudo sobre mim, mas mesmo enfrentando barreiras, não hesitava. Ele sabia como me desbancar e criar conflitos dentro de mim. 

    - Você não vai querer se envolver com isso. - murmurei. Seu olhar desconfiado quase me fez sentir culpa por estar sendo tão imprudente.

    - Diga. - pediu.

    - Quero ir à escola, preciso voltar naquela "zona proibida". - respondi. O loiro me encarou firmemente, buscando qualquer sinal de que era uma piada. Um silêncio pairou no ar por um minuto e então ele expirou.

    - Droga, Hinata! Vamos logo! - exclamou. A surpresa atravessou meu rosto. Jurava que após a revelação, o faria perceber que eu não era boa influência, mas ele indicou sua casa do outro lado da rua e eu apenas o segui, ainda embasbacada com a escolha.

      Tinha um grande jardim, as paredes eram de um tom marfim, com o telhado avermelhado típico da arquitetura japonesa. Uma residência bonita, grande, aparentemente aconhegante. Devia abrigar um bom lar, uma família boa e cuidadosa com suas coisas. Havia plantas próximas das janelas e contrastavam com a luz que a tinta das paredes exibia à luz do luar. Não sabia explicar o porquê, mas tinha a sensação de que a família Uzumaki era feliz, próspera, e isso me fez sentir saudades da casa que um dia também fora assim, há muito tempo atrás. Andentramos em uma garagem, onde pude enxergar dois carros. O loiro escolheu um Nissan Altima 2014 branco e indicou com a cabeça que eu entrasse do lado do passageiro. Fiquei um pouco insegura, mas o fiz. Naruto deu a partida e nós nos distanciamos em questão de segundos daquele lugar, trançando os outros carros com velocidade. 

    - Como pretende invadir o colégio, baixinha? - perguntou. Engoli em seco, apertando os dedos no banco, tanto pela rapidez com que dirigia quanto pela pergunta.

    - Eu pretendia procurar por uma janela baixa ou uma porta de emergência. - respondi. Ele balançou a cabeça.

    - Não é tão simples assim. Temos que passar pelos portões, pelos vigias noturnos e pelo alarme de segurança. - disse o loiro.  Bufei.

    - Mas o que é isso, afinal, um banco ou um colégio? - resmunguei. Ele emitiu uma risada baixa.

    - Bom, é uma escola sofisticada. Os herdeiros das maiores famílias estudam ali, carregando nomes importantes demais. Esse sistema de segurança foi implantado como pré-requisito dos pais para matricular seus filhos, é claro. Kami que nos livre de deixar os príncipes e princesas desprotegidos! - disse, ironizando o fato. Revirei os olhos, imaginando o quanto ele poderia fazer parte dessa elite.

    - Humpf. Certo, então me dê probabilidades de isso dar certo. - pedi. Ele suspirou.

    - Só há uma maneira de invadir o colégio, mas temos que ser cuidadosos. No portão dos fundos, há uma trava no chão, escondida atrás de algumas estátuas velhas de alusão grega. É usada pelos funcionários das empresas que abastecem o refeitório entrarem com os furgões, mas ela só está programada para ser aberta uma vez por dia. Se tivermos sorte, hoje não será o dia de abastecimento. 

    - E quanto ao alarme? - interroguei. Nós chegamos na escola e ele estacionou nos fundos, debaixo de uma árvore e longe da luz.

    - O alarme dispara se forem abertas as janelas e portas principais. Podemos utilizar a porta da despensa, ela também é exclusiva do abastecimento e por isso não está inserida no sistema de alarmes, já que os furgões só vêm em horários não letivos. Mas ainda assim ela é trancada, claro. - respondeu.

    - Então como vamos abrir? - perguntei, ficando tensa.

    - É melhor fazer tudo o que precisa hoje, baixinha, porque as pessoas vão saber que alguém invadiu - respondeu com um sorriso de canto - Vamos. 

      Nós saímos do carro e fomos até o portão menor. O Uzumaki se abaixou e respirou fundo antes de abrir a trava. Um barulho soou e o portão abriu devagar. Esperamos por uns segundos e só então o loiro respirou, relaxando.

    - Está com sorte, baixinha. - murmurou, levantando-se. Entrei no pátio da escola e caminhei até uma porta de madeira. Havia uma placa acima dela, no mesmo estilo das internas, indicando a despensa. Olhei para o loiro com uma interrogação nos olhos. Ele olhou para os lados, averiguando se poderia avançar e então se lançou contra a porta. Seu ombro largo se chocou na madeira. Arfei.

    - Você ficou maluco? - sussurrei alarmada. Ele me lançou um olhar irônico e girou o corpo num ângulo perfeito, atingindo a madeira com um chute seco e certeiro. A porta abriu impetuosamente, mas eu fiquei estática, impressionada com a atitude. O loiro parecia estar tão seguro do que fazia que me levou a pensar em como minha missão teria tigo alguma chance sem sua ajuda.

    - Vai ficar ai olhando ou vai entrar? - disse, sorrindo presunçoso. Apertei os lábios e me apressei a adentrar o lugar. 

      Era escuro ali e abarrotado de coisas, mas conseguimos driblar as caixas e abrir uma porta que dava diretamente na cozinha. Naruto andava com o passo firme, nem se importava com a luminosidade precária. Passamos pelo refeitório e então o lugar ficou mais escuro ainda, já nos corredores feito labirintos. Não tinha ideia de como chegar àquela sala, mas o garoto parecia saber, então não disse nada. Caminhei às cegas até que esbarrei no loiro, batendo o rosto em suas costas.

    - É aqui. - ele murmurou. 

    - Como você conseguiu se localizar? - perguntei, surpresa. O loiro riu baixo.

    - Eu estudo aqui desde que eu era só um pirralho, baixinha. - brincou. Passei a sua frente e peguei meu celular, ativando um aplicativo de lanterna. Abri a porta de emergência com o coração saltando do peito e então Naruto espiou por sobre meu ombro.

    - Hinata... o que tem ai dentro? - sussurrou. 

    - É o que eu vim desvendar. - respondi. Desci os dengraus devagar, com o loiro em meus calcanhares. O buraco que havia aberto na madeira podre era pequeno para ele passar, então forcei um pouco mais. Entramos na sala secreta e pude perceber o quanto ele ficara tenso e surpreso.

    - I-Isso... Nós não devíamos estar aqui, Hinata. O que você veio fazer nessa sala antes? - ele perguntou. Andei com o celular iluminando, procurando por algum interruptor. Próximo da entrada havia um e então tentei ligá-lo. A luz piscou três vezes, mas acendou num brilho alaranjado suave. 

    - Porque... eu acho que fui chamada até aqui. - murmurei. O olhar dele era difícil de encarar. Parecia que eu o havia traído, que havia escondido aquele fato e que estivesse prestes a fazer algo de muito errado.

    - Chamada? Que brincadeira é essa, Hinata? O que você está escondendo? O que é essa porra toda? - interrogou nervoso. Encolhi os ombros, suspirando.

      O arrependimento me invadiu. Jamais deveria tê-lo trazido até ali, como poderia contar à ele o que acontecera, como poderia despejar em sua cabeça uma história tão maluca? Naruto me julgaria, provavelmente sairia daquele lugar e me abandonaria ali. O pesadelo voltaria à tona, eu estaria isolada, nunca mais olharia em seus olhos brilhantes e só o que receberia de si seria o desprezo. E, incrivelmente, pensar nisso me deixava triste. Não gostava da situação, não gostava de ser vista como doida, mas apesar de nunca realmente demonstrar interesse por nada, aquilo doía de verdade. Por quê?

      Suas íris cristalinas me fitavam com fervor, exigentes por explicações, ávidas por ter uma razão muito boa para que tivesse se arriscado tanto para se descobrir naquela situação, como se estivesse num filme de terror. Suas mãos estavam em punhos ao lado do corpo alto e forte, seu maxilar estava rígido e as sobrancelhas arqueadas para baixo. Toda aquela linguagem corporal tão imponente me fazia arriar mais ainda os ombros. De repente, aquele apelido por qual insistia em me chamar pareceu mais apropriado do que tudo. Baixa, pequena, diante do que tinha que enfrentar. 

    - Responda, Hinata! - exigiu. Suspirei.

    - Hyuuga Akemi... minha mãe, foi ela quem eu vi esta manhã. - murmurei, sem encará-lo.

    - Como... do que está falando? 

    - Ela está morta. - disse, cortando-o. A surpresa dele foi quase palpável, mas também o medo. Sua respiração falhou, enquanto ele tentava gaguejar alguma coisa.

    - Eu... eu sinto muito. Mas, por favor, você está querendo me dizer que viu um fantasma? - perguntou, cético, mas menos irritado.

    - Bom... eu a vi lá fora, na chuva. Não foi uma boa visão e de repente a sua imagem atravessou o vidro e evaporou bem na minha frente. Mas eu a vi de novo depois... - parei de falar, em dúvida se devia dizer que a vira olhando para ele - Na porta da sala e resolvi segui-la. Havia algo de diferente nesta visão, ela dificilmente se comunica comigo quando a vejo e dessa vez... ela me trouxe até aqui. 

      Naruto oscilou, ficando tão surpreso que nem podia esconder. Meus olhos arderam, por culpa e por lástima.

    - E você estava naquele estado quando desmaiou... por que? O que é esta sala, Hinata? - perguntou, temendo a respota. Meus olhos correram pelo lugar, encontrando as folhas caídas no chão. Caminhei até elas e as peguei, olhando para aquela carta novamente.

    - Eu não sei o que é esta sala. Mas eu encontrei isso... - murmurei. Os olhos dele caíram para as folhas.

    - E o que tem ai? - murmurou.

    - É uma carta de Akemi. Vou ler para você - respondi desanimada - Querida K, não deixe que eles descubram. Deixarei em suas mãos quando tudo estiver acabado... Estou grávida. Fui forçada a dizer, mas eu menti e mentirei até o fim. Não posso revelar meus motivos e sei que entenderá minhas pistas. A sociedade precisa acabar agora, não posso fazer o sacrifício... não depois de tudo. E Hiashi não pode saber, ele vai querer roubá-lo quando souber, por isso, por favor, diga que recebeu uma carta em que eu confesso a minha traição, diga que o bebê que espero não é fruto da ligação. Diga à eles que o bebê é impuro e que aceitarei pagar por essa barbárie. Com amor, Hyuuga.

    - Sociedade? Sacrifício? Fruto da ligação? Quem é K e quem é Hiashi? - interrogou confuso. Soltei um suspiro pesado.

    - Sasaki Hiashi é o meu pai. - respondi. Naruto arregalou os olhos.

    - Sasaki?! Você quer dizer... o Sasaki Hiashi que mora aqui, dono das empresas Sasaki? - perguntou incrédulo.

    - É. - respondi minimamente. Ele arfou.

    - Porra! Meus pais odeiam esse cara, como você é filha dele? Por que nunca vi você com aquela pirralha, Sasaki Mayumi? Ela é sua irmã, não é? - tagarelou alvoroçado. Mordi o lábio inferior, incerta de como explicar aquela confusão à ele.

    - Eu não morava com Hiashi, não éramos próximos. Ele... sempre pareceu considerar que Mayumi era sua única filha. Fui mandada pra cá por ordem judicial, não tinha mais parentes e quando Hiashi ficou sabendo da morte de minha mãe, resolveu reivindicar minha guarda. Ele me visitava até os cinco anos, mas não dizia nada, apenas olhava para mim. Akemi sempre dissera que Hiashi era meu pai e cresci com essa convicção, um tanto raivosa, após perceber que ele não parecia se importar tanto assim. Mas nunca pensei que no fundo ele não soubesse da verdade. Agora eu entendo... Hiashi pensa que não é meu pai. - contei. 

    - Sua mãe mentiu para ele, mas por que? - perguntou sem entender.

    - Não sei, mas a carta dá a entender que Hiashi não teria boas intenções se soubesse que eu sou sua filha . Eu tinha raiva dele , Akemi nunca o traiu, nunca deixou de amá-lo. A vi chorar tantas noites por isso. Ele a mandou embora de casa antes de eu nascer, mas minha mãe contou que havia decepcionado meu pai e por isso eles não puderam ficar juntos. Eu nunca entendia por que ele não podia perdoá-la. Akemi era... minha mãe era uma alma extraordinária. A melhor pessoa que eu já conheci, os olhos mais puros, o riso mais suave e o amor mais fraterno. - murmurei, sentindo os olhos arderem outra vez. Falar disso doía muito.

    - Depois disso... ela ficou sozinha?

    - Não, ela conheceu um colega no trabalho e eles começaram a ter um relacionamente estranho. Ficaram tão amigos, mas ele conseguira recuperar o coração dela. Se casaram mais tarde, pareciam ser perfeitos juntos. Quando eu tinha quase dezessete anos, meu padrasto sofreu um acidente e faleceu. E Akemi perdera todo o brilho outra vez, até que descobriu que estava grávida. Mas... - suspirei, fechando os olhos. Um nó subiu pela minha garganta - Mas ela não conseguiu passar dos sete meses e efim, as duas se foram. 

      Escondia fatos que eram cruciais para o entendimento daquela tragédia, mas não poderia despejar nele as atrocidades do meu passado. Apenas respondia ao que perguntava, por pura dívida. Estava ali graças à ele, afinal. Ouvi um suspiro vindo dele e abri os olhos. O loiro parecia chateado, olhando-me com um olhar que eu reconhecia muito bem: pena.

    - Não sei o que dizer. - sussurrou, admitindo. Balancei a cabeça negativamente.

    - Não precisa se sentir mal, estou pagando minha dívida com você. - respondi, dando de ombros. Ele apertou os lábios e desviou os olhos.

    - E o restante? Acho que você tem um palpite parecido com o meu sobre o que é isso aqui, certo? 

    - Uma sala de tortura. - murmurei, olhando para a mesa/maca, as correntes, o sangue seco, as cadeiras e as ferramentas. 

    - Deixe-me ver as outras folhas. - pediu, indicando os papeis em minhas mãos. Entreguei a ele, esperando que investigasse o que estava escrito. 

    - São... laudos. O teste de gravidez da sua mãe está aqui. - dizia. De repente, arregalou os olhos - É como uma pesquisa científica. Realizões de testes... cobaias? Hinata, isto aqui quer dizer que esta sala era usada para arrancar informações. Alguém estava tentando descobrir alguma coisa importante sobre sua mãe. Diz que ela foi a única a despertar o legado da sociedade e que, portanto, seu DNA era algo precioso. Acho que estavam tentando fazer mutações... Não dá para ler muito bem, está manchado de sangue. - Naruto dizia. Arfei, incrédula de que aquilo era verdade. Olhei para aquela mesa/maca suja de sangue e imaginei se ele não pertencia às veias de Akemi. Estremeci. Se aquilo estava ali junto com a carta e o teste, então ela deve ter roubado os laudos e deixado para a tal de K. Deviam ser amigas? Por que teria que fazer tudo aquilo, se o DNA dela era tão importante, porque a sociedade se voltaria contra ela? Por que Hiashi o faria?  Se o DNA Hyuuga era o DNA alpha, então... ele pertencia à mim também. Lembrei das palavras que Akemi dissera na carta: "...não posso fazer o sacrifício... não depois de tudo. E Hiashi não pode saber, ele vai querer roubá-lo quando souber, por isso, por favor, diga que recebeu uma carta em que eu confesso a minha traição, diga que o bebê que espero não é fruto da ligação. Diga à eles que o bebê é impuro e que aceitarei pagar por essa barbárie.". Sacrifício? Seria este sacrifício, entregar à mim? Então por isso Hiashi não poderia saber? Por que essa ligação determinaria que eu era a criança que eles queriam? Tantas questões! Tantas coisas absurdas que não me deixavam raciocinar direito. 

    - Ela te protegeu. - murmurou Naruto pensativamente. Ergui o olhar para ele.

    - Hm?

    - Akemi, ela te protegeu. Por isso mentiu, porque ela não queria que Hiashi roubasse algo que tem em você, por isso disse que você não era filha dele. - completou. 

      Suas palavras entraram na minha cabeça e a percepção soou como um estalo. Era disso que ela falava! A traição fora inventada para poupar à mim e não à ligação. Arquejei, pasma diante daquilo. Todos os problemas que Akemi enfrentara, a separação, perder seu marido, se mudar, ser acusada de traição, viver anos jogada na solidão, isolada de sua vida. Ela criara um mundo para eu viver, um mundo onde só ela sabia a verdade. Aguentara tudo sozinha por mim. E eu... eu a deixei partir. Meus olhos, arregalados, derramaram lágrimas. Não me importava mais se estava diante de Naruto, não me importava mais se estava demonstrando sentimentos demais, só o que preenchia minha mente era a terrível sensação de que havia condenado minha própria mãe. A tão doce e brilhante Akemi. E então, minha tese sobre os nasceres unificou-se com aquela descoberta. Fazia todo o sentido e era realmente o meu destino. Quando o sol nascia, cada vez mais eu morria, assim como quando nasci, determinei a morte dela.

      Solucei, cobrindo a boca com a mão. Meu carma pesou na balança com uma força arrebatadora, muito mais do que já pesava. Tive certeza naquele momento de que aquela visão não era ela. Não, nunca seria. Akemi nunca me condenaria. Fora o carma que me induzira a chegar até ali, a descobrir todas aquelas atrocidades, para que assim eu não esquecesse o tamanho da minha dívida. Era como vender a alma ao inferno, permitindo-se ser acorrentado para sempre à sua própria maldição. Com uma única diferença: não haveria nada em troca. Fechei meus olhos, deixando as lágrimas me enxaguarem, me consumirem, me preparassem para pagar. Lágrimas que me condenavam. E de repente, em meio ao furação de dor que destruía cada pedaço pseudo-íntegro do meu coração, senti braços quentes me envolverem. 

    - Shhh... eu sei, deve estar doendo, baixinha. - o loiro consolou. Baixinha, ele me chamara assim novamente. A sensação de estar sendo acolhida só intensificou meu choro e eu enterrei meu rosto no peito dele, molhando seu moletom. Ele afagou meu cabelo gentilmente, deixando eu desabafar. Não merecia aquilo, não merecia que ele entendesse, que não saísse correndo e que  ficasse ali e me apoiasse. Já havia aceitado o carma, então por que ele surgira para desequilibrar minhas convicções? Estava sendo abraçada e última pessoa que me dera um abraço fora Akemi. 

    - Ela... eu sinto tanta falta... - sussurrei entre as lágrimas. 

    - Mães são eternas, Hinata. Você pode não estar no mesmo plano que ela, mas o amor maternal ultrapassa todas as barreiras. Independente do que acontecer, você sempre se sentirá amada por ela. - murmurou. Funguei, erguendo o rosto para encará-lo. As íris azuis estavam brandas, tristes, mas ao mesmo tempo calorosas. Eram termais de águas cristalinas. 

    - Ela não devia ter morrido. - sussurrei, sabendo que ele não poderia entender o quanto minhas palavras eram reais.

    - Você não sabe, não controla o destino. - respondeu. Suspirei, dando-me conta de que estávamos agarrados. Constrangida, saí de seu abraço, passando as mãos no rosto para livrar-me dos rastros de lágrimas. 

    - Você já tem o que precisava? Vamos sair daqui, está ficando cada vez mais frio e macabro este lugar. - disse Naruto.

    - Vou dar uma olhada naquele armário e tirar umas fotos e então podemos ir. - murmurei, desanimada. Ele assentiu. Fui ao armários, mas não havia mais nada. Fotografei o cenário e então assenti para Naruto, pronta para sair dalí. Emergimos no corredor escuro e fomos em direção ao refeitório novamente. Ao chegar na despensa, ouvimos barulho na sala anterior. Eram vozes masculinas graves e aborrecidas.

    - Temos invasores aqui. A porta da despensa estava quebrada lá fora, acho que estão perto. - disse um deles. Prendi a respiração, estática, mas o loiro não perdeu tempo. Agarrou minha mão e me puxou através das caixas, fazendo uma bagunça, mas escapando dali. Corremos até o portão destrancado e enfim entramos no seu carro. Naruto deu a partida imediatamente, distanciando-se daquela escola o mais rápido possível. Só então lembrei-me de respirar.

    - Go...men. - murmurei ofegante. Ele expirou, agitado.

    - Essa foi por pouco. Ficamos tempo demais lá, eu quase sinto aquele cheiro de ferrugem em mim. - resmungou. Encolhi os ombros.

    - Gomen - repeti. O loiro balançou seus cabelos, sorrindo um pouco.

    - Está tudo bem, Hinata. Foi bom ajudar, acho que você teria se metido em encrenca sozinha. - respondeu. Assenti. Ele estava certo, até demais. Se não fosse por aquele garoto desconhecido, eu teria estragado tudo. E agora estava outra vez mergulhada em dívidas com ele. Apertei os papeis em minha mão, sujando-a de poeira. Eram documentos tão velhos... perguntava-me se essa pessoa, a quem Akemi chamava de K, ainda existia e onde poderia encontrá-la. Talvez só ela poderia sanar minhas dúvidas. Mas não podia nutrir muitas esperanças, afinal, independente de encontrá-la ou não, nada poderia trazer minha mãe de volta.

    - Você mora na mansão Sasaki, certo? - perguntou. 

    - Hai. - disse. Ele não disse nada e apenas dirigiu até lá. Quando estacionou, ficamos em silêncio por um tempo, apenas encarando a noite através do vidro. Fui a primeira a me manifestar, tirei o cinto de segurança e suspirei.

    - O que vai fazer agora? - ele perguntou.

    - Não sei. - admiti. 

    - Aquele lugar... Tsunade sabe algo sobre ele. - murmurou. Voltei minha atenção para ele, surpresa. Lembrei-me que ele havia chamado aquilo de zona proibida e então percebi que não havia perguntado o porquê.

    - Como assim?

    - Há alguns anos atrás, eu cheguei atrasado e tive que esperar a próxima aula. Resolvi dar uma explorada naquela escola, apesar de conhecê-la tão bem. Acabei parando naquele corredor, não havia salas ali, nem nada, só aquela porta. Imaginei que servisse como saída de emergência, assim como a placa dizia. Mas encontrei Tsunade a encarando. Perguntei o que ela estava fazendo ali, mas ela me lançou um olhar extremamente sério e me mandou ficar longe. Nessa hora o sinal tocou e eu fui para a sala, mas na mesma aula, ela entrou e disse que daria o recado. Tsunade parecia tão brava que ninguém questionou e nunca tentou desobedecê-la, disse que aquele corredor era antigo e servia como saída de emergência no passado, mas que aquela porta já não podia mais ser usada. Ao que parecia, a escola havia sido modificada e então a saída ficou trancada, de modo que não levava ninguém para lugar algum. Na época, imaginei que ela estivesse pensando sobre como eliminar aquela portinha velha e que só estivesse preocupada com os alunos, mas agora...

    - Então você acha que ela sabe sobre a sala? - perguntei, séria. Ele deu de ombros.

    - É uma hipótese. Talvez ela saiba apenas o mesmo que qualquer um que encontre o lugar sem querer, mas talvez ela tenha certeza do que aquilo significa, por isso denominou o corredor como "zona proibida". - respondeu. 

    - Vou ter que perguntar para...

    - Não! Quer dizer, ainda não. - cortou, sobressaltado. Esperei que explicasse a negativa e ele suspirou - É melhor esperar a poeira baixar. Amanhã todos saberão que a escola foi invadida, se você perguntar à Tsunade, ela descobrirá que foi você. Se ela não souber nada sobre aquilo, você terá que contar toda a sua história, Hinata. 

      Assenti, compreendendo. Teria que ser paciente, tentar analisar as coisas com mais calma e depois procurar a Senju. Olhei para o Uzumaki, encarando suas orbes azuis. Aquilo, de certo modo, me incomodava, trazia lembranças demais. Não entendia por que exatamente ele me retomava às águas cristalinas que Akemi tanto discursava. Talvez fosse pelo modo como ele agia, como olhava para as pessoas e transmitia sua essência através dos olhos. Parecia muito com ela. Virei o rosto, frustrada. 

    - O que foi? - murmurou de forma rouca. Balancei a cabeça.

    - A gente se despede aqui. - sussurrei.

    - Vai me afastar? Por quê? - perguntou, elevando a voz. Fechei os olhos, querendo afundar naquele banco.

    - Porque eu não sou uma boa companhia, Uzumaki. E você não precisa de mim. - respondi com a voz calma, entregue àquela verdade. Fui surpreendida por um riso.

    - Sei o que está fazendo. Na verdade, eu imagino como você leva a sua vida, Hinata. Mas ao invés de evitar problemas, te julgar e ignorar, eu vou mudar isso. - esticou a mão na minha direção. Eu havia aberto os olhos, encarando-o estarrecida - Quero ser seu amigo, baixinha. 

      O loiro abriu um sorriso de canto, ao mesmo tempo presunçoso e sincero. Corei, sentindo-me estranha. Por um momento senti-me quente e... humana. Abri a boca, querendo dizer algo, mas o quê? Diria que não queria aquela amizade? Por que não o fazia, por que eu não dizia logo e saía da frente daqueles olhos de uma vez por todas? Sua mão, ainda esticada, segurou a minha delicadamente e com aquele toque, a resposta me inundou. Porque eu não queria. 

    - Eu sei. - ele murmurou, como se lesse meus pensamentos. - Sou meio maluco, mas quer saber? Não me importo. Boa noite, Hinata, a gente se vê em breve. - completou. As portas foram destrancadas e eu saí do carro ainda incrédula, psicologicamente paralisada com a atitude dele. O carro deu a partida e então eu me virei, na frente do portão de casa, olhando o Altima sumir na escuridão da madrugada enquanto nem a fria brisa da noite podia afastar de mim o calor que o Uzumaki despertara.


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