Jóia Rara

Tempo estimado de leitura: 16 horas

    18
    Capítulos:

    Capítulo 1

    Dos nasceres, a morte.

    Álcool, Hentai, Linguagem Imprópria, Sexo, Suicídio, Violência

    Ohayo! Meu nome é Heloise e esta é minha segunda fanfic. Escrevo há 6 anos e é um dos meus hobbies favoritos. Descobri o anima/mangá Naruto Shippuden em 2010 e desde então acompanho. Esta fanfic vem com uma aura um tanto diferente e abordará muitas questões sentimentais e familiares. Espero que gostem e que me deixem saber suas opiniões. Beijos :)

    Tokio, 14 de Maio de 2015

       Hinata

        "Quando o sol nasce, uma parte de mim embrenha-se numa sensação agonizante de que a luz fere e faz sangrar. Eternizada sob a escuridão do anoitecer, talvez todas as definições de vida não fossem mais cabíveis - e de fato, não eram - para alguém cujo as mãos carregam uma alma tão pura quanto aquela luz que insistia em brilhar, fazendo tudo parecer apenas uma falsa esperança de que um dia aquilo fosse ser justificado e devidamente perdoado. Não pelo carma, mas por mim. Em tese, se aquilo que colhemos é apenas aquilo que plantamos, nada poderia esperar a não ser a solidão infinita no qual meu coração se aprisionara. Pois quando o sol nasce, parte de mim embrenha-se numa sensação agonizante de que a luz fere e faz sangrar. Enquanto a outra parte, tão tímida e fragilizada, apenas espera que essa luz me entorpeça a cada começo. Assim como me entorpece na espera de um fim."

      Abri os olhos, ofegante. A luz que entrava pela janela me fez fechá-los imediatamente, enquanto as palavras ecoavam em minha mente. Era apenas outro pesadelo, de muitos. Mas aqueles olhos... tão claros e puros me encaravam como se pudessem compreender cada entrelinha de minhas frases não ditas, como se todos os erros não fossem assim tão imperdoáveis. Talvez nunca me livraria dessas íris angelicais, sonharia repetidamente com elas e, para mim, tais lembranças me acusariam para sempre de ter permitido que aquela pureza se fosse.

      Suspirei. Meu estado deplorável já não me alarmava, mas me denunciava. E tinha certeza, de forma que os odiava, que a cada nascer do sol enfrentaria uma enchurrada de coisas desnecessárias: a vida. Ouvi batidas bruscas na porta e os vincos de seriedade se intensificaram em meu rosto. Talvez os nasceres fossem como máscaras, afinal, no mundo das sombras, é da luz que a escuridão se fortalece.

    - Hyuuga, está na hora. - a voz soou abafada pela madeira. Eu sabia o quanto Aiko me repugnava , o que não era lá tão incomum. O ódio era algo normal para pessoas como eu.

    - Eu já sei, Aiko. - murmurei. Podia até imaginar como os lábios dela estariam se curvando para baixo em uma careta de reprovação. Via tão claramente esta imagem como se estivesse, de fato, prevendo-a.

      Saí da cama e fui ao banheiro. Meu quarto era pequeno e distante de todos os outros, por minha própria escolha. Preferia o vazio da solidão entorpecedora do que o calor humano do sentimento de pena. Olhei-me no espelho com uma expressão irritada. Minha pele extremamente pálida denunciava minha fuga do sol e contrastava com meu longo cabelo violeta extremamente escuro. Mas meus olhos não diferenciavam da minha palidez e eram minha maior maldição: as tão nostálgicas esferas peroladas, agora vazias, perfeitas representações do limbo que era minha alma. Com um suspiro, entrei debaixo da água do chuveiro, a fim de me livrar das pequenas gotículas de suor em minha pele. Rastros de uma noite mentalmente agitada. Naquela manhã fria, não era nada daquilo que me incomodava, pois já nem me importava mais com tais tolices. Aceitava o carma de bom grado. O que me fazia intensificar a seriedade em minha expressão era o fato de que precisava ir à escola. Voltaria às aulas - atrasada e o obrigada - para, segundo meu pai, "recomeçar do zero". 

      O problema era que eu não queria nada disso. Não pretendia participar de nada, apenas desejava permanecer sozinha. Ninguém poderia compreender o porquê, mas sabia que era melhor assim, mantendo as pessoas longes das perigosas linhas que traçavam meu destino. Ao sair do chuveiro, procurei por um moletom preto, a fim de me camuflar em cores escuras e evitar que minha brancura fosse evidente demais. Era obrigada a usar um uniforme ridiculamente composto por saia azul escuro de pregas, camisa e meias longas da cor branca, lenço vermelho e sapatos sociais. O que, ao todo, já era chamativo. Terminei de me arrumar e desci para o andar de baixo. Outra coisa que eu evitava era reunião de família, pois não me sentia parte de uma. E, na verdade, tampouco merecia. Morava por obrigação na casa de meu pai, com sua esposa Aiko e sua filha de 15 anos, Mayumi. E, claro, ambas me detestavam. Sendo assim, evitando o encontro, sentei-me em uma poltrona da sala, próxima à porta de entrada, para esperar até o momento de sair.

    - Mayumi, querida, vá chamar sua irmã para tomar o café-da-manhã. - disse meu pai na cozinha.

    - Ehh, otoosan, por que eu? - reclamou Mayumi. 

    - Porque ela é sua irmã, oras. O zelo pela família é o sentimento mais nobre que temos. - argumentou meu pai. A menina bufou.

    - Sentimento? Ela é frígida! - exclamou. 

    - Are, Mayumi, já disse para não f...

    - Deixe ela, Hiashi. Não teve a intenção de ofender, não é, querida? - interrompeu Aiko, silenciando-o. O silêncio predominou por alguns instantes e então pude ouvir alguns passos pesados se aproximando. Os três estavam alheios ao fato de que eu escutava tudo, mas não iria demonstrar. Mayumi já me chamara de frígida um milhão de vezes.

    - Ei, você, otoosan está chamando para o café-da-manhã. Acho melhor vir logo para não atrasar a todos nós. - disse minha "irmã", emburrada.

    - Agradeça à Hiashi, mas não estou com fome. Se puder, diga também que estou esperando aqui para irmos. - respondi. Minha voz soara como o rosnado de um felino atrás de sua caça. Os olhos castanhos de Mayumi me analisavam com um medo contido e a mesma careta de reprovação de sua mãe. 

    - Hm, certo. - resmungou, retirando-se. Suspirei.

      Mayumi voltou sem mim e os três não conversaram mais nada. Quando finalmente ficaram prontos, a menina cantarolava em direção à porta com sua animação em ir para a escola evidente, enquanto Hiashi a seguia, rindo. Joguei minha mochila sobre o ombro e fui em direção à porta, mas antes que pudesse sair, senti uma mão de Aiko segurar meu braço. Olhei para ela, nossos olhos se cruzando como em um campo de batalha, enquanto eu era analisada intensamente. O mesmo medo contido estava ali naqueles olhos igualmente castanhos, tal como a filha. 

    - Não faça nenhuma besteira, Hyuuga. - ela sibilou. Puxei meu braço de sua mão e me virei.

    - Hinata... - ela chamou outra vez. Virei a cabeça de lado e a olhei pelo canto dos olhos. - Por favor, não seja... má. 

      Sustentei aquele olhar por alguns segundos e então apenas prossegui meu caminho sem dizer nada. Não devia explicações à ela e muito menos gostaria de perder tempo ouvindo-a dizer coisas que não sabia. Eu não era má... Era? Entrei no carro e ignorei os olhares de Hiashi pelo espelho retrovisor. Eu sabia que perguntas viriam mais tarde, mas eu tentaria me esquivar. Mayumi foi cantando a viagem toda e quando chegamos, saí do carro na primeira oportunidade. Não contaria mesmo com a ajuda dela para me encontrar naquele enorme colégio, então apenas caminhei sozinha. Ao entrar, me vi num corredor abarrotado, presa sob vários olhares enquanto tentava procurar pela secretaria. Não foi tão difícil e assim que avistei uma placa identificando o local, esgueirei-me porta adentro, fugindo da multidão. 

      Dentro da sala, uma mulher alta e loura, de seios robustos e olhos cor de topázio, gritava intesamente com uma moça morena. As duas não notaram minha presença, mas pude claramente ver que a loura era a diretora do colégio. Pigarreei antes de falar, mas elas ainda não perceberam.

    - Com licença! - exclamei, a contra gosto por levantar a voz. Dessa vez a discussão parou e tive toda a atenção direcionada à mim.

    - Posso ajudar? - perguntou a provável diretora.

    - Sou aluna nova, do último ano. Estou procurando informação sobre minha qual é a minha turma. - respondi. Ela suavizou a expressão e sorriu, caminhando até mim. Quando finalmente me  olhou nos olhos, pareceu ficar atônita.

    - Oh, conheço esses olhos... Há tanto não vejo pares como esse, por acaso você é parente de Hyuuga Akemi? - perguntou inocente. Aquele nome me provocou dores agudas no peito. Tentei sorrir.

    - Minha mãe. - murmurei. A loura pareceu se espantar, mas de forma positiva. 

    - Mas é claro, você se parece muito com ela! A última vez que a vi, ela estudava no último ano comigo aqui neste mesmo colégio. - contou.

    - É... dizem mesmo. - disse, sem graça. Ela soltou uma risada.

    - Prazer em conhecê-la, jovem Hyuuga, sou a diretora Senju Tsunade. Vamos, eu vou levá-la até sua classe. 

                                           ***

      A sala abarrotada era organizada e limpa, as fileiras em ordem perfeita, mas o barulho era interminável. Eu havia escolhido o último lugar da fileira, de modo que podia observar todos sem ser observada. Faltava alguns minutos para o professor entrar e alguns alunos ainda chegavam. Foi então que eu o vi. O garoto era alto e forte, impunha sua presença de modo tranquilo, mas intimidador. Seus cabelos louros balançavam ao redor de seu rosto bonito, constrastando com sua pele levemente bronzeada e o sorriso amplo e branco. Mas o que me chamara a atenção foram os olhos, como águas cristalinas, tão iguais como os que minha mãe contava em histórias quando eu era pequena, sobre o anjo de olhos cristalinos. E quando ele vasculhou a sala, pousou os olhos sobre um grupo de pessoas e suas íris brilharam em um carinho... uma pureza. Como ela.

    - Ohayo, turma! - disse um professor, entrando na sala às pressas. Ele parecia animado para uma manhã de segunda-feira. Todos os alunos se sentaram e eu tentei ao máximo não olhar na direção daquele garoto. Aqueles olhos me enchiam de lembranças indesejáveis. 

    - Ohayo, Gai-sensei. - disseram os alunos em uma espécie de coral desarmônico. 

    - Hoje nós vamos transformar nossa juventude! Hai, hai, vamos absorver conhecimento! - gritava animadamente Gai. Eu suspirei. Tudo o que menos desejava era transformar minha juventude em seja lá o que fosse. Não queria me relacionar com as pessoas, tampouco gostaria que elas o fizessem comigo. Porque o mundo é um lugar perigoso e os humanos são seres diabólicos, não se pode confiar nem em si mesmo, pois o inimigo mais poderoso é o próprio cérebro. 

      Queria que fosse diferente e acho que teria sido se não fosse por todo o inferno do passado. Talvez se eu tivesse frequentado aulas particulares e me exilasse em uma ilha com minha mãe, as coisas teriam sido melhores. Eu não estaria aqui e nem ela estaria onde está. Pensar nisso me fazia beirar os piores devaneios, de forma que os evitava. Havia uma chama em mim que só conseguia queimar pela vontade de apenas estar com ela e nunca ter que sentir que não mais poderei vê-la. Talvez se as coisas tivessem sido diferentes, Hanabi poderia estar comigo também. 

      Hanabi...

      Aquele nome me fazia ter tantos pesadelos que mal podia contá-los. E por mais que eu tentasse evitar, a necessidade de ter uma família ardia em mim. Sempre arderia. Enquanto eu me perdia em memórias, mal ouvi que a aula tinha começado e o professor explanava sobre ética. Olhei para a janela, distraída. O céu lá fora era nebuloso, com um aspecto de chuva muito evidente. Eu gostava desse tipo de clima, combinava comigo, com meu estado atual congelado em uma eterna decepção. Hiashi teria dito que a chuva não trazia boas energias, Aiko teria apoiado a opinião dele e Mayumi teria reclamado dos efeitos do frizz no cabelo. Mas Akemi, não... mamãe teria sentado na varanda comigo, veria a chuva cair, ouviria o som contínuo e o cheiro gostoso de terra molhada. Eu sentia que a chuva também a afetava, a deixava melancólica, mas ao mesmo tempo carinhosa. Quando recebemos a notícia do acidente de carro que seu marido havia sofrido, o céu chorava, como se a consolasse pela perda. Dias depois, descobrimos que ela estava grávida e toda a melancolia de seu rosto sumiu por algum tempo. Akemi tinha proferido as palavras de um modo tão doce que me fizera aquecer o coração. "É um sinal de que não devemos perder a alegria de viver. É um legado que ele deixou... dentro de mim", dissera. A pureza em seus olhos ao dizer reviveu, voltou a brilhar como antes. Até...

      Suspirei, fechando os olhos com força. Balancei a cabeça e voltei minha atenção para a janela. No minuto que olhei, pude jurar que havia visto os cabelos dela ao vento lá fora. A chuva despencou e aquelas madeixas, como as minhas, ficaram completamente molhadas. Senti meu coração acelerar, junto com minha respiração. Um zumbido ecoava em meus ouvidos, fino e agudo. Ouvi uma risada, parecia tão real! Era a risada dela, infantil como sempre, mas cheia de doçura e graciosidade. Mantive os olhos fixos ali, naquela imagem na janela. Ao mesmo tempo em que o zumbido aumentava, meu coração ameaçava a saltar do peito. E então, cessou. A imagem lá fora sangrou e manchou a chuva de vermelho, o corpo se virou e eu enxerguei seus olhos, derramavam sangue, mas tinham o mesmo carinho insistente. A risada sumiu e eu soltei um berro, quanto a imagem pareceu atravessar a janela e evaporar a centímetros do meu lugar.

      Todos os olhares pairaram sobre mim, acusatórios ou assustados, não sabia dizer. Ofeguei. O professor me encarava um pouco boquiaberto, olhava de mim para a janela procurando uma razão para eu estar mirando aquela direção com os olhos arregalados e a respiração falha. Mas ela estava lá... tão nítida. A sua risada ainda fazia cócegas em meu ouvido. Não era a primeira vez que a via, mas nunca havia visto sangrando. Daquele jeito, parada, rendida, à beira de um rio particular do próprio sangue. Sem lutar, sem mudar, sem deixar de amar. Por que as memórias me atormentavam dessa forma? Tentei respirar fundo, pisquei algumas vezes, encarando o mesmo lugar onde antes ela estava, sem me importar com a reação da turma. Mas apesar disso, eu sabia que se não revertesse a situação depois, estaria cavando minha própria cova. Ou a de outro alguém. 

    - Senhorita, você está bem? - perguntou Gai. Meus olhos se voltaram para ele e enfim a realidade voltou com força, causando terremotos nas paredes de minha sanidade. Os olhares sobre mim completavam expressões de desgosto, medo... incerteza, talvez? Senti meus olhos arderem pelo modo como era encarada. 

    - Quem é essa maluca? - ouvi vozes sussurrando pela sala.

    - Eu sei lá, ela é nova. - disseram.

    - Que esquisitona, será que ela é autista? - continuava.

    - Are, are, turma! Eu fiz uma pergunta para a moça, não sejam mal educados. - disse Gai, autoritário. Encolhi os ombros, triste. 

    - Gomen... - sussurrei. Minhas bochechas tomaram uma cor rosada. Não sabia bem o porquê de estar reagindo tão sentimental, mas podia imaginar uma razão: medo. Temia que fosse mergulhada novamente em uma onda de energias ruins, olhares maldosos, críticas e coisas que me fizessem adoecer e despertar novamente aquela fera dentro de mim. E o pior: quando isso acontecia, eu via e ouvia demais. Gai suspirou.

    - Você é nova aqui, jovenzinha? - tentou dizer com doçura. Meus olhos estavam focados na mesa, mas lançava olhares furtivos para a janela de tempos em tempos, procurando qualquer vestígio dela. Apertei os dedos na madeira de minha cadeira, desejando que todos parassem de me encarar. Podia enxergar pelo canto do olho que uma menina ruiva tirava fotos e ria aos sussuros. Não suportava aquilo, não gostava de ser o centro das atenções.

    - Senhorita? - insistiu Gai. Levantei os olhos para ele.

    - H-Hai, eu... - murmurei. Algumas meninas riram. Risadas. Eu gostava tanto da risada dela, mas aquelas não eram boas. O riso doce que havia escutado antes voltou a soar em algum lugar de minha mente e eu avidamente procurei por ele. 

    - Como é seu nome? - perguntou Gai.

    - Hyuuga... Hinata. - sussurrei. Gai arregalou os olhos, encarando-me. Meu nome provocara um silêncio esquisito, pela reação do professor. A turma pareceu notar a urgência com que os olhos do sensei pareciam incrédulos. 

    - Hyuuga? - repetiu. E então seus olhos pousaram naquele garoto loiro. Ele tinha uma expressão confusa no belo rosto, mas não tinha medo ou desprezo ali. Gai girou nos calcanhares e então voltou seu rosto na minha direção, parecendo desconcertado. Sorriu, sem jeito e pigarreou.

    - Gai-sensei? - chamou o loiro, com o tom de voz preocupado. Nós dois nos viramos na direção daquela voz, mas não tivemos a mesma visão. Logo atrás do garoto, lá estava a mesma imagem, me olhando. Ela sorriu, seus olhos pareciam atravessar meu corpo, rasgando-me ao meio. Ela baixou o olhar para o garoto e sua íris pareciam se derreter como algodão doce na boca. Seus corpo, o vestido preferido dela, todo florido e solto, quase roçou nos braços fortes do loiro e então se virou, deixando a sala com seu riso infantil enchendo meus ouvidos. 

      Não! Não suma, volte! Levantei impetuosamente, o olhar vidrado naquela porta. Corri na direção de onde ela havia sumido, escancarei a porta e me deparei com um corredor vazio. Mas o som voltou e a vi dobrar o corredor. Segui aquela imagem com o coração dolorosamente apertado e descompassado. Parecia estar me levando a algum lugar, mas onde? Onde você quer chegar? Desci alguns degraus até encontrar um novo corredor e enfim uma porta com aspecto velho e com uma placa de "Emergência". Minhas mãos trêmulas conseguiram segurar a maçaneta e fazer a porta, destrancada, abrir. Estava precariamente iluminado e havia muitas caixas ali, teias de aranha nos cantos do teto e uma escada de madeira velha e podre. 

    - Olá? - murmurei, ofegante. O som do riso soou lá embaixo e isso me fez dar o primeiro passo. Desci os degraus que rangiam sob meus pés e então encontrei uma porta barrada por largas tábuas de madeira podre. Tentei ver pelas frescas, mas era escuro, então apliquei chutes até conseguir abrir um buraco para passar. E então, o riso cessou como antes. Me vi sozinha num lugar frio e subterrâneo. Uma espécie de porão antigo ou uma sala secreta. Haviam cadeiras com correntes, uma mesa - ou uma maca? -, quadros estranhos, béqueres trincados, bisturis, alicates e outras ferramentas enferrujadas. Parecia, claramente, uma sala de tortura. Mas... por que ela me trouxera ali? Dei alguns passos em falso, assustada. Havia alguns papeis jogados no chão, manchados de sangue e poeira. Peguei aquelas fichas com as mãos trêmulas ainda e meus olhos pousaram sobre aquela caligafria nervosa, que eu conhecia tremendamente bem: pertencia à ela. 

      "Querida K, não deixe que eles descubram. Deixarei em suas mãos quando tudo estiver acabado... Estou grávida. Fui forçada a dizer, mas eu menti e mentirei até o fim. Não posso revelar meus motivos e sei que entenderá minhas pistas. A sociedade precisa acabar agora, não posso fazer o sacrifício... não depois de tudo. E Hiashi não pode saber, ele vai querer roubá-lo quando souber, por isso, por favor, diga que recebeu uma carta em que eu confesso a minha traição, diga que o bebê que espero não é fruto da ligação. Diga à eles que o bebê é impuro e que aceitarei pagar por essa barbárie. Com amor, Hyuuga."

      Meus olhos estavam arregalados e não pude evitar o pavor que tomou conta de mim. Soltei um berro e larguei aquela carta suja no chão. Trêmula, subi a escada correndo, sufocando por ar, à beira da loucura. As palavras ecoavam em minha cabeça enquanto uma ânsia de vômito me deixava tonta e ofegante. Abri a porta velha de emergência e antes de desabar, caí nos braços de alguém. Ao erguer a cabeça, só o que pude ver foram aqueles olhos. Águas cristalinas, olhando-me arregaladas. Os braços fortes me apoiavam e seus lábios se moveram, tentando dizer algo. Mas eu não podia ouvir, não conseguia fugir do torpor que me preenchia. A última coisa que constatei antes de apagar foi aquele par de íris nas minhas. A doçura ali presente me levando de volta ao passado. As águas cristalinas pareciam refletir a luz que um dia tiveram os olhos dela. 

                                          ***

    "- Será como um oceano, as águas tranquilas... serenas. Refletirão o céu de uma forma cristalina, querida. E você saberá quando enxergar na profundidade delas, como um espelho, a sua própria luz. - dizia Akemi, embalando-me.

    - O que quer dizer, mamãe? - perguntei, manhosa. Ela afagou meus cabelos.

    - Saberá um dia, minha pequena. Tenha certeza disso. 

    - E como vou saber que águas são essas? - interroguei, bufando. Ela riu docemente.

    - Porque elas te enxergarão com olhos de anjo, o que ninguém mais poderá ver. Somente aquilo que é cristalino pode mostrar o brilho de sua alma, Hinata. Agora durma, minha pérola. - sussurrou.

     Eu já havia fechado os olhos e sucumbido ao sono assim que ela mandou, embalada pelo calor de seu carinho e pela sensação de que aquelas palavras não eram apenas histórias para dormir. Eram as promessas do meu destino."


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